segunda-feira, 29 de abril de 2013

Tortura-castigo ou maus-tratos?


Questão: Qual a diferença da tortura-castigo para o delito de maus-tratos (Art. 136, CP)? Nos maus-tratos, o sofrimento físico ou mental tem a finalidade de educação, tratamento ou custódia, expondo ao perigo através das modalidades: a) privando de cuidados necessários ou alimentos; b) sujeitando a trabalho excessivo; c) abusando de meio corretivo (por malvadez, intolerância, impaciência ou grosseria). Na tortura castigo, o sofrimento é intenso e tem a finalidade de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Logo, a tortura-castigo configura-se por causar intenso sofrimento físico ou mental, sendo necessário que o delegado tente apurar a intensidade do sofrimento, da mesma forma como promotor de justiça e juiz deverão comprová-la na denúncia e sentença, respectivamente. Assim não sendo possível, ou seja, se não houver comprovação do intenso sofrimento o caso amolda-se no crime de maus-tratos. Trata-se de uma diferença de grau de sofrimento. O juiz, no caso concreto, é quem vai mensurar a intensidade do “fazer sofrer”, que deve ser motivado pelo prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil.

Exemplos de maus-tratos: (1) pai que deixa o filho dormir sem agasalho no inverno fora de casa, em região fria, sabendo-se que pode contrair doença grave como pneumonia; (2) pai que obriga filho de 12 anos a carregar um saco de cimento nas costas; (3) mestre que põe o menor de joelhos, por longo tempo, ou que o obriga a subir ou descer escadas.

Obs.: Os abusos de meios de correção podem ainda caracterizar a contravenção penal prevista no art. 53.

Exemplos de tortura-castigo: (1) pai que esquenta moeda e obriga o filho a segurar; (2) mãe que queima o filho com bituca de cigarro; (3) chicoteamento e açoite com correntes; (4) babá que espanca diariamente uma criança com tapas, batidas ininterruptas na cabeça e sacudidas na hora de dar-lhe alimento.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Plano de Ensino LPE



PLANO DE ENSINO
Centro Universitário

GRUPO DE PRODUÇÕES ACADÊMICAS

CURSO

CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DIREITO

DISCIPLINA

DISCUSSÕES CONTEMPORÂNEAS II
C/H AULA SEMESTRAL
C/H AULA TEÓRICA
C/H AULA PRÁTICA

30 horas

30 horas

SEMESTRE – ANO BASE

TURNO
TURMA

2 – 2012

MATUTINO/NOTURNO
2008/2
DOCENTE RESPONSÁVEL
PROF. BRUNO FERREIRA ALEGRIA

Ementa da Disciplina

Lei de Tóxicos – Lei dos Crimes Hediondos – Lei do Crime Organizado – Lei de Tortura – Estatuto do Desarmamento – Lavagem ou Ocultação de Bens - Ordem Tributária, Ordem Econômica e Relações de Consumo - Sistema Financeiro – Lei da Violência doméstica e familiar contra a Mulher.

I. Objetivos da disciplina
Geral:
Aperfeiçoar o conhecimento na legislação especial penal, levando em consideração a constitucionalidade das normas recentes, com a efetiva aplicação no ordenamento jurídico e o respeito aos direitos humanos e a consequente questão de gênero.
Proporcionar aos acadêmicos uma análise crítica sobre a aplicação das normas extravagantes ao Código Penal.

Específicos:
Aprofundar os estudos em Direito Penal, levando em consideração as normas recentes introduzidas ao ordenamento, gerando proteção aos direitos de idosos, crianças e da mulher.
Conhecer o tratamento dado pela legislação ao sujeito ativo dos crimes, com garantias de aplicação das normas constitucionais que consagrem os direitos humanos.

II. Conteúdo programático
AULA I – APRESENTAÇÃO DO DOCENTE E DA DISCIPLINA
1.1 Apresentação do conteúdo do plano de ensino
1.2 objetivos da disciplina e conteúdo programático
1.3 metodologia e formas de avaliação
1.4 bibliografia utilizada

AULA II – LEI N. 11.343/06 - DROGAS
2.1 aspectos gerais da legislação
2.2 o tratamento dispensado pela legislação sobre o usuário e dependente
2.3 a retroatividade da norma benéfica
2.4 a irretroatividade da norma mais grave
2.5 as formas de sanção aplicadas ao usuário
2.6 dos crimes em espécie

AULA III – LEI N. 8072/90 – CRIMES HEDIONDOS
3.1 conceito de crime hediondo
3.2 anistia, graça e indulto em relação aos crimes hediondos
3.3 fiança e liberdade provisória nos crimes hediondos e no tráfico de drogas
3.4 regime de cumprimento da pena
3.5 sursis nos crimes hediondos
3.6 penas restritivas de direito nos crimes hediondos

AULA IV – CRIMES HEDIONDOS
4.1 prisão temporária em crimes hediondos
4.2 livramento condicional em crimes hediondos
4.3 delação premiada
4.4 causas especiais de aumento de pena
4.5 comentários sobre os crimes em espécie

AULA V – LEI N. 9.034/95 – CRIME ORGANIZADO
5.1 – conceito de crime organizado
5.2 – aplicação e evolução pela Convenção de Palermo
5.3 – relação entre crime organizado e contravenção penal
5.4 – crime organizado por natureza e crime organizado por extensão
5.5 – preservação do sigilo constitucional na apuração

AULA VI – CRIME ORGANIZADO
6.1 – especialização de órgãos no combate ao crime organizado
6.2 – identificação criminal
6.3 – delação premiada
6.4 – progressão de regime

AULA VII – LEI 9.455/97 – LEI DE TORTURA
7.1 – noções gerais e conceito de tortura
7.2 – análise do tipo penal
7.3 – crimes em espécie
7.4 – crime de tortura impróprio
7.5 – a tortura qualificada pelo resultado

AULA VIII – LEI DE TORTURA
8.1 – causas de aumento de pena
8.2 – efeito automático da condenação
8.3 – anistia, graça e fiança na tortura
8.4 – extraterritorialidade
8.5 – regime inicial de cumprimento da pena

AULA IX – LEI N. 10.826/03 – ESTATUTO DO DESARMAMENTO
9.1 – o uso da arma de brinquedo
9.2 – crimes em espécie
9.3 – causas especiais de aumento de pena

AULA X – PROVA BIMESTRAL

AULA XI – LEI N. 9.613/98 – LAVAGEM E OCULTAÇÃO DE BENS
11.1 – conceito de lavagem de capitais
11.2 – fases da lavagem de dinheiro
11.3 – técnicas da lavagem de dinheiro
11.4 – objeto jurídico
11.5 – crimes em espécie
11.6 – aumento de pena

AULA XII – LEIS N. 8.137/90 e 4.729/65 – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONOMICA
12.1 – conceito de sonegação fiscal
12.2 – sujeito ativo
12.3 – concurso de pessoas
12.4 – sujeito passivo
12.5 – Objeto Jurídico e Material

AULA XIII – ORDEM TRIBUTÁRIA E ECONÔMICA
13.1 – Tipo subjetivo dos crimes
13.2 – condutas
13.3 – consumação e tentativa
13.4 – extinção de punibilidade
13.5 – crimes em espécie

AULA XIV – LEI N. 8.078/90 – CRIMES NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
14.1 – conceito
14.2 – sujeito ativo
14.3 – sujeito passivo nos crimes contra as relações de consumo
14.4 – objeto jurídico e objeto material
14.5 – Conduta típica

AULA XV – CRIMES NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
15.1 – o Código de Defesa do Consumidor e o Código Penal
15.2 – Elemento Subjetivo do Tipo
15.3 – natureza jurídica dos crimes
15.4 – relação com a lei de sonegação fiscal
15.5 – crimes em espécie

AULA XVI – LEI N. 7.492/86 – SISTEMA FINANCEIRO
16.1 – conceito de instituição financeira para efeitos penais
16.2 – Responsabilidade penal
16.3 – sujeito ativo
16.4 – delação premiada
16.5 – ação penal e pena de multa

AULA XVII – SISTEMA FINANCEIRO
17.1 – Crimes em espécie

AULA XVIII – LEI N. 11.340/06 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
18.1 – a proteção dos vulneráveis na Constituição
18.2 – conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher
18.3 – formas de violência doméstica e familiar
18.4 – Sujeito Ativo da violência doméstica e familiar
18.5 – sujeito passivo da violência doméstica e familiar

AULA XIX – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
19.1 – medidas integradas de proteção
19.2 – medidas de natureza policial e judicial
19.3 – medidas de urgência à ofendida
19.4 – ação penal
19.5 – proibição de substituição de algumas penas restritivas de direito
19.6 – alterações no Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.

AULA XX – PROVA BIMESTRAL

III. Padrões mínimos de desempenho
Obtenção de nota semestral média igual ou superior a 7,0 (sete) para aprovação direta. Para realização de prova final, o estudante não poderá obter nenhuma média bimestral igual a 0,0 (zero), devendo submeter-se a tal prova se não alcançar média igual ou superior a 7,0 (sete). Para aprovação em prova final, o estudante deverá obter média semestral igual ou superior a 5,0 (cinco), resultante da média entre a nota da prova final e a nota semestral média.

IV. Metodologias, técnicas e recursos de ensino
Utilização de quadro, giz, datashow e vídeo, com realização de aulas expositivas, debates e práticas investigativas.

V. Avaliação de aprendizagem
No 1º bimestre serão aplicadas duas avaliações cujos valores serão expressos de 0,0 (zero) a 10,0 (dez), com peso de 50% (cinquenta por cento) cada uma, apurando-se a média aritmética. No 2º bimestre, será utilizado o mesmo mecanismo, alterando-se, contudo, a forma de obtenção da segunda nota, que ocorrerá por meio de realização de Prova Integrada, incluindo-se, todavia, na nota da 1ª avaliação, o resultado da atividade avaliativa pertinente ao Tema Transversal, cujo valor será, no mínimo, 2,0 (dois).

VI. Atividades extraclasse sugeridas
Leituras de artigos jurídicos retirados de revistas jurídicas, de acordo com a necessidade de aprofundamento do estudo.

VII. Tema transversal
A questão da acessibilidade em seus diversos ângulos jurídicos: tema que será objeto dos trabalhos de avaliação de aprendizagem.

VIII. Bibliografia básica
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial: 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, Luiz Flávio e Rogério Sanches Cunha (coord.). Legislação Criminal Especial. Coleção Ciências Criminais V.6. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

IX. Bibliografia complementar
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Vol. 4: legislação penal especial. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

_______, Fernando. Legislação Penal Especial Vol 1. 6 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2007.

JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Paulo Henrique Aranda Fuller. Legislação penal especial, volume 1. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

MORAES, Alexandre e Gianpaolo Poggio Smanio. Legislação Penal Especial. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

VASCONCELOS, Cléver Rodolfo Carvalho (coord.) et al. Crime Organizado e Institutos Correlatos, Série Legislação Penal Especial. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

______________, Cléver Rodolfo Carvalho (coord.) et al. Lavagem de Dinheiro, Série Legislação Penal Especial. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Data: 2/02/2013








FABIO MARQUES BARBOSA
Coordenador do Curso

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Direito Penal 4


Material atualizado em 15 de janeiro de 2013.


AULA I - CRIMES SEXUAIS (DIGNIDADE SEXUAL)

Estupro

Lembre-se que os costumes possuem dois elementos: (1) repetição e (2) convicção da obrigatoriedade. A relação entre crimes contra os costumes e os crimes sexuais está no preconceito contra as mulheres. Por esse motivo, a expressão “crimes contra os costumes” foi substituída por “crimes contra a dignidade sexual” (Lei 12.015/09). Anteriormente previa-se a figura da “mulher honesta”.

1.1 Art. 213 – Estupro (strupum: desonra/vergonha): A nova lei trouxe outra acepção ao vocábulo estupro. Significa conjunção carnal violenta contra homem ou mulher (estupro em sentido estrito) e também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com o agente se pratique outro ato libidinoso.

Cuidado! ESTRUPO existe na língua portuguesa (estrondo ou barulho excessivo).

Art. 214 – foi revogado (atentado violento ao pudor). Passou a configurar estupro. Não houve abolitio criminis, mas novatio legis! Houve uma migração de artigo, passando a configurar delito único.

Questão: Qual é a importância da migração do art. 214 para o 213? Antes dessa migração, a prática de junção carnal seguida de atos libidinosos (Ex.: sexo anal) gerava concurso material de crimes (estupro + atentado violento ao pudor). Hoje, de
acordo com Rogério Sanches, Rogério Greco e Nucci, o crime passou a ter conteúdo variado (conduta múltipla ou tipo alternativo). Perceba que essa mudança foi benéfica aos acusados, não admitindo o concurso de crimes. Logo, deverá retroagir a fatos pretéritos (basta fazer um parâmetro com o roubo de vários objetos tendo apenas uma vítima). Em sentido contrário, admitindo o concurso de crimes: Mirabete e Amisy Neto. Vicente Greco entende pela existência de um tipo híbrido (misto), quer dizer, o tipo possui dois crimes: estupro e atentado violento ao pudor, sendo, por esse motivo, plenamente possível o concurso de crimes.

1.2 Jurisprudência sobre o tema: STF - admite a continuidade delitiva (HC 103.353/SP). O STJ possui julgados nos dois sentidos: (1) concurso material; (2) continuidade delitiva.  Ver Informativo 468, STJ – "os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor correspondem a uma mesma espécie de tipo penal, confirmando a possibilidade de continuidade delitiva, devendo retroagir a fatos pretéritos em que condenou-se por concurso material de crimes". Não há entendimento majoritário. Entretanto, deverá ser adotada a corrente que admite a continuidade delitiva (mais benéfica ao réu).

Questão: O que é o princípio da continuidade normativa típica? Ocorre quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário. Não houve abolitio criminis da conduta prevista no art. 214 c/c art. 224 do Código Penal. O art. 224 do Estatuto Repressor foi revogado para dar lugar a um novo tipo penal tipificado como estupro de vulnerável.

1.3 Espécies de estupro

1) simples: 213, caput – pena de 6 a 10 anos [as lesões leves serão absorvidas]
2) qualificado pela idade da vítima (menor de 18 e maior que 14, pois o menor de 14 é vulnerável) – pena de 8 a 12 anos. Para Rogério Sanches, se a vítima for violentada no dia do seu aniversário não incidirá a qualificadora nem estupro de vulnerável, já que o ciclo não se completou - 14 anos incompletos (minoritário). 
3) qualificado pela lesão grave (ou gravíssima) – pena de 8 a 12 anos [crime preterdoloso - majoritária]
4) qualificado pelo resultado morte – pena de 12 a 30 anos [crime preterdoloso - majoritária]

Obs.: Em todas as suas modalidades o estupro é hediondo. O TJMG já decidiu em sentido contrário.

Rogério Greco lembra que o resultado gravoso deverá ser imputado ao agente em consequência de sua conduta, não importando se empregou violência ou grave ameaça. Em outros termos, se o agente visava apenas o estupro, não empregando força física ou moral contra a vítima, mas ocasiona lesão grave ou a morte desta, a qualificadora deverá ser imputada.

Ainda em relação ao resultado mais grave, há entendimento que poderá ser derivado de dolo ou culpa, pois isso evitaria a aplicação do concurso material de crimes correndo o risco de ficar a pena abaixo da qualificadora (P. da razoabilidade). [Nucci, Bitencourt]. Ex.: estupro (6 anos) + lesão grave (1 ano) = 7 anos de pena. Agora, se for considerada a qualificadora, a pena será de 8 a 12. Em sentido contrário: Rogério Greco (que admite a hipótese demonstrada acima) e Noronha.

1.4 Sujeito do crime: Trata-se de crime comum. No caso de conjunção carnal é imprescindível sujeitos de sexo opostos. Se a vítima for menor de 14 anos ou incapaz de oferecer resistência, a conduta será a do art. 217-A (estupro de vulnerável).

1.5 Conduta: atos de libidinagem acompanhados de violência ou grave ameaça. Não precisa haver contato físico entre a vítima e o autor. Ex.: masturbação sem tocar na vítima (Rogério Sanches).

Ação ou omissão: em regra, o delito é comissivo (comportamento positivo). Todavia, admite-se a omissão imprópria nas hipóteses em que o agente seja o garantidor da vítima (art. 13, §2º, CP). Ex.: condenado por estupro violentado pelos colegas de cela em que o agente penitenciário nada faz para impedir a consumação. Discute-se na doutrina se o dolo tem que ser específico ou não. Prevalece que não. Não se admitindo a forma culposa (exemplo do cuiabano na praia).

Obs. 1: as vias de fato e lesões de natureza leve serão absorvidas (P. da consunção).
Obs. 2: Cezar Roberto Bitencourt defende que “passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima, ou mesmo um abraço forçado, configuram contravenção penal (art. 61 da LCP – importunação ofensiva ao pudor), desde que praticados em local público ou acessível a este.
Obs. 3: O CPM ainda prevê a distinção entre estupro e atentado violento ao pudor (arts. 232 e 233).

AULA II – CONTINUAÇÃO (ESTUPRO)

2.1 Objeto material: Tutela-se a dignidade, a liberdade e o desenvolvimento sexual (Rogério Greco).

2.2 Tentativa: tratando-se de crime plurissubsistente, é plenamente possível a tentativa. Perceba que alguns atos serão considerados antecedentes naturais da conjunção carnal. Ex.: o agente visa a cópula, mas ao rasgar as roupas da vítima passa as mãos nos seios desta ou esfrega-lhe o pênis buscando a penetração. Para Rogério Greco, também será tentado o delito se durante o constrangimento a vítima não conseguir praticar o ato visado pelo agente (STJ, REsp 792625/DF). Logo, para a conjunção carnal tem que haver penetração, ainda que parcial. 

Questão: E se o agente mandar a vítima tirar a roupa, será estupro consumado? Depende: se ele disser que apenas queria ver a vítima nua, o crime estará consumado. Caso ele afirme que queria estuprar, mas desistiu, responderá pela tentativa de estupro. ISSO É IMPORTANTE PARA A DEFESA DO RÉU!

Questão: E se a vítima morrer antes do estupro, consuma-se o delito qualificado ou será hipótese de tentativa qualificada? 1ª corrente - Para Luiz Régis Prado, o crime de estupro qualificado estará consumado ainda que o delito sexual reste-se tentado (doutrina majoritária); 2ª corrente - Para Rogério Greco, haverá tentativa qualificada (pois a vítima tem que estar viva), salvo se o agente perceber que a vítima morreu antes e prosseguir com o seu propósito. Nesse caso, responderá o agente por estupro tentado qualificado + vilipêndio de cadáver.

Questão: Qual a relação do crime de estupro com a cifra negra? De acordo com Rogério Greco, relaciona-se pela não comunicação à autoridade policial do cometimento do crime. Em outras palavras, a vítima, algumas vezes, por constrangimento não denuncia o agressor, fazendo com que a violência sofrida não faça parte da estatística criminal.

Questão: O crime de estupro é um delito transeunte? Em regra não, pois há casos que é possível o exame pericial. Entretanto, atos libidinosos diversos do coito (anal ou vaginal) podem ser considerados transeuntes (Rogério Greco). De igual forma, para se evitar a vitimização secundária, há casos em que mesmo diante do coito dispensa-se o exame pericial. Ex.: mãe de 10 filhos estuprada a mais de 30 dias.

2.3 Causas de aumento de pena:

Art. 226, CP: (i) aumenta-se 1/4 se for cometido em concurso de duas ou mais pessoas. Rogério Greco defende que, a presença de mais de um agente, por si só, não deve majorar a pena; (ii) 1/2 se cometido por ascendente, padrasto, madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor (pessoa responsável pela orientação) ou empregador ou qualquer outra autoridade sobre a vítima.

Art. 234-A, CP: (i) aumenta-se 1/2 se do crime resultar gravidez. Lembre-se da permissão de aborto (art. 128, II, CP); (ii) 1/6 até 1/2 se o agente transmitir doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. É necessário o exame pericial para saber se houve ou não a transmissão. Nesse ponto, a doutrina discute se a transmissão culposa incide na majorante. De acordo com a exposição de motivos do CP, incidirá em caso de dolo ou culpa. Ex.: estuprador que usa camisinha para evitar gravidez ou transmissão de vírus (assumiu o risco). Para Rogério Greco, não poderá ser admitida a modalidade culposa.

Obs.: Se a vontade do agente é disseminar o vírus HIV, deverá responder em concurso formal impróprio (estupro + tentativa de homicídio). Esse é o entendimento de Rogério Greco e STF (informativo 584).

2.4 Ação penal Vs segredo de justiça

Antes da Lei 12.015/09
Depois da Lei
Regra: ação penal privada (mesmo nos casos de presunção de violência).
Regra: ação penal pública condicionada à representação.
Exceções: i) vítima pobre – pública condicionada à representação; ii) cometido com abuso do poder familiar - pública incondicionada; iii) cometido com violência real - pública incondicionada; iv) qualificado pela lesão grave ou morte - pública incondicionada.
Exceções: i) cometido contra vítima menor de 18 anos – pública incondicionada; ii) pessoa vulnerável – pública incondicionada; iii) lesão grave ou morte – pública incondicionada.

Ver súmula 608, STF: “praticado com violência real será incondicionada”. Assim, somente será aplicado o art. 225, CP quando praticado mediante grave ameaça (sem violência real). Note que os crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça (art. 234-B, CP). Logo, a súmula defende que a ação deverá ser pública incondicionada, mas o art. 225 aduz que a ação, na hipótese, será pública condicionada à representação do ofendido (quando maior de idade), mesmo nos casos de lesão grave ou morte da vítima. 

Questão: Se o crime foi praticado antes da reforma, o MP dependerá da representação da vítima? Se o MP já ofereceu a denúncia, há duas correntes: 1ª corrente – não precisa de representação, tratando-se de ato jurídico perfeito; 2ª corrente – mesmo nesse caso, a representação é necessária, devendo a vítima ser chamada para manifestar o interesse de prosseguir com a ação (tese adotada pelo MPF na ADI 4301 – pretende-se transformar a condição de procedibilidade em prosseguibilidade). Se ainda não houve o oferecimento da denúncia, o MP dependerá de representação da vítima (retroatividade benéfica).

2.5 Consentimento do ofendido. Será fato atípico, desde que a vítima seja maior e capaz. Ex.: sadismo ou masoquismo, desde que a lesão seja leve. Há quem defenda que o “não” da vítima, em algumas vezes faz parte do jogo de sedução. Ex.: caso Myke Tyson.

2.6 Outros pontos relevantes:

1) Marido como sujeito ativo – Havia entendimento de que o homem que obrigava sua esposa a manter relações sexuais agia em exercício regular de um direito, em decorrência do débito conjugal (Hungria). Hoje, tal entendimento foi superado. Caso a esposa se negue a manter relações com o marido, esta poderá utilizar os institutos civis para resolver o problema. Ex.: separação.
2) Coação irresistível praticada por mulher – de acordo com Zaffaroni, trata-se de hipótese de autoria de determinação (exemplo superado).
3) Estupro de transexuais – perdeu o sentido da discussão em decorrência da nova redação do tipo penal.
4) Exame de toque com fins libidinosos - trata-se de crime do art. 215, CP (estupro mediante fraude ou outro meio que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade da vítima).
5) Aplicação do art. 9º da Lei 8.072/90 – em virtude da revogação do art. 224, CP, não será possível a aplicação da causa de aumento prevista para os crimes hediondos ao crime de estupro praticado antes da Lei 12.015/09. Discute-se se é possível a retroatividade benéfica para o acusado. O STJ entende que sim (HC 131987/10).

“Não obstante, remanescer a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP), o fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deverá retroagir ao novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP”.

6) Beijo lascivo – Damásio e Luiz Régis Prado entendem ser estupro, na modalidade ato diverso da conjunção carnal, desde que haja violência ou grave ameaça. Rogério Greco defende ser hipótese de constrangimento ilegal (art. 146, CP) ou importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP).
7) Art. 59 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) – em decorrência da substituição do título “crimes contra os costumes” por “crimes contra a dignidade sexual”, o art. 59 em tela, que prevê uma causa de aumento específica em 1/3, deverá ser adaptado.
8) Prostituta como vítima – ainda que esta seja paga ao final do ato, se for empregada violência ou grave ameaça pelo autor, haverá a consumação do delito.
9) Gravidez da mulher autora de estupro - o aborto não será permitido para a mulher autora do estupro, nem mesmo a pedido do homem vítima, mesmo em casos de “golpe da barriga” (Rogério Greco).
10) Estupro Vs Lei Maria da Penha – aplica-se o P. da especialidade, desde que o crime seja cometido contra a mulher no ambiente doméstico ou familiar.

Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Obs.: Como agente agressor, pode ser enquadrado o marido, companheiro, namorado, ex-namorado, o pai, o avô, a avó, o genro, o cunhado, a nora, a cunhada, a mãe, a filha, a avó, a tia, a sobrinha, o sobrinho, a irmã, o patrão ou a patroa da empregada doméstica, a mulher homossexual que agride sua companheira etc.

2.7 Art. 215 – Violação sexual mediante fraude

Esse dispositivo sofreu uma primeira alteração em 2005, momento em que foi suprimida a expressão “mulher honesta”. Em 2009, semelhante ao que ocorreu com o estupro e o atentado violento ao pudor houve a junção dos tipos penais dos arts. 215 e 216 (posse sexual mediante fraude e atentado violento ao pudor mediante fraude). Perceba que se a finalidade for econômica, aplica-se conjuntamente a pena de multa (art. 49, CP).

2.8 Conduta: pune-se o estelionato sexual, caso em que o agente, sem usar de qualquer espécie de violência ou grave ameaça, emprega fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Ex.: (i) baile de máscaras; (ii) irmãos gêmeos; (iii) exame de toque desnecessário; (iv) líderes espirituais.

Obs. 1: a fraude empregada não pode anular a capacidade de resistência da vítima, caso em que estará configurado o delito de estupro de vulnerável. Ex.: agente usa psicotrópicos para vencer a resistência da vítima (boa noite Cinderela).
Obs. 2: Bitencourt lembra do especial fim de agir para configurar o delito (delitos de tendência – Welzel).

O crime de tendência existe ou não conforme a intenção do agente. Ex.: o sujeito refere-se a um Ministro dizendo que ele é muito "caro". Refere-se a uma cantora famosa dizendo que ela é "muito cara". Haverá delito se sua intenção era exprimir o "preço" da corrupção do Ministro ou o "preço" cobrado pela dançarina para vender favores corporais. Não haverá delito, contudo, se se referia à amizade (e respeito) que o agente nutre pelo Ministro ou pela cantora. (LFG).

2.9 Consumação e tentativa: (i) conjunção carnal - efetiva penetração (ainda que parcial); (ii) outro ato libidinoso. Não importa se houve a ejaculação. Admite-se a forma omissiva imprópria. Cuidado! Somente a fraude não consuma o delito.

2.10 Beijo mediante fraude: para Rogério Greco não configura o delito em tela.

2.11 Causas de aumento: as mesmas do estupro (art. 226, CP).

2.12 Pontos relevantes:

1) se a vítima perceber que estava sendo enganada e continuar com o ato, o agente não será responsabilizado. Agora, se a vítima for constrangida a continuar com o ato o crime será o do 213.
2) fraude grosseira (afasta o tipo penal – tese do crime impossível)
3) prostituta enganada (incidirá o crime)
4) “Agente bom de papo” – falsas promessas gananciosas (será fato atípico, pois incidirá a torpeza bilateral).
5) mulher desonesta - erro de tipo e de proibição. Se o agente, conhecedor da “má fama” da vítima, estiver convencido de que está autorizado a pregar-lhe uma peça para possuí-la sexualmente, incorrerá em duplo erro penal: (i) erro de tipo, por imaginar que a existência de determinada característica pessoal  afasta a tipicidade penal; (ii) erro de proibição, por acreditar que seu comportamento não era proibido em razão das circunstâncias pessoais da vítima. Contudo, será possível discutir a escusabilidade ou inescusabilidade do erro (Bitencourt).
6) as qualificadoras da “virgindade e menoridade” (entre 14 e 18 anos) foram suprimidas desse tipo penal. Logo, pela revogação, não poderão ser consideradas na dosagem da pena, pois agravariam a situação do réu.

AULA III – Art. 216-A e 217-A

3.1 ASSÉDIO SEXUAL [ a doutrina critica esse tipo penal, pois o DP deve ser a última ratio]
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único (vetado)
§ 2º A pena é aumentada em até 1/3 se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

3.2 objetividade jurídica / bem jurídico protegido e objeto material: a dignidade sexual e a liberdade de exercício do trabalho. Tem como objeto material a pessoa contra a qual é dirigida a conduta praticada pelo agente (homem ou mulher).

Rogério Greco lembra que o verbo constranger terá conotação diferente da utilização do emprego de violência ou grave ameaça. Logo, não tem o mesmo sentido do constrangimento do estupro. No assédio sexual ( ou “chantagem sexual” – Bitencourt), o sentido é menos gravoso, pois significa embaraçar, acanhar, criar uma situação constrangedora para a vítima relacionada com sua inferioridade circunstancial (trabalho ou relação de emprego, cargo ou função). Cria-se uma situação embaraçosa para a vítima com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual.

Perceba que não poderá ser qualquer situação de constrangimento. O agente tem que criar uma situação tão desconfortável à vítima, ao ponto dela se sentir efetivamente em risco, na iminência de sofrer um grave dano ou prejuízo de natureza funcional ou trabalhista. O dano ou prejuízo poderá ser: (1) perda do emprego; (2) empecilhos, discriminações e dificuldades de progressão na carreira.

Não há necessidade de violência ou grave ameaça. Basta o temor reverencial e a insistência constrangedora do sujeito ativo: ele deve deixar claro seu recado, isto é, se a vítima se recusar em atendê-lo haverá um prejuízo profissional ou funcional (Bitencourt). Trata-se de crime de forma livre. O constrangimento poderá existir em diversas modalidades: oral, escrito ou por gestos, desde que o agente possa se insinuar sexualmente (Luiz Regis Prado). Lembre-se de que o crime de ameaça será absorvido pelo assédio sexual, por ser norma específica e mais grave (majoritário). Contudo, não é esse entendimento de LFG (defende o concurso material de crimes).
Obs.: Não confunda com o assédio moral (visa humilhar a vítima). Há projeto de lei tipificando esse tipo de assédio.

3.3 Relação hierárquica ou de ascendência: deve existir uma condição especial de relação de hierarquia ou ascendência. Pode ser tanto no setor público quanto no privado. A relação de hierarquia é aquela em que há uma escala demarcando posições, graus ou postos ordenados (indica uma relação de direito público). Ex.: (1) juiz e oficial de justiça; (2) coronel e sargento; (3) chefe de seção e subordinado. Não existe relação hierárquica entre particulares. Ex.: (1) gerente de agência bancária e seus subordinados; (2) temor reverencial entre pais e filhos; (3) líderes religiosos e fiéis. Na relação de ascendência, por sua vez, não existe uma organização, mas tão somente uma situação de influência ou respeitoso domínio (Bitencourt).

Mas não basta essa relação, pois o agente deve prevalecer-se da situação para impor sua vontade sobre a vítima. Se não houver tal relação, o agente poderá praticar o crime de ameaça (art. 147, CP).

Questão: E se autor e vítima possuírem o mesmo grau ou posição. Haverá o crime em tela? Trata-se de hipótese de assédio ambiental. Segundo LFG, o assédio ambiental consiste na possibilidade de qualquer pessoa assediar outra, no ambiente de trabalho ou escolar, independentemente de qualquer hierarquia ou ascendência.

Entende-se por vantagem ou favorecimento sexual qualquer benefício de conotação libidinosa, que mova o comportamento o agente. Ex.: (1) a prática de beijo lascivo; (2) a conjunção carnal; (3) toques intensos em regiões pudendas.

3.4 Tipicidade subjetiva
O dolo é a consciência e a vontade de constranger a vítima a conceder favores sexuais, utilizando-se da situação de domínio que o autor exercer sobre ela. É admitida a omissão imprópria. A forma culposa não é prevista como crime.

3.5 Sujeitos do delito

a) Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que em condição privilegiada em relação ao sujeito passivo (crime próprio). A doutrina majoritária entende que a relação poderá ser “homo ou heterossexual”. É possível a coautoria ou participação, se pelo menos um dos coautores for superior na relação laboral. Ex.: patrão que pede a um subordinado entregar o recado à vítima, desde que o subordinado não seja coagido (figura do pombo correio).

b) Sujeito passivo: Também pode ser qualquer pessoa, desde que esteja em condição inferior ao sujeito ativo na relação laboral. Uma garota de programa poderá ser vítima desse crime. Ex.: (1) assediada sexualmente pelo gerente ou proprietário do estabelecimento em que trabalha; (2) seu superior descobre a atividade clandestina e ameaça prejudicá-la no trabalho se não conceder favores sexuais.

Obs.: menor de 14 anos assediado sexualmente no trabalho, ainda que o trabalho seja ilegal, será vítima de estupro de vulnerável (Nucci).


3.6 Consumação

O crime consuma-se com a efetiva ameaça, capaz de provocar situação de temor à vítima. Bastará que o sujeito ativo constranja o outro, por qualquer meio, direta ou indiretamente, à prestação de favor de natureza sexual. O constrangimento "pode ser formulado diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob a ameaça explícita ou implícita de represálias (imediatas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de interposta pessoa, ou de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência". Não há necessidade da obtenção do favor sexual para ocorrência do crime (trata-se de crime formal). Se o agente conseguir o favor sexual, será mero exaurimento. No entanto, se não houver meios de reação da vítima, poderá configurar o estupro (emprego de violência ou grave ameaça). Admite-se a tentativa. Ex.: carta ou vídeo interceptados por terceiros.

Em regra, é um crime transeunte (sem vestígios), salvo mediante cartas, desenhos etc.

3.7 Pontos relevantes:

1) A busca por relação duradoura afastará o assédio sexual. Aquele que se impõe sobre outrem com a finalidade de um namoro não está buscando favores sexuais. O superior hierárquico ou ascendente não responderá por assédio se, por estar apaixonado, tenta se aproximar do subordinado, sem exigir favores sexuais (assédio tolerado).
2) o § 2º prevê uma causa especial de aumento de pena (relacionada à proteção ao trabalho do menor). O agente deve saber dessa circunstância pessoal da vítima. Note que foi previsto apenas o aumento máximo (1/3). Assim, para Bitencourt, o mínimo deverá acompanhar a previsão dos demais crimes sexuais (1/6). Todavia, não é esse o entendimento de Nucci que defende a aplicação de pena mínima até mesmo em 1 dia, já que não houve previsão de um mínimo legal. Cuidado! 1 dia a mais de pena poderá repercutir no prazo prescricional.

Questão: As causas de aumento do art. 226 ou 234-A do CP são aplicáveis ao assédio sexual? Para evitar o bis in idem, apenas duas hipóteses que figuram no inciso II do art. 226 não poderão ser aplicadas (condição de preceptor ou empregador). Nas demais hipóteses será plenamente possível o aumento.

