domingo, 27 de janeiro de 2013

Direito Penal 3


Material atualizado em 15 de janeiro de 2013.

AULA I - CRIMES CONTRA A PESSOA

1. Homicídio: É a injusta morte de uma pessoa (vida extrauterina) praticada por outrem (art. 121, CP) . Para Nelson Hungria, é o tipo central dos crimes contra a vida. É o ponto culminante na orografia (montanha) dos crimes – é o crime por excelência. É um crime de execução livre: ação (comissão)/omissão.

TOPOGRAFIA DO HOMICÍDIO:

caput traz a forma simples.
O § 1º traz a forma dolosa privilegiada;
O § 2º o doloso qualificado
O § 3º, culposo
O § 4º, as majorantes
O §5º, o perdão judicial
O § 6º, praticados por milícias

Obs.: O homicídio preterdoloso está no art. 129, § 3º, não é crime contra a vida, mas lesão seguida de morte (não vai a júri, pois é de competência do juízo singular).

1.2 Homicídio doloso simples (caput): É crime comum (praticado por qualquer pessoa).

Questão: E se for um homicídio praticado por irmãos xifópagos com impossível separação cirúrgica (irmãos siameses)? 1ª corrente - aquele que atirou deve ser absolvido, conflitando o interesse com o da liberdade individual (é o que deve prevalecer); 2ª corrente - o irmão agente deve ser processado e condenado, inviabilizando-se, porém, o cumprimento da pena, tendo em vista o P. da intrasmissibilidade (Flávio Monteiro de Barros). E se for um crime contra irmãos xifópagos? Perceba que para matar um necessariamente terá que matar o outro. Em relação à vitima virtual, haverá dolo de 1º grau; em relação à segunda vítima, dolo de 2º grau (concurso formal impróprio).

Questão: E se a vítima for o Presidente da República ou membro do CN ou do STF? Depende: se tiver motivação política, aplica-se a especializante do art. 29 da Lei de Segurança Nacional (7.170/83). Nesse caso, o agente não será julgado pelo tribunal do júri. Agora, se for por outro motivo incidirá o tipo do art. 121 do CP.

Objeto jurídico - vida extrauterina - começa com: a) o completo e total desprendimento do feto das entranhas maternas (Alfredo Molinário); b) desde as dores do parto (Sebastian Soler); c) com a dilatação do colo do útero (Noronha).

Tipo subjetivo: Dolo (direto ou eventual). Corrente minoritária tem admitido dolo eventual na embriaguez ao volante. A majoritária julga dolo eventual no “racha”. A finalidade não exclui o dolo. Consuma-se com a morte cerebral (cessação da atividade encefálica). É um delito plurissubsistente (admite fracionamento da execução em vários atos). Lembre-se da tentativa: branca (não atinge a vítima) ou vermelha (atinge a vítima). Perceba que a não localização do cadáver não impedirá a instauração do processo.
Obs. 1: O homicídio simples, em regra, não é hediondo, salvo quando praticado em atividade de grupo de extermínio (homicídio condicionado – mínimo de 4 agentes). Lembre-se que o grupo de extermínio poderá ser caracterizado mesmo com apenas uma vítima, desde que tenha caráter impessoal. Esse delito foi incluído nos crimes hediondos pela Lei 8.930/94 (Chacinas da Candelária, Vigalho Geral e Carandiru). Prevalece o entendimento de que compete ao juiz presidente decidir acerca da existência do grupo de extermínio (será julgado pelo tribunal do júri). Na prática, a figura do homicídio simples executado em atividade típica de grupo de extermínio é quase inexistente, pois fatalmente estará presente uma das qualificadoras do § 2º do art. 121, que deverá prevalecer por força do P. da especialidade.
Obs. 2: Princípio da convivência das esferas autônomas. O CP traz as regras gerais, o que não impede a aplicação da legislação especial (P. da especialidade). Perceba que uma não revoga a outra.
Obs. 3: Homicídio praticado contra mulher grávida – aplica-se a regra do concurso material de crimes (homicídio + aborto), desde que o agente saiba do estado de gravidez.

Questão: Qual é a definição de grupo? 1ª corrente -  Aplica-se os mesmos requisitos da quadrilha (4 ou mais pessoas); 2ª corrente – par = 2, grupo = 3, quadrilha = 4; 3ª corrente -extrai o conceito de grupo da convenção da ONU, 3 pessoas ou mais pessoas. Esse entendimento foi recepcionado pela Lei 12.694/12 que trouxe o conceito de organização criminosa.

Questão: E o genocídio? Está previsto na Lei 2.889/56. Também é de competência do juízo singular, salvo no art. 1º, letra “a” (matar membros de grupo), em que o agente responderá também por homicídio (conexão entre genocídio e homicídio). Note que não haverá absorção pelo genocídio. Vale lembrar que o bem jurídico tutelado pelo genocídio não é a “vida”, mas a existência de grupo nacional, étnico, racial ou religioso. A competência para julgamento de genocídio contra índios seguirá regra distinta dos crimes praticados “por ou contra” índios (Súmula 140 STJ – competência da justiça estadual). Se o delito envolver direitos indígenas (art. 231, CF) o julgamento caberá à justiça federal (juízo singular), inclusive genocídio na modalidade diversa de matar. Ver art. 59, da Lei 6.001/73.

Obs.: homicídio cometido por policial militar – se a vítima for civil, a competência será do tribunal do júri.

Atividade de extermínio (vítima= grupo social, econômico, político ou feminino) ≠ genocídio (vítima= grupo nacional, étnico, racial ou religioso).

AULA II – CONTINUAÇÃO HOMICÍDIO

2.1 Homicídio doloso simples

Sujeito Passivo: qualquer pessoa. Homem (nascido de uma mulher).