3) Patrão e empregado doméstico: Para Bitencourt, o empregado doméstico e a diarista podem ser sujeitos passivos do assédio sexual. Damásio, entretanto, defende que no caso da diarista faltaria o requisito relação de “emprego”.
4) Relação entre professores e alunos não tipifica o assédio. O tipo penal não faz alusão à relação de docência (Bitencourt e LFG). Em sentido contrário, Capez e Luiz Régis Prado entendem ser possível a tipificação.
5) Meras cantadas não configuram o assédio sexual. Se o agente elogia ou, até mesmo, exagera nas palavras para se referir ao subordinado, não há assédio sexual.
6) A competência do julgamento e processamento será dos Juizados Especiais Criminais, sendo possível aplicar o sursis processual.
7) Há doutrina defendendo que o assédio sexual por chantagem faz parte do tipo penal do art. 216-A (Capez). Nessa hipótese, não há ameaça à vítima, mas a solicitação de uma troca de favores. O superior oferece algum benefício em troca de favores sexuais do subordinado.
8) Contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor: LCP, art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor (pena de multa). O bem jurídico tutelado aqui é o bom costume. A contravenção não exige qualidade especial do agente, nem a relação laboral entre autor e vítima. Além disso, só poderá ser praticado em locais públicos ou acessível ao público. O assédio sexual, por sua vez, geralmente, ocorre em locais privados.
9) razões do veto do parágrafo único: “relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade ou violação de dever inerente a ofício ou ministério”. Punia-se as relações entre padres e freiras ou pastores e subordinados. As razões do veto foram o equivocado entendimento de bis in idem com o art. 226, CP. O que não ocorreu, minimizando a abrangência da norma (Bitencourt).
10) Para Nucci, pai que assedia sexualmente a filha não comete assédio sexual por falta de previsão legal.


3.8 Sedução

O art. 217 do CP foi revogado pela Lei 11.106/2005. O que interessa saber, portanto, são as conseqüências desta revogação. Se há inquérito policial em andamento, este será imediatamente trancado mediante habeas corpus (ausência de justa causa para o prosseguimento). O processo ainda sem decisão definitiva será extinto, de ofício ou a pedido do réu ou do Ministério Público.
Se já houver sentença condenatória definitiva, não há mais execução da pena, nem qualquer efeito penal. Não há mais pena a ser cumprida. No entanto, os efeitos extrapenais persistem, por força do art. 2.° do CP. Por exemplo, a responsabilidade civil pelos atos praticados.
3.9 Estupro de vulnerável (estupro especial)

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º  (VETADO)
§ 3º  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º  Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

3.10 Bem jurídico protegido e objeto material

Dignidade sexual do menor de 14 anos e do enfermo ou deficiente mental, que tenha dificuldade em discernir a prática do ato sexual. Em verdade, o menor de 14 anos não possui plena liberdade sexual. Logo, o que se tutela é o seu desenvolvimento sexual (liberdade futura – Muñoz Conde).

Trata-se de crime comum.

3.11 Sujeito ativo e passivo

Qualquer pessoa poderá ser autor desse crime (homem ou mulher). Para ser vítima, basta incidir nas circunstâncias do tipo (vulnerabilidade). Vale lembrar das causas de aumento de pena previstas no art. 226, CP.

Cumpre mencionar que não importa se o agente colocou ou não a vítima em estado de vulnerabilidade, basta aproveitar-se dessa situação.

Odon Ramos Maranhão lembra que doenças crônicas e debilitantes, paralisias regionais ou generalizadas, bem como gesso aplicado na coluna vertebral poderão caracterizar a vulnerabilidade, desde que a vítima não consiga resistir a investida do agente.

3.12 Relativização da presunção de violência

Há vários julgados no sentido de considerar as circunstâncias da vítima para saber se sua tenra idade é o bastante para caracterizar sua vulnerabilidade (Bitencourt).

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio:

Nos nossos dias não há crianças, mas moças com doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definidos a ponto de vislumbrarem toda a sorte de consequências que lhes podem advir. (HC, STF, 73.662/MG).

Logo, por orientação do STF, ainda que o art. 217-A taxe a vulnerabilidade para o menor de 14 anos, isso deverá ser verificado no caso concreto (a presunção passa a ser relativa para a doutrina e jurisprudência).  Rogério Greco defende posicionamento contrário. Para ele não existe dado mais objetivo que a idade. Aliás, o próprio CP adota esse critério em outros pontos. 

Obs.: no anteprojeto do novo CP está prevista tal redução.

Perceba que o autor deve saber que a vítima é ou está vulnerável no momento do crime, sob pena de não configurar essa infração penal. Assim, exige-se o elemento subjetivo especial do injusto (delito de tendência). Ex.: imagine que o agente durante uma festa conheça uma moça que aparentava ter 18 anos, dada sua compleição física e o modo de se vestir e de se comportar (bebendo e fumando). Ao ser envolvido pela própria vítima, o agente manteve conjunção carnal. Nesse caso, o fato será atípico por erro de tipo (salvo se tiver ocorrido violência ou grave ameaça).

3.13 Forma qualificada

Lesão corporal de natureza grave: 10 a 20 anos
Morte da vítima: 12 a 30 anos.

Nesse ponto, Bitencourt defende que se o resultado mais grave ocorrer, será indiferente se o agente quis ou não esse resultado, devendo prevalecer a qualificadora em face do concurso material. Para Rogério Greco o resultado deverá ser preterdoloso. Reveja esse ponto no estudo do estupro (213, CP).

3.14 Consumação e tentativa

Mesma regra do estupro. Na forma tentada, Bitencourt traz o exemplo do agente que iniciando a execução, é interrompido pela reação eficaz da vítima, ou intervenção de terceiro, mesmo que não tenha chegado a haver contatos íntimos.

3.15 Relações sexuais com deficiente mental

Perceba que a proibição se refere apenas àqueles que não possuem o necessário discernimento para a prática do ato sexual. Existem pessoas portadoras de alguma enfermidade ou deficiência mental que não deixaram de constituir família.

3.16 Pontos relevantes
1) concurso entre o constrangimento e o estupro de vulnerável. Rogério Greco entende que, em razão do constrangimento não figurar no tipo em tela será plenamente possível o concurso de lesão corporal leve ou ameaça com o estupro (minoritária).
2) pedofilia – perversão sexual que se apresenta pela predileção erótica por crianças, indo desde os atos obscenos até a prática de manifestações libidinosas, denotando graves comprometimentos psíquicos e morais dos seus autores (Genival Veloso França).
3) aplicação retroativa do art. 217-A. De acordo com o STJ é plenamente admissível (novatio legis in mellius).
4) estupro de pessoa com morte cerebral: se o agente sabia dessa situação, cometerá vilipêndio de cadáver. Agora, se não sabia: 1ª solução – crime impossível (impropriedade do objeto); 2ª solução – erro de tipo invertido ou delito putativo por erro de tipo (o agente queria a conduta criminosa, mas não sabia que a pessoa estava morta). Nos dois casos o agente não será punido. Lembre-se que o entendimento pelo estupro de vulnerável incidirá em analogia in malam partem.

AULA IV – Do Lenocínio

Questão: O que é crime de lenocínio? Trata-se de delito de exploração sexual convencendo alguém a satisfazer lascívia própria ou de outrem. Pode ser gratuita ou mercenária / questuária. Ex.: Arts. 218-A, 218-B, 227 e 228, CP.

IDADE DA VÍTIMA
CRIME COMETIDO NA EXPLORAÇÃO
18 anos ou mais
Art. 227, caput
Maior de 14 anos e menor de 18
Art. 227, § 1º, 1ª parte
Menor de 14 anos
Art. 218 Obs.: se cometido no dia do aniversário   será 227, § 1º, 1ª parte

A figura do rufião (explora economicamente sexo alheio) não se confunde com o proxeneta (intermedeia encontros sexuais com ou sem fins econômicos).

4.1 Corrupção de Menores

Art. 218 – Induzir alguém menor de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Trata-se de uma forma especial de lenocínio, o agente presta assistência à libidinagem de outrem, tendo ou não a finalidade de obter vantagem econômica (Rogério Greco). Perceba que a satisfação da lascívia não poderá ser um ato libidinoso, pois nesse caso incidirá em estupro de vulnerável. De acordo com Nucci, passou-se a existir uma figura autônoma para punir o partícipe do estupro de vulnerável (exceção pluralística à T. monística) na forma induzimento. Perceba que o tipo não prevê as hipóteses instigar e auxiliar. Contudo, a doutrina majoritária entende que na corrupção não há satisfação de lascívia própria (do instigador), não sendo forma de participação do estupro de vulnerável.

Hipóteses de corrupção: (1) ensaios fotográficos de nudez; (2) banho na presença de alguém; (3) ficar deitada sem roupas; (4) danças eróticas; (5) ficar seminua. Perceba que esses comportamentos satisfarão o indivíduo que sofre de voyeurismo.

4.1.1 bem jurídico protegido e objeto material:

Dignidade sexual do menor de 14 anos (crime próprio quanto ao sujeito passivo) e desenvolvimento sexual (garantindo a liberdade sexual). O objeto material é a pessoa contra a qual recai a conduta praticada pelo agente.

O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa (chamado de proxeneta) e o passivo somente o menor de 14 anos. Bitencourt lembra que o “outrem” do tipo penal deve ser pessoa certa e determinada (homem ou mulher), pois se for incerta e indeterminada será outro crime (art. 228, CP – favorecimento à prostituição).

Questão: o terceiro que se satisfaz responde por esse crime?

4.1.2 Consumação e tentativa: Para Rogério Greco e Nucci o crime é material (deve haver a satisfação da lascívia de outrem), admitindo-se a tentativa (majoritária). Para Bitencourt, o crime é material, cuja consumação ocorre com o convencimento da vítima (antecipação da consumação e não transformação em crime formal). Logo, a satisfação de outrem será mero exaurimento.

4.1.3 Elemento subjetivo: dolo específico (tipo incongruente: exige um fim especial de agir).

4.1.4 Causas de aumento: art. 226 e 234-A, CP. Perceba que as hipóteses do art. 234 provavelmente jamais ocorrerão (Rogério Greco).

A ação penal é pública incondicionada e correrá em segredo de justiça.

4.1.5 Pontos relevantes:

1) habitualidade: a corrupção de menores não se enquadra em crime habitual, bastando uma única conduta, podendo incidir em concurso de crimes (Rogério Greco).
2) erro de tipo quanto à idade da vítima: o agente deve saber a idade da vítima, pois se induzir um maior de 14 anos por erro incidirá no tipo do art. 227 (mediação para servir a lascívia de outrem). Nucci e Bitencourt criticam esse tipo penal, pois fere o P. da intervenção mínima.
3) vítima induzida pela Internet: exibição pela webcan. Para Rogério Greco é plenamente possível o enquadramento no tipo corrupção de menores. Vale lembrar que o art. 240 do ECA pune a conduta de armazenar ou registrar material pornográfico envolvendo menor de 14 anos, mas não o terceiro que assiste o material pornográfico.

ECA - Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: 
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: 
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou 
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.  

4) corrupção de menores do ECA (art. 244-B): visa punir o agente que influencia na formação moral da criança, evitando que esta seja iniciada na criminalidade, bastando ser menor de 18 anos, não mencionando a idade mínima. Contudo, não seria razoável punir o agente que pratique um roubo em companhia de uma criança de 2 anos de idade.
5) abolitio criminis da antiga corrupção de menores: antes da reforma de 2009, o crime consistia em “corromper ou facilitar da corrupção de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo”. Pena de 1 a 4 anos. Para Rogério Sanches não há nenhum tipo penal semelhante, pois a corrupção do ECA (art. 244-B) não tem qualquer relação com atos de libidinagem. Outrossim, os arts. 218-A e 218-B possuem objetos diferentes do antigo crime (há julgados no TJDF nesse sentido). Todavia, Nucci defende que o antigo crime no tocante à formação sexual do adolescente migrou de forma fracionada para os arts. 218-A e 218-B. E no ponto de formação criminosa, criou-se o dispositivo do ECA (art. 244-B).
6) instigar ou auxiliar menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem: configura o crime do art. 217-A, pois o crime do art. 218 não prevê tal hipótese. Contudo, Nucci adverte que será completamente desproporcional punir quem induz ou auxilia pelo art. 217-A, devendo incidir o art. 218, CP (minoritário).
4.2 Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A: praticar atos libidinosos na presença de menor de 14 anos ou induzi-lo a presenciar com a finalidade de satisfazer a lascívia própria ou de outrem. Note que se a finalidade não estiver presente não haverá o delito em tela.

4.2.1 bem jurídico protegido e objeto material: dignidade sexual do menor de 14 anos e desenvolvimento sexual (liberdade sexual). O objeto material é o menor. Não abrange o doente mental.

4.2.3 sujeito ativo: quem pratica o ato libidinoso na presença do menor, bem como o terceiro que satisfaz sua lascívia sabendo que o menor presencia o ato.

4.2.4 Consumação e tentativa: Rogério Sanches defende que o crime é formal na modalidade induzir (minoritário). Rogério Greco defende ser possível a tentativa, embora difícil sua ocorrência (majoritário). Ex.: menor é induzido a presenciar e antes que os agentes retirem as roupas são surpreendidos pelo pai do vulnerável.

4.2.5 Pontos relevantes:

1) menor que é induzido a presenciar cenas pornográficas através da Internet (webcan) - Para Rogério Greco e Nucci, será fato típico. Bitencourt defende que o tipo penal prevê apenas a presença in loco do menor.
2) pais que tomam banho junto com os filhos – se não houver a finalidade específica (tipo incongruente) será fato atípico.
3) residência em estado precário ou barracos – se o casal praticar relação sexual sem o fim específico, será fato atípico. Imagine um casal de mendigos que ao praticarem a relação sexual é flagrado por um dos filhos que acorda e assiste o ato. Não haverá crime.
4) Bitencourt lembra que atos libidinosos diversos da conjunção carnal possuem o condão de desvirtuar as finalidades funcionais dos órgãos, abalando o psiquismo do menor ainda em construção.
5) Há divergência sobre vítima já sexualmente corrompida.

4.3 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável

Art. 218-B: modalidade especial de delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (turismo sexual, pornografia ou tráfico). Pena: de 4 a 10 anos.

Prostituição: não se considera apenas a relação em troca de dinheiro, mas qualquer satisfação de necessidades (bens, serviços, passeios, diversões etc.).

4.3.1 Bem jurídico protegido: dignidade e desenvolvimento sexual e moralidade.

4.3.2 Sujeito passivo: menor entre 14 e 18 anos e quem por enfermidade ou deficiência mental não possuir o necessário discernimento para a prática do ato sexual (homem ou mulher). Quem praticar o ato libidinoso nessas condições incidirá nas mesmas penas, bem como o proprietário do estabelecimento. Rogério Greco lembra que quem pratica ato libidinoso com vulnerável responderá pelo estupro do art. 217-A, salvo perante erro quanto essa circunstância pessoal da vítima.

Bitencourt lembra que será indiferente se a vítima já era desencaminhada.

Questão: O que é lenocínio acessório? Segundo Luiz Régis Prado, ocorre quando o agente, sem induzir ou atrair a vítima, proporciona-lhe meios eficazes de exercer a prostituição, arrumando-lhe clientes, colocando-a em lugares estratégicos etc. (facilitação à prostituição).  

4.2.3 Consumação e tentativa: basta que a vítima esteja à disposição para a exploração, não necessitando de atender qualquer cliente (majoritário). Na modalidade Impedir ou dificultar que a vítima deixe a exploração, o crime consuma-se no momento em que a vítima manifesta sua intenção e o agente a embaraça (hipótese de crime permanente). Ex.: alegar a existência de dívida.

Vale lembrar que o agente deve saber da circunstância da vítima (idade ou vulnerabilidade). Perceba que o conceito de vulnerável nesse art. abrange apenas o menor de 18 anos e maior de 14, bem como, o doente mental ou enfermo (aqui nasce a divergência da vulnerabilidade absoluta e relativa – não menciona o menor de 14 anos). No caso de enfermo ou doente mental (vulnerável) o ato do agente deve ser apenas o de exploração dessa vítima, sem que com ela se pratique qualquer ato sexual (Rogério Greco e Bitencourt). Ex.: disque-sexo, streptease etc. Nesse caso, para os autores mencionados incidirá o art. 217-A. Contudo, Bitencourt alerta que esse entendimento estará suprindo uma lacuna em desfavor do criminoso, pois o legislador esqueceu de inserir tal hipótese no art. em tela. Em outros termos, será fato atípico pela presença de uma zona nebulosa.

Questão: E se a vítima tiver menos de 14 anos?

Rogério Greco admite a tentativa em qualquer modalidade por ser crime plurissubsistente. Nucci e Bitencourt, por outro lado, não admite nas formas submeter, induzir, atrair e facilitar, por se tratar de crime condicionado, exigindo habitualidade (na modalidade impedir ou dificultar, os autores admitem a forma tentada).

4.2.4 Pontos relevantes:

1) efeito da condenação – cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
2) o ECA prevê punição para quem hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, ou sem autorização escrita desses ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere.
3) não é exigida finalidade lucrativa, mas se ocorrer aplica-se também uma pena de multa.
4) não há previsão para o emprego de violência ou grave ameaça neste crime (no favorecimento à prostituição do art. 228, CP, sim). Logo, não se pode empregar analogia.
5) responsabilidade penal objetiva do § 2º: o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verificou a exploração, respondem pelo mesmo crime previsto no caput. Aqui, há uma explícita aplicação do direito penal do autor (previsão de responsabilidade sem culpa – Direito Penal do Inimigo: T. de Günther Jakobs). Logo, discute-se sua constitucionalidade (da mesma forma o § 3º, por ser acessório: cassação da licença). Vale lembrar que a exploração da atividade de motel, por si só, não incide nesse tipo penal.
6) Contratação direta de serviços sexuais com maior de 14 anos. Fato atípico.

4.3 Mediação para servir à lascívia de outrem

Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1° Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa

4.3.1 Bem jurídico protegido: moralidade pública sexual.

4.3.2 Sujeito ativo e passivo: qualquer pessoa, homem ou mulher.

Qualificam o crime: (i) vítima menor de 18 e maior de 14 anos; (ii) se o autor for ascendente, descendente, cônjuge, irmão ou pessoa a quem esteja confiada a educação, tratamento ou guarda (tutor, curador etc.: chamado de lenocínio familiar). Para Bitencourt, o legislador ao mencionar companheiro excluiu a mulher (esposa ou companheira); (iii) emprego de violência, grave ameaça ou fraude; (iv) finalidade lucrativa. A satisfação da lascívia deve ser de outrem. Todavia, se o mediador praticar ato sexual para satisfazer lascívia própria e simultaneamente a de outrem, estará configurado o crime (Bitencourt).

4.3.3 Pontos relevantes:

1) O sujeito deve ser certo e determinado, caso contrário incidirá o art. 228, CP. A doutrina diverge quanto ao concurso material entre os tipos dos arts. 227, 228, 230 e 231. Rogério Sanches lembra que esse crime pressupõe um triângulo: sujeito ativo (lenão), a vítima (pessoa induzida) e o destinatário (consumidor), que não poderá ser coautor do crime.
2) Rogério Sanches defende que se a conduta de aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso, estará incorrendo no crime descrito no art. 241 do ECA.

AULA V – Continuação Lenocínio

5.1 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual

Art. 228 - Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
§ 1º - Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de três a oito anos.
§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

5.1.1 Objeto jurídico: A objetividade jurídica é a mesma do crime anterior (mediação) somada à tentativa de se evitar a prostituição.

Trata-se de crime comum quanto ao sujeito ativo e passivo (inclui homossexuais). Lembre-se que se a vítima tiver a idade entre 14 e 18 anos ou for doente mental ou incapaz de discernir, o crime será o do art. 218-B (exploração sexual de vulnerável).

Na análise do tipo penal, observa-se a existência de 4 condutas: 1) induzir, 2) atrair, 3) facilitar e 4) impedir. É importante que fique claro que a atividade da prostituição exige habitualidade na prestação de serviços sexuais, tendo ou não finalidade lucrativa.

A atividade de venda do próprio corpo não foi elevada à condição de crime (há quem defenda ser um mal necessário – diminui a violência sexual). Nesse ponto, vale mencionar, de acordo com Luiz Régis Prado, a existência de 3 sistemas que disputam o tratamento: (1) regulamentação. Ex.: Holanda; (2) proibição. É crime: EUA e países árabes; e (3) abolição. Ex.: Brasil. Pune-se quem explora ou facilita.

5.1.2 Tipo subjetivo: o crime abrange o dolo genérico, podendo ser por ação ou omissão imprópria (dever jurídico de impedir a exploração sexual).

5.1.3 Consumação: atinge a consumação, para as três primeiras figuras típicas (induzir, atrair e facilitar), no momento em que a vítima passe a se portar como prostituta ou prostituto (não precisa atender clientes, bastando estar à disposição por mais de uma vez). Quanto à conduta de impedir ou dificultar, que configuram crime permanente, segundo a doutrina majoritária, a consumação virá a partir do primeiro momento em que a pessoa deseja abandonar a prostituição e não o faz em decorrência da conduta do sujeito ativo (que embaraça a intenção). Nucci defende ser hipótese de crime instantâneo [poderá haver crime continuado], lembrando da ineficácia do poder de coerção dos verbos dificultar ou impedir com meras palavras.

Para a corrente majoritária, é possível, em tese, a tentativa em qualquer uma das 4 hipóteses. Nucci defende a impossibilidade nas figuras induzir, atrair ou facilitar por serem hipóteses de condutas condicionadas.

Questão: Esse crime é formal ou material? A doutrina majoritária defende ser material, pois o mero induzimento, por exemplo, não terá o condão de configurar o tipo. A vítima tem que ser efetivamente induzida (crime condicionado).

Questão: Qual a diferença entre a mediação (art. 227) e a exploração/favorecimento (art. 228)? A principal diferença está na habitualidade. Ex.: filme “Proposta Indecente”.

5.1.4 Pontos relevantes:

1) a ninfomania e a prostituição: Noronha defende que não há necessidade do comércio do corpo para caracterizar a prostituição, pois conforme as circunstâncias, a pessoa poderá até mesmo pagar ao lenão ou ao bordel para saciar seus instintos, ficando à disposição gratuita de clientes (minoritário).
2) induzir ou atrair (art. 228) + manter estabelecimento para encontros (art. 229). É plenamente possível o concurso material de crimes.
3) contato físico na relação: há discussão se o contato é prescindível para a configuração do crime. Se for dispensável, o disk-sexo será fato típico.
4) afronta à liberdade sexual: a doutrina critica esse tipo penal por limitar a liberdade das pessoas (relação sexual entre maiores).
5) aplicação da pena de multa: aqui, aplica-se a multa independentemente da finalidade econômica. Se a vítima for menor vulnerável a multa prevista no art. 218-B somente será aplicada se comprovada a finalidade lucrativa.


Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

5.2.1 Objeto jurídico e material: Há aqui uma dupla objetividade jurídica: vida sexual de acordo com a moral e os bons costumes e a organização da família. O objeto material é o próprio estabelecimento.

O sujeito ativo é a pessoa que mantém a casa de prostituição ou o lugar destinado a encontros para fins libidinosos. Porém, se a casa é mantida por conta de terceiro, esse também será sujeito ativo.

São sujeitos passivos: as prostitutas (ou prostitutos) ou a pessoa que se entrega às práticas lascivas. A sociedade também é vítima desse crime. Nesse ponto, Bitencourt entende que a sociedade não será sujeito passivo, pois praticamente ignora tal conduta.

Na análise do tipo objetivo, pode-se observar que o núcleo do tipo (o verbo) descreve uma conduta habitual: manter. É indispensável provar a habitualidade, o que não se confunde necessariamente com a reiteração de prática de atos sexuais, tampouco com crime permanente.

Questão: Se no dia da inauguração da casa a polícia efetuar batida e constatar a presença de prostitutas/prostitutos maiores, haverá o crime? Rogério Greco defende que sim, pois houve a manifestação de manter a casa em funcionamento, admitindo a forma tentada. Contudo, a majoritária corrente entende que faltará o requisito habitualidade (não basta um encontro). Logo, por ser crime habitual, não será possível a tentativa.

Casa de prostituição é o local onde as prostitutas/prostitutos exercem o comércio sexual ou carnal. A descrição da conduta criminosa fala também em "lugar destinado a encontros para fins libidinosos", o que levaria a incluir o "motel". Manter um motel não configura esse crime, já que não é local destinado exclusivamente para o fins sexuais. Ex.: um consumidor poderá utilizá-lo apenas para descansar.

O tipo subjetivo é composto precipuamente pelo dolo genérico (majoritária). Nucci defende a exigência de um especial fim de agir, qual seja, “manter local com finalidade libidinosa”.

5.2.2 Pontos relevantes:

1) Parte da jurisprudência já entendeu que, em havendo autorização do poder público não poderá haver crime, presumindo-se a licitude do funcionamento.  Outra parte, com muito maior razão, entende que  a autorização do poder público não torna lícita a conduta. Para Capez, essa omissão do poder público incidirá em erro de proibição.
2) encontros em casas de praia ou em passeios turísticos. Ex.: pesca no Pantanal.
3) omissão imprópria da autoridade pública: Rogério Greco defende ser plenamente possível a responsabilização daquele que tem o dever jurídico de evitar o resultado. Ex.: Delegado de Polícia que sabe da existência do local e nada faz (em verdade, seria hipótese de prevaricação).
4) prisão em flagrante: a doutrina minoritária defende ser possível (há julgados no RS nesse sentido). Contudo, Nucci (majoritário) entende pela impossibilidade (crime habitual).
5) prostituta que mantém local somente para ela não incide nesse tipo penal. Ex.: Casa da prima “fulana”.

5.3 Rufianismo
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - Se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.
Pena – reclusão, de 3 a 6 anos, e multa.
§ 2º - Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 a 8 anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.

5.3.1 objetividade jurídica e objeto material: moralidade pública e dignidade sexual. O objeto material é a pessoa explorada pelo cafetão/cafetina. Trata-se de crime comum quanto ao sujeito ativo.

O rufião é o indivíduo que tira proveito da prostituição alheia, mesmo que para isso conte com a concordância da prostituta/prostituto, mesmo que a iniciativa tenha partido da própria vítima. O proveito pode ser tirado de duas formas:

1) Participando diretamente dos lucros (rufianismo ativo);
2) Ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, pela prostituta/prostituto (rufianismo passivo). Ex.: gigolô (amante da vítima). Note que a atividade do rufião não precisa ser total (admite uma atividade lícita paralela).

Não se reconheceu a existência do crime na hipótese em que a vítima sustente filhos ou pais, tampouco da renda da venda de bebidas ou aluguéis (Bitencourt).

5.3.2 Tipo subjetivo: essa infração exige o dolo genérico. O crime consuma-se no momento em que o indivíduo entrega-se a uma das duas condutas (participa dos lucros ou é sustentado pela prostituta/postituto). Logo, é hipótese de crime formal. Por se tratar de conduta que exige habitualidade não é possível a ocorrência da tentativa, pois um único ato é um indiferente penal.

5.3.3 Pontos relevantes:

1) a omissão da polícia não se aproveita ao rufião.
2) na hipótese do crime ser praticado contra filho, tutelado ou curatelado, aplica-se o inciso II do art. 92, CP (efeito da condenação: incapacidade para o pátrio poder...).
3) emprego de violência como qualificadora: Rogério Greco defende o concurso material de crimes quando resultar lesão (rufianismo + a lesão). Contudo, Bitencourt lembra que, na verdade, ocorrerá cúmulo material de aplicação de pena.
4) diferença do rufianismo com o favorecimento/exploração com finalidade lucrativa: o rufianismo é crime habitual e o favorecimento é instantâneo. O STJ decidiu pela absorção do favorecimento pelo rufianismo quando o agente favorece um menor ao exercício da prostituição e disso tira proveito (HC 8.914/MG).
5) consentimento da vítima: não faz qualquer diferença para a incidência do crime, segundo a majoritária corrente.

5.4 Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2° - A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

A expressão “promover” do tipo penal deve ser compreendida no sentido de atuar com a finalidade não somente de arregimentar as pessoas, como também de organizar tudo aquilo que seja necessário para que o tráfico internacional seja bem-sucedido. Existe a figura do empresário do sexo. (Rogério Greco). Já na expressão “facilitar” existe a intenção deliberada da vítima (comportamento ativo) para entrar ou sair do território para exercer a prostituição.

5.4.1 Objeto jurídico e material: moralidade pública e dignidade sexual. O objeto material é a pessoa (homem ou mulher) que tem promovida/facilitada sua entrada ou saída do país, com a finalidade de exercer a prostituição/exploração sexual.

5.4.2 Consumação: Há divergência doutrinária. 1ª corrente – pacificada no TRF 4ª R., defende ser crime formal, pois basta o ingresso/saída da pessoa no/do território nacional, com a finalidade de exercer a prostituição/exploração (Luiz Régis Prado); 2ª corrente – entende ser crime material, pois a pessoa deve exercer a prostituição ou ser explorada sexualmente, caso contrário não será crime (Rogério Greco e Nucci). Para a 2ª corrente, admite-se a tentativa. Vale lembrar que o crime somente será punido se houver dolo na promoção/facilitação.

A conduta, em regra, pressupõe uma ação. Entretanto, admite-se a omissão imprópria. Ex.: Policial Federal que se omite ao saber que alguém deixa o aeroporto entrando/saindo no/do Brasil com a finalidade de prostituir-se.

Aquele que transporta ou acomoda a pessoa que será explorada também responde pelo delito, desde que saiba de tal finalidade. Ex.: taxista que trabalha para o empresário explorador.

5.4.3 Pontos relevantes:

1) somente haverá o tráfico internacional mercenário se agente objetiva auferir vantagem econômica (aplica-se cumulativamente a pena de multa).
2) a competência para julgar esses crimes é da justiça federal (ver art. 109, CR).
3) não há previsão para a conduta “vender”, presente no art. 231-A.

5.5 Tráfico interno de pessoas

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º - A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Obs.: Exige-se o especial fim de agir (tipo incongruente). Não há forma culposa.


TRÁFICO INTERNACIONAL (ART. 231)
TRÁFICO INTERNO (ART. 231-A)
PENA
Reclusão, de 3 a 8 anos
Reclusão, de 2 a 6 anos
ÁREA DE INCIDÊNCIA
A pessoa precisa entrar ou sair do Brasil
O deslocamento se verifica no território nacional
COMPETÊNCIA
Justiça Federal
Justiça Estadual

5.6 Ato obsceno

Art. 233 – Deve estar ligada às expressões corporais do agente, relacionadas ao sexo. Logo, palavras obscenas não configuram esse delito (poderão incidir no art. 61, LCP, ou crime contra a honra). É exemplo de crime sexual de menor potencial ofensivo (competência do JECrim).

Entende-se como local público todo aquele aberto ou exposto ao público. Ex.: uma sacada poderá ser considerada local público para fins penais.

A conduta deverá ferir o pudor e a vergonha (sentimento de humilhação). Perceba que o conceito de pudor público muda rapidamente com o tempo. Ex.: É proibido usar biquíni.

5.6.1 Objeto jurídico protegido: pudor público

5.6.2 Consumação: para a majoritária corrente trata-se de crime formal (a minoritária defende ser crime de mera conduta. Todavia, nesses crimes o resultado naturalístico jamais ocorrerá, por isso não deve prevalecer). Não se pune a forma culposa. Ex.: relação sexual no interior de veículo em local escuro e de madrugada. Admite-se a tentativa, embora de difícil constatação.

5.6.3 Hipóteses de atos obcenos: (1) urinar mostrando o pênis; (2) automasturbação em via pública; (3) chispada – correr nu pela rua; (4) bundalelê; (5) simular relação sexual com estátuas ou monumentos etc.

5.7 Escrito ou objeto obsceno

Art. 234. Crime de ação múltipla (vários verbos no tipo). A doutrina defende a descriminalização desse tipo penal, sobretudo, por tratar de hipóteses contempladas pela adequação social.

Trata-se de crime formal e permanente na modalidade “ter sob sua guarda”. A pena é maior por atingir um número considerável de pessoas.

AULA VI - Dos crimes contra a família

Dos crimes contra o casamento

6.1 Bigamia: Art. 235 – novo casamento.

6.1.1 Objeto jurídico: tutela-se o casamento monogâmico (ordem jurídica matrimonial) e, consequentemente, a organização da família, considerada a base da sociedade. O crime é de ação penal pública incondicionada.

6.1.2 Sujeito ativo e passivo: trata-se de um crime bilateral (concurso necessário: necessita de outra pessoa). No caput, somente a pessoa casada poderá ser autora (crime próprio). No § 1º, poderá ser qualquer pessoa (crime comum) – aquele que casa com quem é casado (exceção à T. monista).

A vítima desse crime é o Estado, o cônjuge do casamento anterior, bem como, aquele que casou (desde que não saiba do casamento anterior).

6.1.3 Consumação: no momento em que os nubentes manifestaram a vontade (dispensa-se a lavratura do termo). Veja que o verbo contrair tem o significado de formalizar oficialmente um novo casamento (a habilitação para o casamento, nesse caso, incidiria em falsidade ideológica). Para Rogério Greco, o crime somente ocorrerá após a lavratura do termo.

O crime é cometido por comissão, mas admite-se a omissão imprópria. Perceba que se pune apenas a forma dolosa. Bitencourt lembra da possibilidade do dolo eventual, pois em caso de dúvida o outro nubente estará assumindo o risco.

6.1.4 Pontos relevantes

1) testemunha que afirma a inexistência de impedimento sabendo ser mentira, responderá como partícipe (Luiz Régis Prado). Mirabete defende que nessa hipótese incidirá o crime de falsidade ideológica (ato preparatório para o crime de bigamia). Todavia, esse entendimento não pode prevalecer em decorrência do princípio da consunção (crime meio: falsidade; crime fim: bigamia), salvo se o agente parar na falsidade (responderá apenas pela falsidade).
2) casamento religioso não convertido em civil não configura o crime.
3) se houver ação para anulação do casamento anterior, a ação criminal de bigamia ficará suspensa. Também deverá ficar suspensa a ação para a anulação do novo casamento, desde que não seja fundamentado na bigamia (questão prejudicial do art. 92, CPP).
4) poligamia: aplica-se a regra do concurso de crimes.
5) prescrição do crime: o prazo prescricional terá início com a data de descoberta do novo casamento e não com a da formalização deste. Veja que o fato deve ser conhecido pela autoridade pública (Delegado, MP ou Juiz) e não qualquer do povo.
6) Casamento no estrangeiro: se um Brasileiro casa a segunda vez em país que admite a poligamia (ex.: a maioria dos países árabes), não há crime, mas o segundo casamento não será reconhecido no Brasil. Se um Brasileiro casa a segunda vez em país que pune a bigamia (ex.: Paraguai e Argentina), há crime punível no Brasil.