2.2 Homicídio Privilegiado: caso de diminuição de pena (decidida pelos jurados; o privilégio tem que ser discutido no júri).
Impelido por motivo de:

a) relevante (considerável importância) valor social: diz respeito aos interesses de toda coletividade (motivo altruísta/nobre). Ex.: matar o traidor da pátria ou um perigoso bandido que assustava a vizinhança.
b) relevante (considerável importância) valor moral: interesses particulares do agente. Ligados aos sentimentos de compaixão, misericórdia ou piedade. Ex.: eutanásia (cuidado! é ≠ de ortotanásia – morte natural sem interferência da ciência, permitindo ao paciente morte digna, deixando a evolução e percurso da doença, evitando-se métodos extraordinários de sobrevida para pacientes irrecuperáveis - é o não prolongamento da vida pela medicina). Prevalece na jurisprudência que essas duas espécies de morte constituem crime; a doutrina inclina-se para descriminalizar a ortotanásia. Lembre-se que distanásia significa morte com sofrimento.

Homicídio emocional: a) domínio de violenta emoção (que deve ser intensa/absorvente ≠ de mera influência – atenuante genérica prevista no art. 65, CP). Lembre-se: o domínio “cega” e a influência “turva”! b) reação imediata (sem hiato temporal).

Questão: Qual é o tempo da reação? Considera-se o domínio da violenta emoção.

c) injusta provocação [e não agressão] da vítima (não significa necessariamente agressão, pois poderá até ser em relação à terceira pessoa) ou uma humilhação. Ex. 1: pai que mata o estuprador da filha; Ex. 2: marido que surpreende a esposa em ato de traição.

Questão: O privilégio é comunicável aos coautores ou partícipes? O privilégio poderá ser objetivo (meio/modo de execução) ou subjetivo (motivo/estado anímico do agente). Para o CP, considera-se o privilégio subjetivo. Também poderá ser elementar (quando agregado ao tipo, altera a tipicidade ou o próprio crime) ou circunstância (quando agregado ao tipo, altera a pena – não o crime). Logo, nos termos do art. 30 do CP, será incomunicável (não se estendendo aos demais agentes). Cuidado! Se os jurados reconhecerem o privilégio, o juiz estará obrigado a reduzir a pena.

2.3 Homicídio qualificado – art. 121, §2° (incluído como Hediondo pela Lei 8.930/94 – Caso Daniela Perez).

Obs.: a maioria das qualificadoras figuram como agravantes genéricas dos demais delitos (art. 61, II, “a, b, c”, e “d”). As qualificadoras incidem: a) nos motivos do crime; b) nos meios utilizados; c) na forma de execução; ou d) na conexão com outros delitos. Note que a “fórmula genérica” da qualificadora é exemplo de interpretação analógica. Ver § 2º do art. 121, CP.

Inciso I:

Motivo torpe - homicídio mercenário / questuário. É crime bilateral (há dois personagens: o mandante e o sicário – executor). É um delito plurissubjetivo ou de concurso necessário de condutas paralelas.

Questão: A qualificadora (torpeza) se aplica ao mandante? 1ª corrente - trata-se de circunstância subjetiva incomunicável, aplicando-se somente para o executor (Rogério Greco). Ex.: o pai que contrata um matador para executar o estuprador da filha; 2ª corrente -   é comunicável, aplicando-se também ao mandante (majoritária).

Questão: Qual a natureza da paga ou promessa de recompensa? Prevalece que deve ser necessariamente econômica. Note que se for de natureza sexual deixará de ser mercenário, mas permanecerá a torpeza.

Assassínio: é o homicídio mediante paga (caráter subjetivo não comunicável ao partícipe). Cuidado! A Vingança e o ciúme, isoladamente considerados, não geram torpeza. Segundo os tribunais superiores a verificação deverá ser feita nas peculiaridades do caso concreto (STJ).

Inciso II:

Motivo fútil - É a pequeneza do motivo. Quando o móvel do crime apresenta real desproporção entre o delito e sua causa moral ≠ injusto (elemento integrante do crime).

Questão: A ausência de motivos qualifica o motivo? 1ª corrente - equipara-se ao motivo fútil, pois seria um contrassenso punir com pena mais grave aquele que mata por futilidade e com pena menos grave quem age sem qualquer motivo (se é punido o menos, deve-se punir o mais); 2ª corrente - equiparar ausência de motivos com motivo fútil viola o P. da Reserva Legal (Bitencourt e Rogério Sanches).

Questão: E o dolo eventual, é compatível com o motivo fútil ou torpe? De acordo com o STJ (HC 58.423), não há incompatibilidade (antinomia) entre o dolo eventual e o motivo fútil. Contudo, para o STF o dolo eventual não é compatível quanto aos meios empregados. No caso julgado pela 2ª Turma, o réu foi denunciado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado pela surpresa (art. 121, § 2º, IV, CP), e embriaguez ao volante (art. 306 do Código de Trânsito) porque, ao conduzir veículo em alta velocidade e em estado de embriaguez, ultrapassara sinal vermelho e colidira com outro carro, cujo condutor viera a falecer. A 2ª Turma considerou que, em se tratando de crime de trânsito, cujo elemento subjetivo teria sido classificado como dolo eventual, não se poderia, ao menos na hipótese sob análise, concluir que tivesse o paciente deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima. Assim, a 2ª Turma aplicou o entendimento prevalecente no sentido de que o dolo eventual é incompatível com a qualificadora prevista no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP (traição, emboscada, dissimulação).
Questão: Por que o dolo eventual é incompatível com a qualificadora da surpresa? Para que incida a qualificadora da surpresa é indispensável que fique provado que o agente teve a vontade de surpreender a vítima, impedindo ou dificultando que ela se defendesse. Ora, no caso do dolo eventual, o agente não tem essa intenção, considerando que não quer matar a vítima, mas apenas assume o risco de produzir esse resultado. Como o agente não deseja a produção do resultado, ele não direcionou sua vontade para causar surpresa à vítima. Logo, não pode responder por essa circunstância (surpresa).
Inciso III:

Emprego de veneno – venefício: Veneno é substância, biológica ou química, animal, mineral ou vegetal, capaz de destruir (perturbar) as funções vitais do organismo humano. Ex.: açúcar para o diabético equipara-se a veneno (Magalhães Noronha). Para incidir essa qualificadora, é imprescindível que a vítima desconheça estar ingerindo a substância letal (meio insidioso). Cuidado! Obrigar a vítima a ingerir veneno será crime qualificado, mas do inciso IV (impossível defesa) e não venefício.

Questão: O que é crime de Perigo comum? é aquele que atinge um nº indeterminado de pessoas. Note que essa qualificadora concorre formalmente com o crime de perigo (incêndio, explosão, inundação, desabamento), não havendo bis in idem, pois são dois fatos distintos com sujeitos passivos diferentes. É de se notar que a qualificadora incidirá mesmo não ocorrendo concretamente o perigo comum. Há quem sustente a absorção do perigo comum pelo homicídio qualificado (P. da subsidiariedade implícita).

AULA III – CONTINUAÇÃO HOMICÍDIO

3.1 Homicídio qualificado
Inciso IV :
ð          Traição: ataque desleal, repentino e inesperado. (traição – existe relação de confiança, parentesco ou amizade ≠ surpresa – sem relação de confiança, parentesco ou amizade).
ð          Emboscada: pressupõe o ocultamento do agressor, que ataca a vítima com surpresa.
ð          Dissimulação: significa fingimento, em que o agente disfarça a sua intenção hostil.
Obs. 1: a) Tiro pelas costas é traição; b) A idade da vítima, por si só, não qualifica o crime, pois constitui características da vítima e não recurso procurado pelo agente; c) a relação de parentesco e a premeditação, por si só, não qualificam o crime (Heleno Cláudio Fragoso). A superioridade física do agressor também não qualifica o crime, pois é atributo natural do ser humano.
Obs. 2: A idade da vítima (tenra ou avançada), por si só, não qualifica o crime, pois constitui característica da vítima, e não recurso procurado pelo agente. O STF, no HC 95136, decidiu que o dolo eventual é incompatível com a qualificadora do inciso IV do § 2º do CP.
Questão: A premeditação qualifica o homicídio? A premeditação, por si só, não qualifica o homicídio, mas poderá ser considerada como circunstância judicial desfavorável.
Inciso V:
É o chamado homicídio por conexão. Existe um vínculo entre o homicídio e o outro crime:
a) conexão teleológica – o agente mata para assegurar a execução de crime futuro. Ex.: matar o segurança para estuprar a modelo.
Questão: O crime futuro tem que ocorrer para haver a conexão teleológica? Não, basta matar com essa finalidade.
b) conexão consequencial – o agente mata para assegurar a impunidade vantagem ou ocultação de crime passado. Ex.: matar vítima que reconheceu o autor do crime.
c) a conexão meramente ocasional (matar por ocasião de outro crime) sem vínculo finalístico, não qualifica o crime. O outro crime de que fala o dispositivo poderá ser de autoria do próprio homicida ou de pessoa diversa. Não é previsto como qualificadora nem agravante.
Obs.: Conexão processual / subjetiva: i) simultaneidade à conexão subjetivo-objetiva ou meramente ocasional (várias pessoas); ii) por concurso à duas ou mais infrações praticadas em concurso; iii) por reciprocidade à duas ou mais infrações praticadas por várias pessoas, umas contra as outras.
Questão: Incide essa qualificadora apenas para crimes ou vale também para contravenções? Não abrange contravenção penal, porque seria analogia in malam partem. Assim, não incide esta qualificadora, mas poderá incidir outras, como motivo fútil ou torpe.
3.2 Homicídio Qualificado Privilegiado (Homicídio misto/híbrido)
Privilegiadora
Qualificadora
Motivo de relevante social
Motivo torpe
Motivo de relevante valor moral
Motivo fútil
Emoção
Meio cruel [objetiva]

Modo surpresa [objetiva]