6.2 Art. 236 - Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

6.2.1 objeto jurídico e material: constituição regular da família através do matrimônio. Esse crime se processa mediante queixa da vítima. Aliás, esse é o único exemplo no CP de ação penal privada personalíssima (não se transmite aos herdeiros, na forma que determina o § 4º, art. 100, CP.). O erro essencial do crime está previsto no art. 1.557, CC/02. Já o impedimento está previsto no art. 1.521, CC/02. [verdadeira norma penal em branco]. O objeto material é o casamento.

6.2.2 sujeitos do crime: ativo - qualquer pessoa (homem ou mulher), desde que não casada. Passivo – cônjuge enganado.

6.2.3 Tipo objetivo: induzir (aliciar ou persuadir) ou ocultar (sonegar) impedimento (art. 1.521, CC/02). A sentença que anula o casamento constitui uma condição de procedibilidade (condição para o exercício válido da ação penal). Para Rogério Greco, trata-se de condição objetiva de punibilidade.

6.2.4 Consumação: com a celebração do casamento, pois não se exige a dissolução do casamento por conta do erro ou impedimento (crime formal) para configurar o crime. Cuidado! Não confunda o momento consumativo com a condição de procedibilidade. Não se admite a tentativa. (Rogério Greco, Nucci e Bitencourt). Nesse ponto, Noronha dá um exemplo de crime tentado: alguém tenta contrair casamento, ocultando impedimento, mas antes de ultimada a celebração foi desmascarado (minoritário). A doutrina ensina que a ocultação deve ser proveniente de ação (a omissão será um indiferente penal. Ex.: silêncio e inação.). Contudo, Rogério Greco adverte que será possível a omissão imprópria.

Obs.: Em caso de torpeza bilateral (os dois nubentes escondem impedimento), ambos responderão pelo crime de forma autônoma (Bitencourt).

6.3 Art. 237 - Conhecimento prévio de impedimento (poderia estar em um parágrafo do art. anterior). Pune-se o agente que casa sabendo do impedimento que levará à nulidade absoluta. Essa exigência afasta a possibilidade do dolo eventual. Perceba que o impedimento não poderá ser casamento anterior (bigamia). Aqui, a ação penal é pública incondicionada.

6.3.1 Bem jurídico protegido, objeto material, sujeitos do crime: idem ao anterior.

6.3.2 Consumação: consuma-se com a celebração do casamento. Admite-se a tentativa, embora de difícil constatação. Em regra, crime comissivo.
6.4 Art. 238 - Simulação de autoridade para celebração de casamento

6.4.1 Bem jurídico protegido e sujeitos do crime: bem jurídico – idem ao anterior + segurança jurídica na celebração da união. A ação penal é pública incondicionada. Sujeito ativo – qualquer pessoa (homem ou mulher). Sujeito Passivo – os cônjuges que agem de boa-fé (pensam que a autoridade é competente). Perceba que há um prazo para anular esse casamento (2 anos), transformando o casamento anulável em válido (art. 1.550, CC/02). Contudo, isso jamais afastará a conduta típica (Luiz Régis Prado).

6.4.2 Consumação: quando o agente pratica ato próprio da autoridade (ex.: finge ser juiz de paz, ainda que não realize o casamento). É uma espécie de usurpação de função pública. Não se pune a forma culposa. Bitencourt lembra que não se admite a forma tentada, pois o legislador quis punir justamente atos preparatórios (da mesma forma que ocorre com “petrechos para falsificação de moeda”: art. 291, CP).

A doutrina ensina ser crime de mera conduta. Se o dolo do agente é cometer crime mais grave, deverá responder por este. Ex.: usurpar função pública para auferir vantagem (art. 328, CP).

Questão: Se um juiz de direito ou desembargador celebram o casamento, cometerão esse crime? Depende, se a legislação do Estado investiu de competência um juiz de paz ou de registro civil, sim. Lembre-se que o juiz de paz competente deverá ser o do local da celebração, pois se for de uma cidade vizinha cometerá o crime.

Obs.: Sabe-se que o escrivão não possui autoridade para celebrar casamento. Caso este se declare Juiz de Paz e outra pessoa o substitui como escrivão, haverá concurso de agentes (Bitencourt).

6.5 Art. 239 - Simulação de casamento

6.5.1 Objeto jurídico protegido e sujeitos do crime: idem ao anterior. Sujeito ativo - qualquer pessoa que simule o matrimônio (finge, disfarça, aparenta aquilo que não é etc.). Não precisa ser necessariamente um dos nubentes. Aqueles que participam do casamento, tendo ciência da simulação, serão alcançados pelo concurso eventual de pessoas. Ex.: conluio entre um dos nubentes, juiz de paz ou oficial do registro civil. Para configuração desse crime não se exige que o casamento seja realizado perante autoridade incompetente. Sujeito passivo – é a pessoa enganada e a coletividade.

Perceba que se houver torpeza bilateral, restará prejudicado esse crime (faltará o engano da outra pessoa).

Questão: O que é casamento branco ou por conveniência? Em caso de conluio para regularizar situação de estrangeiro no Brasil, os agente forjam o casamento. Nesse caso, responderão pelo crime de falsidade ideológica ou documental, com penas previstas no art. 186º da Lei nº 23/2007 ou na Lei 38/2009.

6.5.2 Consumação: efetiva simulação, ainda que o casamento não seja realizado. Exige-se o dolo de enganar o outro contraente. Se a intenção do agente era pregar uma peça nos amigos, será fato atípico. Agora, se o dolo visa crime mais grave, deverá responder pelo outro delito. Ex.: posse sexual mediante fraude (P. da consunção). Não se pune a forma culposa. Caso o nubente enganado descubra a farsa pouco antes da cerimônia, não há falar nesse crime. Note que a declaração falsa de casados é dispensada para configurar o crime em apreço.

Dos crimes contra o estado de filiação

6.6 Art. 241 – Registro de nascimento inexistente

6.6.1 Bem jurídico protegido e objeto material: é a segurança do estado de filiação (paternidade, maternidade e filiação) e a fé pública dos documentos oficiais. O objeto é o falso registro. Ex.: registrar filho que nasceu sem vida ou que nunca foi gerado. Perceba que a falsidade é um crime meio (P. da consunção).

A ação penal é pública incondicionada. Vale lembrar que a Lei 6.015/73 regulamenta o nascimento no Brasil (traz as regras para registrar os nascimentos). A competência é da justiça federal.

6.6.2 sujeitos do crimeativo – qualquer pessoa (homem ou mulher). O médico que fornece o atestado do nascimento inexistente e as testemunhas de seu registro no ofício próprio são alcançados pelo concurso de pessoas, desde que tenham conhecimento da falsidade. Passivo – pessoa prejudica pela falsificação e o Estado.

6.6.3 consumação: efetiva inscrição no registro civil, independentemente da ocorrência de prejuízo para alguém (crime material). Admite-se tentativa. Vale mencionar que o anteprojeto de reforma prevê a exigência de um especial fim de agir (obter vantagem ou prejudicar direito de outrem).

6.7 Art. 242 – Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido

6.7.1 Bem jurídico protegido, sujeitos do crime e objeto material: idem ao anterior. A ação penal é pública incondicionada. Sujeito ativo – na modalidade “dar parto alheio como próprio”, somente a mulher (a simulação da gravidez ou do parto, por si só, não constituem crime – Bento de Faria). Nas demais hipóteses, qualquer pessoa. Sujeito Passivo – o herdeiro prejudicado, o recém-nascido e a coletividade (Estado). Perceba que não poderá incluir nesse crime o natimorto. O objeto material é o registro e o recém-nascido.

Questão: O que é adoção à brasileira? É a conduta de registrar filho alheio como se fosse seu, burlando o sistema a da adoção.

6.7.2 Consumação: efetiva realização de qualquer das condutas descritas no tipo penal. Para Paulo José da Costa Júnior, nas modalidades ocultar ou substituir são exigidos um especial fim de agir (suprimir ou alterar direitos). Esse tipo penal é exemplo de tipo misto cumulativo, não havendo fungibilidade entre eles. Logo, praticando mais de uma conduta, haverá o cúmulo material. O crime é cometido por comissão. Rogério Greco defende a prática por omissão imprópria.

6.7.3 Forma privilegiada: a pena poderá ser atenuada ou perdoada se o autor agiu por motivo de reconhecida nobreza (altruísmo, humanidade ou solidariedade). Ex.: Estado de necessidade: “Absolve-se quem registra filho alheio como seu com a intenção de salvar a criança, e agindo sem o intuito de alterar a verdade nem de prejudicar direito ou criar obrigação” (TACrSP, RT 600/355; TJSP, RT 698/337, RJTJSP 162/303). Há julgados não estendendo o privilégio quando o recém-nascido é levado por casal estrangeiro.

Obs.: dar parto próprio como alheio não corresponde à conduta descrita neste artigo, podendo incidir em falsidade documental (art. 229, CP). Ex.: novela Por Amor.

6.8 Art. 243 - Sonegação de estado de filiação

6.8.1 Bem jurídico protegido: idem ao anterior. Objeto material: filho abandonado. A ação penal é pública incondicionada.

“Asilos de expostos” é uma expressão já fora de uso, que indicava determinados locais onde as crianças abandonadas eram deixadas, inclusive orfanatos. “Outra instituição de assistência” indica qualquer outra instituição destinada à assistência de crianças ou pessoas em situação de risco, tais como: creches, albergues, serviços sociais etc – a instituição pode ser pública ou particular. Perceba que o local onde o filho é deixado é elementar do tipo penal. Se não estive presente tal elementar, o crime pode ser o do art. 133 (Abandono de Incapaz) ou art. 134 (Exposição ou Abandono de Recém-Nascido) do CP.
6.8.2 Sujeitos do crimeativo – qualquer pessoa. Passivo – menor prejudicado pela ação do sujeito ativo e a coletividade.

6.8.3 Consumação: O simples abandono do menor, por si só, não caracteriza o crime, pois se faz necessário a ocultação da filiação ou a atribuição a outrem (Bento de Faria). O agente tem que saber da filiação (quem são os pais) e ocultá-la ou atribuí-la a outrem. Não configuram esse crime: (1) mãe que abandona bebê com identificação na roupa ou bilhete; (2) alguém deixa o filho na casa de um particular identificando a criança. O dono da casa, por sua vez, abandona a criança no asilo.

É um crime material comissivo, mas admite-se a omissão imprópria (Luiz Régis Prado).

Dos crimes contra a assistência familiar

6.9 art. 244 - Abandono material:

6.9.1 Bem jurídico protegido e objeto material: estrutura e organismo familiar, particularmente sua preservação, relativamente ao amparo material devido por ascendentes, descendentes e cônjuges, reciprocamente. As condutas são: (1) deixar de prestar subsistência; (2) deixar de pagar pensão fixada; (3) deixar de socorrer. Trata-se de crime omissivo próprio. O objeto material é a renda/pensão/auxílio (Nucci).

6.9.2 Sujeitos dos crimesativo – cônjuges, genitores, ascendentes ou descendentes (crime bipróprio). Passivo – o cônjuge, o filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho, ascendente inválido ou maior de sessenta anos de idade, ascendente ou descendente gravemente enfermo. Esse rol de vítima é taxativo (numerus clausus), não admitindo a inclusão de primos, tios, sobrinhos, irmãos etc.

6.9.3 Consumação: com a recusa do agente em proporcionar os recursos necessários à vítima, ou quando falta ao pagamento de pensão ou deixa de prestar socorro (crime formal para a corrente majoritária). Não se admite a tentativa. Veja que se existir um justo motivo, o fato será atípico. O dolo neste crime deve ser o próprio, pois o mero inadimplemento de pensão fixada pelo juiz terá repercussão apenas na esfera civil.

Trata-se de crime permanente (prolonga-se no tempo). Para Bitencourt, se o agente cometer mais de uma conduta incorrerá em concurso material de crimes. Rogério Greco defende ser o tipo misto “cumulativo e alternativo”, pois dependerá do caso concreto: duas condutas poderão resultar em crime único ou não.

O agente já condenado que prosseguir em sua conduta delituosa poderá ser novamente processado. Caso o dever de assistência recaia sobre várias pessoas, cada uma responderá como autora da sua omissão. A doutrina ensina que esse crime é formal.

6.9.4 Pontos relevantes:

1) pai não biológico: deixar de pagar pensão ao descobrir que não era o verdadeiro pai não configura o delito (TJMG). Esse entendimento não prevalece.
2) mãe que deixa o filho aos cuidados dos avós – fato atípico.
3) dolo no abandono de emprego: forma especial de abandono material.
4) detração da prisão civil: o tempo de prisão civil poderá ser descontado na penal.

6.10 Art. 245 – Entrega de filho menor a pessoa inidônea

6.10.1 Bem jurídico protegido: dever que têm os pais de criar e educar os filhos, ao qual corresponde o direito destes de ser bem criados e educados por pessoas idôneas (Paulo José da Costa Jr.). Trata-se de crime próprio (somente os genitores responsáveis). Objeto material: o menor de 18 anos. A ação penal é pública incondicionada.

Pessoas inidôneas: (1) prostitutas/prostitutos; (2) portadores de doenças infectocontagiosas; (3) ébrio contumaz etc.

Não se exige tempo de entrega (o período poderá ser breve ou longo).

6.10.2 sujeitos do crime: ativo – somente os pais (legítimos ou adotivos). O tutor ou outra pessoa legalmente responsável poderá concorrer para o crime. Passivo – filho menor de 18 anos.

6.10.3 Consumação: com a entrega efetiva do menor à pessoa inidônea ou com o auxílio nos atos praticados para enviar o menor ao exterior com a finalidade lucrativa. Não importa se o lucro provenha de atividade lícita ou não. Ex.: entregar filho a casal estrangeiro para fim de adoção por dinheiro (será qualificado). Mirabete e Fragoso entendem que as expressões “saiba ou deva saber” indicam que o crime admite a forma culposa. Todavia, Nucci e Régis Prado (majoritários) não concordam com esse entendimento. Há discussão se o crime é de perigo concreto (Rogério Greco) ou presumido (Bitencourt).

Revogação do § 2º: Rogério Greco lembra que esse parágrafo foi revogado tacitamente pelo art. 239, ECA.

6.11 Art. 246 - Abandono intelectual

6.11.1 Bem jurídico protegido: educação dos filhos menores para o convívio social. A ação penal é pública incondicionada. Trata-se de crime omissivo próprio.

6.11.2 Sujeitos do crimeativo – os pais do menor (legítimos ou adotivos). Passivo – menor em idade escolar (entre 7 e 14 anos).

A justa causa torna o fato atípico. Ex.: (1) dificuldades de acesso às escolas; (2) falta de escolas ou de vagas; (3) grau de instrução rudimentar etc. Há quem defenda que o tempo é irrelevante. Contudo, deverá existir um certo período. Para Rogério Greco, basta a perda da matrícula de forma injustificada. Logo, não se pune a forma culposa.

6.12 Art. 247 - Abandono moral

6.12.1 Bem jurídico protegido: é a formação moral do menor de 18 anos. O verbo do tipo é PERMITIR, no sentido de tolerar, admitir, por ação ou omissão a incidência das hipóteses previstas no artigo. A ação penal é pública incondicionada.

No inciso I – o menor deve comparecer com habitualidade ou ter contato habitual com a pessoa mencionada no inciso.
No inciso II – idem. Logo, o comparecimento por uma ou outra vez ao local proibido será insuficiente para caracterizar o fato típico. Rogério Sanches defende que esse inciso foi revogado pelo art. 240 do ECA (cenas de sexo).
No inciso IV – Bitencourt defende que mendigos que admitem que os filhos saiam às ruas para mendigar, como única forma de sobrevivência sem delinquir, não comete o crime em tela, pois nesse inciso exige-se um especial fim de agir (comiseração pública – alguém utiliza uma criança para mendicância). Há julgados condenando a mãe por omissão imprópria, desde que a mendicância não seja essencial para a subsistência da família.

A prática de mais de uma conduta incide em concurso de crimes, pois o tipo penal não é de conteúdo variado.

6.12.2 Sujeitos do crimeativo - são os pais ou qualquer pessoa a quem se confie a guarda ou vigilância do menor. Passivo - é o menor de 18 anos.

Dos crimes contra o pátrio poder, tutela ou curatela

6.13 Art. 248 – Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes

6.13.1 Bem jurídico protegido: pátrio poder (hoje poder familiar), a tutela, especialmente os direitos a seu exercício. A ação penal é pública incondicionada.

6.13.2 Sujeitos do crimeativo – qualquer pessoa. Passivo – aqueles que detém o direito/dever de exercer o poder familiar ou curatela (não abrange o pródigo), bem como o menor de 18 anos ou interdito.

Deve ser o ato sem justa causa ou ilegítimo. Ex.: (1) pai que entrega o filho em prazo superior ao acordado; (2) diretor de colégio, asilo ou casa de saúde que entrega o menor/interdito a alguém sem a devida autorização.

6.13.3 Consumação: (1) com a efetiva fuga do incapaz; (2) com a entrega; (3) com a recusa injustificada do agente (Noronha e Rogério Greco). Admite-se a tentativa na forma induzimento à fuga e entrega arbitrária. Para a corrente majoritária o crime é formal de perigo presumido (Nucci). Na forma “recusar” o crime é omissivo.

Questão: Por qual crime responde aquele que recebe o incapaz na entrega arbitrária? De acordo com Rogério Greco, responderá pela coautoria, desde que saiba da arbitrariedade. Agora, se ele desconhece o arbítrio e se recusa a devolver depois de ter a posse do incapaz, responderá pela sonegação.

Obs.: Pessoa separada judicialmente e desprovida de poder familiar que se recusa a entregar filho menor incorre no tipo do art. 359, CP (desobediência á decisão judicial). Agora, se a pessoa possui autorização e demora na devolução poderá responder por subtração de incapazes.

6.14 Art. 249 – Subtração de incapazes

6.14.1 Bem jurídico protegido: idem ao anterior.

6.14.2 Sujeitos do crimeativo – qualquer pessoa (inclusive pai, mãe, tutor, curador etc.). Perceba que se a pessoa estava investida do poder familiar, haverá posse justa (exercício regular de um direito). Passivo – incapaz que é subtraído e os pais ou o curador.

6.14.3 Consumação: efetiva subtração, ainda que o autor não consiga consolidar seu domínio sobre a vítima (posse intranquila). É imprescindível o dolo e que o agente tenha conhecimento de que o incapaz se encontra sob guarda ou proteção legal de outrem. Perceba que o meio de execução é irrelevante, pelo menos em tese (fraude, sedução, ardil, consentimento da vítima etc.).

Vale lembrar que se o agente restituir o subtraído sem que tenha sofrido maus-tratos ou privações (ficar sem comida, água, agasalho etc.) poderá ficar isento de pena. Agora, devolvendo-o nas condições mencionadas poderá ser beneficiado por arrependimento posterior.

6.14.5 Pontos relevantes:

1) Fuga do menor: se o menor fugir sozinho sem a subtração será fato atípico. Agora, se alguém auxiliar esse menor em sua intenção o crime estará tipificado (Bitencourt). Em sentido contrário: Heleno Cláudio Fragoso.
2) Subtração e outros crimes: se a finalidade for libidinosa, incidirá o crime de sequestro e cárcere privado (art. 148, § 1º, IV e V, CP). Se for para receber resgate, extorsão mediante sequestro (art. 159, CP). Se a intenção for apenas a privação da liberdade, constrangimento ilegal (art. 146, CP). Caso o agente queira colocar a vítima em família substituta, responderá pelo art. 237 do ECA.
3) emprego de violência durante a subtração: Rogério Greco lembra que deverá ser aplicado co concurso formal impróprio (subtração + a violência).
4) menor abandonado que vivia na rua em situação de risco: não há crime de subtração se o agente leva esse menor para casa (TJMG).

AULA VIII – CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

O Código Penal brasileiro no capítulo III do Título I traz os delitos de perigo individual (Da Periclitação da Vida e da Saúde). O Título VIII trata a respeito dos crimes contra a incolumidade pública (os crimes aqui previstos são de ação penal pública incondicionada).

Perigo Individual é aquele que expõe ao risco de dano, bem jurídico de uma pessoa determinada ou um número determinado de pessoas. Já os delitos de perigo comum ou coletivo são aqueles que expõem ao risco de dano interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

O elemento subjetivo dos delitos de perigo comum é quase sempre o dolo de perigo, no qual o sujeito age com o fim de criar um perigo de dano a um ou vários bens jurídicos protegidos. No caso do Título VIII a comunhão de bens que se pode proteger recebe o nome de incolumidade pública. Isto quer dizer que a incolumidade pública reúne na sua ideia a proteção concomitante de vários bens, como, por exemplo, a integridade física, a vida, o patrimônio, a saúde pública e a segurança nos meios de transporte.

O dolo de perigo nesses delitos pode ser direto (quando o agente age com o fim de expor o bem jurídico diretamente a risco de dano) ou dolo eventual (quando o autor realiza a conduta assumindo o risco de produzir o resultado, que é o perigo de dano)

Os delitos de perigo comum também são punidos, em regra, culposamente (há exceções em que se pune apenas o dolo).
Forma qualificada: Quando o crime de perigo comum for doloso e dele resultar lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resultar morte é aplicada em dobro; quando se admite a forma culposa, se resulta lesão corporal, a pena aumenta-se da metade; se do fato resulta morte, aplica-se a pena cominada ao crime de homicídio culposo, aumentada de um terço (CP, art. 258).

Havendo várias vítimas, responderá o agente por apenas um delito qualificado pelo resultado, excluindo-se o concurso formal (Bitencourt). Se do crime resulta morte e lesão corporal, aplica-se a qualificadora da morte, por ser mais grave. Assim, havendo na lei expressa previsão da genérica qualificação dos crimes de perigo comum em decorrência de lesões pessoais ou de morte, não há como considerar separadamente tais resultados para admiti-los como figuras autônomas, ao lado do crime de perigo que as ensejou. Todavia, como o legislador somente qualifica o crime de perigo coletivo doloso (quando houver morte ou lesão corporal grave), sobrevindo lesão corporal leve, será inevitável admitir o concurso de crimes (de perigo comum e o de lesão leve).

Vale registrar que neste Título também se encontram crimes de perigo abstrato e de perigo concreto:

Crimes de perigo abstrato são aqueles em que não é necessária a comprovação do efetivo risco ao bem jurídico protegido, sendo suficiente a realização da conduta. Cita-se como exemplo o tipo penal do art. 253 do CP (Fabrico, Fornecimento, Aquisição, Posse ou Transporte de Explosivos ou Gás Tóxico ou Asfixiante).

Crimes de perigo concreto são aqueles que exigem a demonstração do efetivo risco ao objeto jurídico protegido no caso em concreto (ex.: o art. 250 do CP – Incêndio).

8.1 Art. 250 Incêndio

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública que consiste nos vários bens jurídicos protegidos (vida, integridade física, patrimônio etc.) de um número indeterminado de pessoas.

O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido, proveniente de uma conduta dolosa ou culposa. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

caput prevê a conduta básica do delito que é a causação do incêndio que expõe a risco a vida, integridade física e patrimônio de um número indeterminado de pessoas. O § 1º estabelece causas de aumento de pena subjetivas (inciso I) e objetivas (inciso II). Por fim, o § 2º define o incêndio realizado de forma culposa (negligência, imprudência ou imperícia).

8.1.2 Sujeitos do delito: Ativo – qualquer pessoa (inclusive o proprietário). Passivo – coletividade.

8.1.3 Tipo objetivo: O crime de incêndio é de perigo, caracterizando-se pela exposição a um número indeterminado de pessoas a perigo. Somente haverá o crime em análise se o incêndio acarretar perigo para um número indeterminado de pessoas ou de bens. Se o agente visar expor a perigo somente uma pessoa certa e determinada, o crime será aquele do art. 132 do CP. Não basta a potencialidade do perigo, pois é necessário que este seja concreto e efetivo. Assim, se o fogo ficar setorizado em um cômodo da casa ou com facilidade de ser apagado pela vítima ou terceiros, inexistirá o crime.

8.1.4 Tipo subjetivo: vontade consciente de causar incêndio. Se visar a obtenção de vantagem pecuniária, em proveito próprio ou alheio, a pena será majorada em 1/3. Poderá configurar crime contra a segurança nacional (art. 26 da Lei 6.620/78). Consuma-se com a superveniência da situação de perigo comum, e não apenas com início do fogo. Não se trata de perigo abstrato, sendo necessária não apenas a produção de fogo autônomo e relevante, mas também a verificação do perigo concreto e efetivo, embora não se exija a produção de chamas. Admite-se a tentativa.

8.1.5 Formas qualificadas: § 1º:

inciso I – intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio (o agente que incendeia coisa própria para receber seguro sem expor em perigo a coletividade responde pelo art. 171, CP).
Inciso II – (a) em casa habitada ou destinada a habitação (basta que o agente saiba ser a casa destinada à habitação, sendo desnecessária a presença de pessoas dentro dela); (b) em edifício público ou destinado a uso público (igrejas, cinemas, teatros etc.) ou obra de assistência social (hospitais, creches, sanatórios etc.) ou veículo de cultura (museus, bibliotecas etc.); (c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo (barcos, trens, ônibus, aviões – não precisam estar ocupados com pessoas ou coisas); (d) em estação ferroviária ou aeródromo (construções portuárias e estações rodoviárias); (e) em estaleiro, fábrica ou oficina (mesmo que se verifique a ausência de pessoas no local); (f) em depósito de explosivo (matéria detonante ou deflagrante), combustível (substância capaz de fomentar o fogo) ou inflamável (substância facilmente combustível); (g) em poço petrolífero ou galeria de mineração (em razão da gravidade dos efeitos produzidos); (h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta (lavoura é terra cultivada; pastagem é campo coberto de ervas para a alimentação do gado; mata é o conjunto de árvores de grande porte, e floresta é agrupamento de matas).

8.1.6 Forma culposa: é admitida. Ex.: (1) pessoa ateia fogo em vegetação sem guarnecê-la da proteção necessária, dando causa a incêndio, com consequentes danos ao patrimônio alheio e perigo para a incolumidade pública; (2) agente que, agindo com imprudência, provoca explosão ao inserir óleo diesel em lamparina ainda acesa, permitindo, assim, que o fogo se alastre pela residência da vítima, causando morte de uma pessoa.

8.1.7 Concurso com o crime de homicídio: quando o sujeito ativo objetiva, com a produção do incêndio, matar ou lesionar pessoa certa, haverá concurso formal entre o delito de incêndio e homicídio qualificado (art. 121, p. único, III, CP), tentado ou consumado, ou o de lesão corporal, com a agravante do art. 61, II, d, CP. Se o incêndio é motivado por inconformismo político, o crime será o do art. 20 da Lei 7.170/83.

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

8.1.8 Incêndio em mata ou floresta (crime ambiental): O art. 41 da Lei 9.605/98 dever preponderar quando o incêndio não expõe em perigo a incolumidade pública, visto que a norma ambiental resguarda a integridade das matas e florestas. Se o fogo, porém, for provocado em lavoura ou pastagem, poderá incorrer o agente nas penas do art. 250, CP, já que o art. 41, acima mencionado, refere-se tão somente ao fogo potencialmente lesivo às matas e florestas (Luiz Régis Prado).

Atenção! Responde pelo crime em estudo o agente que propositadamente põe fogo em vegetação de uma região que sabe ser habitada.

Questão: Que crime pratica o agente que ateia fogo em local afastado de outras construções e pessoas? O fato poderá configurara o crime de dano se com o incêndio não houve a criação de um perigo comum.

Questão: Por qual tipo penal responde o agente que provoca incêndio ocasionando poluição atmosférica? Para a hipótese de poluição atmosférica (com resultados lesivos à saúde humana, aos animais e à flora), poderá incorrer o agente nas penas do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais.

Questão: É necessário prova pericial para o crime em estudo? O laudo técnico sobre o incêndio é indispensável para a comprovação da materialidade do crime de incêndio (o laudo determinará o motivo, local de início do fogo, o perigo gerado e a extensão do dano). Bitencourt defende que a falta ou insuficiência de prova direta da ação de atear fogo prejudica a reprovação penal, ainda que indícios levem à certeza da autoria.

8.1.9 Pontos relevantes:
1) a causação de incêndio em coisa própria, sem a produção de perigo comum é considerado fato atípico.
2) atear fogo em restos de árvores já sem vida não configura o delito do art. 41 da Lei 9.605/98, cujas elementares são: mata ou floresta, vegetação cerrada e de grande porte (TJRS).

8.2 Art. 251 - Explosão

8.2.1 Tipo objetivo: a conduta tipificada é expor a perigo, que tem o sentido de arriscar, colocar em perigo o bem protegido. Difere do art. 132, por acrescentar o patrimônio de outrem na tutela penal (número incerto de pessoas).

a) Explosão: ato ou efeito de rebentar com violência, estrondo, estrupo e deslocamento de ar.
b) arremesso de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos (consiste no lançamento a distância de artefato feito de substância explosiva, que pode ser de dinamite ou nitroglicerina ou TNT, explosivos à base de ar líquido, as gelatinas explosivas etc.).
c) colocação de dinamite ou substância de efeitos análogos (pôr em determinado local).

8.2.3 Tipo subjetivo: não há finalidade especial (se for para fins de vantagem pecuniária, o crime será majorado). Consuma-se com a explosão, arremesso ou colocação do engenho (desde que haja iminente perigo). Admite-se a tentativa.

8.2.4 Formas: (1) privilegiada: se o artefato usado não for dinamite ou substância de efeitos análogos aplica-se pena mais branda; (2) majorada: ocorrência de qualquer das hipóteses elencadas no art. 250, § 1º, I e II, CP (do incêndio); (3) culposa: não abarca o mero arremesso ou a colocação do artefato explosivo, mas somente a explosão. Caso não ocorra perigo à incolumidade pública, e não sendo própria a coisa, responderá o agente pelo delito de dano qualificado (art. 163, p. único, III, CP) ou pelo art. 42 da Lei 9.605/98. Se a explosão ofender a segurança nacional, o agente responderá pelo art. 20 da Lei 7.170/83.

Atenção! Homicídio praticado com uso de explosivo – poderá haver concurso formal (homicídio qualificado e explosão).

8.2.5 Pontos relevantes:

1) arremesso de fogos de artifício em local ocasionalmente desabitado, não causando danos ao ambiente, não pode denotar o crime de explosão, mas contravenção penal (art. 28, LCP).
2) bomba colocada ao lado da janela da sala de aula com o objetivo de atingir desafeto faz com que sejam imputadas ao agente causador do perigo as sanções cominadas no art. 251, § 1º, do CP.
3) queima de fogos e soltura de balões: art. 28 da LCP.
4) pesca com utilização de explosivos: crime ambiental (art. 35).

8.3 Art. 252 Uso de gás tóxico ou asfixiante

8.3.1 Tipo objetivo: a conduta criminalizada é expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de indiscriminado número de pessoas. Na execução dessa exposição a perigo o agente utilizará gás tóxico (que ocasione o envenenamento) ou asfixiante (que ocasione sufocação). A natureza ou qualidade do gás deve ser comprovada através de exame pericial. Noronha lembra que o gás não precisa ser mortal, podendo até ser inócuo para o indivíduo, mas nocivo ao patrimônio.

O crime é de perigo concreto, por isso já se decidiu que “não caracteriza o crime previsto no art. 252 do CP a conduta de quem adapta veículo automotor e com ele transita, acionado a gás liquefeito de petróleo, em face da ausência de prova de perigo concreto” (TJSP).

8.3.2 Tipo subjetivo: somente serão responsáveis criminalmente os que lhe tenham dado causa, ainda que indiretamente, com dolo ou culpa. O consuma-se com a instalação da situação de perigo concreto. É indispensável a ocorrência efetiva de perigo para a incolumidade pública. Admite-se, em tese, a tentativa e a forma culposa.

8.3.3 Pontos relevantes:
1) A detonação de ampola de gás lacrimogêneo, mesmo em recinto fechado, não tem toxicidade suficiente para criar o perigo exigido pelo tipo penal. A conduta será atípica.
2) Se o gás não é tóxico ou asfixiante, poderá o ato configurar contravenção penal (art. 38 da LCP).
3) o agente que com sua conduta visa expor a perigo de vida número determinado de pessoas pratica o delito constante do art. 132, CP. Caso a intenção do sujeito ativo seja provocar a morte de certa pessoa, responderá também pelo delito de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, III, CP), em concurso formal.
4) utilização de gás lacrimogêneo pela polícia: poderá utilizar desde que necessária a repelir agressões injustas, atuais ou iminentes (legítima defesa ou estrito cumprimento de dever legal).
5) gás lacrimogêneo em instrução militar: deve ser utilizado de forma cautelosa, evitando lesões corporais (queimaduras).

8.4 Art. 253 Fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante.

8.4.1 Tipo objetivo: condutas típicas alternativamente previstas (conteúdo variado): (1) fabricar (elaborar, criar, produzir); (2) fornecer (entregar a outrem, a título gratuito ou oneroso); (3) adquirir (obter, gratuita ou onerosamente); (4) possuir (ter sob guarda ou à disposição); e (5) transportar (conduzir ou remover de um lugar para outro). Não há previsão para a modalidade culposa. A tentativa é de difícil constatação, embora teoricamente possível (a corrente majoritária não enxerga a figura tentada).

Nas figuras “possuir” e “transportar”, o crime é permanente. As condutas devem ser praticadas sem autorização da autoridade competente (ausência de causa de justificação). Logo, havendo autorização, não há falar em crime. Bitencourt assevera que o desconhecimento da inexistência dessa licença, ou mesmo da necessidade dela, podem caracterizar erro de tipo.

8.4.2 Pontos relevantes:
1) Explosivos deteriorado, insuscetível de alcançar sua destinação normal, não caracteriza o crime do art. 252, CP, pois ausente o perigo à incolumidade pública, tipificando-se modalidade de crime impossível.
2) a contravenção do art. 18, LCP é absorvida pelo crime descrito no presente artigo. Se o fabrico de explosivos é meio para a prática do crime de dano qualificado (art. 163, p. único, II, CP), não se verifica o concurso material, mas a absorção daquele por este.
3) Nucci menciona que não é preciso que o material só possa ser usado para o fabrico de explosivo, mas que, em determinado contexto, seja usada para tal fim (faz uma comparação com o tráfico de drogas. Ex.: transportar éter sem autorização é tráfico de drogas).
4) armazenamento de quantidade considerável de fogos de artifício em estabelecimento comercial, sem a devida permissão da autoridade competente configura o crime em comento.
5) revogação parcial do art. 253, CP pelo Estatuto do Desarmamento: fabricar e possuir substância ou engenho explosivo (art. 16 da Lei 10.826/03 – aqui não cabe liberdade provisória).
6) danos nucleares: ver arts. 22 e 26 da Lei 6.453/77.

8.5 Art. 254 Inundação

As águas são desviadas de seus limites naturais ou artificiais, expandindo-se em tal quantidade que criam perigo de dano a indeterminado número de pessoas ou coisas.

8.5.1 Tipo objetivo: o crime pode ser praticado por ação ou omissão, desde que, na segunda hipótese, haja o dever de evitar a inundação. Consuma-se o delito somente se houver exposição a perigo real de vida, da integridade física ou do patrimônio de alguém. Logo, não basta qualquer alagamento ou transbordamento. É necessário que o agente não consiga mais exercer domínio da força natural das águas. Admite-se a forma tentada. Ex.: o agente desvia a trajetória das águas de um riacho e antes que estas ganhem volume são detidas ou reconduzidas ao leito próprio.

Não confunda a tentativa de inundação com o crime de perigo de inundação (art. 255, CP). A distinção entre ambos é feita pelo elemento subjetivo, “pois no perigo de inundação o agente não quer o alagamento nem assume o risco de produzi-lo”.

8.5.2 Pontos relevantes:
1) se não se configura perigo à incolumidade pública, a inundação poderá, conforme o caso, caracterizar o crime de usurpação de águas (art. 161, § 1º, I, CP) ou dano (art. 163, CP).
2) concurso formal impróprio com o homicídio qualificado (o agente responderá pelos dois crimes).
3) o alagamento de pouca monta poderá constituir o crime de dano (art. 163, CP).

8.6 Art. 255 Perigo de inundação

8.6.1 Tipo objetivo: são três ações alternativamente previstas: (1) remover (deslocar, transpor, transferir, mudar de lugar); (2) destruir (eliminar, fazer desaparecer); ou (3) inutilizar (tornar inútil, inoperante ou imprestável).

O sujeito ativo não quer a inundação, embora tenha conhecimento do perigo de sua ocorrência. Parte da doutrina entende que a superveniência da inundação faz com que o agente responda pelo crime do art. 255 em concurso formal com a modalidade do art. 254.

8.6.2 Tipo subjetivo: é o dolo de perigo, representeado pela vontade consciente de praticar qualquer das condutas proibidas com a consciência de expor a perigo a vida, a saúde ou integridade física, ou o patrimônio de outrem. Consuma-se o crime com a prática de qualquer das condutas descritas, criando o perigo comum, independentemente da ocorrência efetiva da inundação. Esta, se ocorrer, representará somente o exaurimento do crime, já que não era objeto do dolo. É inadmissível, teoricamente, a tentativa.

Obs.: Há julgados responsabilizando objetivamente a administração pública quando demonstrado o nexo causal entre a inundação e a ausência de manutenção de bueiros e limpeza de rios.

8.7 Art. 256 Desabamento ou desmoronamento

8.7.1 Tipo objetivo: desabamento ocorre em construção. Desmoronamento, em solo, terra, rocha etc. Segundo a exposição de motivos, a conduta em exame consiste no fato de causar, em prédio próprio ou alheio, desabamento total ou parcial de alguma construção (item 80). Caso não sobrevenha risco à incolumidade pública, poderá o desabamento caracterizar a contravenção prevista no art. 29, LCP. Se não houver perigo comum, restringindo-se o desabamento com vítimas à área interna do terreno, desclassifica-se para os art. 121, § 3º, e 129, § 6º, CP. Se o desabamento ou desmoronamento foi alcançado mediante emprego de explosivo, com a consequente produção de perigo concreto é mister a aplicação do principio da consumação, respondendo o agente apenas pelo delito do art. 251 (explosão).

Obs.: há julgados responsabilizando o engenheiro responsável pela obra, desde que haja nexo causal. Não há falar nesse crime se o desabamento ou desmoronamento ocorrer em local sem acesso ao público (canteiro de obras, por exemplo). Nesse caso, o agente responderá pela lesão ou morte culposa.

8.8 Art. 257 Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento.

Essas condutas devem ser praticadas por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio ou outro desastre ou calamidade, e devem ter por objeto aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate a perigo, de socorro ou salvamento. Os sujeitos ativos desse crime, normalmente, são aqueles que têm o dever jurídico de prestar socorro imposto pelo art. 135, CP (Paulo José da Costa Jr.).

8.8.1 Tipo objetivo (ação múltipla ou conteúdo variado): (1) subtrair (tirar, levar astuciosamente); (2) ocultar (encobrir, esconder) ou (3) inutilizar (destruir, tornar inútil). Pode o agente utilizar-se de quaisquer meios (violência, fraude ou ameaça). Ex.: comunicação de falsas ordens.

O comportamento omissivo, por si só, não caracteriza este crime, salvo se o omitente tiver o dever legal de impedir a produção do resultado (art. 13, § 2º). Se o incêndio, inundação ou naufrágio for resultado da conduta do agente, poderá o agente responder pelo concurso material de crimes. Caso o sujeito ativo tenha subtraído ou danificado o aparelho o material alheio destinado ao socorro ou salvamento, responderá pelo crime de furto (art. 155) ou dano (art. 163), em concurso material.

8.8.2 Tipo subjetivo: não há previsão para a modalidade culposa.

8.9 Art. 259 Difusão de doença ou praga

Coíbe as condutas que possam causar danos a florestas, plantações ou animais de utilidade econômica. A simples exposição a perigo justifica a proteção, pois a eventual produção de dano é irrelevante para a caracterização do crime.

8.9.1 Tipo objetivo: difundir significa espalhar, disseminar, propagar. Doença é a perturbação, a alteração da saúde ou, ainda, o processo que causa enfraquecimento ou morte dos animais ou plantas; no caso, deve tratar-se de doença grave isto é, de moléstia grave e transmissível (ex.: peste bubônica, febre aftosa, lagarta das plantas, gelequídeo etc.). Praga é qualquer outro mal grave que atinge a coletividade de plantas ou animais; praga, à semelhança da epidemia, é um “surto maléfico” e transeunte, capas de danificar floresta, plantação ou animais de utilização econômica. Pune-se a modalidade culposa.

Há julgados condenando proprietário de animal portador de doença contagiosa que permite que seu animal saia do isolamento e coloca em perigo a vida de outros animais.

Atenção! Esse crime é de perigo abstrato.

Obs.: Para Luiz Régis Prado, esse art. foi tacitamente revogado pelo disposto no art. 61 da Lei de Crimes Ambientais, que comina pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, para o agente que disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas. Vale lembrar que nesse caso há uma novatio legis in mellius (aplicação retroativa).


Mudança no CP: a Lei 12.737/12 alterou o Art. 266

A Lei n.° 12.737/2012 inseriu o § 1º a esse art. 266 do Código Penal, renumerando o antigo parágrafo único, que agora passa a ser o § 2º. O caput não foi modificado. Desse modo, a única inovação está no § 1º.

Art. 266. Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico

Art. 266. Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento. [inserido pela Lei n.° 12.737/201])
§ 2º Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública. [§ 2º era o antigo parágrafo único; seu conteúdo não foi alterado]

caput estabelece que, se o serviço já estiver interrompido, será também considerada criminosa a conduta de impedir ou dificultar o seu restabelecimento. Lembra Cavalcante que os serviços telegráficos e radiotelegráficos previstos no caput estão em franco desuso, pois atualmente, além do telefone, as formas mais comuns e eficientes de comunicação são os serviços telemáticos, com destaque para a internet. Assim, o art. 266 encontrava-se desatualizado, considerando que não previa como crime a interrupção do serviço telemático. “O objetivo da alteração foi, portanto, o de trazer essa nova incriminação”.

Questão: Se o agente perturbar (atrapalhar), sem interromper, serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ele pratica algum crime? Não, pois a Lei n.° 12.737/2012 não previu essa hipótese (é possível apenas para o caput).

INTERROMPER
Serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico
É crime
Serviço telemático ou de informação de utilidade pública
PERTURBAR
Serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico
É crime
Serviço telemático ou de informação de utilidade pública
NÃO é crime
IMPEDIR ou DIFICULTAR o restabelecimento
Serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico
É crime
Serviço telemático ou de informação de utilidade pública


Questão: Qual é o prazo de vacatio legis da Lei 12.737/12? 120 (cento e vinte) dias. Como foi publicada em 03/12/2012, a alteração somente entrará em vigor no dia 02/04/2013.


Aula IX DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

9.1 Art. 267 Epidemia

9.1.1 bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente saúde pública. Damásio define a saúde pública como sendo “a normalidade física, mental e orgânica de um número indeterminado de pessoas”. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico (crime formal).

9.1.2 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de estar contaminada ou não pelos germes patogênicos. (2) passivo – coletividade (sociedade) que será atingida diretamente pela propagação da doença (tem que ser número indeterminado de pessoas, caso contrário o crime será o do art. 131 – perigo de contágio de moléstia grave). Bitencourt afirma que o Estado é o sujeito passivo imediato, por entender que este se confunde com a coletividade.

A conduta típica é causar, que tem o sentido de provocar, gerar epidemia. O verbo “causar” tem o sentido de ação, mas também pode ser realizada via omissão imprópria. Epidemia, para Bitencourt, é “o surto de uma doença acidental e transitória, que ataca um grande número de indivíduos, ao mesmo tempo, em determinado país ou região”. Para Rogério Greco, a epidemia deve ser entendida como “uma doença que surge rapidamente em determinado lugar e acomete simultaneamente grande número de pessoas”.

O objeto material são os germes patogênicos. Conforme o tipo penal descreve, a epidemia será causada pela propagação (disseminação, espalhar, difundir) de germes patogênicos (vírus e bactérias). Perceba que a doença tem que ser humana.

Obs.: Epidemia não se confunde com pandemia e endemia. Pandemia é disseminação de uma doença em vários lugares do planeta (Bento de Faria). Já endemia é a doença que surge frequentemente ou permanentemente em um determinado lugar e lá se mantém. Ex.: febre-amarela.

9.1.3 Tipo subjetivo: O tipo penal no caput é praticado com dolo de perigo coletivo e concreto genérico que pode ser direto ou eventual (corrente majoritária). Entretanto, encontra-se na doutrina entendimento de que o perigo nesse delito é abstrato (presumido).

Nucci considera que o tipo penal não possui elemento subjetivo especial ou específico. Por outro lado, Bitencourt entende que o fim especial de agir está contido na intenção de causar a epidemia mediante a propagação de germes patogênicos. O erro quanto à potencialidade infecciosa dos germes patogênicos exclui o dolo e, consequentemente, o crime (erro de tipo).

O crime se consuma com a provocação da epidemia em virtude da propagação dos germes patogênicos. Para Nucci e Bitencourt, o crime é material (precisa do resultado epidemia após a propagação dos germes). Para Delmanto, formal (majoritária). Admite-se a tentativa. Se poucas pessoas contraírem a moléstia, o agente responderá por tentativa de epidemia (jurisprudência).

9.1.4 Causa especial de aumento de pena (e qualificadora do art. 285):

A pena do agente será dobrada (20 a 30 anos) em caso de morte de uma ou mais pessoas. Este resultado agravador é gerado de forma culposa (quase sempre com culpa consciente – tem que ser preterdoloso). Não há a incidência de concurso de crimes nesse caso, uma vez que o legislador define que o aumento de pena se dará em virtude do resultado morte, não delimitando sua quantidade. Agora, se o agente quis causar a morte responderá pelo concurso formal ou material de crimes (dependendo do caso).

Se a epidemia for causada de forma culposa por inobservância do dever objetivo de cuidado, o agente será apenado com a pena prevista na primeira parte do artigo. Mas se desta conduta culposa, o agente provocar a morte de uma ou mais pessoas de forma não intencional, responderá pela qualificadora prevista na parte final do dispositivo.

9.1.5 Pontos relevantes:

1) epidemia causada dolosamente que resulta em morte (agravada pelo resultado) é
definida como crime hediondo (art. 1º, VII, da Lei n.º 8.072/90).
2) Ocorrendo epidemia com resultado morte é admissível a decretação de prisão temporária do sujeito ativo, conforme expressa o art. 1º, III, “j”, da Lei n.º 7.960/1989, se presentes os requisitos exigidos.
3) Em temas de crimes contra a saúde pública, sem laudo pericial afirmando que a substância é nociva à saúde descabe ação penal, posto não haver crime a punir. (TJSC).

9.2 Art. 268 Infração de medida sanitária preventiva

A conduta criminosa consiste em infringir determinação do poder público (Leis, Decretos, Portarias etc.). Não basta qualquer dispositivo sanitário, mas aquele voltado ao impedimento de introdução ou propagação de doença contagiosa. Trata-se de norma penal em branco. Para Nucci, o objeto material do crime é a determinação do poder público infringida pelo agente (crime de mera conduta). O abate e transporte irregular de animais e a reutilização de agulhas hipodérmicas em hospital configuram esse crime (jurisprudência). Para a maioria da doutrina o crime é abstrato. Não se pune a forma culposa, salvo se resultar epidemia (responde pelo art. 267, § 2º).

9.3 Art. 269 Omissão de notificação de doença

9.3.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública). Para Bitencourt, se protege “particularmente a seriedade que deve orientar o atendimento da saúde pública”.

9.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - é crime próprio, pois somente o médico pode praticá-lo. Admite concurso de pessoas, mas é fundamental que o médico seja um dos agentes do delito (paciente que induz médico a não notificar). Nesse caso, independente do coautor ou partícipe ser médico ou não, aplicar-se-á o disposto no art. 30 do Código Penal. (2) passivo - é a coletividade (sociedade).

9.3.3 Tipo objetivo: deixar o médico de denunciar (comunicar, informar) à autoridade pública doença cuja notificação (comunicação) é compulsória (obrigatória). Em virtude do verbo núcleo do tipo ser “deixar”, torna-se evidente que se trata de um delito omissivo próprio, no qual o sujeito ativo tem o dever legal de agir. Trata-se de norma penal em branco.

Obs.: Bitencourt alerta que não só doenças infecto-contagiosas são de notificação compulsória, mas as doenças profissionais e aquelas produzidas por condições especiais de trabalho também deverão ser comunicadas às autoridades públicas competentes (art. 169 da CLT).

O objeto material do crime é a notificação compulsória, que consiste na comunicação obrigatória às autoridades de saúde que o médico precisa realizar quando toma conhecimento da existência de doença em que ela for exigível. Na ausência de autoridades de saúde, a comunicação deve ser feita para qualquer outra autoridade que tenha condições de acautelar a incolumidade pública.

Atenção! As principais legislações e atos normativos que apresentam rol de doenças de notificação compulsória são as seguintes: art. 7º da Lei n.º 6.259/75 (organização das ações de vigilância epidemiológica; sobre o Programa Nacional de Imunizações; estabelece norma relativas à notificação compulsória de doenças); Lei n.º 6.437/77; Decreto n.º 78.231/76 (regulamenta a Lei n.º 6.259/75); e Portaria 104/2011 do Ministério da Saúde.

9.3.4 Elemento subjetivo: dolo de perigo coletivo abstrato genérico e direto, pois se exige que o agente não queira notificar às autoridades sanitárias ou de saúde no prazo determinado legalmente. Não há elemento subjetivo especial ou específico. Não se admite a forma culposa. O delito se consuma com a não notificação da doença à autoridade competente no prazo definido por lei ou ato normativo. Inexistindo prazo pré-estabelecido, parte da doutrina entende que o crime se consumará quando o médico realizar atos incompatíveis com o dever de denunciar a doença de notificação compulsória existente (Damásio e Bitencourt). O verbo núcleo é “deixar” - mera conduta (basta a não realização da conduta para o delito se consumar, inexistindo previsão de qualquer resultado naturalístico). Rogério Greco classifica o delito como de perigo concreto (minoritária).

Por ser crime omissivo próprio ou puro inexiste a possibilidade de ocorrência da forma tentada.

Questão: Exige-se contato físico do médico com o doente? Não, pois basta o conhecimento da doença. Ex.: (1) analista ou laboratorista que examina o material da coleta; (2) anátomo-patologista ou médico-legista que verifica a existência de doença profissional ou contagiante; (3) o sanitarista que nota a presença de qualquer mal contagiante.

9.3.5 Pontos relevantes:

1) conflito com o tipo penal do art. 154 do Código Penal (violação de segredo profissional). Não há conflito entre os tipos penais, vez que a descrição típica deste artigo fala em revelação do segredo “sem justa causa” (majoritária).
2) exclusão de determinada doença do rol de notificação compulsória – Para Damásio não haverá a retroatividade benéfica se a doença foi incluída por razões excepcionais ou temporárias (CP, art. 3º). Agora, caso a doença faça parte do elenco complementar por motivo que não excepcional ou temporário, o caso é de retroatividade benéfica (CP, art. 2º).
3) aplicação ao farmacêutico – essa notificação só é exigível ao médico.
4) resultado gravoso culposo – aplica-se as regras do art. 258, CP (aumento de pena).

9.4 Art. 270 Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal

9.4.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública).

9.4.2 Tipo objetivo: A conduta típica prevista é “envenenar” que significa ministrar veneno ou intoxicar por meio de veneno. A conduta indica um comportamento comissivo e também omissivo impróprio. Veneno é definido no léxico como substância que, ingerida ou aplicada a um corpo vivo, prejudica ou destrói as suas funções vitais (Genival Veloso de França). Podem ser:

ð quanto a estado físico: líquidos, sódios e gasosos;
ð quanto à origem: animal, vegetal, mineral e sintético;
ð quanto às funções químicas: óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas); hidrocarbonetos, alcoois, acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres animais, aminoácidos, carboidratos e alcalóides (funções orgânicas);
ð quanto ao uso: doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente ditos.

Atenção! Se o agente não envenena a água, mas aplique algo que a deixe imprópria para o consumo estará realizando o tipo do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais (ab-rogou o art. 271, CP - corrupção ou poluição de água potável). A água potável que se refere o artigo pode ser de uso comum, que é aquela destinada ao consumo de um número indeterminado de pessoas (lagos, rios, reservatório público) ou de uso particular, que é o reservatório de uso particular (poço artesiano de uma casa ou fazenda). O segundo objeto material descrito no tipo penal é a substância alimentícia, que consiste em toda matéria ou substância, sólida ou líquida, que se destina a suprir as necessidades biológicas do organismo.

Por fim, o tipo também fala de substância medicinal que tem por objeto a cura ou prevenção de doenças no organismo humano. As substâncias alimentícias e medicinais são destinadas para o consumo de um número indeterminado de pessoas e coisas. É obrigatório o exame de corpo de delito.

Nelson Hungria afirma que não é necessária a natureza mortal do veneno, bastando que ele tenha potencial para fazer mal a saúde do ser humano.

9.4.3 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa, inclusive o proprietário da água potável ou das substâncias destinadas ao consumo. (2) passivo - sociedade ou a coletividade. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.4.4 Elemento subjetivo do tipo: dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual (intenção genérica de expor a perigo concreto um número indeterminado de pessoas). No parágrafo 1º, o tipo penal prevê um elemento subjetivo especial ou específico compreendido na descrição típica “para o fim de ser distribuída”. Dessa forma, trata-se de delito de tendência, pois o agente age com um fim especial não compreendido na sua vontade genérica.

Se a intenção do agente era a de matar, responderá pelo crime do art. 121, § 2º, III do CP (homicídio qualificado pelo emprego de veneno).

O delito se consuma com a causação do perigo concreto para um número indeterminado de pessoas criado pelo envenenamento. Para Damásio e Bitencourt,  o crime se consuma no momento em que os objetos materiais são envenenados, independentemente de serem consumidos (corrente majoritária). Estes autores entendem que o delito é de perigo abstrato e de mera conduta.

A tentativa é perfeitamente admissível nas formas do caput e do parágrafo primeiro.

9.4.5 Revogação do § 1º pelo art. 54 da Lei 9.605/98: Para Luiz Régis Prado e Rogério Sanches, houve revogação parcial desse artigo (1ª parte e seu § 1º). Rogério Greco comenta que não houve revogação tácita da primeira parte do caput desse art. 270 e do parágrafo 1º, por entender que envenenar compreende um juízo maior de reprovação do que poluir (corrente majoritária). “Respondem pela mesma sanção do caput, o agente que entrega ao consumo a título oneroso ou gratuito ou mantém em depósito para ser distribuída (colocada no mercado consumidor) a água potável envenenada ou as substâncias alimentícias ou medicinais envenenadas. Se o sujeito envenena a água ou substância e, depois a entrega a consumo, responde apenas pela primeira conduta em virtude do princípio da consunção (a segunda conduta será exaurimento impunível).

O agente que envenena a água potável ou a substância alimentícia ou medicinal em decorrência de inobservância do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) responderá pelo envenenamento na forma culposa.

9.4.6 Pontos relevantes:

1) A prescrição da pretensão punitiva na modalidade “ter em depósito”, prevista no parágrafo 1º, só começará a correr da data em que cessar a permanência, ou seja, quando terminar o depósito da substância ou água envenenada (CP, art. 111, III).
2) crime hediondo - Nucci destaca que esse delito não é mais considerado como crime hediondo como ocorria na redação original da Lei n.º 8.072/90.
3) conceito de potabilidade – aqui é relativo, dado a função do uso que as populações fazem da água.
4) Envenenamento de Leite – assim como o envenenamento de uma fonte de água, de uso público, pode acarretar o perigo comum, também a fonte animal de produtos alimentícios, quando envenenada, reclama igual repressão.

9.5 Art. 271 Corrupção (estragar, infectar etc.) ou poluição de água potável

Esse art. foi ab-rogado pelo art. 54 da Lei 9.605/98, de acordo com a doutrina (Luiz Régis Prado, Rogério Sanches, Ney Moura Teles etc.). Contudo, permanece íntegro no anteprojeto do novo CP. Bitencourt menciona a existência do conflito, mas adverte da diferença entre fonte natural e artificial.

9.6 Art. 272 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios

9.6.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente relacionada à saúde pública. Delmanto também entende que indiretamente o patrimônio da coletividade pode ser lesionado em face da conduta do agente. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

9.6.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de exercer função comercial, agrícola ou industrial. (2) passivo - coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, de crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.6.3 Tipo objetivo: no seu caput é um tipo penal misto ou de conteúdo variado alternativo, pois prevê quatro ações nucleares: (1) corromper (estragar, tornar podre); (2) adulterar (contrafazer, deformar ou deturpar para pior); (3) falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir); e, (4) alterar (mudar, modificar, transformar). Damásio afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou omissiva própria, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.

O objeto material do delito é “a substância ou produto alimentício destinado a consumo”. Essas substâncias e produtos são aqueles cujo objetivo é nutrir o organismo de um número indeterminado de pessoas. Porém, não é suficiente que a substância ou produto alimentícios sofram as condutas previstas no tipo, é fundamental que se transformem em substâncias nocivas à saúde da coletividade. Nucci define substâncias ou produtos nocivos à saúde: “algo prejudicial às normais funções orgânicas, físicas e mentais”. Delmanto também entende que só haverá o delito, se a substância for efetivamente nociva, caso contrário, não (necessita-se de prova pericial).

Além de substâncias nocivas à saúde, o crime também se configura com a redução do valor nutritivo dos alimentos (perda das propriedades existentes na substância ou produto que servem para alimentar, sustentar e satisfazer as necessidades vitais do indivíduo que são obtidas por meio destes bens de consumo).

Se a corrupção, alteração, adulteração ou falsificação forem dirigidas à produtos alimentícios de uma ou pessoas determinadas, o crime praticado pelo agente não será este do art. 272, mas o crime de perigo para vida ou saúde de outrem, descrito no art. 132 do CP.

9.6.4 Elemento subjetivo: a conduta do caput é praticada com dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual. Na modalidade “ter em depósito para vender” do § 1º-A, existe um elemento subjetivo especial, que é a finalidade do agente guardar a coisa com o fim de vendê-la. Por conter este elemento subjetivo especial ou específico, o tipo do § 1º-A é definido como crime de tendência.

Esse crime se consuma com a criação do perigo concreto para um número indeterminado de pessoas. Dessa forma, é necessária a demonstração e causação do perigo (há quem defenda ser crime material). Admite-se em todas as formas a tentativa.

9.6.5 Forma equiparada: O § 1º-A traz uma figura típica equiparada ao caput, pois prevê as mesmas penas que a ele foram cominadas quando o agente: “fabricar” (fazer, manufaturar), “vender” (alienar, ceder por preço correspondente), “expõe à venda” (oferecer ou manter em exposição para vender), “tem em depósito para vender” (guardar, estocar com a finalidade de vender); “distribuir” (espalhar, repartir), “entregar a consumo” (oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gratuito).

Outra norma equiparada à figura típica do caput é a falsificação de bebidas alcoólicas ou não alcoólicas (falsificação de whisky, vodca etc.).

Esse crime admite a forma culposa (inobservância do dever objetivo de cuidado por negligência, imprudência e imperícia), seja nas modalidades previstas no caput (exceto “falsificar”), naquelas do § 1º-A (exceto “fabricar”) ou do § 1º. Damásio faz uma interessante observação sobre a realização da conduta culposa em relação aos chamados “alimentos enlatados”, pois o comerciante não poderá abrir o objeto sem danificá-lo ou comprometê-lo para o consumo.

9.6.6 Pontos relevantes:

1) Desproporcionalidade da pena prevista para aquele que torna a substância ou o produto nocivo para o consumo e aquele que diminui o valor nutritivo do alimento (Nucci): punição idêntica para os dois casos, embora possa não existir, em grande parte das vezes, qualquer perigo imediato e razoável para a saúde quando diminuído o valor nutritivo.
2) Quem falsifica e vende o produto, responderá apenas pela conduta descrita no caput do artigo em decorrência da aplicação do princípio da consunção, pois o bem jurídico já foi lesionado com a primeira conduta, tornando-se a segunda um post factum impunível (exaurimento).
3) Se não configurar crime de perigo comum, o agente poderá responder pelas figuras típicas do art. 2º, incisos III e V da Lei n.º 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
4) O bromato de potássio adicionado em pequena quantidade à massa crua do pão não o torna nocivo à saúde.
5) O dolo do agente, em crimes tais, além da vontade dirigida a qualquer de tais ações (corromper, adulterar, falsificar) deve compreender a ciência e consciência das referidas destinação e nocividade.
6) O delito do art. 272, § 1º, consuma-se com o ato da venda, e não com a entrega do produto deteriorado, sendo, pois, dispensável a tradição da coisa; assim, é competente para julgamento do delito a Justiça do lugar em que se completou a venda.
7) Inadmissível a alegação de insuficiência de prova quando o próprio réu admitiu incluir substância líquida, gomas de mascar, adulterando, por conseguinte, sua composição original, sendo que tal ato foi presenciado por testemunhas, e, ainda, laudo pericial a confirmar a presença de substância química tóxica no alimento apreendido.
8) alimentos funcionais (alimentos enriquecidos catalogados pela ANVISA) – por falta de regulamentação explícita, aplica-se este art. ao invés do 273.

9.7 Art. 273 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

9.7.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente relacionada à saúde pública. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico. Esse crime é de perigo abstrato.

9.7.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente da condição de fabricante ou comerciante de medicamentos ou substâncias análogas. (2) passivo - coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.7.3 Tipo objetivo: tipo penal misto ou de conteúdo variado alternativo, pois prevê quatro verbos núcleos: (1) falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir); (2) corromper (estragar, tornar podre); (3) adulterar (contrafazer ou deturpar para pior); e, (4) alterar (modificar, transformar). Damásio afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou omissiva, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.

O referido produto consiste em toda substância, líquida ou sólida, que tem como finalidade o alívio da dor, tratamento, cura ou a prevenção de doenças ou enfermidades. Bitencourt afirma que o produto para fins medicinais e terapêuticos têm uma “nocividade negativa” (prejudica seu valor nutritivo ou terapêutico, ao contrário da nocividade positiva, que é a introdução no remédio de substância alimentícia ou medicinal nociva).

9.7.4 Elemento subjetivo: O caput do art. 273 é realizado com dolo de perigo coletivo abstrato (corrente majoritária) genérico, direto ou eventual. Damásio afirma que na verificação concreta da modalidade típica do caput, o sujeito ativo realiza o delito com a finalidade de lucro. Porém, quando se analisa o tipo penal, verifica-se claramente que não é exigido qualquer elemento subjetivo especial ou específico.

No § 1º do art. 273 do Código Penal, as condutas também são praticadas com o dolo
de perigo coletivo abstrato (majoritariamente), genérico, direto ou eventual. Ocorre que na modalidade “ter em depósito”, o sujeito ativo tem que agir com o “fim de vender”, que é o elemento subjetivo especial ou específico. Assim, pode-se dizer que em relação a esta modalidade o delito é de tendência.

O crime previsto no caput consuma-se com a falsificação, corrupção, adulteração e alteração do produto terapêutico ou medicinal, não se exigindo a demonstração do perigo causado para a coletividade. Já o do § 1º consuma-se com a venda, exposição à venda, depósito para vender, distribuição ou entrega ao consumo a substância terapêutica ou medicinal alterada, também não se exigindo a demonstração do perigo causado para a coletividade. Nas formas “exposição à venda” e “depósito para vender” o crime é permanente. Admite-se a tentativa em todas as formas dolosas.

9.7.5 Forma dolosa equiparada: As figuras típicas no § 1º do art. 273 do Código Penal são consideradas como equiparadas àquelas previstas no caput do artigo, em virtude de possuírem a mesma espécie e quantum de pena. O presente dispositivo prevê as seguintes condutas: importar (trazer para o interior de um país coisas provenientes do estrangeiro); vender (alienar, ceder por preço certo); expor à venda (oferecer ou manter em exposição para vender), ter em depósito para vender (guardar, estocar com a finalidade de vender); distribuir (espalhar, repartir), entregar ao consumo (oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gratuito). O objeto material neste parágrafo é o resultado das condutas realizadas no caput, isto é, o produto terapêutico ou medicinal falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

As condutas típicas previstas neste § 1º expressam claramente a necessidade de ocorrência das modalidades do caput, pois, como dissemos acima, o produto terapêutico ou medicinal já sofreu a ação de falsificação, corrupção, adulteração e alteração. Dessa forma, pode-se concluir que somente realiza este parágrafo, o sujeito que não praticou anteriormente as condutas descritas no caput. Se, portanto, o mesmo agente falsificou o medicamento, e, posteriormente o vendeu, responderá apenas pela primeira conduta, em face da aplicação do princípio da consunção (o ato de “vender” é post factum impunível. O bem jurídico foi lesionado com a ação antecedente “falsificar”).

O § 1º-A do art. 273 é uma norma penal explicativa. Nesse parágrafo o legislador equiparou a produto terapêutico ou medicinal:

a) a matéria-prima destinada à fabricação de medicamentos;
b) os insumos farmacêuticos que são os produtos combinados de duas ou mais matérias-primas;
c) os cosméticos são produtos destinados à limpeza, conservação e embelezamento da pele e dos cabelos (ex.: xampu, batom, esmaltes);
d) os saneantes: produtos utilizados para a limpeza em geral (ex.: alvejantes); e,
e) os produtos de uso em diagnóstico: têm a finalidade de detectar ou diagnosticar a existência de uma doença (ex.: reagentes laboratoriais, contrastes, etc.).

Obs.: Perceba que a prática do homicídio simples (art. 121, caput) ou do roubo simples (art. 157, caput e § 1º) não configuram crimes hediondos, mas a falsificação de um xampu ou baton, sim. Assim, a doutrina critica essa desproporção na reprovação. Todavia, Nucci entende que a desproporção que existe está apenas na pena, e não na consideração da hediondez. Nesse ponto, vale mencionar o fracionamento das condutas no anteprojeto do novo CP (produto cosmético ou saneante).

O § 1º-B apresenta outras figuras equiparadas. Também são puníveis de forma culposa. A única modalidade que não admite a forma culposa é “falsificar” (caput), pois seria inadmissível a prática de tal ato de maneira não intencional. Nas condutas desse parágrafo (produtos sem registros exigidos em lei), o STJ entendeu ser dispensada a perícia quado a apreensão for realizada por fiscal técnico. Ex.: agentes da ANVISA.

9.7.6 Pontos relevantes:

1) Esse crime é hediondo e não equiparado.
2) Tipifica, em tese, crime contra a saúde pública a entrega a consumo de complexo vitamínico dolosamente alterado em sua composição normal, da qual foram retirados os componentes ativos em sua maior parte, diante da nocividade negativa do produto assim provocada.
3) Se o próprio réu admite a existência de impurezas constatadas no laudo, nenhuma importância tem a não observância, na colheita do produto para análise, das formalidades legais.
4) Medicamento falso ou importado ilegalmente – recebem o mesmo tratamento.
5) O princípio da insignificância, como derivação necessária do princípio da intervenção mínima do direito penal, busca afastar desta seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora. Trata-se, na espécie, de crime em que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. Irrelevante considerar o valor da venda do medicamento para desqualificar a conduta (STJ).


AULA X – CONTINUAÇÃO CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Obs.: Vale lembrar que o art. 285 deverá ser aplicado quando o resultado gravoso for preterdoloso nos crimes desse título (qualificadora).

10.1 Art. 274 Emprego de processo proibido ou de substância não permitida

Pune-se a conduta de quem, sem permissão expressa da legislação sanitária, empregar substância nociva à saúde no fabrico de produto destinado a consumo. A consumação ocorre no momento do emprego da substância, na medida em que possam afetar a saúde das pessoas, não se exigindo qualquer resultado naturalístico (crime de mera conduta e de perigo abstrato). A preocupação do Estado reside em regular os processos de fabricação para que o consumidor não seja exposto à situação de risco, ou mesmo lesado (trata-se de uma fraude no comércio que repercute na saúde de um número indeterminado de vítimas).

10.1.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora normalmente seja cometido por industrial ou trabalhador fabricante (aquele que acompanha a linha produtiva ou alguma de suas etapas, desde que tenha poder de comando). (2) passivo – coletividade.

Para saber o alcance do tipo deverá ser consultada a legislação sanitária (norma penal em branco). Ex.: o art. 4º da Lei 6.360/76 proíbe a utilização de substâncias cáusticas e irritantes na fabricação de produtos destinados ao uso infantil.

10.1.3 Produtos protegidos: alimentícios, cosméticos, saneantes, brinquedos, vestuários, mamadeiras etc. (Luiz Régis Prado). Contudo, para a corrente majoritária, no caso de brinquedos e mamadeiras, por não serem produtos alimentícios, medicinais ou terapêuticos, não podem ser abrangidos por esse crime, configurando hipótese protegida pelo art. 278, CP (Bitencourt).

10.1.4 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar a conduta). Não há previsão para a modalidade culposa e não se exige qualquer finalidade específica. Admite-se a forma tentada.

10.2 Art. 275. Invólucro ou recipiente com falsa indicação

Pune-se a conduta de inculcar (indicar falsamente) em invólucro (bulas, rótulos etc.) ou recipiente (frascos, latas etc.) de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada.

Para Luiz Regis Prado, o objeto material restringe-se ao invólucro e ao recipiente. Não podem ser incluídos boletins, catálogos, prospectos, propagandas, folhetos, anúncios etc. A falsa indicação neles exteriorizada não tipifica o delito desse art., mas poderá, conforme o caso, caracterizar o crime de fraude no comércio (art. 175, CP). Perceba que, em regra, o fato constitui fraude ao consumidor. Todavia, devido ao mal presumidamente gerado à saúde pública, o CP deverá preponderar.