Finalidade especial
1ª corrente: A privilegiadora pode conviver com a qualificadora, desde que a qualificadora seja de natureza objetiva.
2ª corrente (majoritária): admite a coexistência somente se forem de natureza subjetiva.
Obs.: O STJ, no HC 153.728/SP decidiu que o crime não é hediondo, por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal, pois o homicídio qualificado privilegiado não integra o rol dos crimes hediondos.
3.3 Homicídio Culposo – art. 121, §3°, CP
O agente, com manifesta imprudência, negligência ou imperícia, deixa de empregar atenção ou diligência de que era capaz, provocando com sua conduta o resultado lesivo (morte), previsto (culpa consciente) ou previsível (culpa inconsciente), porém jamais querido ou aceito.
A pena é de 1 a 3 anos. Trata-se de infração de médio potencial ofensivo. Admite suspensão condicional do processo.
O homicídio culposo na direção de veículo automotor não se enquadra nesse tipo, mas no art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 121, §3°, CP
Art. 302, CTB
Norma geral
Norma especial (“na direção de veículo automotor”)
Pena: 1 a 3 anos – infração penal de médio potencial ofensivo
Pena: 2 a 4 anos – infração penal de grande potencial ofensivo - não admite suspensão condicional do processo.
Admite suspensão condicional do processo
Não admite suspensão condicional do processo
Questão: Tendo em vista que sua pena é mais grave que a do art. 121, §3, CP, o art. 302, CTB, é constitucional? 1ª corrente à é inconstitucional por violar o P. da proporcionalidade (tese de defesa); 2ª corrente à em ambos os casos o desvalor do resultado é o mesmo. Todavia, o desvalor das condutas é diferente, justificando-se a pena mais severa para a negligência no trânsito, pois gera maior perigo (corrente majoritária).
Obs. 1: Para o CTB, veículo por tração sobre trilhos e ciclomotores (c/ menos de 50 cc), aplica-se o CP e não o CTB. Outrossim: pedestre, animais, bicicleta, charrete, carrinho de rolimã, acidentes marítimos, aéreos, vias terrestres de circulação fechada, estacionamentos de shoppings ou vias rurais de fazendas fechadas c/ porteiras.
Obs 2: Causas de aumento do CTB (1/3 a 1/2): dirigir sem CNH (CNH vencida não incide a majorante); praticar atropelamento em faixa de pedestre/calçada; omitir socorro (pessoalmente ou por terceiros – se não houve culpa no acidente responde pelo 304 do CTB); ser motorista profissional ao tempo do delito.
3.4 Art. 121, §4° - Majorantes
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
Ex.: fuga para evitar flagrante (se aplica apenas ao culposo). Note que a majorante prejudicará a suspensão condicional do processo.
3.5 Majorantes para o homicídio Culposo:
a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (negligência profissional – o agente, apesar de dominar a técnica, não a observa no caso concreto). É diferente de imperícia, em que o agente não domina a técnica. Ex: mulher que vai operar um tumor que está no lado esquerdo da cabeça e o médico opera o lado direito.
Questão: Utilizar a negligência tanto para configurar o homicídio culposo, quanto para majorar o crime incide em bis in idem? O STJ e o STF possuem duas correntes: 1ª Corrente à configura bis in idem, pois a negligência está servindo duas vezes em prejuízo do réu. Uma como modalidade de culpa e outra como causa especial de aumento de pena (STF – HC.95.078/RJ); 2ª Corrente (majoritária) à não configura “bis in idem”, pois a inobservância de regra técnica não é a essência do crime culposo (STF – RHC 17.530/RS).
b) Omissão de socorro
Obs: não incide o art. 135 do Código Penal. Isso, exatamente para evitar o bis in idem.
É imprescindível para gerar essa majorante: a) socorro possível e b) sem risco pessoal para o agente.
Suponha que o agente foi negligente e acabou ferindo gravemente uma pessoa. O agente olha para essa pessoa e entende que não adianta tentar socorrer, porque a pessoa está gravemente ferida, podendo falecer a qualquer minuto. Se o agente concluir pela inutilidade do socorro, incidirá essa majorante? De acordo com o STF, se o autor do crime, apesar de reunir condições de socorrer a vítima, não o faz, concluindo-se pela inutilidade da ajuda em face da gravidade da lesão, sofrerá a majorante do art. 121, §4°, CP.
Obs.: Note que se a vítima morrer instantaneamente ou for socorrida por terceiros que se anteciparam ao agente, não haverá incidência da majorante.
c) Foge para evitar flagrante
Para a maioria da doutrina, essa majorante é aplicável, pois o agente demonstra, ao fugir do flagrante, ausência de escrúpulo e diminuta responsabilidade moral, lembrando que prejudicará as investigações.
A doutrina moderna discorda. Diz que essa causa de aumento obriga a pessoa a produzir prova contra si mesma e a sucumbir o seu instinto natural de liberdade. Seria inconstitucional (Rogério Sanches).
d) O agente não procura diminuir as consequências do seu ato (ex.: indenizar a família da vítima). Para Heleno Cláudio Fragoso, esse dispositivo é redundante com a omissão de socorro, sendo desnecessário.
3.6 Majorantes para o Homicídio Doloso:
“se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos”.
Obs.: não abrange o idoso com idade igual a 60 anos!
A idade da vítima tem que ser conhecida pelo agente, para evitar responsabilidade penal objetiva.