10.2.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora seja normalmente praticado por comerciantes, fabricantes e trabalhador da linha de produção, desde que tenha poder de comando. (2) passivo – coletividade.

10.2.2 Consumação: no momento que se dá a falsa indicação, prescindindo-se da disposição do produto ao consumidor (crime de mera conduta e de perigo abstrato - não precisa nem mesmo sair da fábrica). Embora a lei não exija comprovação da nocividade do produto, há julgados em sentido contrário (o simples fato de alguém, utilizando-se de vasilhame de uísque estrangeiro, colocar em seu interior uísque nacional, a fim de vendê-lo como produto alienígena, não basta à tipificação do crime, desde que não possua substancia nociva à saúde). Há julgados considerando indiretamente o uísque como substância alimentícia. Se a indicação falsa versar sobre o peso líquido do produto alimentício, a conduta será constitutiva do crime do art. 66, 8.078/90 – CDC. Não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime culposo).

Questão: Esse crime é de forma vinculada? Sim, pois o legislador especifica que a indicação falsa deve ser feita em invólucro ou recipiente e deve referir-se à existência de substância que não se encontra no conteúdo do produto ou que nele existe em quantidade menor. Assim, a falsa indicação em folhetos, catálogos ou prospectos não tipifica o delito, podendo configurar o crime do art. 175, CP (fraude no comércio).

Atenção! Se a redução ou mesmo a ausência do teor vitamínico constante da bula em nada altera a indicação terapêutica específica do produto fabricado, aplica-se o crime em comento e não o do art. 273, CP (hediondo). Agora, no caso de venda de produto adulterado, em razão da supressão de elementos que compunham sua fórmula, o crime será o do art. 273.

10.2.3 Conflito de normas: o art. 275 é especial na medida em que o legislador penal especifica a natureza dos produtos cujos invólucros ou recipientes contêm informação falsa, ou seja, os produtos alimentícios, terapêuticos e medicinais, bem como a modalidade específica de indicação falsa que interessa para efeito de proteção da saúde pública, embora os arts. 66 do CDC e 7º da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90).

10.3 Art. 276. Produto ou substância nas condições dos dois arts. Anteriores: Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo (crime de mera conduta e conteúdo variado).

Em regra, esse crime é praticado por comerciante, mas o artigo dispensa essa condição para o sujeito ativo (crime comum). Pune-se a conduta de vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer modo, entregar a consumo produtos que sejam produzidos em uma das circunstâncias dos arts. 274 e 275. Perceba que a tentativa é de difícil comprovação, pois a mera posse para venda já consumará o delito. A proteção se faz necessária para evitar que tais produtos sejam consumidos pela coletividade.

10.3.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora normalmente seja praticado por comerciante. (2) passivo – coletividade.

Atenção! Não se exige habitualidade (basta uma única conduta), pois é dispensada a atividade comercial do agente.

10.3.2 Conflito com o crime contra a economia popular (art. 7º): em ambos os dispositivos o legislador incrimina a venda, exposição à venda, depósito para a venda e entrega a consumo. A diferença está no objeto material, pois no CP o objeto exige fabricação nas hipóteses dos arts. 274 e 275. No art. 7º, por sua vez, o objeto é mais amplo, recaindo sobre matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias para o consumo. Para saber quais são esses produtos impróprios deve-se recorrer ao art. 18 do CDC (produtos vencidos, deteriorados, alterados, corrompidos etc.). Todavia, a prioridade será do CP, em razão da tutela específica “saúde pública”.

Outro conflito aparente está no caso do art. 2º da Lei de Crimes Contra a Economia Popular (Lei 5.521/51). Ambos os tipos incriminam a exposição à venda de produto alimentício cujo fabrico haja desatendido determinações oficiais de forma específica. Todavia, o mencionado art. 2º somente será aplicado quando o produto exposto à venda tiver sido fabricado desatendendo regras de composição de outra natureza (produtos permitidos). Ex.: fabricação de alimentos funcionais quando não se cumpre as regras estabelecidas pela ANVISA.

10.3.3 Consumação: não há previsão de resultado material, de modo que o crime se consuma com a mera realização de qualquer das condutas previstas. Na modalidade “ter em depósito”, exige-se o fim especial de agir: “para vender”. Admite-se a tentativa e não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime culposo). Ex.: funcionário que vende o produto sem ter atuado com dolo (não ofereceu nem indicou o produto que sabia ser fabricado nas condições proibidas).

10.4 Art. 277. Substância destinada à falsificação: Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais (tipo alternativo).

Na lição de Fragoso, tal destinação pode decorrer da própria natureza da coisa (exclusivamente empregada para este fim), ou da especial aplicação que lhe vai ser dada pelo comprador ou por quem a recebe, a qualquer título (substância que podem ser empregadas para outros fins lícitos). Logo, não precisa ser o produto utilizado especificamente para a falsificação. Ex.: (1) manter em depósito sulfito de sódio (substância usada para mascarar carne em estado inicial de putrefação); (2) uso de farinha de trigo para falsificação de medicamentos. A doutrina ensina que a expressão “falsificação” abrange a alteração, corrupção e adulteração. Mirabete entende pela interpretação restritiva.

Atenção! Quando o depósito for de produtos lícitos, deve-se ter especial cuidado ao analisar a ação “expor à venda”, ficando quase impossível enquadrar a hipótese em crime devido à adequação social da conduta.

10.4.1 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar uma das condutas). Para Nucci, exige-se o tipo um especial fim, consubstanciado no destino “falsificação” do produto. Consuma-se com a prática de uma das condutas nucleares, independente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Para Rogério Sanches, a perícia é necessária para constatar a potencial capacidade de dano do produto falsificado, embora o crime seja de perigo abstrato. A lei pune apenas as condutas relacionadas às substâncias, ficando, assim, excluídos maquinários e outros aparatos utilizados para a falsificação. Perceba que a qualificadora do art. 285 dificilmente será aplicada nesse tipo, pois o resultado gravoso normalmente ocorrerá após o consumo do produto falsificado. Assim, qualifica-se os crimes do art. 272 ou 273.

10.4.2 Sujeitos do crime: idem ao anterior.

10.5 Art. 278. Outras substâncias nocivas à saúde: Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal. Trata-se de um complemento dos arts. 270 e 277 do CP, estendendo a política de proteção do bem jurídico saúde pública não somente àquelas condutas que afetam a produção, comercialização e distribuição de água, alimentos, e medicamentos, mas, também, diante daqueles comportamentos que implicam a produção, comercialização e distribuição de coisa ou substância em si mesma nociva para a saúde. Ex.: perfumes, cosméticos, cigarros, chupetas, brinquedos etc.

Substância nociva é aquela prejudicial, que causa dano à saúde de quem a consome. Não se confunde com a imprópria para consumo, que é a não recomendável, inadequada. Tal como aponta Mirabete, a nocividade deve ser inerente à coisa ou substância, e não decorrente de seu uso indevido. Nesse ponto, já se decidiu que canetas que contêm produto tóxico ao organismo humano não configura o delito, pois a nocividade, para configurar o crime, deve ter relação à destinação normal do produto.

Consuma-se com a prática de qualquer das condutas contidas no tipo, independentemente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Não confunda com a previsão dos arts. 272 e 273, pois a nocividade do produto prevista no art. 278 deve ser efetiva. O crime é de perigo abstrato (Para Rogério Greco, perigo concreto). Há previsão para punir a modalidade culposa. A doutrina ensina que se exige um especial fim de agir: “para vender”.

Atenção! O ECA, em seu art. 243, pune quem vende, fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida.
10.5.1 Conflito aparente de normas: aquele que comercializa substância tóxica perigosa para a saúde em descordo com a normativa aplicável (em desacordo com as exigências legais), sendo a fabricação em si da substância permitida, comete o crime do art. 56 da Lei de Crimes Ambientais. Ex.: comércio de agrotóxicos ou raticidas em açougue ou mercado de frutas frescas. Agora, se o produto for de venda proibida, aplica-se o art. 278, CP. Ex.: (1) chumbinho (raticida vendido clandestinamente, em razão de não possuir registro na ANVISA ou órgão similar). (2) venda de estricnina (produto proibido) em farmácias.

Outro conflito aparente reside na venda de produtos com omissão de sinais ostensivos ou dizeres que advirtam sobre a periculosidade do produto (art. 63, CDC) ou haja omissão do dever de comunicar à autoridade competente e aos consumidores sobre a nocividade ou periculosidade dos produtos colocados no mercado (art. 64, CDC).

10.6 Art. 279. Substância avariada (Revogado pela Lei nº 8.137/90).

10.7 Art. 280Medicamento em desacordo com receita médica (fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica).

Perceba que somente a receita médica vincula o fornecedor do medicamento, razão pela qual não configura o crime, por exemplo, a receita fornecida por dentista, o que traduz uma impropriedade por parte do legislador, que deveria ter considerado qualquer receituário emanado de profissional habilitado ao tratamento de pessoas (Rogério Sanches).

Para Bento de Faria, o fornecimento de substância medicinal de melhor qualidade que a receitada configura o crime, cuja objetividade é coibir a substituição arbitrária da substância. Para Rogério Sanches, se não gerar riscos à saúde, não há falar em crime quando o medicamento fornecido for de qualidade superior.

10.7.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa (balconista, prático etc.), embora normalmente seja praticado por farmacêutico. (2) passivo – coletividade e a pessoa que teve o medicamento trocado.

Consuma-se com a entrega do medicamento em desacordo com a receita médica, não se exigindo dolo específico. Admite-se a tentativa. Não confunda a tentativa com o mero oferecimento de substância medicinal diferente da que foi prescrita pelo médico, sendo este comportamento um mero ato preparatório atípico. De igual forma, não configura tentativa a simples exposição a comércio de medicamentos.

10.7.2 Pontos relevantes:
1) Medicamento manipulado: quando receitado pelo médico, somente o exame pericial poderá determinar se houve ou não a prática do crime pelo farmacêutico (Luiz Régis Prado).
2) Caso o farmacêutico entenda haver erro na medicação por parte do médico, deverá localizar este para que corrija expressamente (art. 254, regulamento do Departamento Nacional de Saúde). Não encontrando o médico e sendo urgente a entrega do medicamento, poderá o farmacêutico corrigir a receita, agindo em estado de necessidade.
3) Não comete esse crime se o agente despacha medicamento genérico registrado pela ANVISA em substituição ao prescrito (substituição permitida pelo Ministério da Saúde).
4) Tratando-se de substância terapêutica ou medicinal corrompida, adulterada, falsificada ou alterada, e o agente, não tendo certeza dessa circunstância, não deixa, mesmo assim, de efetuar a venda, poderá responder pela modalidade culposa.
5) Farmacêutico que aumenta dolosamente a dose – responderá autonomamente pelo resultado gravoso.
6) Prescrever culposamente droga da qual o paciente não precisa – art. 38 da Lei de drogas.

10.8 Art. 281Comércio, posse ou uso de entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica (Revogado pela Lei nº 6.368/76 – hoje, Lei 11.343/06). Migrará novamente para o CP.

10.9 Art. 282Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica: exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites.

10.9.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente saúde pública. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

10.9.2 Sujeitos do delito: (1) ativo - o caput se divide em duas partes diferentes. Na primeira, qualquer pessoa que exerce qualquer uma das profissões previstas “sem autorização legal” (crime comum). Na segunda, sujeito que ultrapassa os limites legais da profissão. Nesse caso, somente o profissional da medicina, farmácia e odontologia (crime próprio); (2) passivo - o sujeito passivo é a coletividade ou a sociedade e a pessoa que eventualmente seja “tratada” pelo agente. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto e de forma vinculada.

Na primeira, o agente exerce (praticar, fazer algo com habitualidade), a título oneroso ou gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem a devida autorização legal. Não se exige finalidade lucrativa. O tipo normativo contido nas expressões “sem autorização legal” e “excedendo-lhe os limites” indica uma norma penal em branco.
O indivíduo bacharel em medicina somente poderá atuar profissionalmente, quando obtiver o registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Federação que exercerá a profissão.

O objeto material é a profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Apesar do verbo núcleo ser “exercer”, Rogério Greco entende que o delito pode ser realizado de forma comissiva e omissiva imprópria. Cezar Roberto Bitencourt afirma que não há tipicidade na conduta das “parteiras”, por ser atividade distinta da profissão de médico-obstetra. Logo, não existe o exercício ilegal da profissão de parteira. Contudo, Rogério Sanches adverte que se a parteira realizar atos de ginecologista, por exemplo, cometerá o crime.

O exercício de qualquer outra profissão que exija habilitação profissional, como, por exemplo, a de advogado, enfermeiro, protético, farmacêutico etc., incidirá na contravenção penal do art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n.º 3.688/41).

10.9.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Nucci defende posicionamento diverso ao dizer que por ser um crime habitual, o tipo penal também contém um elemento subjetivo especial, que é a vontade de desempenhar usualmente qualquer das profissões previstas. Se a finalidade é de obtenção de vantagem econômica ou financeira, aplica-se a qualificadora – pena de multa (Nesse caso, o crime é formal, pois o legislador previu o resultado naturalístico que não precisa acontecer para consumar o delito). Inexiste a modalidade culposa.

10.9.4 Consumação e tentativa: verificação da conduta habitual e reiterada dos atos privativos da profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Não se admite a tentativa. Entende-se que o agente deve realizar reiteradamente os atos profissionais, não sendo possível o seu fracionamento. Também não se pune a forma culposa, por falta de previsão legal.

10.9.5 Pontos relevantes:

1) O artigo 282 difere do art. 284 (crime de curandeirismo), pois neste delito o agente realiza atos capazes de enganar a coletividade, isto é, pratica procedimentos que seriam efetivamente utilizados pelos profissionais da medicina, odontologia e farmácia. Já no curandeirismo, as condutas do sujeito ativo são grosseiras e destoam completamente de condutas normais daqueles profissionais da saúde (ex.: rezas, benzimentos etc.).
2) Também não se confunde com tipo o previsto no art. 283 (charlatanismo), pois neste o agente faz uso de métodos comuns e usuais da profissão. Já no art. 283, o agente apregoa ou anuncia a realização de curas por meios secretos (desconhecido por outros profissionais da área) ou infalíveis (que garantem a cura do problema de saúde existente).
3) Caso o médico, dentista ou farmacêutico estejam suspensos de suas atividades, devido a uma decisão judicial, mas, continuem exercendo a profissão, respondem pelo delito do art. 359 do CP (desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito).
4) Este crime não abrange o veterinário, que só cuida de animais (Bento de Faria defende abranger esse profissional).
5) Quem se faz passar por ‘Doutor’, sem ter concluído qualquer curso universitário, mantendo consultório, expedindo receitas e divulgando avisos pelo rádio sobre os dias em que clinicará no interior do município”.
6) Exercício ilegal da medicina com fins lucrativos e falsidade ideológica (princípio da consunção).
7) Há julgados punindo médico inscrito em uma região que atua em outra sem o devido registro na repartição sanitária local. Entretanto, Rogério Sanches defende tratar-se de infração administrativa e não penal.
8) Permiti-se a exclusão da ilicitude (estado de necessidade) quando esses profissionais atuam em ocasião de calamidade pública ou em locais distantes (de difícil acesso). Todavia, isso não é pacífico, em razão da incompatibilidade lógica com a habitualidade.
9) Não há falar em absorção quando o profissional exerce ilegalmente a medicina e prescreve drogas, pois são crimes autônomos, salvo quando houver vinculação entre ambos (STF).

10.10 Art. 283. Charlatanismo: Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível

10.10.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de ser profissional da saúde ou não (ex.: médico). O agente deste delito é chamado de “charlatão”, uma espécie de estelionatário que engana a credulidade da sociedade, se atribuindo a capacidade de realizar curas por meios que sabe serem falsos. (2) passivo - coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente prejudicada pela conduta do agente.

O delito pode ser praticado pelas condutas típicas inculcar (aconselhar, apregoar, recomendar) ou anunciar (divulgar, noticiar) a cura (restabelecimento de doenças ou problemas de saúde) por meio (método) secreto (oculto, desconhecido de outros profissionais) ou infalível (eficaz, indefectível). Não é crime habitual, sendo necessária apenas uma única conduta praticada pelo agente (jurisprudência e doutrina majoritária). Bitencourt defende a habitualidade. O crime é comissivo, mas admite a omissão imprópria. A divulgação pode ser feita por correspondência, rádio, televisão, contato direto etc.

Questão: O que são médicos estacionários? De acordo com Eugênio Cordeiro, são aqueles que não acompanham a evolução da medicina. Há também os superficiais, que examinam rápida e sumariamente o doente, e os sistemáticos, que veem sempre um mesmo estado mórbido, ao qual se ajeitam os mesmos remédios previamente formulados. Esses profissionais não cometem o crime de charlatanismo.

10.10.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Caso o agente acredite no meio de cura que apregoa ou anuncia estará afastado o dolo, tornando atípica a conduta. Inexiste a modalidade culposa.

O delito se consuma no momento em que o agente realiza a inculcação (promete) ou anuncia a cura pelo meio secreto ou infalível (conhecendo a falsidade do meio). Não se exige finalidade especial por parte do agente. Por ser crime de perigo abstrato, não é exigido que qualquer pessoa recorra ao meio oferecido, ou seja, não precisa convencer ninguém. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto.

A tentativa é admissível, desde que a inculcação ou o anúncio seja realizado na forma escrita (plurissubsistente).

10.10.3 Pontos relevantes:

1) Bitencourt alerta que é permitido o anúncio de meio de cura por médicos (Decreto-lei n.g 4.113/42) e por odontólogos (Lei n.g 5.081/76), desde que o método seja conhecido e de comprovada eficiência. A mera promessa de cura sem a característica do segredo e da infalibilidade não configura o delito.
2) É preciso apurar sempre um forte resíduo de má-fé, para identificar-se o crime de charlatanismo (inequívoco dolo).
3) Não constitui charlatanismo divulgação de descoberta de tratamento com a afirmação de ter sido sua eficiência comprovada, sem inculcar-se infalibilidade de cura.
4) O charlatanismo e o curandeirismo integram o rol dos crimes contra a saúde pública, ou seja, praticado contra número indeterminado de pessoas. Crimes de perigo concreto (probabilidade de dano).
5) O Direito Penal da culpa é incompatível com o perigo abstrato. O homem responde pelo que fez ou deixou de fazer. Dessa forma, a denúncia precisa indicar o resultado (sentido normativo). Caso contrário, será inepta.

10.11 Art. 284 Curandeirismo: Exercer o curandeirismo

10.11.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente saúde pública. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

10.11.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa, tratando-se de crime comum (pai de santo, feiticeiro, cartomante, médium etc.). Há quem entenda que o médico não possa ser sujeito ativo, pois possui conhecimento técnico. Contudo, como lembra Mirabete, nada impede que ele abandone os métodos profissionais para aplicar gestos ou qualquer outro meio não vinculado à sua formação técnica. (2) passivo - coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente tratada pela conduta do agente.

10.11.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Inexiste punição a título de culpa.

O delito se consuma com a prática reiterada das condutas mencionadas nos incisos I
a III do caput. Trata-se, portanto, de crime habitual. A tentativa é inadmissível.

Rogério Greco defende ser possível a tentativa em crime habitual, dependendo da forma concreta em que a ação foi realizada.

Exercer significa realizar uma determinada atividade com habitualidade. Curandeirismo é a atividade exercida de forma reiterada e habitual, na qual o agente por meios não científicos e grosseiros procura realizar a cura de doenças. A prática de um só ato não configura o delito.

Trata-se de crime de forma vinculada, pois o legislador descreve três ações em que o sujeito ativo deverá incidir para responder pelo delito. A primeira conduta prevista é aquela em que o agente (1) prescreve (receitar, recomendar, indicar como remédio), (2) ministra (fornecer para ingestão) ou (3) aplica (usar, empregar), habitualmente (de forma reiterada), qualquer substância (matéria de origem natural ou artificial cujo objeto deveria ser o de curar ou prevenir enfermidade) para o sujeito passivo. É completamente irrelevante para configuração do delito se a substância é nociva para a saúde. Ex.: obrigar pessoas a ingerirem sangue de animais e bebidas alcoolicas, como forma de alcançar a cura.

O inciso II fala da conduta do agente que “usando gestos, palavras ou qualquer outro meio” exerce o curandeirismo. Damásio define da seguinte forma as ações que devem ser feitas pelo sujeito ativo, para a tipificação de sua conduta: Gestos são movimentos corpóreos, incluindo-se, aqui, os passes. Palavras são manifestações verbais, invocando-se, em geral, o sobrenatural, para obter-se a pretendida cura. Por qualquer outro meio deve-se entender todo método de cura análogo aos casuisticamente citados.
Nucci entende ser atípica as condutas descritas neste tipo penal se estas fizerem parte de um ritual religioso. “Inviolabilidade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5V, VI)”. Assim, não se pode considerar curandeirismo a conduta daqueles que, crendo na ação de espíritos (como costumes indígenas), fazem gestos com as mãos, nomeados passes, para a cura de males físicos ou psíquicos de alguém, que, por sua vez, acredita no mesmo. Assim, ambas as partes envolvidas estão vinculadas a uma religião, no caso o espiritismo, bem como a um culto (práticas consagradas para a exteriorização de uma religião ou crença). No mesmo patamar estão outras religiões que empregam gestos, palavras ou outros meios para curar os males dos seus adeptos, invocando o nome de espíritos ou de ícones da sua crença, como Jesus Cristo, a fim de exercitarem e colocarem em prática a sua liturgia”.

Rogério Greco e Bento de Faria afirmam que não devem ser considerados curandeiros:

ð os ministros da Igreja quando praticam atos de exorcismo, porque são admitidos pelos seus cânones;
ð quem pratica ato de qualquer religião ou doutrina, inclusive o espiritismo, desde que não ofenda a moral, os bons costumes ou faça perigar a saúde pública, ou apenas busque demonstrações em proveito da ciência.

Por fim, o inciso III do caput do art. 284 descreve a ação de fazer diagnóstico. Podemos definir e elementar típica diagnóstico, como a identificação ou a constatação de determinado problema de saúde pelos seus sintomas exteriorizados (ato exclusivo de médico). Perceba que a principal consequência do curandeirismo é o retardamento de busca pelo tratamento adequado (isso justifica o caráter abstrato do crime). 

Apesar de apenas no inciso I, o legislador utilizar a expressão “habitualmente”, as condutas dos incisos II e III também necessitam ser praticadas de forma habitual ou reiterada para a configuração do delito (Bitencourt).

As condutas do tipo indicam um comportamento comissivo, porém, Rogério Greco entende que o delito pode ser realizado de forma omissiva imprópria.
O delito se tornará qualificado com a aplicação da pena de multa, se o sujeito ativo exercer as condutas descritas no caput mediante remuneração. Ao contrário do que ocorre com o delito do art. 282 (Exercício Ilegal de Medicina, Arte Dentária ou Farmacêutica), o delito exige que o agente obtenha a remuneração. Neste caso, portanto, o crime é material, pois o legislador exige o recebimento da remuneração para se tornar qualificado, sendo insuficiente a mera promessa do lucro.

Damásio de Jesus defende a ideia de que a recompensa recebida não precisa ser necessariamente pecuniária.

10.11.4 Pontos relevantes:

1) O agente que mediante falsa promessa de cura obtém remuneração sem realizar qualquer dos atos previstos no caput do art. 284, pratica o delito de estelionato.
2) Em sendo o curandeirismo crime de perigo abstrato contra a saúde pública, não se exige à sua tipificação faça a pessoa da prática da profissão, bastando à prova de habitualidade a mera repetição de atos, tais como receitas, aplicações, rezas ou quejandos, num mesmo dia, para mais de um cliente.
3) O curandeirismo não é crime de dano, mas de perigo. O dolo é representado pela vontade livre e consciente de realizar os atos inseridos no art. 284 do CP, pouco importando para a conceituação da sanção penal a ausência de lucro ou proveito, pois não são elementos necessários para a configuração.
4) O curandeirismo é crime contra a saúde pública, dito de perigo, porque se consuma pelo simples risco a esse bem jurídico comum, visado pelo legislador, sem necessidade de dano concreto.
5) Prática grosseira de cura por quem não possui nenhum conhecimento de medicina. Não se confunde com religião porque quem, sob o color de ato litúrgico se propõe a tratar misticamente da saúde alheia usando gestos, palavras ou outros meios, comete o delito do art. 284 que não se confunde com atos de fé de preceito meramente religioso.
6) Embora o curandeirismo seja prática delituosa típica de pessoa rude, sem qualquer conhecimento técnico-profissional da medicina e que se dedica a prescrever substâncias ou procedimentos com o fim de curar doenças, não se pode descartar a possibilidade de existência de concurso entre tal crime e o exercício ilegal de arte farmacêutica, se o agente também não tem habilitação profissional específica para exercer tal atividade.
7) cura de doenças psíquicas por paranormais: de acordo com Mirabete, se a parapsciologia abre infindáveis campos de estudo, muito há para saber, fora do direito, para que se possa permitir a ação dos paranormais. Enquanto isso não se fizer a repressão penal deve estabelecer-se nos termos do artigo 284, CP.
8) admite-se o concurso formal do curandeirismo com o crime de estupro, estelionato ou exercício ilegal da medicina (HC 36.244, STJ).
AULA XI – CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

11.1 Art. 286 Incitação ao crime

Incitar (induzir, provocar, estimular, instigar etc.), publicamente, a prática de determinado crime. Inexiste a infração quando visar a prática de contravenção penal ou ato imoral.

Não confunda esse crime com o previsto no art. 29 do CP (instigação genérica), que é crime acessório, pois apenas haverá punição do agente se o crime instigado for praticado (art. 31, CP). O que o art. 286 incrimina é simplesmente a incitação à prática de crime em si mesma, desde que, esta tenha idoneidade para o fim proposto, independentemente de o incitado deixar-se persuadir pela incitação (não depende da prática do crime incitado).

Bitencourt menciona a diferença desse crime com a participação em sentido estrito. Quando o incitado acede à incitação e executa o crime determinado, transforma o sujeito ativo da instigação em partícipe do crime executado. Haverá, assim, concurso material de crimes para o incitador. A diferença, então, reside na desnecessidade do incitado praticar o crime para configurar o delito em estudo. Ao passo que na participação, somente haverá punição se o crime for ao menos tentado (qualquer crime: político, drogas, militar, tributário etc.).

Obs.: o crime será único quando, com uma única conduta, o sujeito ativo incite a prática de vários delitos: a pluralidade resultante de conduta única não implica concurso de crimes.

Esse crime é subsidiário, pois somente será aplicado caso não incida outro tipo penal ou lei especial. Ex.: art. 122, CP.

Não se pode confundir a incitação ao crime com pregações ideológicas ou anarquistas, por mais liberais, críticas ou avançadas que sejam.

11.1.1 Bem jurídico protegido: paz pública (sensação vivenciada e internalizada, pela coletividade, de segurança e confiança nas instituições públicas, transformando esse sentimento coletivo no verdadeiro bem jurídico relevantemente tutelado).

11.1.2 Consumação: ocorre com a incitação dirigida a número indeterminado de pessoas, independentemente da prática do crime incitado (perigo abstrato). Caso o instigado pratique o crime, o instigador poderá responder também por ele, em concurso material. A tentativa é admissível, desde que não se trate de incitação oral.  Ex.: cartazes, gravações, documentos etc. Não se pune a forma culposa.
Para Noronha, a publicidade exigida no crime é constituída também pelo lugar e outras circunstâncias que tornam possível a audição, por indeterminado número de indivíduos, do incitamento. Não é o número que deve ser determinado, mas as pessoas. Ex.: reunião de 50 pessoas. O número é determinado, mas as pessoas não.

Aduz Rogério Sanches, não é bastante que o agente incite publicamente a prática de delitos de forma genérica, pois deve ser apontado fato determinado, como, por exemplo, conclamar publicamente titulares de determinado direito a fazer justiça com suas próprias mãos, o que constitui o crime de exercício arbitrário das próprias razões. Perceba que a incitação vaga e imprecisa, não tem eficácia ou idoneidade necessária para motivar alguém a delinquir. Não basta falar, por exemplo, a favor da sonegação fiscal, mas deve-se determinar a sonegação.

11.2 Art. 287 Apologia de crime ou criminoso (suprimido do anteprojeto)

Trata-se de um induzimento implícito, feito através de elogios, exaltação a fatos criminosos ou a seus autores. Não há falar em crime se a manifestação for sobre contravenção ou contraventor. Apologia de crime culposo não é punível, pois poderá haver instigação, direta ou indireta, à pratica de um ato involuntário. Exige-se publicidade (número indeterminado de pessoas).

Para Hungria, o crime elogiado pode ser pretérito ou futuro. Contudo, a doutrina majoritária entende que tal crime deve ser passado, pois se for futuro, o tipo penal aplicado será o de instigação.

Não configura o crime se os elogios forem sobre as qualidades do agente criminoso, alheias à ação delituosa. É também controvertida a necessidade da existência de sentença condenatória irrecorrível contra o autor do crime elogiado. Para Celso Delmanto e Bitencourt, a apologia que este tipo penal incrimina, em sua última parte, é somente a de autor de crime que assim tenha sido considerado por decisão condenatória passada em julgado. Portanto, a apologia de acusado de crime, isto é, não condenada definitivamente, será atípica. Hungria, por outro lado, entende que tal circunstância não deve ser exigida (entendem da mesma forma: Capez, Fragoso, Noronha, Regis Prado etc.).

Consuma-se com a apologia, independentemente da efetiva perturbação da ordem pública (perigo abstrato). Teoricamente se admite a tentativa, mas de difícil configuração (tentativa de mero ato preparatório – tentativa da tentativa). Não há previsão de modalidade culposa.

Para Bitencourt, esse crime não foi recepcionado pela CRFB/88, pois não passa de simples manifestação pacífica de pensamento, por vezes, um desabafo, um exercício de liderança. Na maioria dos casos, a coletividade ouve como uma das tantas pregações, formando ou não opiniões, a favor ou contra, sem qualquer repercussão positiva ou negativa no meio social. Para o autor, esse tipo penal faz lembrar do filme Minority Report (prisões e condenações antes mesmo da execução, pois criaram a figura do pré-crime).

Fazer apologia não se confunde com defesa de alguém ou de alguma conduta ou defender alguém acusado de algum crime.

11.2.2 Pontos relevantes:

1) Apologia de vários crimes ou criminosos: para a corrente majoritária, haverá concurso formal. Caso um crime seja praticado posteriormente, admite-se concurso material.
2) Marcha da maconha – o STF entendeu não caracterizar o delito em estudo por fazer parte de uma instrumentalidade entre o direito de reunião, livre manifestação e direito de petição (iniciativa popular).

11.3 Art. 288 Quadrilha ou bando

Trata-se de crime coletivo (concurso necessário), de condutas paralelas (umas auxiliando as outras). Trata-se de uma associação estável e permanente de mais de 3 pessoas, ou seja, são pelo menos 4 pessoas com o fim de praticar uma série indeterminada de crimes (Luiz Regis Prado).

Questão: Quadrilha é sinônimo de bando? Para o CP são sinônimos. Todavia, em concursos públicos as bancas estão gabaritando que não são sinônimos: quadrilha é associação organizada; bando é desorganizado. Para Roberto Porto, as expressões são sinônimas, o que muda em ambas é o local da atuação, visto que a quadrilha se destina à zona urbana e o bando à zona rural.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
QUADRILHA
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
3 pessoas ou mais
4 pessoas ou mais
2 pessoas ou mais

11.3.1 Bem jurídico protegido: Para Bitencourt, é o sentimento coletivo de segurança e de confiança na ordem e proteção jurídica (caráter subjetivo), pois a paz pública (caráter objetivo) somente é atingida quando o crime é divulgado pela mídia.

11.3.2 Sujeitos do crime(1) ativo – qualquer pessoa. A doutrina ensina que poderá ser incluído no número legal pessoas inimputáveis (menores de 18 anos e doentes mentais). Bitencourt critica esse entendimento, pois há evidente resquício de responsabilidade objetiva; (2) passivo – coletividade.

Questão: O agente infiltrado poderá ser computado no nº mínimo de 4 pessoas? 1ª corrente - Nucci entende que sim, pois do mesmo modo que se admite a formação de quadrilha com inserção de menor de 18 anos, embora não seja este culpável, é de se considerar válida, para o mesmo fim, a presença do agente infiltrado. 2ª corrente – o policial não pode ser computado, pois não age com o necessário ânimo associativo, pois a sua finalidade, aliás, é diametralmente oposta, qual seja, desmantelar a sociedade criminosa. Perceba que o agente infiltrado não responderá pelo crime de quadrilha ou bando (excludente de ilicitude). Se ele for coagido a matar alguém, recairá sobre ele inexigibilidade de conduta diversa.

11.3.3 Consumação: momento em que aperfeiçoa a convergência de vontades entre mais de três pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao bando já formado, na adesão de cada qual. Considerando que o crime ocorre com a simples associação, não importa que o agente tenha ingressado a quadrilha ou bando após sua formação. De igual modo, é irrelevante que não tenha participado diretamente de eventuais crimes cometidos por membros da associação, bastando sua participação, de alguma forma, na organização da quadrilha (responderá apenas pelo crime de quadrilha e não pelos crimes cometidos). Em razão dessa autonomia, a punição dos membros integrantes independe de condenação pela prática de algum dos crimes pretendidos pelo bando.

Predomina nos tribunais que aqueles que participarem de eventuais crimes praticados pela quadrilha, responderão em concurso material de crimes. Perceba que o crime é permanente. Caso um membro seja retirado, cessa-se a permanência, mas o crime de quadrilha já estará consumado.

Questão: Quando mais de 3 agentes se associam para cometer um único crime, responderão pelo tipo penal em estudo? Não, pois o crime de quadrilha ou bando possui como elementar a finalidade de praticar crimes indeterminados. Se o crime for determinado, haverá concurso eventual de agentes. Perceba que o liame subjetivo no concurso de agentes, por si só, não tipifica crime algum, podendo majorar a pena de alguns crimes.

Questão: O que é criminalidade de massa? Não se confunde com criminalidade organizada. Esta não é apenas uma organização para a prática de crimes, pois vai além disso: corrompe o legislativo, executivo, judiciário, ministério público, corpo policial, etc. Aquela, por seu turno, compreende assaltos, invasões de apartamentos, furtos, estelionatos, roubos e outros tipos de violência contra os mais fracos e oprimidos. São ataques violentos e imediatos, atingindo o equilíbrio emocional da população, gerando sensação de insegurança.

Questão: É possível uma pessoa pertencer a mais de uma quadrilha? O que a lei pune é associar-se em quadrilha ou bando. Caso o agente, por mais de uma vez, se associe, não há dúvidas de que há pluralidade de crimes. Não confunda com organização criminosa (mínimo 3 pessoas com distribuição de tarefas). Logo, é possível ter uma quadrilha sem organização criminosa e vice-versa (são institutos autônomos).

Questão: É possível a suspensão condicional do processo para quadrilheiro? Sim, já que a pena é de 1 a 3 anos, tratando-se de infração de médio potencial ofensivo. Agora, se os crimes que a quadrilha visa forem hediondos, a infração passará a ser de grave potencial ofensivo. Nesse caso, caberá sursis penal e não processual.  O crime de quadrilha não é hediondo, mas poderá ter pena mais grave se visar o cometimento de crimes hediondos. Esse dispositivo não se aplica ao tráfico de drogas, já que existe regra específica para tanto, qual seja, art. 35 da lei 11.343/06 (pena de 3 a 10 anos). Note que foi derrogado o art. 14 da Lei de drogas (quadrilha com fim especial), que previa uma pena de 3 a 10 anos. Contudo, essa pena foi repristinada pela Lei 11.343/06.

Quadrilha ou bando do art. 288 do CP
Quadrilha ou bando do art. 35, Lei de Drogas
Mínimo 4 indivíduos
Mínimo 2 indivíduos
Visando a prática de crimes
Visando a prática de qualquer dos crimes previstos nos art. 33, caput, § 1º e 34.
Pena genérica de 1 a 3 anos ≠ Quadrilha com fim específico (crimes hediondos, terrorismo e tortura) cuja pena é de 3 a 6 anos.
Pena de 3 a 10 anos
Não admite tentativa

Não se admite a tentativa, pois os fatos punidos já são atos preparatórios.

Obs.: Rogério Sanches lembra que a Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC – Lei 12.529/11), ampliou as hipóteses de crimes passíveis de acordo de leniência (pacto de colaboração do infrator na investigação de crimes contra a ordem econômica que, uma vez cumprido, é causa de extinção da punibilidade). O acordo até então somente contemplava os crimes dos arts. 5º, 6º e 7º da Lei 8.137/90. Agora a Lei do SBDC (art. 87) admite a celebração de acordo para os crimes diretamente relacionados à prática de cartel, constando o crime de formação de bando/quadrilha, em seu rol exemplificativo.

11.3.4 Pontos relevantes:

1) Porte de arma de fogo – Para Hungria, basta um membro estar armado para qualificar o crime. Bitencourt compartilha com esse entendimento, mas desde que os membros saibam da arma. Para Bento de Faria, a maioria deve estar armada para qualificar o crime. Fragoso, por seu turno, entende que o juiz deverá reconhecer a qualificadora tanto pela quantidade de membros armados ou pela natureza da arma utilizada.
2) Não configura bis in idem a condenação por quadrilha ou bando armado e roubo majorado pelo emprego de arma, porquanto além de delitos autônomos e distintos, no primeiro o emprego da arma está calcado no perigo abstrato e, no segundo, no perigo concreto.
3) Envolvimento de “laranjas” na quadrilha ou bando: não respondem pelo crime, desde que desconheçam a existência ou finalidade da quadrilha, pois deve ser observado a T. do domínio do fato. Perceba que não podem nem mesmo completar o número legal (4 agentes), pois faltará a vontade livre e consciente de se associar.
4) a intervenção de inúmeras pessoas (quatro, cinco ou mais), por si só, é insuficiente para caracterizar a formação de quadrilha ou bando (Bitencourt).
5) o crime de quadrilha ou bando (concurso necessário) admite participação (concurso eventual de pessoas).

Atenção! Para melhor compreensão do tema crime organizado - Pesquisar: (1) direito penal funcional; (2) direito penal de 1ª, 2ª e 3ª velocidades; (3) direito de intervenção.

Art. 288-A - Constituição de milícia privada: Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

Foi incluído no art. 121 o § 6º (majorante) e no 129, mudou-se o § 7º.

11.4 CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

O sentido básico de toda a classe de crimes de falso permanece sendo o de ofensa à fé pública, consistindo esta na confiança que impõem certos objetos, declarações, símbolos ou formas exteriores, por força do costume e das exigências da vida social.

A doutrina ensina que as características gerais dos crimes de falso são:

(1) imitação ou alteração da verdade: se apresenta quando a realidade é alterada de forma a causar uma falsa representação. O essencial é que se apresente como verdadeiro ou autêntico o que é falso, ou, mais propriamente, o que proporciona uma falsa representação da realidade.
(2) possibilidade de dano: relevância jurídica da falsidade. Não se pune o falso inócuo, que não envolve qualquer dano ou perigo de dano (o falso deve ser capaz de iludir qualquer pessoa). Alguns crimes de falso não exigem expressamente o dano. (3) dolo: consciência de causar o dano a que se refere à ação delituosa. Perceba que nem todos os crimes de falso estão entre os crimes contra a fé pública. São casos em que o legislador atribuiu maior relevo a outros aspectos do fato incriminado, o que é decisivo para sua classificação. Ex.: (1) emissão de cheque sem fundos, art. 171, § 2º, VI, nos crimes contra o patrimônio; (2) registro de nascimento inexistente, art. 241 nos crimes contra a família. Por outro lado, não só as hipóteses de falsidade estão previstas entre os crimes contra a fé pública. Ex.: (1) petrechos de falsificação, art. 291 e 294; (2) falsidade pessoal, art. 307.

11.5.1 moeda falsa e crimes equiparados

Art. 289
Art. 290
Art. 291
Tem como objeto material a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa, a moeda papel ou metálica
Tem como objeto material a moeda papel fora de circulação.
Tem como objeto material maquinários para a produção de moeda falsa.

Questão: É possível aplicar o princípio da insignificância nesses crimes? Não é possível, pois o que importa não é o valor expresso (STF e STJ).

11.5.2 Bem jurídico protegido: fé pública, no particular aspecto da confiança de todos os cidadãos, indistintamente, na autenticidade da moeda, como símbolo de valor estabelecido pelo Estado. Em regra, é crime de perigo e só eventualmente de dano. Para a sua consumação, basta a potencialidade da ofensa à fé pública (crime formal).

11.5.3 Sujeitos do crime: (1) ativo  em regra, qualquer pessoa (há hipóteses de pessoas específicas). (2) passivo – coletividade. Eventualmente, podem ser sujeitos passivos secundários, os indivíduos que tenham direitos ou interesses ofendidos pela conduta delituosa, inclusive o próprio Estado, como administração.

15.5.4 Art. 289 – Falsificação de moeda: Constituem objeto material da ação moedas, que, do ponto de vista jurídico, entende-se por peça metálica cunhada no Estado ou órgão autorizado, tendo curso legal no país ou no estrangeiro. Tem curso legal a moeda que não pode ser recusada como meio de pagamento (poder liberativo declarado por lei). No Brasil, a moeda legal é o real, Lei 9.069/95 (norma penal em branco).

A falsificação da moeda pode ocorrer por fabricação, hipótese em que o agente faz a moeda, ou por alteração, quando o agente modifica ou altera moeda genuína. É irrelevante, na fabricação, o método de que se serve o falsário e o material empregado.

Questão: A expressão “moeda” abrange travels checks ou cheque viagem? Cheque viagem não é moeda de curso legal, mas um meio de aquisição desta.

A moeda retirada de circulação, ou que não tenha curso legal, não pode ser objeto material desse crime, não excluindo, porém, que possa servir para configurar uma fraude (estelionato).

O CP (art. 7º, I, b) estabelece a extraterritorialidade da lei penal brasileira nos crimes praticados contra a fé pública da União, consequentemente, será processado e punido, no país, o autor deste crime, ainda que o pratique no estrangeiro esteja ou não no território nacional.

As falsificações grosseiras capazes somente de iludir os cegos, os simples e imaturos de mente, não constituem perigo para a fé pública e não é punível como moeda falsa, mas, tão só, como estelionato, se for o caso (é imprescindível a imitatio veri). De igual forma, não configura o crime em estudo a fabricação de moedas imaginárias.

Transformar uma nota de R$ 1 real em R$ 10 é crime, mas o contrário não. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, somente se configura o crime se a alteração for no sentido de atribuir maior valor à cédula ou moeda metálica.

Configura o crime o recorte e colagem de fragmentos de cédulas sobre papel-moeda, a fim de atribuir-lhe maior valor. A modificação praticada sobre dinheiro recolhido para a recolocação na praça, constitui fabricação, pois a alteração prevista pela lei somente pode dar-se em moeda de curso legal.

Questão: É preciso a colocação da moeda em circulação? Basta a falsificação, sendo dispensável a intenção de colocar a moeda em circulação. Consuma-se no local da falsificação. O dolo é genérico e consiste na vontade livre e consciente dirigida à falsificação da moeda. Exige o conhecimento do curso legal da mesma e pelo menos a consciência da possível circulação do material falsificado. Os motivos e os fins de agir não interessam no tipo.

A quantidade e qualidade das moedas falsificadas são irrelevantes para a configuração do delito, embora possa ser considerada na medida da pena (art. 59, CP). Haverá um crime único se várias moedas forem falsificadas numa só ação, podendo também haver crime continuado, se as ações forem repetidas. Não haverá dolo se a moeda é falsificada numa demonstração de habilidade do agente ou para fim artístico.

A) Circulação de moeda falsa (art. 289, § 1º): Aqui o sujeito ativo é qualquer pessoa que não concorreu com a falsificação, ou seja, quem falsifica a moeda responde pelo caput e quem adquire ou quem coloca em circulação responde pelo §1º. Agora, se a pessoa falsifica e coloca em circulação só responde por um crime, pois a colocação em circulação será um post factum impunível (P. da consunção).

Questão: O estado de necessidade poderá ser alegado pelo agente? O estado de necessidade não tem sido reconhecido como argumento excludente da ilicitude pelos tribunais, ainda que o acusado esteja endividado e na iminência de perder o emprego, pois ausente a proporcionalidade entre o perigo de lesão ao bem jurídico e a ofensa causada.

Ações do tipo alternativo: (1) importar (introduzir no país) ou (2) exportar (enviar a outra nação); (3) adquirir (obter para si, de forma onerosa ou gratuita); (4) vender (alienar de forma onerosa); (5) ceder (entregar a outrem, a outro título); (6) emprestar (entregar a outrem para receber posteriormente idêntica quantidade e espécie), (7) guardar (ter consigo ou em depósito, à disposição) ou (8) introduzir na circulação (passar a moeda a terceiro de boa-fé, usando-a como instrumento de valor ou meio de troca, ou de qualquer outra forma desfazer-se da moeda, ensejando sua circulação como genuína).

Na modalidade guardar o crime é permanente e na modalidade adquirir é possível a tentativa. É crime de grande potencial ofensivo junto com o caput.

Tipo subjetivo: vontade consciente. A dúvida sobre a idoneidade da moeda pode configurar o dolo eventual. Salvo a última hipótese típica (introduzir em circulação), nas demais há sempre, em regra, conhecimento por parte de quem recebe a moeda de sua falsidade o que o fará responder igualmente pelo crime. Fragoso lembra que a introdução na circulação pode dar-se inclusive por abandono em lugar público, desde que haja consciência da possível circulação.

B) Circulação de moeda falsa recebida de boa-fé (art. 289, § 2º)

ART. 289, §1º DO CP
ART. 289, §2º DO CP
O agente age com manifesta má-fé.
O agente adquire de boa-fé, mas em seguida restitui a circulação com má-fé.
Mas se restitui a circulação de boa-fé e só depois descobre que era falsa a moeda, que crime foi praticado? FATO ATÍPICO.

Trata-se de forma menos grave do crime, em que o agente apenas visa obter ressarcimento do prejuízo que lhe foi infligido (crime privilegiado). O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, exceto os falsificadores e seus agentes ou intermediários, que conhecem a condição da moeda.

Questão: O agente tem que agir com dolo direto ou o eventual? Somente o dolo direto tipifica o crime, não abrangendo o dolo eventual, pois no tipo há a seguinte expressão: “depois de conhecer a falsidade”.

O crime se consuma exatamente no instante em que a moeda é colocada em circulação. A doutrina admite a tentativa.

Se o agente não provar a boa-fé no momento em que recebeu a moeda, nem por isso será enquadrado sumariamente na modalidade mais grave (art. 289, § 1º), porque para que está possa ser reconhecida incumbe à acusação provar que o agente conhecia a falsidade, devendo a dúvida resolver-se em favor do réu.

O recebimento pode ocorrer a qualquer título, de forma direta ou indireta, inclusive por doação. Contudo, se for por meio de furto ou qualquer outro crime ou achado, deverá o agente responder pelo crime do art. 289, § 1º. Note que a simples devolução da moeda à própria pessoa que entregou, será fato atípico.

C) Fabricação ou emissão irregular de moeda (art. 289, § 3º)

Pune o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão (crime funcional). Na verdade, trata-se de crime contra a administração pública (crime próprio).

A ação consiste em fabricar, emitir ou autorizar a fabricação ou emissão de moeda com título ou peso inferior (não superior) ao determinado em lei. Entende-se por título, no sentido da lei, a proporção ou teor da liga metálica legalmente estabelecida para a composição da moeda. A segunda modalidade do crime é referente à produção de papel-moeda em quantidade superior (não inferior) à legalmente autorizada. A produção de quantidade maior de moeda metálica é fato atípico, e o interprete da lei não pode colocá-la. O crime é punido a título de dolo e se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos.

Haverá concurso material se o agente praticar em seguida qualquer outro crime, com a moeda produzida irregularmente (peculato, estelionato etc.).

D) Desvio e circulação indevida (art. 289, § 4º)

Pune quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.

Pode ser praticado por qualquer pessoa (funcionário ou não): retirar o dinheiro da destinação (transitória ou definitiva) que lhe é atribuída por lei ou regulamento, e introduzi-lo em circulação, abusivamente. Para a existência do crime não se exige que o agente obtenha vantagem pessoal, nem a ação de desviar a pressupõe. O crime pode ser praticado pelo funcionário que infringe as regulamentações devidas e lança a moeda em circulação. Se após o desvio não houver a circulação, haverá apenas tentativa.

15.5.5 Art. 290 Crimes assimilados ao de moeda falsa

O crime é comum e se o funcionário público for o agente haverá uma qualificadora. O funcionário público tem que “trabalhar na repartição onde o dinheiro se achava recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo”. Embora reunidos em um só dispositivo legal, três são efetivamente os crimes previstos: formarsuprimir restituir à circulação.

(1) Formar cédula, nota ou bilhete representativo de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; passa a costurar uma nota falsa com fragmentos de uma nota verdadeira. Dispensa a colocação da moeda no mercado.

(2) suprimir, em nota, cédula ou bilhete recolhidos, para o fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua inutilização; o agente mexe apenas no sinal que invalida a nota, retirando o carimbo de inutilizacão. Dispensa a colocação da moeda no mercado.

(3) restituir à circulação cédula, nota ou bilhete em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização; o agente restitui notas inviabilizadas à circulação. NÃO dispensa a colocação da moeda no mercado.

Ao contrario com do crime de moeda falsa (art. 289), a aquisição e o recebimento da moeda nas condições descritas no art. 290, não foram elevadas à categoria de crime, subsistindo o delito de receptação.

O dolo envolve o conhecimento de que o papel-moeda é formado com fragmentos de cédulas ou se acha recolhido.

Este crime não se confunde com a introdução de moeda falsa em circulação (art. 289, § 1º), em que a ação tem por objetivo moeda falsificada por fabricação ou alteração.

Art. 289.
Art. 290
Falsificador responde pelo art. 289 caput
Falsificador responde pelo art. 290 caput
Receptador responde pelo art. 289 , § 1º
Receptador responde pelo art. 180 do CP

Obs.: A moeda metálica está excluída deste crime.
O delito é punido a título de dolo, com uma observação: esse dolo tem uma finalidade especial, que é a de restituir à circulação. Se a restituição à circulação for feita pela mesma pessoa que formou a cédula, suprimiu os sinais de inutilização ou subtraiu o papel-moeda destinado à inutilização, haverá um só crime, pois a última ação será fato posterior não punível (Fragoso).

11.5.6 Art. 291 Petrechos para falsificação

Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda. Trata-se de crime autônomo, excepcionando a regra de não punição de atos preparatórios (crime comum).

Segundo Fragoso, este crime é subsidiário em relação ao crime de moeda falsa (art. 289). Caso o agente desista voluntariamente da falsificação, subsistirá o crime de petrechos para falsificação de moeda.

Não há aparelhos que falsifiquem única e exclusivamente a moeda. Logo, não precisa ser maquinário específico para a falsificação. É irrelevante a alegação de que o fim era a produção de moeda verdadeira, pois, necessariamente, a moeda que for produzida será considerada falsificada, em razão da exclusividade da União em emiti-la (competência da justiça federal). É imprescindível a perícia.

Questão: Se o agente foi encontrado com os petrechos e com as moedas falsas, quantos crimes ele praticou? Os petrechos ficarão absorvidos pela falsificação. Assim, o art. 289 absorverá o art. 291.

Decidiu o STJ que se os petrechos apreendidos não se prestam apenas para a falsificação da moeda, servindo para outras fraudes, a competência será da Justiça Estadual.

15.6 Emissão de título ao portador sem permissão legal (Art. 292)

Dede os tempos do império já se cuidava de reprimir a emissão irregular de títulos ao portador, cuja circulação entendia-se que afetava a moeda de curso legal.

A proibição encontra fundamento no propósito de impedir que títulos ao portador concorram com a moeda, perturbando-lhe a circulação normal e ofendendo, como se fossem moedas falsas, a fé pública.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (aquele que emite título ao portador), crime comum.
A conduta incriminada é de emitir (lançar em circulação) nota, bilhete, ficha, vale ou título ao portador ou a que falte indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago. Título ao portador é aquele que constitui uma obrigação de pagar determinada importância a quem o apresente como detentor. É também título ao portador aquele a que falta indicação do nome do favorecido.

Obs.: É lícito o uso de vales provisórios, empregados normalmente na vida comercial, destinados a circular em ambiente restrito e emitidos para fins específicos. Ao contrário do que ocorre no crime de moeda falsa (art. 289), não basta aqui a formação do título, que será meramente ato preparatório. A permissão legal exclui o crime. Ex.: letra de câmbio, cheque, ações de sociedades anônimas.

A consumação ocorre no momento em que o agente introduz o título em circulação, entregando-o ou enviando-o ao tomador. O crime é formal e admite tentativa. A forma do título ou a inscrição nele contida é perfeitamente irrelevante, desde que contenha inequívoca promessa de pagamento de dinheiro.

Parágrafo único: recebimento ou utilização de títulos como dinheiro

Trata-se de atividade acessória em relação à emissão, mas cuja idoneidade para aumentar ou estender o dano ao interesse penalmente tutelado é manifesta.
O crime consiste em receber ou utilizar (como instrumento de valor ou meio de troca, ou seja, função específica da moeda) como dinheiro.

AULA XII – FALSIFICAÇÃO DE TÍTULOS E OUTROS PAPÉIS PÚBLICOS

12.1 Art. 293 Falsificação de papéis públicos

A proteção penal aqui se exerce em relação a papéis representativos de valores ou relativos a valores de responsabilidade do Estado, ou a arrecadação de impostos e taxas. Segundo Hungria, “entre tais papéis, há os que têm afinidade com o papel-moeda, destinando-se a meio (e comprovante) de pagamento de certos tributos, contribuições fiscais ou preços públicos; e há os que se assemelham mais aos documentos em geral, representando, nas hipóteses previstas, meios probatórios contra a administração pública”.

12.1.1 Bem jurídico protegido: fé pública, no aspecto da garantia da autenticidade de títulos e papéis públicos. Sujeitos do crime: (1) ativo - crime comum, salvo no caso do inciso III, § 1º, em que somente poderá ser sujeito ativo o comerciante ou o industrial (crime próprio). A qualidade de funcionário agrava o crime. (2) passivo - Estado e, secundariamente, o ofendido pela conduta. A materialidade do fato consiste em falsificar, fabricando ou alterando, qualquer dos papéis e títulos que estão previstos nos incisos do art. 293 e são objetos da ação delituosa. Em qualquer das suas modalidades o crime é formal e se consuma com a falsificação. Admite tentativa.

12.1.2 Uso de papéis falsificados (art. 293, §1º): não se pune o uso praticado pelo autor da falsificação, visto tratar-se de fato posterior impunível.

12.1.3 Supressão de sinais indicativos de inutilização (art. 293, §2º): os papéis são autênticos, mas há carimbos ou sinais indicativos de sua inutilização. A ação pode ser praticada por qualquer meio e o crime se consuma com a efetiva supressão, praticada com o chamado dolo específico (fim de tornar os papéis novamente utilizáveis). O uso desses papéis constitui o crime previsto no § 3º do mesmo artigo, podendo constituir exaurimento quando usado pelo agente que suprimiu o sinal. Exige a consciência de que os papéis se achem na situação a que a lei se refere, bastando, porém, o dolo eventual.

12.1.4 Restituição à circulação de papéis falsos recebidos de boa-fé: crime privilegiado (idem à circulação de moeda falsa).

12.2 Art. Petrechos de falsificação (art. 294)

Idem à fabricação de moeda falsa, o legislador erigiu os atos preparatórios para falsificação de papéis em crime autônomo.

12.3 Agravante especial (art. 295): refere-se às condutas delituosas dos arts. 293 e 294. Não basta ser funcionário público, pois é necessário que este se aproveite das facilidades que lhe proporciona o cargo / função que desempenha.

12.4 FALSIDADE DOCUMENTAL

Documento é todo escrito devido a um autor determinado, contendo exposição de fatos ou declaração de vontade, dotado de significação ou relevância jurídica. É todo objeto que, por si só, comprova um fato (todos acreditam), possuindo relevância jurídica.

12.2.1 Características do documento:

1. forma escrita: nem todo escrito é um documento. Documento não autenticado não pode ser objeto dos crimes de falsidade documental. O escrito deve ser feito sobre coisa móvel, que possa ser transportada e transmissível (não abrange o escrito em imóvel ou veículo). Pode ser feito à mão ou por meio mecânico ou químico, podendo ser empregados os sinais alfabéticos de qualquer língua e, inclusive, sinais taquigráficos, numéricos, criptográficos ou telegráficos, desde que constituam expressão do pensamento. No caso de reprodução mecânica, é indispensável à subscrição manuscrita, não sendo documento, portanto, os trabalhos impressos (livros, revistas, jornais etc.). Não constitui documento o escrito indecifrável ou aquele que somente o autor pode entender.

2. autor determinado: identificação do autor do escrito (que não é necessariamente a pessoa que o escreveu, mas aquelas a quem se deve a declaração de vontade). O escrito anônimo não é documento. Em regra, a identificação é feita pela assinatura aposta ao documento, mas não se exclui a que possa decorrer do próprio conteúdo, desde que a lei não exija expressamente a subscrição. Incabível, contudo, buscar a identificação do autor em elementos estranhos ao próprio escrito. A assinatura pode ser feita por abreviação de parentesco (“teu pai”, “teu irmão” etc.) ou por pseudônimo reconhecido, desde que através dela seja possível identificar o autor. A impressão digital, porém, não substitui a assinatura (Fragoso).

3. conteúdo ou teor: manifestação de vontade ou exposição de fatos. Não há documento sem conteúdo. A simples assinatura aposta a um papel ou a um quadro não constitui documento. Este deve conter uma manifestação do pensamento realizada através da narração ou exposição de um fato ou uma declaração de vontade (documentos declarativos e expositivos). O escrito ininteligível ou sem sentido não é documento.

4. relevância jurídica: conteúdo juridicamente apreciável, isto é, a expressão de pensamento deve acarretar consequências jurídicas. Esse conteúdo deve ser atual ou presente, e não passado ou futuro. Se o documento é especialmente destinado a servir como meio de prova, ele será um instrumento. Outros escritos podem ser documentos de ocasião, quando, sem terem sido preconstituídos como meio, em determinado momento tornam-se idôneos à comprovação de fatos juridicamente relevantes. A circunstância de ser juridicamente nulo não exclui o documento da tutela penal. Há documentos ou atos que, na ausência de certos requisitos, são considerados pela lei civil absolutamente nulos e que nem por isso são insuscetíveis de falsidade punível. Evidentemente, contudo, não constituirá documento o ato nulo, juridicamente irrelevante, isto é, incapaz de produzir qualquer consequência no mundo do direito; todavia aqui não se atende à nulidade, mas à inexistência do documento.

Os documentos podem ser públicos ou particulares, estando ambos protegidos pela tutela penal, em diferentes dispositivos. Diz-se genuíno o documento, quando seu autor aparente é o seu autor real. Diz-se verídico o documento em que a declaração de vontade ou exposição que contém, corresponde à realidade dos fatos. A falsidade operada em relação à autenticidade do documento é material; a que se refere à veracidade do conteúdo, é ideológica (Fragoso).

12.2.2 Art. 296 Falsificação de selo ou sinal público

Os selos e sinais públicos a que a lei penal aqui se refere, não constituem documentos. São, porém, comumente empregados como elementos de certificação ou autenticação documental, o que justifica a classificação. Uma vez apostos ao documento, tais passam a fazer parte integrante dele.

A falsificação (fabricação ou alteração) deve ter como objeto selo público destinado a autenticar atos oficiais (destinação objetiva) da União, de Estado ou de Município. O conteúdo do selo é irrelevante e a falsificação será sempre por imitação do sinal autêntico. A falsificação de selo imaginário não é crime. No caso de alteração, o agente modificará o selo genuíno, para fazê-lo passar por outro, atribuindo-o a outra autoridade.

Atenção! A falsificação de selo público de titularidade de autoridade estrangeira não configura o delito, mas poderá constituir meio para outro crime. Não precisa ser uma falsificação perfeita, bastando ter idoneidade de enganar indeterminadas pessoas. O crime se consuma com a falsificação, independentemente de qualquer outro resultado.

A) Uso de selo ou sinal falsificado (art. 296, § 1º): uso para autenticar ou certificar ato oficial. A simples detenção do sinal/selo falsificados não é crime. O agente deve saber da falsificação. O uso do selo por parte de quem falsificou será fato posterior impunível.

B) Utilização indevida (art. 296, II): utilização abusiva de selo ou sinal verdadeiro. Aqui o sujeito ativo é normalmente funcionário público, porém, o crime é comum. Se o sinete ou instrumento necessário à aposição do selo for obtido mediante furto, haverá concurso material de crimes.

Não haverá crime sem que a utilização indevida tenha sido realizada em prejuízo alheio ou proveito próprio ou de outrem. Tanto o prejuízo como o proveito podem ser de qualquer espécie ou natureza (material ou mora). É indispensável que esse resultado (dano ou vantagem, para si ou para outrem) se verifique efetivamente, pois constitui o momento consumativo do crime.

Se a utilização abusiva for para falsificar um documento, haverá um único crime (falsidade documental). Aplica-se o P. da absorção. Sendo o agente funcionário público, e cometendo o delito prevalecendo-se da função, a pena é aumentada de um sexto. Tal disposição abrange qualquer das condutas previstas no art. 296.

12.3 Falso material (arts. 297 e 298)

Art. 297
Art. 298
Pena de 2 a 6 anos
Pena de 1 a 5
Crime comum, majorado (1/3) quando praticado por funcionário público.
Crime comum, não majorado quando praticado por funcionário público. O STJ entende que essa circunstância deve ser considerada na fixação da pena base.
Falsificar ou alterar no todo ou em parte
Falsificar ou alterar no todo ou em parte
Documento público ou equiparado a público
Documento particular (aquele que não for público)
É imprescindível a capacidade de iludir (perícia)
É imprescindível a capacidade de iludir (perícia)
Exige-se dolo, sem fim especial
Exige-se dolo, sem fim especial
Dispensa o efetivo uso do documento
Dispensa o efetivo uso do documento (crime formal)
Admite-se tentativa (ainda que formal)
Admite-se tentativa (ainda que formal)

Cuidado! Cópia de cheque utilizada durante a noite (na balada) poderá iludir o homem médio. Por esse motivo, Rogério Sanches alerta que o correto é utilizar como parâmetro as circunstâncias em que foi utilizado o documento para iludir, e não o homem médio.

12.3.1 Art. 297 – infração de maior potencial ofensivo, não admite suspensão condicional do processo. Caso o agente seja primário, ainda assim, caberá prisão preventiva. Pena de 2 a 6 anos. No caso de documento particular, crime de menor potencial ofensivo (pena de 1 a 5 anos), admite-se a suspensão condicional do processo.

Sujeitos do crime: (1) ativo – crime comum. Note que, se for funcionário público a pena pode ser aumentada de 1/6. Tratando-se de documento da Previdência, responderá o agente pelo art. 297, § 3º. (2) passivo – primário, o Estado; secundário, o prejudicado.

Conduta: falsificar ou alterar. Pressupõe dolo (sem finalidade especial do agente). Havendo finalidade do agente, o crime poderá ser outro.

Falsificar
Alterar
Ao todo (total) à o agente cria o documento
Em parte (parcial) à aproveita os espaços em branco
Substituição de palavras ou rasuras

A consumação ocorre no momento em que é praticada uma das ações nucleares previstas no tipo. Tratando-se de delito plurissubsistente admite-se tentativa.

ð Documento formal e substancialmente público é aquele emanado por funcionário público competente, inerente ao interesse publico.
ð Documento formalmente público de conteúdo privado é aquele emanado de entes públicos. Ex: tabeliões.

Essa distinção não tem consequência na prática, pois a lei penal equipara, para mesmo tratamento, a falsificação em ambos os casos.

São considerados documentos públicos: (1) os emanados por paraestatais (SEM, FP e EP); (2) títulos ao portador (cheque); (3) ações de S/A ou comandita por ações; (4) livros de sociedade comercial; (5) testamento particular. Note que o cheque quando deixa de ser transmissível por endosso (perda do prazo de protesto), passando a ser transmissível por cessão civil (endosso póstumo), voltará a ser considerado documento particular.

O telegrama é um documento particular, em regra, pois se a falsificação recair sobre as anotações oficiais que o telegrama contiver terá caráter público. Lembre-se que os escritos a lápis não configuram documento, em decorrência da insegurança da sua manutenção. O STJ entendeu que a petição inicial não se trata de documento público, sobretudo, em decorrência do contraditório.

Para Fragoso, o documento público que a lei penal aqui contempla é não só o nacional, como também o estrangeiro, desde que no exterior seja considerado documento público, e desde que tenha atendido às formalidades exigidas para sua eficácia no Brasil.

Caso o documento seja dotado de irrelevância jurídica, poderá ser alegada a atipicidade. Contudo, Fragoso entende que a força probante do documento público é irrelevante, de modo que não interessa à configuração do crime o fato de portar o documento fé pública, circunstância que, todavia, poderá ser considerada na medida da pena.

A falsificação pode dar-se pro formação, no todo ou em parte, de escrito com aparência de documento público (contrafação), bem como por alteração de documento verdadeiro (a alteração do documento falso não é crime). A simples eliminação de parte do conteúdo (juridicamente relevante) constituirá o crime previsto no art. 305 (supressão de documento). É irrelevante que o conteúdo do documento falsificado ou alterado seja verdadeiro ou falso. Em qualquer caso, exige-se o exame de corpo de delito, pois o crime deixa vestígios, sendo indispensável à apresentação do documento falsificado. O exame de corpo de delito indireto é inadmissível.

Trata-se de crime de perigo. A tentativa é admissível, já que não a exclui o crime de perigo.

12.3.2 Art. 298 


A Lei n.° 12.737/2012 inseriu o parágrafo único ao art. 298 do Código Penal.

Falsificação de documento particular
Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Falsificação de cartão
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito.

A alteração no art. 298, com o acréscimo do parágrafo único, teve como objetivo fazer com que o cartão de crédito ou débito, para fins penais, seja considerado como “documento particular”.

Questão: Se o agente faz a clonagem do cartão e, com ele, realiza saques na conta bancária do titular, qual crime pratica? A jurisprudência do STJ entendia tratar-se de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II).

Questão: Qual será o crime praticado pelo agente que faz a clonagem do cartão e, com ele, realiza compras em estabelecimentos comerciais? Nessa hipótese, o STJ já decidiu que haverá o crime de estelionato.

Questão: Com a mudança da Lei será possível reconhecer concurso material entre a falsificação do cartão (art. 298, parágrafo único) e o furto ou estelionato? Cavalcante entende que não, pois apesar de se tratarem de bens jurídicos diferentes (a falsidade protege a fé pública, enquanto que o furto e o estelionato o patrimônio), deverá ser aplicado o princípio da consunção, por razões de política criminal. Logo, é de se aplicar o raciocínio que motivou a edição da Súmula 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Assim, se o agente faz a clonagem do cartão e, com ele, realiza saques na conta bancária do titular, pratica apenas furto mediante fraude, ficando, em princípio, absorvida a falsidade. De igual sorte, se o sujeito faz a clonagem do cartão e, com ele, realiza compras em estabelecimentos comerciais incorre em estelionato, sendo absorvida a falsidade, se não houver mais potencialidade lesiva (Súmula 17 do STJ).

Questão: Se o cartão de crédito ou de débito for emitido por uma empresa pública, como por exemplo, a Caixa Econômica Federal, ele será considerado documento público? Não. Quando a CEF emite um cartão de crédito/débito ela está atuando no exercício de uma atividade privada concernente à exploração de atividade econômica. Logo, não há sentido em considerar o cartão como documento público. Além disso, o cartão de crédito e débito é equiparado a documento particular, pelo parágrafo único do art. 298, sem qualquer ressalva quanto à natureza da instituição financeira que o emitiu.

Questão: Qual é o prazo de vacatio legis da Lei 12.737/12? 120 (cento e vinte) dias. Como foi publicada em 03/12/2012, somente entrará em vigor no dia 02/04/2013.


Questão: O que é documento particular? É aquele feito sem forma especial, formado por particulares e sem a intervenção de oficial público. É de notar-se que são documentos particulares os atos públicos nulos como tais, por serem feitos por oficiais incompetentes ou por não se revestirem das formalidades legais. O crime pode ser praticado por contrafação, total ou parcial, ou por alteração do documento verdadeiro. Em qualquer caso, consuma-se com a falsificação ou alteração, independentemente do uso efetivo, já que se trata de crime formal.

A tentativa é admissível. Aqui também será indispensável, para o reconhecimento da falsidade punível, a existência de prejuízo alheio, atual ou potencial, de qualquer natureza.

12.3.3 Falsificação de documento e princípio da especialidade

Público: para fins eleitorais.
Art. 2º, da Lei 7.492/86 (crimes financeiros) – documento representativo de título ou valor mobiliário. Pena de 2 a 8 anos.
Privado: para fins eleitorais.

12.4 Art. 299 Falsidade ideológica

Tutela-se a fé pública, mas em seu conteúdo. Só poderá ser praticado por qualquer pessoa que tenha o dever jurídico de declarar a verdade. Há duas penas: de 1 a 5 anos se o documento for público e de 1 a 3, se o documento for particular. Não existe o crime quando a falsa ideia recai sobre documento cujo conteúdo está sujeito à fiscalização da autoridade. Ex.: uma parte se declarou falsamente a hipossuficiência e o juiz confirmou a falsidade. O STJ entendeu que compete à autoridade fiscalizar isso, determinando o trancamento do inquérito.