Disparo (conduta)
Morte (resultado)
Vítima
Menor de 14 anos
Maior que 14 anos
Vítima
Menor de 60 anos
Maior que 60 anos
O crime se considera praticado no momento da conduta, ainda que outro seja o momento do resultado. Assim, deve-se olhar a idade da vítima no momento do disparo e não no momento da morte.
3.7 Art. 121, §5°, CP – Perdão Judicial (matéria estudada em penal II)
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
§ 6o  - A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio
AULA IV – CONTINUAÇÃO CRIMES CONTRA A PESSOA
4.1 Suicídio (autoquiria / autocídio): instigar, induzir e auxiliar.
Art. 122, CP:
Objeto jurídico e bem material: a vida e a pessoa contra quem se volta a conduta do agente.
Eliminação voluntária e direta da própria vida. Cuidado! Quem executa a morte consentida responderá por homicídio e não suicídio. Lembre-se que a tentativa de homicídio é fato atípico (no sudeste da Ásia é punida com a morte).
Consuma-se com a morte da vítima ou lesão corporal grave (tentativa qualificada). Para Nelson Hungria, a consumação ocorre com o simples induzimento, instigação ou auxílio, sendo a morte ou a lesão condições objetivas de punibilidade (Nelson Hungria). Contudo, Bitencourt e Damásio defendem que a ausência desse resultado incidirá na atipicidade (o resultado grave é elemento do delito). Para a doutrina majoritária (Capez, Damásio e Fragoso), não se admite a tentativa (é um exemplo de crime material que não admite tentativa). Bitencourt defende a possibilidade de crime tentado, pois o crime se consuma apenas com a morte. A lesão grave, em verdade, ainda que classificada como tentativa qualificada não deixará de ser tentativa.
A ação será pública incondicionada, admitindo-se o sursis processual. Perceba que somente haverá o crime mediante dolo.
Induzir é criar uma ideia inexistente (faz nascer a vontade). Ex.: praticar maus tratos reiterados contra a vítima (dolo eventual);
Instigar é reforçar uma ideia já existente;
Auxiliar é ajudar o suicida; é prestar assistência material. Ex.: empresta a corda ou o revólver. Não poderá participar dos atos executórios, pois nesse caso haverá homicídio. Ex.: (1) chutar o banquinho da forca; (2) empurrar do edifício; (3) ajudar amarrar a pedra no pescoço do suicida; (4) segurar a espada etc.
Questão: É possível participação na participação em suicídio? É plenamente possível, pois uma terceira pessoa poderá prestar auxílio ao autor da participação (que comete os atos do tipo penal), concorrendo para o delito. Formas de participação: (1) moral (induzimento ou instigação); (2) material.
Sujeito passivo: Qualquer pessoa, desde que tenha capacidade de resistir. Esse delito pressupõe vítima certa e determinada, quer dizer, se for publicado um livro, vídeo ou música incentivando o suicídio não estará caracterizado o delito em tela, muito menos apologia ao crime.
4.2 T. que explicam os motivos:
A) Psicopatológicos (BIONDEL): atribuído a um estado psicopatológico (ato sintomático) crônico ou eventual.
B) Sociológica (DURKHEIM): a própria sociedade produz as condições que levam o indivíduo ou suicídio.
C) Psicanalítica (FREUD): o suicídio resultaria de um autossadismo, ou seja, de uma energia agressiva contra o próprio agente. Essa teoria explica, também, os equivalentes de "suicídio" (alcoolismo acidentes intencionais etc.).
D) Psicogenética (BONNET): essa teoria explica que o suicídio sempre tem origem em um psicotrauma.
Note que a pena será duplicada se for praticado por motivo egoístico (ex.: para não dividir herança ou receber valor de seguro) ou se a vítima for índio, incapaz de oferecer resistência (ex.: embriagada, deprimida, angustiada) ou maior de 14 e menor de 18 anos (se for menor de 14 responderá o agente por homicídio. Nucci faz uma comparação com o art. 217-A: se o menor de 14 anos não é capaz de consentir uma relação sexual, certamente não será para eliminar a própria vida). Vale lembrar que há uma corrente defendendo a relativização da vulnerabilidade.
Obs.: não se admite a forma culposa. Ex.: namorada que se mata após o rompimento do namoro e os pais acusam o namorado como autor. Há quem defenda ser possível o dolo eventual. Ex.: pai expulsa o filho de casa, tendo razões para acreditar que o filho cometerá suicídio.
4.3 Pontos relevantes
1) Se a capacidade de resistência da vítima for nula (criança de tenra idade, demente etc), o agente responderá por homicídio.
2) O auxílio deve se limitar a atos acessórios. Se o agente praticar os três verbos do tipo, responderá por um só crime.
3) Greve de fome de preso - o diretor responderá por participação em suicídio pela omissão.
4) Lembre-se que deve resultar morte ou lesão corporal grave. Do contrário, haverá tentativa impunível. Da mesma forma, aquele que fica gritando “pula, aperta o gatilho etc.” cometerá fato atípico, salvo se a vítima fizer o que o incentivador gritou. Quem disser isso brincando não poderá ser punido (Paulo José da Costa Jr).
5) Pacto de morte ou suicídio a dois - aquele que convida alguém para tomar veneno ou aspirar gás tóxico. Quem praticar o ato executório responderá pelo delito. Ex.: (1) quem abrir a torneira do gás responderá pelo delito de homicídio qualificado pela asfixia, desde que sobreviva; (2) se o participante não abrir a torneira e sobreviver, responderá pelo induzimento ou instigação ao suicídio; (3) se não houver consumação por fatos alheios à vontade do executor, quem executou responderá por tentativa de homicídio, caso não resulte lesão grave; (4) se os dois abriram a torneira de gás e sobreviveram, responderão ambos por homicídio tentado. Agora, em qualquer das hipóteses anteriores que não resulte morte, mas lesão corporal grave, o sobrevivente responderá por induzimento ao suicido consumado; (5) se um terceiro abre a torneira de gás e os dois suicidas sobrevivem, somente responderá por crime quem abriu a torneira (dupla tentativa de homicídio); (6) se os dois sofrerem lesões grave, quem abriu a torneira responderá por tentativa de homicídio e o outro por instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio.
6) roleta russa ou duelo americano – quem sobreviver responderá pelo induzimento ao suicídio a título de dolo eventual. Agora, se houver fraude indutora a erro será hipótese de homicídio (Capez).
7) Omissão no auxílio1ª corrente - Não há auxílio por omissão, pois auxiliar é conduta comissiva (Frederico Marques, Damásio e Roberto Lyra); 2ª corrente - é possível quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado, não se distinguindo causa e condição. T. da equivalência dos antecedentes (Nelson Hungria, Nucci, Mirabete e FMB). Ex.: (1) a mãe que percebe que a filha desiludida com o namoro resolve por cabo da própria vida e nada faz para impedi-la; (2) enfermeiro que tem o dever de deixar objetos longe do doente com propósito suicida; (3) pai que percebe que o filho abriu a válvula de gás e nada faz; (4) carcereiro que deixa o preso ingressar na cela com um sinto sabendo que este tem a intenção de se matar. Perceba que para haver o crime o agente deve saber da intenção do suicida.
8) Testemunhas de Jeová – transfusão de sangue sem o consentimento do paciente (tentativa de suicídio). O art. 146, § 3º, CP permite a intervenção compulsória do médico (hipótese de estado de necessidade sui generis).