Objeto material da ação será sempre documento público ou particular. A materialidade do fato consiste em omitir, em tais escritos, declaração que deles deveria constar, ou neles inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita. Pode assim o crime ser praticado por ação ou omissão.
Diz-se que há falsidade ideológica mediata, quando o agente faz inserir no documento através de terceiro (geralmente oficial público), declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita. Se o terceiro estiver consciente da falsidade, haverá concurso de agentes. A falsa informação prestada pelo agente, neste caso, pode ser feita verbalmente ou por escrito.

Deve haver finalidade especial: criar obrigação e extinguir ou prejudicar direitos. Caso contrário, será fato atípico. Ex. 1: senhora que falsifica certidão de nascimento para enganar namorado. Ex. 2: duas pessoas que mentem o local de acidente de trânsito. Note que a omissão não admite tentativa.

Questão: A falsidade necessita de perícia? Como a falsidade afeta o documento em sua ideação e não autenticidade ou inalterabilidade, é desnecessária perícia. Cuidado! O p. único (majorante de pena) aduz que, se o agente é funcionário público ou se a falsificação é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de 1/6.

Declarar falsamente paternidade em assentamento de registro civil, não incide a falsidade ideológica, pois há tipo específico: art. 241 e 242 do CP. Trata de recém-nascido (registrar como próprio o filho de outrem). Cuidado com as falsidades especiais dos arts. 350 do Código Eleitoral e 66 da Lei 9605/98 – falsificar licenciamento ambiental.

ð Falsidade material - o sujeito cria ou altera um documento verdadeiro.
ð Falsidade ideológica - o documento é formalmente verdadeiro, mas seu conteúdo é falso.

Questão: A substituição de fotografia em RG configura qual delito? 1ª corrente - Configura o art. 307, delito de menor potencial ofensivo (AGU); 2ª corrente - configura a falsidade de documento público do art. 297, CP (majoritária).

Quanto à tentativa, cumpre distinguir: na forma de omitir declaração, o crime será omissivo puro, e não admitira tentativa. Todavia, na forma de inserir ou fazer inserir declaração falsa, é perfeitamente possível a tentativa, já que se pode fracionar o processo executivo.

12.4.1 Abuso de folha em branco: O agente se aproveita de documento ou papel assinado que lhe é entregue em confiança, ou de que tem a posse ou detenção, para preenchê-lo abusivamente. A ação geralmente é praticada para obter vantagem patrimonial. Não há previsão no CP para esse abuso. Todavia, a Exposição de Motivos (nº 61) aduz que o fato está conceitualmente incluído na falsidade ideológica (Fragoso). Perceba que a folha de papel assinada inteiramente em branco não é documento, por faltar-lhe conteúdo. Não há dúvida, porém, de que se torna documento, desde que ocorre o preenchimento dos claros ou da parte em branco. Considera-se folha assinada em branco, não só a que se apresenta inteiramente em branco, contendo apenas a assinatura, como aquela que contém apenas alguns espaços em branco, a serem preenchidos, ou que podem ser preenchidos. Há, em qualquer caso, uma falsidade, pois o conteúdo do documento aparece como sendo de autoria do signatário, o que constitui, sem qualquer dúvida, falso.

12.4.2 Pontos relevantes:

1) a falsificação grosseira não configura o delito de falsidade, dependendo de perícia, salvo nos casos de substituição de fotografia (STF e STJ).
2) inserir conteúdo falso em documento verdadeiro em branco. Para Hungria, se houver posse legítima do documento, haverá falsidade ideológica. Agora, se a posse for ilegítima, a falsidade será material. Em se tratando de nota promissória emitida sem alguns de seus requisitos essenciais, é permitido ao portador de boa-fé do título preencher os espaços em branco. Trata-se da aplicação da súmula 387, STF.

12.5 Art. 300 Falso reconhecimento de firma ou letra (o tabelião ou responsável)

Trata-se de modalidade de falsidade ideológica em que a fé pública vem tutelada contra a falsa autenticação documental, praticada em geral por tabeliães (crime próprio). A condição de funcionário, sendo elementar ao crime, transmite-se, evidentemente, ao coautor (art. 30), que responderá pelo crime em exame, posto que não tenha tal qualidade. O crime consuma-se com a falsa atestação, independentemente de qualquer outro resultado (crime formal).

12.6 Art. 301 Certidão ou atestado ideologicamente falso (funcionário público competente).

Crime próprio e outra modalidade de falsidade ideológica. A ação só pode ser praticada por funcionário público, na execução de ato de ofício. A simples condição de funcionário não basta, devendo o ato constituir atribuição funcional. A materialidade do fato consiste em atestar ou certificar falsamente fato ou circunstância que habilite alguém a obter qualquer vantagem de caráter público.

O crime consuma-se com a formação do falso atestado ou certidão (que será documento público), independentemente de qualquer outro resultado (pode, assim, o documento permanecer na posse do funcionário). Pode a falsidade ser parcial, isto é, relativa apenas a fato ou circunstância referida na certidão ou atestado, desde que condicionante da obtenção de vantagem.

12.7 Art. 302 Falsidade de atestado médico

Espécie de falsidade ideológica. Estes documentos pressupõem uma capacidade técnica ou científica, e neles se deposita maior fé pública, precisamente pela maior dificuldade de seu controle. Trata-se de crime próprio (somente o médico pode praticá-lo). O atestado dever ser dado no exercício da profissão, o que significa que seu conteúdo deve relacionar-se com fatos cuja constatação incumbe ao médico realizar. A falsidade, que pode ser total ou parcial, pode ser praticada com a consignação de fato inverídico ou com a omissão de fato verdadeiro, desde que juridicamente relevante. Se houver finalidade lucrativa aplica-se cumulativamente multa.

Se o agente for funcionário e se o ato for praticado em razão de ofício, o crime será o de corrupção passiva (art. 317).

Atenção! O uso do atestado falso constitui o crime previsto no art. 304, podendo médico responder como co-autor pelo crime que vier a ser praticado com o atestado falso se lhe conhecia a destinação.

12.8 Art. 303 Reprodução ou adulteração de peça filatélica

No conceito Celso Delmanto, peça filatélica compreende os cartões, ou blocos comemorativos, obliteradores, provas etc. Protege-se a fé pública no particular aspecto da autenticidade de selos e peças filatélicas que tenham valor para coleção. Igual tratamento não se dispensou às moedas antigas e recolhidas, usadas para coleção. A falsidade operada em relação às mesmas somente será punível como elemento do crime patrimonial que vier a ser praticado.

A ação deve ter necessariamente por objeto selo recolhido ou inutilizado para fins postais (caso contrário, o crime será o do art. 293, I) ou qualquer outra pela filatélica, desde que tenha valor para coleção.

12.9 Art. 304 Uso de documento falso

Apresentar o documento falso. A pena dependerá do tipo de documento, se público ou particular. Caso o documento seja apresentado pelo próprio falsificador, o uso será um post factum impunível. Agora, se apresentado por pessoa distinta, quem apresenta responde pelo 304 e quem falsifica pelo 297.
Pode o uso ser de qualquer natureza (judicial ou extrajudicial) e deve consistir em ação, sendo incabível por omissão. Não haverá crime sem a existência de conduta positiva por parte do agente, na utilização do escrito. É imprescindível que se trate do próprio documento falso, não bastando o uso de uma cópia ou de uma fotocópia não autenticada (que nem sequer é documento). O crime é instantâneo, consuma-se com a simples utilização do documento, sem que seja necessário indagar da existência de qualquer proveito ou dano.

O uso de vários documentos falsos numa mesma ação delituosa implica em concurso formal de crimes. O uso do mesmo documento falso em relação a várias pessoas constitui crime continuado.

AULA XIII – CONTINUAÇÃO: FALSIDADE DOCUMENTAL

13.1 Art. 305 Supressão de documentos

Para Fragoso, é inegável que a falsificação documental e a supressão de documento são fatos da mesma natureza, pois em ambos se atenta contra a segurança jurídica desse meio de prova, para fazer aparecer como verdadeiro o que é falso. A supressão de documento, porém, em relação à fé pública, não deixa de ter um aspecto negativo, pois a alteração da verdade é aqui obtida por via indireta e consequencial (falsidade documental imprópria).

Consiste em destruir, suprimir ou ocultar, documento público ou particular verdadeiro, de que o agente não podia dispor. O objeto material da ação deve reunir, assim, as características de documento, sendo, ademais, verdadeiro.

13.1.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa, inclusive o proprietário ou co-proprietário do documento, desde que dele não possa dispor. (2) passivo - Estado e, subsidiariamente, o terceiro prejudicado.

Se o documento destruído, suprimido ou ocultado for passível de substituição, como cópias ou translados o crime não se perfaz. Em tais casos, poderá haver apenas o crime de furto ou de dano.  

A conduta punível é a de destruir (arruinar, eliminar etc.), suprimir (fazer desaparecer ou tornar ilegível o escrito, total ou parcialmente) ou ocultar (esconder, sonegar etc.), em benefício próprio ou de outrem (Rogério Sanches). Note que a vantagem visada não precisa ocorrer para consumar o crime.

Obs.: a jurisprudência tem admitido a destruição de filme fotográfico por considerá-lo registro gráfico, merecendo, assim, proteção penal.
13.2 Art. 306 Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins

Pune-se a conduta de falsificar (conferir aparência enganadora), fabricando-o (criando imitação do original) ou alterando-o (modificando), marca ou sinal empregado pelo poder público (federal, estadual, distrital ou municipal) no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária.

Também é incriminado, na parte final do dispositivo, o uso (utilização) da marca ou sinal inautêntico, falsificado por outrem. Se quem utiliza a marca ou o sinal é o próprio falsificador, responderá apenas pela falsificação (crime de ação múltipla). Para Bento de Faria, o sinal é uma determinada impressão simbólica do Poder Público, destinada autenticar a legitimidade do metal precioso. Não se admite a tentativa no uso.

13.3 Art. 307 Falsa identidade

Imputar-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem. Vale lembrar que a troca de fotografia em RG é tema controvertido (predomina que configura falso material, art. 297, CP).

Se o agente silencia sobre sua verdadeira identidade, que foi imputada de forma equivocada, não há falar em crime. A doutrina ensina que a elementar “identidade” envolve o nome, a idade, o estado civil, a filiação, o sexo etc. Note que esse crime é subsidiário, pois o art. deixará de ser aplicado caso o fato constitua infração mais grave. Ex.: (1) estelionato; (2) posse sexual mediante fraude; (3) simulação de casamento. Não é necessário que o agente aufira a vantagem pretendida para configurar o crime.

13.4 Art. 308 Uso indevido de outros documentos

Passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista ou qualquer documento de identidade alheia. Consiste a ação criminosa em usar como própria identidade alheia ou ceder para que outrem use. Perceba que os documentos devem ser verdadeiros, pois se forem falsos, o crime será o do art. 304, CP. Não se exige finalidade especial da conduta. Não se admite tentativa.

13.5 Art. 309 Fraude de lei sobre estrangeiro

Somente o estrangeiro (e o apátrida) podem praticar a conduta do caput. No parágrafo primeiro (atribuir falsa qualidade) o crime é comum. Caso algum brasileiro auxilie o estrangeiro na prática do delito, poderá responder como partícipe. O sujeito passivo é o Estado.

A conduta punida no caput é a utilização de nome alheio para entrar ou permanecer no território nacional. Não abrange estado civil, profissão, nacionalidade etc. Na execução do crime, pode o agente valer-se ou não de documento falso. Se o agente falsifica o documento e o utiliza para ingressar no Brasil, haverá concurso material de delitos. Todavia, se outra pessoa realiza a falsificação e o sujeito utiliza o documento, responderá somente pelo delito em estudo.

Para Mirabete, o território nacional deve ser entendido em seu sentido jurídico, incluindo o mar territorial e o espaço aéreo correspondente à coluna atmosférica. Deve ficar clara a intenção do agente (entrar ou permanecer no território usando nome alheio). O crime se consuma no momento do uso do nome, independentemente se o agente consegue ou não permanecer ou entrar no Brasil.

13.6 Art. 310 Falsidade em Prejuízo da Nacionalização de Sociedade 

Tutela-se a fé pública e a segurança nacional. O crime é próprio, já que somente pessoa de nacionalidade brasileira (nato ou naturalizado) pode praticá-lo. O sujeito passivo é o Estado.

Conduta: Há atividades que, em razão do interesse nacional que as cerca, não podem ser livremente desempenhadas por estrangeiros. É o que ocorre, por exemplo, com serviços jornalísticos e de radiodifusão, exploração de jazidas, recursos minerais e potenciais de energia (arts. 176 e 222, CRFB/88). A conduta típica em estudo pune o brasileiro que serve de “testa de ferro” ao estrangeiro, assumindo a qualidade de proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente ao não nacional, nos casos em que a este é vedada por lei a propriedade ou a posse de tais bens.  Consuma-se no momento em que o agente passe a figurar como proprietário ou possuidor dos documentos mencionados. Admite-se a tentativa.

13.7 Art. 311 Adulteração de sinal identificador de veículo automotor

O crime é comum, razão pela qual qualquer pessoa pode praticá-lo, e, sendo funcionário público, a pena é aumentada de 1/3.

Rogério Sanches adverte que a pessoa que recebe o veículo já adulterado, sabendo dessa circunstância, não pratica o crime do art. 311, mas o do art. 180 (receptação). O sujeito passivo do crime é o Estado e a pessoa lesada.

É punida a conduta de quem adulterar (modificar) ou remarcar (marcar de novo) número de chassi (estrutura que suporta os elementos que integram o veículo – carroceria) ou qualquer sinal identificador (registro que serve para individualizar o objeto dos demais) de veiculo automotor (todo o veículo motorizado que serve normalmente para o transporte viário de pessoas ou coisas, como por exemplo, carro, caminhão, motocicleta etc.), de seu componente (portas, vidros etc.) ou equipamento (iluminação das placas etc.). Mirabete aduz que a simples raspagem do número do chassi não equivale à adulteração, constituindo apenas ato preparatório do crime. Não é necessário o conhecimento da origem ilícita do bem.

A alteração de placa com utilização de fita adesiva é objeto de controvérsia. Para Damásio, não se apresentando adulteração concreta e definitiva com objetivo de fraudar a propriedade, o licenciamento ou o registro do veículo, trata-se de simples infração administrativa. Parte da doutrina entende que a placa de um veículo motorizado, ao lado de outros sinais de identificação, constitui-se num sinal identificador, ou, como estabelece o CTB (arts. 114 e 115), um sinal externo de identificação. A circunstância de estarem tais sinais em dispositivos separados não significa que devam receber um tratamento penal diferenciado. Consequentemente, a alteração, adulteração ou remarcação de referido objeto perfaz a conduta criminosa do art. 311, CP.

Para Nucci, a falsificação grosseira não constitui o delito. Ex.: motorista que altera número das placas de seu veículo, utilizando fita adesiva, com o propósito de se livrar das multas. Rogério Sanches, discordando de tal entendimento, aduz que esse tipo de remarcação, embora seja rústica, possui idoneidade para dificultar o conhecimento do proprietário, lembrando que muitas vezes esse expediente é utilizado em crimes patrimoniais (roubos).

Caso a intenção do agente é auxiliar autor de crime, praticará em concurso o crime de favorecimento (real ou pessoal).

13.8 Art. 311-A Fraudes em certames de interesse público

Tutela-se a credibilidade (lisura, transparência, legalidade, moralidade, isonomia e segurança) dos certames de interesse público.

13.8.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa. Aplicando-se o P. da especialidade, a violação de sigilo funcional envolvendo certames de interesse público não caracteriza o crime do art. 325, mas o do 311-A (Rogério Sanches). (2) passivo – Estado e eventuais lesados pela ação delituosa.

13.8.2 Conduta: é punida a conduta de quem utiliza (emprega, aplica) ou divulga (efeito de tornar público, propagar), indevidamente (sem justo motivo), com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso (abrangendo não apenas as perguntas e respostas, mas também outros dados secretos que, se utilizados indevidamente, geram desigualdade na disputa).

Antes da inclusão desse art. no CP, a “cola eletrônica” foi considerada atípica pelo STF e STJ. A doutrina passou a enquadrar a cola eletrônica no tipo em estudo. Contudo, Rogério Sanches adverte que tal enquadramento dependerá do caso concreto: se o modo de execução envolve terceiro que, tendo acesso privilegiado ao gabarito da prova, revela ao candidato de um concurso público as respostas aos quesitos, pratica, junto com o candidato beneficiário, o crime do art. 311-A (aquele, por divulgar, e este, por utilizar o conteúdo secreto), Agora, caso o candidato, com ponto eletrônico no ouvido, se vale de terceiro expert para lhe revelar as alternativas corretas, permanece fato atípico (apesar de seu grau de reprovação social), pois os sujeitos envolvidos (candidato e terceiro) não trabalham com conteúdo sigiloso (o gabarito continuou sigiloso para ambos).

Quem facilita ou permite, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput. Não se pune a forma culposa. O crime dispensa a obtenção de vantagem. Caso acarrete dano à credibilidade do certame, o crime será qualificado (cumulado com multa).

13.9 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (parte especial): localizado no título XI do CP.

Para Raul Machado Horta, a CF é uma constituição plástica, pois os artigos estão colocados em ordem de importância, sequenciados. De igual forma, o CP adota essa hierarquia de importância: 1º crimes contra a pessoa; 2º crimes contra o patrimônio individual; 3º crimes contra a administração pública (Cleber Masson).
Capítulo I – crimes funcionais (praticados por funcionário público)
Capítulo II – praticados por particulares
Capítulo II-A – contra a administração pública estrangeira. Para a doutrina o bem jurídico tutelado é a regularidade na transação comercial internacional.
Capítulo III – contra a administração da justiça
Capítulo IV – contra as finanças públicas

13.9.1 Crimes funcionais: sujeito ativo, em regra, tem que ser funcionário público. O passivo é a administração pública, sozinha ou conjuntamente com particular.

Obs.: art. 7º, I, “c”, CP – extraterritorialidade incondicionada e art. 33, § 4º, condenação por qualquer crime contra a administração terá o regime de pena condicionada à reparação do dano.

ð Funcional próprio (prevaricação, concussão, corrupção passiva): faltando a qualidade de servidor, o fato passa a ser insignificante penal (atipicidade absoluta). Ex.: dar dinheiro por engano a quem não é funcionário público.
ð Funcional impróprio: faltando a qualidade de servidor, o fato deixa de configurar crime funcional, mas permanece como crime comum (atipicidade relativa). Ex: peculato (312, CP), vira apropriação indébita; a concussão (316), vira extorsão para o particular.

Obs.: nem todo crime ímprobo corresponde a um crime funcional (atos de improbidade estão nos arts.: 9º, enriquecimento ilícito; 10, dano ao erário; e 11, violação aos princípios da LIA). Agora, todo crime funcional corresponde a um ato de improbidade. Logo, sempre que ocorrer um crime funcional, uma cópia dos autos deverá ser encaminhada à promotoria do patrimônio público para verificação de improbidade administrativa.

Questão: O que é funcionário público para o direito penal? Aquele que exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que transitório ou sem remuneração (art. 327, CP). Ex.: jurado, mesário, cartorários e estagiários. O advogado dativo, para o STJ é funcionário público por equiparação (tese do MP de SP). Outrossim, o servidor de Paraestatal, empresa conveniada ou contratada para exercer atividade típica da Administração Pública, devido a desestatização e não privatização. Não são equiparados a funcionários públicos: pessoas que exercem encargo / múnus público (administrador judicial; síndico de falência – administrador judicial; inventariante dativo; tutor; curador dativo etc.

A pena é majorada (1/3) quando: o cargo for comissionado, direção, assessoramento (SEM, EP, FP e demais órgãos públicos da Administração Pública direta e indireta. Cuidado! A autarquia está fora desse rol). Para o STF, os chefes do executivo exercem função de direção de órgão público, logo, jamais escaparão da majorante. O fundamento dessa causa de aumento é a maior reprovabilidade da quebra na confiança da função exercida.

13.9.2 Art. 312 Peculato: apropriação, desvio, furto, estelionato (313), eletrônico (313-A e B) e culposo. Para a maioria vem do latim peculatus ou depeculatus – pecus: significa gado, carneiro, rebanho.

Peculato próprio: caput do art. 312, CP. O bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa. Secundariamente se tutela o patrimônio público ou particular. O sujeito ativo é o funcionário público no sentido amplo do art. 317 do CP.

Questão: Admite-se partícipe particular? Depende: se o particular souber da condição de funcionário público do outro agente, responderá como partícipe. Agora, se não souber responderá por crime comum. Note que a condição do agente se estende ao partícipe se esse sabia da condição. Lembre-se que o particular pode figurar como vítima secundária do peculato.

Atenção! O diretor de sindicato não é funcionário público para fins penais (nem mesmo os diretores de Conselhos – CRM, CRP, CREA, etc.). Mas poderá praticar peculato, pois o Art. 552 da CLT equipara o fato praticado pelo diretor ao crime de peculato (equiparação objetiva do fato com o peculato do CP). Dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais pelos representantes. Para Sergio Pinto Martins, esse artigo não foi recepcionado pela CF/88 (o art. é de 1969 – ditadura militar), devendo o crime ser convertido para apropriação indébita. Para o STJ, esse artigo da CLT foi recepcionado pela CF/88 e o crime será mesmo de peculato, ainda que o presidente do sindicato não seja funcionário público.

Para prefeitos (Dec-lei 201/67 – norma especial), subsidiariamente aplica-se o CP (norma geral). Crime de responsabilidade dos prefeitos e vereadores: Cuidado! no art. 1º dessa lei, o crime será comum. No art. 4º, o crime será político-administrativo.

Peculato apropriação: apropriar-se de coisa de que tem a posse; inverter a posse (agindo arbitrariamente como se dono fosse). Para bem móvel, capaz de ser transportado (não coincide com o direito civil). Aplica-se para bem público ou particular. A posse deve ser em razão do cargo (nexo funcional inerente às atribuições do agente e não somente por ocasião do cargo). Agir para si ou para outrem. Não confunda com em ocasião do cargo (pegadinha)!

Questão: A mera detenção caracteriza posse? 1ª corrente - a expressão posse em sentido amplo abrange a detenção, assim, a detenção caracterizaria o peculato apropriação; 2ª corrente - Para o STJ, a expressão posse não se confunde com mera detenção. Se o legislador quisesse abranger esta, faria expressamente (ex.: 168, CP). Destarte, apropriar-se de coisa de quem tenha mera detenção configura peculato-furto (subtração).

Questão: E se o agente agir com animus de uso será crime (peculato de uso)? A doutrina divide a coisa em consumível (fungível) e inconsumível (infungível). Caso seja a coisa fungível será peculato. Agora, se for infungível não será crime. Ex.: perito que levou aparelho da repartição para seu escritório. No caso de mão-de-obra, a doutrina entende que não é coisa, mas serviço. Logo, não caracteriza peculato, salvo para os prefeitos que praticarão o crime, não importando ser a coisa consumível ou apenas serviço (Dec-lei 201/67). Para governadores e Presidente da República o delito será de improbidade administrativa, e não peculato como ocorre com os prefeitos. Essa desproporção é proveniente pelo fato dos prefeitos serem nomeados e não eleitos (prefeitos biônicos). Trata-se demais um exemplo de ato de improbidade que não corresponde a crime.

Consuma-se no momento em que o agente exterioriza os poderes de proprietário (admite tentativa e desprezam o enriquecimento do agente).

Questão: É possível a aplicação do P. da insignificância? Para o STF é admitido, salvo nos crimes contra a fé-pública (moeda falsa). Para o STJ não se admite, considerando que o objeto tutelado é a moralidade administrativa e não o valor da coisa. Lembre que esse princípio poderá ser aplicado a qualquer crime que seja com ele compatível e não somente aos crimes patrimoniais.

Peculato desvio: só difere da apropriação no verbo nuclear. Dar à coisa outra finalidade (desviar a coisa). Consuma-se no momento em que o agente dá a coisa destinação diversa prevista (finalidade).

PECULATO DESVIO - 312, CP
DESVIO DE VERBA PÚBLICA - 315, CP
Desvia verbas ou rendas públicas, atendendo interesse particular (próprio ou de terceiros).
Desvia verbas ou rendas públicas, porém atendendo interesse público, jamais particular. Ex.: administrador que retira verba da saúde e aplica na educação.

Peculato furto: bem jurídico tutelado – moralidade administrativa. O Sujeito ativo é o funcionário público; o passivo é a Administração Pública e o particular de forma concorrente. Perceba que não há posse, por esse motivo é peculato impróprio (há subtração da coisa facilitada pelo cargo; qualidade de funcionário público). Agora, se não foi facilitada será furto comum (como se particular fosse).
Tipo subjetivo: dolo + animus definitivo. Consuma-se com a mera apoderação (T. da amotio). Dispensa a posse mansa e pacífica, admitindo-se a tentativa.

Peculato culposo: é o único crime funcional culposo (de menor potencial ofensivo). A conduta incide em concorrer culposamente para o crime de outrem: 1ª corrente - a culpa do agente tem que resultar em outro peculato. Agora, se for um crime comum, não será peculato culposo (predominante); 2ª corrente - responderá por qualquer crime subsequente, sendo outro peculato de crime comum. O agente que age culposamente não poderá ser partícipe do 2º crime por ausência de homogeneidade de vontade. Veja que o delito se consuma quando se aperfeiçoa o 2º delito.

Benefícios exclusivos: Para peculato culposo - extinção de punibilidade quando reparado o dano antes da sentença condenatória irrecorrível. Agora, se for posterior à sentença a pena será reduzida da 1/2.

13.9.3 Art. 313 Peculato estelionato (ou mediante erro de outrem): posse ilegítima. O erro da vítima tem que ser espontâneo; se for provocado pelo funcionário público será estelionato do crime comum (171, CP). Consuma-se quando o funcionário percebendo o erro, não o desfaz apropriando-se da coisa como se dono fosse. Admite-se a tentativa.

Peculato eletrônico:
Art. 313-A
Art. 313-B
Somente funcionário autorizado
Qualquer funcionário
Conduta: inserir ou facilitar a inserção de dados falsos; alterar ou excluir dados completos
Conduta:modificar ou alterar o sistema ou programa
Dolo e fim especial (causar dano ou ganhar vantagem p/ si ou p/ outrem
Dolo sem fim especial
Delito formal. Admite tentativa
Delito formal. Admite tentativa
Muda-se a idéia (falsidade ideológica)
Muda-se o objeto (falsidade material)

13.9.4 Art. 314 – Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento

A doutrina ensina que o sujeito ativo desse crime é o funcionário público em sentido amplo. Contudo, Nelson Hungria leciona que o sujeito ativo há de ser apenas o agente incumbido ratione officii da guarda do livro ou documento. Se a ação é cometida por um extraneus (ou mesmo outro funcionário não incumbido da guarda do livro ou documento), o crime será o do art. 337, CP.

Rogério Sanches adverte que se o sujeito ativo servidor em exercício junto à repartição fiscal ou tributária, o extravio de livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento por ele causado configura crime especial, previsto no art. 3º da Lei 8.137/90.


Para que seja caracterizado o crime, o funcionário público deve ter agido em razão de sua função, ainda que esteja fora dela ou mesmo que ainda nem a tenha assumido. Não precisa ser o funcionário público responsável pelo lançamento. Vale lembrar que aquele que promete pagamento para o servidor realizar o lançamento responde pela corrupção ativa e não pelo crime tributário.

Obs.: multa não se confunde com tributo, assim, caso o objeto do lançamento seja uma multa não será crime tributário, mas corrupção passiva (art. 317, CP).

Atenção! Tratando-se de autos judiciais ou documentos de valor probatório, cuja inutilização ou sonegação seja praticada por advogado ou procurador que os receba nesta qualidade, o crime será o do art. 356, CP. O crime tipificado no art. 314, além de ser próprio, é subsidiário em relação ao delito previsto no art. 305, que exige dolo específico (supressão de documento público).


Art. 305 – Supressão de documento público
Art. 314 – Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento
Objetividade jurídica
Crime contra a fé pública
Crime contra a administração pública
Sujeito ativo
Qualquer pessoa
Funcionário público
Conduta
Destruir, suprimir ou ocultar documento público ou particular verdadeiro
Extraviar, sonegar ou inutilizar livro oficial ou qualquer documento de que tem guarda em razão do cargo
Tipo subjetivo
Há finalidade específica de tirar proveito próprio ou de outrem, ou visando causar prejuízo alheio
Não se exige qualquer finalidade específica
Pena
Reclusão de 2 a 6 anos e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 a 5 anos e multa, se particular
Reclusão de 1 a 4 anos, se o fato não constitui crime mais grave.

13.9.5 Art. 315 – Emprego irregular de verbas públicas

O crime é próprio, pois somente funcionário público que tenha o poder de administração de verbas ou rendas públicas (Presidente da República e seus Ministros, Governadores, Secretários, diretores de entidades paraestatais, administradores públicos etc.). Admite-se a cooperação de particulares. Para os prefeitos municipais, a conduta se subsume ao disposto no art. 1º, III, do Decreto-lei 201/67.
A doutrina ensina que será admitido aplicar o estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa, de forma excepcional.

AULA XIV – CONTINUAÇÃO CRIMES FUNCIONAIS

14.1 Art. 316 Concussão: exigência com coerção / temor / represália (pena de 2 a 8 anos). Caso não tenha relação com a função será extorsão. O bem jurídico primário tutelado é a moralidade pública e o secundário é o particular. Trata-se de crime formal, por isso não se admite o flagrante na entrega da vantagem.

Exigir (intimidar / coagir) para si ou para outrem (inclusive entidade pública) direta ou indiretamente (por interposta pessoa) explícita (clara) ou implicitamente (velada) vantagem indevida de qualquer natureza (econômica ou sexual). Caso a vantagem seja devida: i) se for tributo ou contribuição, será excesso de exação; ii) se não for tributo ou contribuição social, será abuso de autoridade. No excesso não está abrangido emolumentos de cartório.

Questão: Quem pode ser concussionário no Brasil? Funcionário público afastado, em exercício ou ainda não assumido (aprovado em concurso, nomeado, mas não entrou em exercício). Caso o funcionário seja fiscal de renda, não se aplicará o art. 316, CP (concussão) e sim, o art. 3º, II, da Lei 8.137/90 (crime contra a ordem tributário - o mesmo raciocínio se aplica à corrupção passiva); se for militar, art. 305, CPM.
Questão: O que é metus publicae potestatis? É o temor que o cargo público causa nas pessoas. É imprescindível que o agente tenha condição / atribuição / competência / poder para concretizar o mal que prometeu. Se não possuir a competência será extorsão comum (art. 158, CP). Ex.: policial simulando competência de delegado.

Questão: O médico que atende pelo SUS, ao condicionar seu atendimento mediante vantagem, comete qual crime? 1ª corrente - se ele exigir será concussão; 2ª corrente - se ele solicitar será corrupção passiva (art. 317, CP); 3ª corrente - se ele empregar fraude, simulando um pagamento indevido, será estelionato (art. 171, CP).

Exige-se dolo especial (enriquecimento / locupletamento ilícito). É crime formal, não exigindo a obtenção da vantagem. Admite-se tentativa (carta concussionária interceptada ou morte de 3º que iria entregar a exigência). Admite-se coautoria.

14.2 Excesso de exação: encontra-se nos §§ 1º e 2º do art. 316 (concussão): quando o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido; quando emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso não autorizado em lei; quando desvia em proveito próprio ou de outrem a importância que recebeu indevidamente. Pena: reclusão de 2 a 12 anos e multa.

14.3 Art. 317 Corrupção passiva: solicita ou pede para si ou para outrem (pena de 2 a 12 anos). O sujeito ativo é o mesmo da concussão (abrange funcionário público de folga ou férias; particular na iminência de assumir a função). Caso o agente seja fiscal de renda (tributos) será crime tributário. Agora, se o funcionário for militar, o art. 308, CPM, não pune a ação solicitar, mas apenas receber ou aceitar promessa. Caso o militar solicite, a competência será da justiça comum (art. 317). Há julgados excluindo a corrupção passiva quando praticada em favor da administração.

Sujeito Passivo: primário é a moralidade pública; o secundário pode ser o particular, desde que não cometa corrupção ativa (art. 333, CP – oferecer ou prometer vantagem). A ação “dar” livremente não é punível, pois se o corruptor “solicitar” o agente que der será a vítima da corrupção passiva.

Questão: O que é Corrupção passiva própria? Tem por fim a realização de ato injusto (comportamento injusto). O funcionário público comercializa um ato ilegítimo.

Questão: O que é Corrupção passiva imprópria? Tem por fim a realização de comportamento legítimo. O funcionário público comercializa ato justo. O ato em si é legal, mas o servidor realiza mediante vantagem.

Questão: O que é Corrupção passiva antecedente? 1º solicita / recebe / aceita promessa para depois realizar o ato comercializado.

Questão: Corrupção passiva subsequente? 1º realiza o ato e depois solicita / recebe ou aceita a promessa.

Cuidado! corrupção ativa antecedente: 1º oferece / promete visando ato futuro (é crime). Corrupção ativa subsequente: 1º pratica um ato e depois promete ou oferece (não é crime – fato atípico). Na corrupção passiva a condição de funcionário público se comunica ao particular coautor.

Questão: Quando a corrupção passiva se consuma? Depende: nas modalidades solicitar / aceitar promessa o crime é formal. Na modalidade receber, será material. Admite-se tentativa na forma escrita “solicitar”. Perceba que, se o servidor praticar o ato infringindo dever funcional a pena será aumentada de 1/3 (§1º, 317, CP), salvo quando o ato configurar um crime autônomo, sendo hipótese de concurso material de crimes. Isso evita a infringência do bis in idem. Só é possível majorar a pena na corrupção passiva própria, pois é a única que prevê a infração de um dever funcional.

Obs. 1: 337-B – corrupção ativa em transação comercial internacional (prometer, oferecer e dar, para funcionário público internacional).
Obs. 2: 343, p. único – corrupção ativa de testemunha (dar, oferecer e prometer). Há também a conduta do código eleitoral (dar, prometer ou oferecer em época de eleição).
Obs. 3: A corrupção ativa não implica necessariamente na consumação da passiva, ou vice e versa.

Questão: Existe corrupção passiva privilegiada? A previsão está no art. 317, § 2º -  crime de menor potencial ofensivo. Pune-se os famigerados favores administrativos. O CP não menciona se o ato deve ser ilícito, ilegítimo ou contrário ao dever funcional.

CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA
PREVARICAÇÃO (art. 319)
o funcionário cede diante de um pedido ou influência de outrem (ato voluntário)
o funcionário que age sem influência ou pedido de outrem (ato espontâneo). Autocorrupção.
Não visa interesse ou satisfação pessoal (o funcionário não quer vantagem pessoal – favor administrativo)
Busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal (o funcionário quer a vantagem). Fim específico

Obs.: praticar ato contra expressa disposição de portaria ou resolução não é prevaricação.

14.4 Art. 319-A Prevaricação imprópria: i) deixar de (omissivo próprio); ii) cumprir seu dever legal de vedar ao preso (não é qualquer agente penitenciário); iii) o acesso a aparelho telefônico, rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou ambiente externo. Não exige finalidade específica. Pena de 3 meses a 1 ano.

Fere o P. da proporcionalidade, pois está incidindo na insuficiência da intervenção estatal. O P. deve evitar não só a hipertrofia quanto à insuficiência da punição. Contudo, mesmo insuficiente, a pena deve ser aplicada em observância ao P. da legalidade. Não exige satisfação de interesse / sentimento pessoal.

bem jurídico tutelado é a segurança interna dos presídios e externa da sociedade.
sujeito ativo é servidor com o dever de evitar o acesso a aparelho (celular, radio, instrumentos proibidos etc) aos presos. Observe que o preso não comete crime nenhum, apenas falta grave do art. 50, III, LEP.

Questão: E o particular que auxilia (introduz o objeto)? Responderá pelo art. 349-A. Esse tipo penal ainda não possui nome. O sujeito passivo é o Estado e a sociedade envolvida.

Questão: E se o servidor ao invés de apenas permitir o acesso ao aparelho, pessoalmente entregá-lo ou, então, deixar de retirar do preso aparelho que já está em sua posse? A expressão “acesso ao aparelho” não deve ser interpretada restritivamente, mas ao seu real alcance, abrangendo a conduta entregar pessoalmente ou não retirar aparelho já na posse do preso (Nucci). Perceba que o delito se consuma com a simples omissão do dever, sendo dispensável o real acesso. Por ser crime omissivo próprio (unissubsistente), não se admite a tentativa.

Art. 319-A PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA
349-A (não tem nome definido)
Não tipifica a conduta do particular que leva o aparelho ao preso: Ex: advogado.
Tipifica a conduta do particular que leva o aparelho ao preso.
A conduta do preso é atípica. Será falta grave LEP.
A conduta do preso é atípica. Será falta grave LEP.
Sujeito ativo: funcionário que tem o dever de evitar
Sujeito ativo: qualquer pessoa, inclusive funcionário público.
Objeto proibido: Aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal (abrange acessórios: carregador, chip etc)
Objeto proibido: Aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal (abrange acessórios: carregador, chip etc)
Deve haver dolo. Não se pune a forma culposa. Não se admite tentativa.
Deve haver dolo. Não se pune a forma culposa. Admite-se tentativa

14.5 Art. 318 Facilitação de contrabando ou descaminho:

Para Nelson Hungria, contrabando é, restritamente, a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada  ou saída no País é absoluta ou relativamente proibida, enquanto que descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo.

Sujeito Ativo: O funcionário público que, infringindo dever funcional (aquele responsável pela alfândega, portos, aeroportos, isto é, somente o policial ou funcionário público encarregado destes locais) facilita a prática do contrabando ou do descaminho. Trata-se, sem dúvida, de exceção à teoria unitária ou monista adotada pelo Artigo 29 - CP.  O Particular (qualquer pessoa) incorre no art. 334 CP.

Obs. 1: Contrabando de arma - responde pelo disposto no art. 18 da Lei 10.826/03(estatuto do desarmamento).
Obs. 2: O Funcionário Público que recebe dinheiro para permitir ingresso de mercadoria contrabandeada incorre em dois tipos penais, responde, cumulativamente, por Corrupção passiva + Facilitação de Contrabando ou descaminho (Art. 317 + 318 CP).

Hipótese: A seleção tetracampeã de 1994 encheu o avião de “muamba” nos EUA e não pagou os impostos devidos. Os fiscais revistaram e queriam apreender os objetos. Por determinação do Ministro do Esporte, os agentes foram impedidos de efetuar a apreensão. Ocorreu a facilitação para a prática de descaminho, ou até contrabando, dependendo da mercadoria. Cuidado! Ordem ilegal não se cumpre.

Aplica-se neste crime o principio da "Insignificância ou Bagatela" (até U$ 1.000,00).

Trata-se de crime federal. Ex.: Se um delegado de polícia estadual faz um flagrante sobre o contrabando e descaminho, o juiz federal, em tese, poderá homologar a prisão.

Atenção! Se um funcionário público der a chamada “carteirada” para ajudar um amigo a contrabandear, não responderá por facilitação, mas por contrabando em coautoria. Agora, o outro funcionário que cede a carteirada responderá pela facilitação.

14.6 Art. 320 Condescendência criminosa

Ocorre quando o superior deixa de responsabilizar seu subalterno diante do cometimento de uma infração. Ex.: Um policial cometeu um crime de abuso de autoridade. O delegado chama a atenção desse policial, diz que ele cometeu um crime, mas resolve dar uma “colher de chá”, já que o infrator é um bom funcionário. O crime se resume na tolerância, brandura ou clemência para não responsabilizar um subalterno.

14.7 Art. 321 Advocacia administrativa

O funcionário público patrocina interesses privados perante a administração pública, sem receber nada em troca (se houver pedido de vantagem, será corrupção passiva). É o chamado “pistolão”. Ex.: advogado que pede ao escrivão tentar convencer o juiz da causa a atender o pedido da inicial.


Obs.: Caso a defesa do servidor seja referente a tributo, o crime será o do art. 3º da Lei 8.137/90. A principal diferença entre os crimes é que, no caso do art. 3º, III, o funcionário público defende interesse privado perante a administração fazendária. Já no caso do art. 321 do CP, o funcionário patrocina interesse privado perante outros órgãos e entidades da Administração Pública que não sejam relacionados com a arrecadação de tributos. 


Questão: O que é Tráfico de Influência? Previsto no art. 332, CP, é o oposto da advocacia administrativa, mas com relação estreita. Aqui é o particular, com prestígio perante a administração, que solicita vantagem para influenciar um funcionário público. Ex.: (1) Pessoa que possui influência na repartição pública e vende uma transferência de servidor. (2) um cidadão quer tirar um porte de arma, e o escrivão se dirige ao delegado para tentar influenciá-lo na decisão de conceder ou não o porte àquela pessoa. O tráfico de influência, normalmente, é praticado por ex-funcionário de alto escalão (desembargador, ministro, comandante de Brigada Militar etc.). Se o particular não receber nada em troca para influenciar num ato administrativo, não se caracterizará o tráfico. O tráfico de influência será qualificado quando o agente alegar ou insinuar que a vantagem é também destinada ao funcionário. É considerado um crime grave, porque o particular estaria se intrometendo na administração pública para influenciar funcionário a praticar atos ilegais.

14.8 Art. 322 Violência arbitrária

O crime de violência arbitrária encontra-se tipificado no artigo 322 do Código Penal de 1940, onde a conduta criminosa se descreve pela prática, por funcionário público, de violência física injustificada contra determinada pessoa.

Art. 322. Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena –detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à violência.

Em razão da entrada em vigor da Lei nº 4.898 em 1965, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, passou-se a discutir a vigência do artigo 322 do CP.
Porém, a doutrina ensina, segundo o artigo 29 da nova Lei, que houve apenas a revogação das disposições em sentido contrário. Logo, o tipo penal do artigo 322 continua vigorando. 

Jurisprudência sobre o tema:

O Tribunal de alçada criminal de SP possui julgados nos dois sentidos. Todavia, o STF já se pronunciou favoravelmente a não revogação.

Note que a violência de que trata o tipo penal refere-se tão e só à violência física praticada por funcionário público no exercício de sua profissão, violência esta entendida como o emprego de força física, maus-tratos, que resultem ou não lesão corporal, estando, assim, excluída a violência psíquica ou moral (ameaça).

Objetividade jurídica: a regularidade da administração pública pelo correto desempenho das atividades de seu funcionário, tutelando-se assim seus serviços, garantindo, também, a integridade física do particular.

Sujeitos do crime: (1) ativo - somente a autoridade, o funcionário público no exercício do seu cargo. (2) passivo - o Estado e também o particular, vitimado pela violência do agente.

Vale lembrar que, na forma do artigo 5º da Lei 4.898/65, considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

O crime se reveste de caráter doloso uma vez que a autorizada deveria não utilizar-se de violência física para o desempenho de sua regular função.
A consumação do delito se dará no momento da efetiva violência, respondendo ainda a autoridade por eventuais crimes de lesão corporal ou homicídio ou ainda pelas suas tentativas.

A ação penal é Pública incondicionada sendo indispensável a notificação da autoridade à apresentar sua defesa escrita nos termos do Código de Processo Penal.

Questão: Em que consiste o abuso de autoridade? Nos termos do artigo 3º da Lei 4.898/65, consiste na pratica de qualquer atentado à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo da correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, aos direitos e garantias legais asseguradas ao exercício do voto, ao direito de reunião, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

14.9 Art. 323 Abandono de função

O tipo penal aqui tratado tem como objetividade jurídica a regularidade do desempenho das atividades do funcionário público em relação à administração pública. Assim, o dispositivo tutela a manutenção dos serviços prestados pela administração, por meio de seu agente, a fim de evitar prejuízos para o serviço público.

Embora o abandono de função cause prejuízos diretos à administração pública, o particular, indiretamente, também é atingido pela ausência deste funcionário e pela consequente precariedade dos serviços que deveriam ser prestados.

Caso o Estado tenha condições de suprir a falta daquele desertor, não há falar em crime, já que não houve prejuízo para a administração (acefalia do cargo). Note que o agente apenas será enquadrado nas penas do delito, se agir intencionalmente, ou seja, com o dolo consciente de abandonar sua função, mesmo que não tenha o propósito de fazê-lo de maneira definitiva.

Não se admite a forma tentada, já que a consumação ocorrerá com o efetivo abandono do cargo por tempo considerável, capaz de causar danos ao Estado.

Questão: O que é abandono de função qualificada? Ocorre quando constatado dano efetivo ao Estado em decorrência do abandono, bem como se ocorrer nas proximidades de fronteiras (área indispensável à Segurança Nacional - faixa interna de 150 Km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional).

14.10 Art. 324 Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado

As atividades próprias do Estado devem ser exercidas somente por aqueles que, após satisfazerem todas as exigências legais, tornam-se efetivamente funcionários públicos.

A disposição prevista no art. 324 do CP tem fundamento na confiança que a parte deve depositar no Estado-administração, do qual o funcionário é representante. Se já não o representa mais, por qualquer motivo de afastamento (exoneração, demissão etc.), o Estado não pode garantir à parte que o ato seja escorreito, passível que é até de anulação.

O sujeito ativo do crime, na modalidade de exercício antecipado da função, será o funcionário público nomeado, mas não regularmente investido. No caso de exercício prolongado será o ex-funcionário, exonerado, removido, substituído ou suspenso.


Embora o particular possa a ser afetado por aquele não investido ou destituído de função pública, a doutrina entende figurar no pólo passivo apenas o Estado.

A conduta criminosa se descreve em duas espécies:

1) Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, tais como o de prestar compromisso solene do empossado; de fiel cumprimento dos deveres e atribuições do cargo; realizar exames médicos, comprovar a quitação com o serviço militar dentre outras previstas no edital público.
2) Continuar a exercer a função pública depois de exonerado, removido, substituído ou suspenso. Aqui o agente, ex-funcionário público, continua a exercer a função, praticando atos de ofício, mesmo depois de comunicado oficialmente sobre sua exoneração, remoção, substituição ou suspensão.

Questão: Esse crime admite a modalidade culposa? O crime do artigo 324 é doloso, consistindo na vontade livre e consciente do agente de antecipar ou prolongar o exercício da função. Todavia, a doutrina diverge quanto à modalidade culposa, já que o agente poderia ingressar na função sem culpa ou, da mesma forma, permanecer sem que tivesse dado causa.

Consuma-se o delito, na forma do exercício antecipado, quando o agente vier a realizar qualquer ato funcional, entendendo-se inclusive consumar-se o crime no momento de sua apresentação para o exercício profissional sem que sequer tenha realizado qualquer ato de ofício. Na forma de exercício prolongado, o crime se aperfeiçoará com a continuidade na função após o recebimento oficial da exoneração, remoção, substituição ou suspensão.

14.11 Art. 325 Violação de sigilo funcional

O tipo penal descreve a conduta de “revelar”, cuja significação é informar, transmitir, comunicar a outrem, seja verbalmente, por escrito ou por qualquer outra forma, circunstância ou fato que deva ser mantida em sigilo. “Facilitar” a revelação significa tornar fácil, afastar dificuldades e empecilhos.

O segredo funcional é tudo o que não é nem pode ser conhecido senão de determinadas pessoas, ou de certa categoria de pessoas, em razão do ofício; é o que não pode, portanto, ser sabido por qualquer um (Bento de Faria). Ex.: Policial que, sabedor de operação a ser deflagrada em dia e hora, comunica, informa ou divulga o ato, prejudicando ou frustrando o êxito da diligência.

Ao incriminar a violação de sigilo funcional, a lei visa impedir a violação de fato que deva permanecer em segredo, porque sua divulgação pode prejudicar ou pôr em perigo os fins que o Estado persegue. Não incrimina a simples indiscrição ou a indesejável bisbilhotice, nem tutela interesses fúteis, carecedores de relevância jurídica. O delito é tido como doloso, pois o agente emprega vontade de transmitir, revelar o segredo. Não basta a simples culpa, não ocorrendo o ilícito se, por esquecimento, o funcionário vier a deixar, acidentalmente, que terceiro tome conhecimento de algo sigiloso.

A consumação do crime ocorrerá no momento em que o segredo é revelado, independente de ter havido ou não prejuízo à Administração Pública. É prevista a punibilidade por tentativa da violação.

Questão: Quem recebe a informação sigilosa pratica esse crime? Caso o terceiro venha simplesmente a receber o segredo não poderá ser responsabilizado pelo delito.

14.12 Art. 326 Violação de sigilo proposta de concorrência

É tutelada a regularidade da administração pública, especificamente no que concerne às relações dos negócios do Estado. Segundo Noronha, somente pode praticar esse crime aquele cujas funções se relacionam com a concorrência: receber as propostas, guardá-las e abri-las no momento oportuno.

Sujeito passivo é o Estado, titular da lisura das concorrências públicas, em especial do sigilo de que devem estar revestidas as propostas. Outrossim, os concorrentes eventualmente prejudicados com a violação.

Note que a violação do sigilo acarretará na nulidade da concorrência. A vontade de devassar ou de proporcionar o devassamento ilegal por outrem, não exige qualquer finalidade especial de agir. Não se admite a modalidade culposa, não se responsabilizando o agente que, por puro engano possibilita a terceiro o conhecimento do conteúdo da proposta. Não se exige a divulgação ou dano efetivo ao Estado ou aos concorrentes.


AULA XV – CONTINUAÇÃO CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Questão: Qual é a principal característica moderna dos crimes contra a administração pública? É a chamada vitimização difusa, pois não existe uma vítima determinada. Toda a coletividade será vítima desses delitos. Lembre que há o efeito bulmerang nos direitos difusos (origem européia). Ex.: crimes ambientais (empresário que polui o meio ambiente). O mesmo criminoso será vítima do seu delito. Lembre que a progressão de regime nesses crimes está condicionada à reparação do dano ao erário (art. 33, § 4º, CP), além dos requisitos objetivos (1/6; 2/5 ou 3/5 para hediondos – não há nenhum crime funcional hediondo) e subjetivos (mérito do agente).

15.1 Art. 329 Resistência: oposição a ato funcional. Protege o prestígio da função pública. É crime formal, pois basta o emprego de violência ou ameaça, não precisando o agente lograr êxito.

Se caracteriza por uma oposição mediante violência ou grave ameaça à execução de ato legal de funcionário competente. Para se reconhecer a resistência deve-se partir de dois pontos:
a) que o funcionário público que está praticando o ato seja competente para tal;
b) que o ato seja legal - O cidadão tem o direito e o dever de resistir contra atos abusivos e ilegais praticados por funcionários públicos. Ex.: Um policial pode revistar um cidadão na rua, desde que exista fundada suspeita (informação de que um determinado criminoso esteja trajando camisa azul etc.)

RESISTÊNCIA À PRISÃO: Um indivíduo é flagrado cometendo um crime e o policial dá voz de prisão. Se, diante da ordem policial, o indivíduo fugir, isso não será crime, pois essa pessoa simplesmente está tentando se livrar da prisão. Diferente seria se o indivíduo se opusesse à prisão agredindo o policial ou ameaçando.

RESISTÊNCIA PASSIVA: Dois policiais receberam um mandado de prisão, cujo o destinatário era o cidadão conhecido pelo apelido “Poconé”. Chegando no local, deram a voz de prisão e o cidadão não reagiu, apenas disse “me levem", negando-se a caminhar. Não houve oposição ao cumprimento do mandado, caracterizando, entretanto, resistência passiva, o que não configura crime algum. Nesse caso os policiais poderiam usar a força física.

Questão: Um sujeito embriagado pode praticar resistência? A doutrina ensina que quando o destinatário do ato usar de força física ou de grave ameaça, restará caracterizada a resistência.

Correntes estremadas: P. da autoridade radical (a prisão será sempre legal, mesmo que arbitrária); P. ultraliberal (a resistência é sempre legal, mesmo se a prisão seja apenas duvidosa).

Corrente conciliadora (adotada pelo CP): só haverá crime de resistência se a prisão (ou ato) for legal. O erro sobre a autoridade ou legalidade do ato (prisão), exclui o dolo. A embriaguez não exclui o delito. Note que terceiros podem ser sujeitos ativos (auxiliando o autor da resistência) ou passivos (auxiliando a autoridade pública). A resistência a dois ou mais funcionários públicos caracteriza crime único.

Questão: A resistência admite concurso de crimes? Sim: Resistência + lesão corporal ou morte. Há quem entenda que o delito de resistência absorve a lesão corporal leve.   A resistência absorve a desobediência.

15.2 Art. 330 Desobediência - resistência passiva  ≠ crime de resistência (desobediência bilicosa). Protege-se a Administração Pública. É crime comissivo ou omissivo. Segundo Hungria, se uma lei de conteúdo não penal determina penalidade administrativa ou civil ou processual, não haverá crime de desobediência, salvo se a norma ressaltar a aplicação cumulativa. Ex.: (1) Huguinho foi parado em uma blitz. O agente de trânsito determinou que ele apresentasse a habilitação e o documento do veículo, tendo Huguinho se recusado a fazê-lo. Nesse caso não houve crime de desobediência porque o art. 238 do Código de Trânsito já prevê punições administrativas para essa conduta (infração gravíssima, multa e apreensão do veículo), sem ressalvar a possibilidade de aplicação de sanção penal. (2) Zezinho foi intimado para testemunhar em uma ação penal, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Nesse caso houve o crime de desobediência, pois o CPP determina que o juiz poderá aplicar multa e condená-lo a pagar as custas da diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência (art. 219). Assim, a Lei (no caso, o CPP) prevê punições civis ressalvando, no entanto, que elas poderão ser aplicadas juntamente com a condenação criminal. (3) Luizinho foi intimado para testemunhar em uma ação de indenização por danos morais, tendo, no entanto, sem justificativa, deixado de comparecer ao ato processual. Não houve o crime de desobediência na hipótese, já que o CPC prevê que a testemunha faltosa será conduzida coercitivamente e condenada a pagar as despesas do adiamento do ato (art. 412). Contudo, a Lei (no caso, o CPC) não prevê a possibilidade de tais sanções cíveis serem aplicadas juntamente com a punição pelo crime de desobediência.

Note que não abrange fuga e admite-se tentativa na ordem de “não fazer”. Lembre-se que a ordem deve ser legal e individualizada. Ex.: No CPP – condução coercetiva e multa + crime de desobediência; no CPC – condução coercetiva apenas; na CLT – cominação de multa somente.

A vítima que não comparece para prestar declarações não responde por desobediência. 

Questão: O funcionário público comete crime de desobediência? De acordo com a doutrina, o funcionário público só cometerá esse delito se agir fora da função, pois em exercício dela pratica prevaricação, desde que haja sentimento pessoal. Ex.:  (1) funcionário público, voltando de uma festa à noite, descumpre a ordem de que pare em uma blitz policial (houve a desobediência). (2) funcionário público que, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, deixa de dar cumprimento à ordem judicial (não houve desobediência, mas prevaricação). Para a jurisprudência, por sua vez, o funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia (STJ).

Obs.: Em caso de ordem dada por escrito, para que se configure o crime de desobediência é necessário que haja a notificação pessoal do responsável pelo cumprimento da ordem, de modo a se demonstrar que ele teve ciência inequívoca da sua existência e, após, teve a intenção deliberada de não cumpri-la. 

15.3 Art. 331 Desacato: somente com a presença física do funcionário (se for na ausência será injúria). Não é preciso publicidade. A embriaguez e a violenta emoção não excluem o delito.

Questão: O desacato pode ser cometido por funcionário público? 1ª corrente - não, pois está no capítulo dos crimes praticados por particular contra a administração (Hungria); 2ª corrente - somente se for inferior hierárquico (Bento de Faria); 3ª corrente - sim, em qualquer hipótese, pois o ofendido primário é a Administração Pública, o funcionário desacatado é passivo secundário.

O servidor tem que estar na função (ex funcionário não caracteriza o delito). Vários funcionários desacatados configura crime único, salvo em ações distintas (continuidade delitiva).

15.4 Procedimentos dos crimes funcionais:

1) crime afiançável (todos os crimes funcionais hoje são afiançáveis, resultado da reforma 12.403/11): i) denúncia; ii) defesa preliminar; iii) recebimento; iv) procedimento ordinário.
2) crime inafiançável: i) denúncia; ii) recebimento; iii) procedimento ordinário (hoje não há nenhum exemplo no CP).
3) menor potencial ofensivo: rito da Lei 9.099/95.
4) prerrogativa de função: rito da Lei 8.038/90.

Questão: O particular que concorre com o servidor terá direito à defesa preliminar? Não, pois essa prerrogativa é privativa do funcionário público, não se estendendo à particular, partícipe ou coautor. Perceba que, se o funcionário público deixar essa condição no oferecimento da denúncia, perderá o direito à defesa preliminar.

Questão: Caso o juiz omita a preliminar de defesa ao servidor, o que acontece? 1ª corrente - há concreta lesão à ampla defesa, gerando nulidade absoluta (Tourinho Filho); 2ª corrente - havendo oportunidade de defesa durante o processo a nulidade será relativa, devendo ser alegada em momento oportuno (Mirabete); 3ª corrente - a defesa preliminar só é indispensável quando a denúncia não vem acompanhada por inquérito policial (súmula 330, STJ). O STF considera essa corrente inconstitucional e adota a 1ª.

15.5 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA
(Convenção Americana Contra a Corrupção – 1996; Convenção sobre o combate da corrupção de funcionários públicos estrangeiros – 1997)

Cometido por particulares:

Corrupção ativa em transação comercial internacional - oferecer ou prometer (crime formal) vantagem ou dar / presentear (crime material). A vantagem não precisa ser econômica.

Funcionário público estrangeiro por equiparação - aquele que exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas direta ou indiretamente pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. Não alcança empregados de empresa privada estrangeira a serviço de representações mediante contrato ou convênio.

Sujeitos do crime: (1) ativo pode ser brasileiro ou estrangeiro. Discute-se se a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo desse crime. No Brasil, admite-se para crimes contra a ordem econômica, financeira e meio ambiente. A Convenção prevê, em casos de difícil condenação criminal da PJ, que os signatários devam assegurar sanção não-criminal efetiva, inclusive financeira. (2) passivo - trata-se de “crime vago”. O prejuízo é atribuído ao ente sem personalidade jurídica. Pode também ser sujeito passivo a Empresa Pública / Privada ou o Estado prejudicado.

Tráfico de influência em transação comercial internacional - direta ou indiretamente. Solicitar, exigir, cobrar (formais) ou obter (material). A pretexto de influir (há uma fraude – venda de uma suposta influência). Caso a influência ocorra, não haverá esse delito (a influência é uma desculpa). Tem que ter relação com a transação comercial. Para caracterizar o aumento de pena basta a insinuação que o funcionário público estrangeiro também vai auferir vantagem.

15.6 Crimes contra a administração da justiça

A palavra justiça foi empregada em sentido mais amplo do que jurisdição. Nesse título, diz respeito a todas as atividades estatais ligadas à prestação da justiça. Ex.: fuga de um preso

Art. 338 – reingresso de estrangeiro [já estudado]

15.6.1 Art. 339 – denunciação caluniosa (crime de elevado potencial ofensivo, não cabendo qualquer benefício da Lei 9.099/95). A pena é diminuída de metade, quando privilegiada (crime de médio potencial ofensivo).

A denunciação caluniosa é um crime complexo em sentido amplo. É aquele que resulta de uma conduta penalmente lícita, pois nada mais é que uma calúnia (falsa imputação de crime ou contravenção) mais a atividade lícita de denunciar sua prática e autoria à autoridade policial. Lembre-se que em sentido estrito, o crime complexo é aquele que resulta da fusão de dois outros crimes. Ex.: latrocínio.

Obs. 1: se o agente se limita a imputar falsamente a prática de um crime a alguém, isso, por si só, é uma calúnia e não denunciação caluniosa.
Obs. 2: se o agente se limita a levar ao conhecimento da autoridade a prática do crime ou contravenção e sua respectiva autoria não haverá crime algum, pois estará agindo nos limites do art. 5º, § 1º, CP. Lembre-se que se for uma contravenção a denunciação será privilegiada.
Obs. 3: a denunciação caluniosa é mais grave que a calúnia, pois aquela envolve a máquina estatal.

Questão: Qual é o bem jurídico protegido nesse artigo? Imediato é a administração da justiça. Mediato é a liberdade, a honra, o patrimônio da pessoa física ou jurídica que teve falsamente imputado contra si um crime ou contravenção.

Objeto material: qualquer tipo de inquérito (civil, penal, administrativo, improbidade etc.) ou processo judicial de natureza penal ou extrapenal. Para o administrativo, tem que coincidir com um ilícito criminal, pois as meras representações que não constituam infrações funcionais não configuram o delito de denunciação. Ex.: dizer que o funcionário público “A” está perseguindo alguém ou que não gosta de fulano. Logo, a mera sindicância não é capaz de responsabilizar o agente pelo delito de denunciação. Abrange inclusive ato infracional.

Investigação policial é qualquer diligência da autoridade policial destinada a apurar crime ou contravenção penal. Não se exige a instauração de IP ou TC (Hungria). Em sentido contrário, Nucci.

Improbidade administrativa: art. 19 da lei de improbidade – é delito de menor potencial ofensivo, não precisa ser crime. Assim, não será denunciação.

A denunciação admite qualquer forma de execução: por escrito, oralmente ou por meio de gestos. Note que o crime deve ser determinado e estar relacionado a uma pessoa determinada. Admite-se tentativa.

Cuidado! Se a infração penal existiu substancialmente diferente da forma denunciada, ainda que a pessoa imputada seja a autora desse delito, não subsistirá a denunciação caluniosa. Se o réu imputa o crime a alguém para se defender não haverá o delito, pois está exercendo a autodefesa.

Omissão imprópria (dolo subsequente): o agente denuncia acreditando ser a vítima o verdadeiro autor do crime, mas durante as investigações descobre a inocência da vítima e se cala, não levando isso ao conhecimento da autoridade.

15.6.2 Falso testemunho e falsa perícia (art. 342, CP)

Na idade média era chamado de perjúrio (quebra de juramento). Note que o Estado chamou para si o monopólio da distribuição da justiça. O instrumento adequado para dirimir conflitos de interesses denomina-se processo, que é composto por várias etapas, destacando-se a produção de provas. Lembre-se que os meios de prova mais importantes são a testemunhal e a pericial. Assim, visa o direito penal resguardar o prestígio da justiça.

A falsidade pode ser positiva (fazer afirmação falsa) ou negativa (negar a verdade). A reticência (crime de reticência) consiste em calar a verdade (ficar em silêncio). Note que se trata de crime de mão própria / infungível / pessoal. Para a T. objetiva, basta a manifestação não corresponder à realidade. Por seu turno, para a T. subjetiva, o agente deve saber da falsidade. Abrange processos judiciais, cíveis, administrativos, trabalhistas, arbitrais, sindicâncias e inquéritos. O sujeito passivo é o Estado e a pessoa prejudicada pela falsidade.

Consumação: no que diz respeito ao falso testemunho, o crime consuma-se no momento em que a testemunha, tradutor ou intérprete termina seu depoimento lavrando sua assinatura. Já na hipótese da falsa perícia, testemunho, tradução, contagem ou interpretação por escrito, consuma-se no instante da entrega do laudo, parecer ou documento à autoridade competente. Atenção! Em todos esses casos, basta a potencialidade lesiva. Não se admite culpa, pois o crime é doloso.

Trata-se de crime de mão própria (ou conduta infungível), só podendo ser praticado pelos personagens referidos no tipo: testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. Veja que o agente deve agir: i) dentro de um processo judicial (penal, cível, contencioso ou voluntário); ii) processo administrativo; iii) processo administrativo (para a maioria abrange sindicância). Há projeto de lei incluindo o inquérito civil; iv) inquérito policial; v) juízo arbitral.

Questão: Em que consiste a falibilidade do testemunho? Segundo Noronha, trata-se da hipótese em que a testemunha está convencida de fato que não aconteceu. Note que a falsidade não se extrai da comparação entre o depoimento da testemunha e a realidade dos fatos, mas do contraste do depoimento e a ciência da testemunha. Logo, o equívoco ou a crença daquilo que disse em juízo é fato atípico.

O delito permanece mesmo se a falsidade é declarada para a autoridade incompetente. O CPC dispensa o compromisso dos peritos, mas mesmo assim não deixam de praticar o falso testemunho. Veja que o tradutor e o intérprete não produzem provas, mas praticam esse delito. O contador que fornece cálculo para os autos é sujeito passivo (não precisa ser contador judicial).

Questão: o informante (testemunha não compromissada) pratica falso testemunho? 1ª corrente - sim, pois o art. 342 não pressupões prestação de compromisso. Outro argumento é que o informante pode interferir na convicção do juiz; 2ª corrente - não, pois se a lei não as submete ao compromisso de dizer a verdade, não podem cometer o delito de falso testemunho (majoritária). O STF possui julgados no sentido da 1ª corrente.

Não se admite coautoria, mas a participação sim, desde que não tipifique a conduta do suborno. Para o STF é possível, conforme ocorre com a corrupção ativa e passiva, que também não admitem coautoria. O advogado também comete esse delito como partícipe, inclusive o terceiro que auxilia testemunha menor de 18 anos.

Discute-se a possibilidade da tentativa. Noronha afirma ser impossível. Hungria e Fragoso afirmam ser possível.

Questão: De quem é a competência para processo e julgamento do falso testemunho em caso de carta precatória? De acordo com o art. 70, CP, a competência será a do local do juízo deprecado (local da consumação). Lembre que se o falso for cometido na justiça do trabalho a competência será da justiça federal, inclusive os HCs. O mesmo raciocínio se aplica para a justiça eleitoral.
A retratação extingue a punibilidade, se realizada até a sentença de 1º grau. Discute-se se pode beneficiar o partícipe: 1ª corrente - não, pois se trata de benefício do arrependido, não se comunicando aos demais; 2ª corrente - sim, pois o dispositivo afirma que o “fato deixa de ser punível” e não o agente. Logo, depende do encerramento do depoimento para se consumar. Contudo, trata-se de crime formal (consumação antecipada), sendo irrelevante se o falso influiu no processo.

Forma majorada: suborno, fazer prova em processo penal e quando for parte entidade da administração pública (a partir de 2001).

Corrupção de testemunha ou perito - crime formal. Basta oferecer (admite-se tentativa se for por escrito).

Questão: Qual é a diferença entre negar e calar a verdade? Negar é não reconhecer o fato (existe uma ação). No calar, a testemunha permanece em silêncio (não se manifesta). Responderá por crime único a testemunha que mente em várias etapas dos processos (várias mentiras: no inquérito à no interrogatório à perante os jurados).

Juízo arbitral e processo administrativo: também ensejam responsabilidade pelo falso testemunho ou falsa perícia.

Obs.: Para Luiz Régis Prado, a falsidade não pode recair sobre a qualificação do agente. Todavia, não é o entendimento que predomina.

Cuidado! Se a pessoa obrigada a manter sigilo profissional praticar falso testemunho, ainda que autorizada, responderá pela violação e não pela falsidade. Nem o réu, nem a vítima praticam o delito de falso testemunho.

Fique atento para a corrupção passiva e ativa. Se o perito for oficial, cometendo falsa perícia mediante suborno, responderá por corrupção e não falsa perícia.

15.6.3 FRAUDE PROCESSUAL

Inovar artificiosamente (alterar fraudulentamente). Qualquer pessoa pode ser vítima desse delito, inclusive o acusado. Ex.: fazer cirurgia plástica no criminoso; pintar o objeto do crime. Deve haver o fim específico de induzir em erro o perito ou o juiz. Agora, se a finalidade é induzir em erro o Delegado ou o MP não haverá o crime.

Consumação: ocorre com a inovação artificiosa, ainda que a finalidade específica não seja alcançada. Admite-se a tentativa no caso do infrator não conseguir efetivar a alteração. Lembre que a fraude pode ocorrer durante o inquérito policial ou durante a ação penal, isto é, nas fases extra e endoprocessual.

FAVORECIMENTO PESSOAL - art. 348, CP
FAVORECIMENTO REAL – art. 349, CP
O agente auxilia o criminoso a escapar da autoridade policial, nos crimes punidos com reclusão.
O agente auxilia o criminoso a tornar seguro o produto do crime, após a consumação deste.
Se o agente for parente (cônjuge, ascendente, descendente, irmão) não responde pelo crime.
Se o agente for parente (cônjuge, ascendente, descendente, irmão) responde pelo crime.
Crimes consumados ou tentados. Não abrange contravenção penal.
Crimes consumados ou tentados. Não abrange contravenção penal.
Consuma-se com o sucesso do auxílio, ainda que parcial.
Crime formal, não precisa do sucesso do intento.
Não se aplica ao agente que for coautor ou partícipe (autofavorecimento).
Não se aplica ao agente que for coautor ou partícipe, que responderão pelo 1º crime em concurso de pessoas.
É delito de menor potencial ofensivo julgado pelo JECRIM
É delito de menor potencial ofensivo julgado pelo JECRIM
A pena do favorecimento depende da pena cominada ao crime cometido pelo favorecido: se a pena do favorecido for de reclusão, a pena do favorecedor é a do art. 348 caput. Agora, se a pena do crime for de detenção, a pena será a do § 1º do art. 348, CP.
A pena do crime praticado pelo favorecedor não varia conforme a pena do delito praticado pelo favorecido.

Obs.: Não confunda o favorecimento real (auxílio ao criminoso) com a receptação (vantagem pessoal ou p/ terceiros).

Material atualizado em 15 de janeiro de 2013.