4.4 Infanticídio
O art. 123 é mais específico do que o art. 121, porque tem elementos especializantes: (i) próprio filho, (ii) estado puerperal e (iii) genitora. Alguns chamam o art. 123 de homicídio privilegiadoÉ uma forma especial de homicídio. Critério causa honoris (relevante valor moral). A legislação anterior punia esse delito mesmo após uma semana do nascimento.
Sujeito Ativo: Parturiente sob influência do estado puerperal. Se a mãe matar o filho sem essa influência cometerá homicídio.
Questão: Admite-se concurso de pessoas nesse crime? 1ª Corrente à o “Estado puerperal” é condição personalíssima incomunicável. Logo, não admite concurso de agentes. Esta condição personalíssima não existe no art. 30 do CP; 2ª Corrente (majoritária) à o Estado puerperal é condição pessoal comunicável. Assim, admite-se concurso de agentes (isso explica o crime ser próprio e não de mão própria).
4.5 Hipóteses:
1ª situação: parturiente e médico matam o nascente ou neonato. A parturiente e o Médico (em coautoria) responderão pelo 123, CP.
2ª situação: parturiente auxiliada pelo médico mata o nascente ou neonato. A parturiente responderá pelo art. 123, CP e o médico pelo art. 123, CP, na condição de partícipe.
3ª situação: médico auxiliado (instigado) pela parturiente, mata o nascente ou neonato. O médico responderá pelo art. 121, CP e a parturiente pelo art. 121, CP, na condição de partícipe. Note que a parturiente, nesse caso, responderá por um delito mais grave, ferindo o P. da proporcionalidade. Tecnicamente isso está certo, mas a doutrina soluciona com duas saídas: 1ª Corrente (majoritária) à o médico e a parturiente responderão pelo art. 123, CP (Fragoso, Noronha e Delmanto). 2ª Corrente à o médico responderá pelo art. 121, CP e a parturiente pelo art. 123, CP (Frederico Marques).
Sujeito Passivo: Nascente (durante o parto) ou neonato (logo após o parto).
Tipo objetivo (Conduta): tirar a vida extrauterina do filho. Matar (= art. 121,CP) + durante ou logo após o parto. Trata-se de elemento temporal constitutivo do delito. Se for antes do parto, o crime será o de aborto. Se for depois do parto, o crime será o de homicídio.  O difícil é definir até quando configura o “logo após”, e quando começa o “depois do parto”.
A doutrina diz que o “logo após” perdura enquanto a gestante estiver sob a influência do estado puerperal. Assim, o logo após” coincide com a duração do estado puerperal. O estado puerperal é determinado no caso concreto, pois cada parturiente poderá ter um estado puerperal de determinado tempo. Precisa-se de perícia para a constatação desse estado. O estado puerperal é um desequilíbrio fisiopsíquico (fisiopscológico).
Estado Puerperal – é o estado que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno, produzindo profundas alterações psíquicas e físicas. De acordo com Francisco Dirceu Barros, dispensa-se a perícia, pois tal estado é corriqueiro e normal em qualquer parto.
Puerpério / sobreparto / pós-parto – é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições pré-gravidez.
Obs 1: é preciso, também, que haja uma relação de causa e efeito entre o Estado Puerperal e o crime, pois nem sempre ele produz perturbações psíquicas na parturiente (este alerta está na exposição de motivos do CP).
Obs 2: dependendo do grau de desequilíbrio fisiopsíquico, a parturiente pode sofrer o mesmo tratamento do inimputável ou semi-imputável (Mirabete).
Obs 3: Para Nelson Hungria, trata-se de crime personalíssimo, incomunicável (delito de mão própria). Hoje prevalece que a elementar admite coautoria e participação, sendo um crime próprio.
Obs 4: Trata-se de um crime bipróprio, ou seja, tanto o sujeito ativo quanto o passivo são específicos.
Obs 5: Não se admite invocação do parágrafo único do Art. 26 (redução de pena), por incidir em bis in idem, salvo se somada a outra causa que retire a autodeterminação da mãe (redução de 1 a 2/3 ou aplicação de medida de segurança).
Obs 6: Se for cometido sob a influência de psicose puerperal (doença mental), a mãe deverá ser sumariamente absolvida pela excludente de culpabilidade.
Atenção! Se uma mãe deixar o filho morrer afogado com o leite durante a amamentação cometerá homicídio culposo e não infanticídio.
Tipo subjetivo: Só é punido a título de dolo, isto é, não é punível na modalidade culposa (a negligência é atípica).
Questão: E se a mãe matar o próprio filho de forma culposa sob influência do estado puerperal? 1ª Corrente à o fato é atípico, vez que inviável, na hipótese, atestar a ausência da prudência (Damásio); 2ª Corrente (majoritária) à a parturiente responde por homicídio culposo, servindo o estado puerperal como circunstância elementar de pena, e não excludente de crime (Bitencourt, Mirabete, Hungria e Capez). Ex.: dar a luz em ônibus, bondes ou trens, fazendo com que o neonato bata a cabeça e venha a óbito.
consumação do infanticídio se dá com a morte do nascente ou neonato, sendo perfeitamente possível a tentativa. Trata-se de um delito material (é delito plurissubsistente). Admite-se a omissão imprópria. Ex.: deixar de alimentar o filho dolosamente.
Questão: Carminha deu a luz a um filho. Ela dividia quarto com Nina que também acabara de dar a luz. Carminha, em estado puerperal, entrou no quarto e esfaqueou o filho de Nina achando que era o seu. Qual crime ela cometeu? Ela continuará respondendo pelo infanticídio, em razão do art. 20, §3°, CP, pois se considera as qualidades da vítima virtual, e não real (erro sobre a pessoa).
Cuidado!
Art. 123, CP (infanticídio)
Art. 134, § 2º, CP (abandono de incapaz)
Crime contra a vida
Crime de perigo
A finalidade da mãe é matar o filho
A finalidade da mãe é ocultar a gravidez
A morte é provocada com dolo de dano
A morte é provocada de forma culposa
A competência é do tribunal do júri
A competência é do juiz singular
Questão: Mãe em estado puerperal que mata neonato anencéfalo comete infanticídio?
AULA V - ABORTO

Questão: O certo é aborto ou abortamento? Há quem defenda não existir diferença alguma. Porém, corretamente, a medicina legal diz que o delito não é aborto, mas abortamento, pois este é a conduta, aquele o resultado dessa conduta. Para essa corrente, é tão errado chamar abortamento de aborto como chamar de homicídio um cadáver. O cadáver não é crime, é o resultado do crime denominado homicídio.

5.1 Conceito: É a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção.
Bem jurídico protegido: Protege-se a vida intrauterina. Por ser crime doloso contra a vida será julgado pelo tribunal do júri. Veja que tecnicamente não é um crime contra a pessoa (feto ou embrião não são pessoa).

Questão: Quando a mulher é considerada grávida? Com a fecundação ou com a nidação? São conceitos de biologia. A fecundação é o encontro do espermatozóide com o óvulo. O depósito na parede do útero do óvulo fecundado chama-se nidação. Essa distinção é necessária, pois se for considerada a fecundação como o momento da gravidez, ocorrerá o abortamento pelo uso da pílula do dia seguinte. Para o direito, prevalece que a gravidez ocorre com a nidação (normalmente 14 dias após a fecundação). Para a biologia e religião ocorrerá com a fecundação.

Nidação à até o 2º mês (aborto ovular) à até o 4º mês (aborto embrionário) à do 4º ao 9º mês (aborto fetal). Note que para ocorrer o abortamento o feto não precisa sair do útero.

Obs.: Klatz Forest, defende a descriminalização do abortamento.

Cuidado! Anúncio de meio abortivo é uma contravenção penal, não crime.

Art. 20, LCP: Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto: Pena - multa.

Há quem defenda que a Lei das Contravenções tem que ser totalmente revogada, por ferir o P. da ofensividade mínima.

5.2 Abortamento:

Espécies:

a) Natural – interrupção espontânea da gravidez (indiferente penal);
b) Acidental – decorre de quedas, traumatismos e acidentes em geral (indiferente penal);
c) Criminoso – art. 124/126, CP;
d) Legal ou permitido – art. 128, CP (dispensa autorização judicial);
e) Miserável / econômico-social – praticado por razoes de miséria (é crime);
f) “honoris causa – praticado para interromper gravidez adulterina (é crime);
g) Eugênico/eugenésico – praticado em face dos comprovados riscos de que o feto nasça com graves anomalias psíquicas ou físicas. O aborto de feto anencefálico é um exemplo dessa espécie.

5.3 Estado fisiológico da gravidez:

a) pílulas e o “DIU” são métodos abortivos considerados anticoncepcionais (penalmente irrelevantes – exercício regular de um direito);
b) o início é a fecundação natural ou artificial;
c) a destruição de óvulo em tubo de ensaio não é abortamento nem dano, pois não há valor econômico. Para ser aborto tem que estar no útero.
d) gravidez extrauterina (nas trompas ou ectópica – fora do útero) também não será aborto se interrompida;
e) na gravidez suposta ou putativa também não haverá aborto (crime impossível). Outrossim, na gravidez molar (desenvolvimento anormal do ovo).

5.4 Abortamento criminoso

A) Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.

Autoaborto (crime de mão própria – pune a gestante praticando ou consentindo o aborto) Não admite prisão preventiva para a gestante primária (art. 313, I, CPP). É uma infração de médio potencial ofensivo. Médio porque admite Suspensão Condicional do Processo. É um crime doloso contra a vida (intrauterina) que admite sursis processual. A pena mínima não suplanta 1 ano.

Sujeito Ativo: Gestante. Admite participação (namorado pode induzir a namorada a praticar abortamento).

Questão: Esse delito admite concurso de agentes? 1 ª corrente - por ser crime de mão própria, não admite coautoria. Se o terceiro for além da atividade acessória, responderá como autor do art. 126, CP (Bitencourt); 2ª corrente - Admite-se a coautoria. Contudo, o coautor responderá pelo art. 126 do CP, exceção pluralista da T. Monista. (Luiz Régis Prado).

Sujeito Passivo: 1ª Corrente – o Estado (o feto não é titular de direitos, salvo aqueles expressamente previstos em lei); 2ª Corrente (majoritária) - a vítima é o feto (abrange todos os estágios da vida intrauterina).

Questão: Qual a importância prática em saber se a vítima é o Estado ou o feto? A relevância está no caso da gravidez de gêmeos. Se a gravidez for de gêmeos, a 1ª corrente vislumbra apenas um crime. Já a 2ª corrente visualiza pluralidade de crimes em concurso formal.

Condutas:

a) Autoaborto (mulher grávida provoca nela mesma a interrupção da gravidez).
b) Consente para que outrem provoque. O terceiro responde pelo art. 126.

Tipo Subjetivo: Dolo

Questão: É possível dolo eventual? Sim, no caso da gestante suicida (Nelson Hungria). Frederico Marques traz o exemplo da mulher que prevê a possibilidade de abortar praticando esforço físico (prática de esporte), assumindo o risco do crime. Note que a tentativa de suicídio sem a morte do feto não será punida por política criminal. Não se pune a modalidade culposa ou preterdolosa (cuidado com a lesão corporal gravíssima).

Consumação: consuma-se com a morte do feto (delito material), não importando se esta ocorre dentro ou fora do ventre materno, desde que decorrente das manobras abortivas. Tratando-se de delito plurissubsistente, admite-se tentativa.

Obs. 1: se o feto for expulso com vida e a mãe renova a intenção de matar com facadas na criança ou enforcamento, será homicídio. Para a maioria, a tentativa de aborto resta-se absorvida nessa hipótese. Lembre-se que para ser infanticídio é imprescindível o estado puerperal. Como a mãe já pretendia matar antes do nascimento, jamais será infanticídio.
Obs. 2: Gravidez psicológica - delito putativo por erro de tipo (crime de alucinação).
Obs. 3: Para o CP o consentimento é permitido pela gestante a partir dos 14 anos. Não confunda com a capacidade do direito civil.

B) Aborto provocado por terceiros sem o consentimento da gestante

Art. 125 – provocar aborto sem o consentimento da gestante (pena de 3 a 10 anos; não admite sursis processual e cabe prisão preventiva ainda que o agente seja primário).

Sujeito ativo: crime comum (qualquer pessoa)

Sujeito passivo: delito de dupla subjetividade passiva (a gestante e o feto). Outro delito duplamente subjetivo é a violação de correspondência (remetente e destinatário). Provocar aborto é interromper intencionalmente a gravidez.

Questão: Qual crime responde alguém que chuta a barriga de mulher que sabe grávida, fazendo com que ela perca o bebê? A jurisprudência diz que é aborto (dolo eventual) + lesão corporal contra a mulher. Note que será submetido ao júri.

Questão: Marido que mata a esposa que está grávida responde por qual delito? Responderá por dois delitos: homicídio da esposa (dolo direto) e aborto (dolo eventual). A jurisprudência diz que será concurso formal impróprio. Ex. 1: homem que desfere facadas em mulher grávida matando-a e expulsando o feto que também foi ferido e morre dias depois (concurso formal + aborto provocado). Ex. 2: Uma mulher com 9 meses de gestação é esfaqueada e o feto também é atingido. A mulher sobrevive aos golpes e seu filho morre dias após o nascimento em decorrência dos ferimentos. Nesse caso, estará configurado o homicídio do bebê.

Tipo subjetivo: Dolo direto ou eventual. Admite-se tentativa (crime plurissubsistente).

C) Provocar aborto com o consentimento da gestante
Art. 126 – provocar aborto com consentimento da gestante (consentimento criminoso). Não cabe prisão preventiva para o agente primário (pena de 1 a 4 anos).

Sujeito ativo: terceiro provocador (crime comum). Trata-se de concurso necessário de agentes, punido de forma autônoma (exceção à T. monista).

Sujeito passivo: apenas o feto (a gestante que consentiu responde pelo art. 124 do CP)

Questão: E se a gestante que consentiu, no meio do processo se arrepender? Se o 3° provocador não parar, responderá pelo art. 125, CP.

Questão: O namorado que leva a namorada até a clínica de aborto para a interrupção da gravidez. Quais crimes praticam cada um dos agentes? A namorada praticou aborto do art. 124, CP. O namorado será partícipe desse crime. Note que quem instiga ou auxilia a gestante a procurar um médico para abortar responderá por participação em aborto consentido. Se o namorado pagou um terceiro provocador para interromper a gravidez da namorada com o consentimento desta, a namorada responderá pelo art. 124, o terceiro provocador e o namorado pelo 126, este último como partícipe do provocador.

Obs. 1: Cuidado com o parágrafo único - dissenso presumido (não consentimento presumido por lei): se a gestante for menor de 14 anos, alienada mental ou se o consentimento foi conseguido com grave ameaça ou violência, responderá o agente pelo art. 125, CP. Note que o agente tem que saber dessas condições, senão responderá pelo art. 126. Há quem entenda existir concurso material entre aborto não consentido e constrangimento ilegal. Contudo, em decorrência do P. da subsidiariedade esse entendimento não prevalece. No dissenso real, o consentimento da gestante será provocado mediante violência  ou grave ameaça.
Obs. 2: Lembre-se que os únicos crimes dolosos contra a vida classificados como hediondos são o homicídio qualificado e o simples quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. O aborto não é hediondo.  

Art. 124
Art. 125 (dissenso real + presumido – art. 126, parágrafo único)
Art. 126
Aborto provocado pela gestante ou c/ o seu consentimento
Provocar aborto sem consentimento da gestante
Provocar aborto com consentimento da gestante
Pena de 1 a 3 anos
Pena: 3 a 10 anos (grande potencial - inafiançável)
Pena: 1 a 4 anos (Médio potencial ofensivo)
Sujeito Ativo: mãe. Admite coautoria (3º responde pelo 126).
Sujeito Passivo: o feto

Sujeito Ativo: Qualquer pessoa (Crime comum)
Sujeito Passivo: 1) Gestante (que não consentiu); 2) Feto.
Trata-se de um delito de dupla subjetividade passiva.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa (Crime comum)
Sujeito Passivo: Feto
A gestante que consentiu pratica o art. 124

Sursis processual - não admite preventiva e primária (art. 313,I, CPP)
Admite preventiva mesmo se o agente for primário.
Não admite preventiva, mas o sursisprocessual sim.


Tipo Subjetivo : Dolo (direto ou eventual)
Tipo Subjetivo: Dolo (direto ou eventual)
Tipo Subjetivo: Dolo (direto ou eventual)
Delito Material: morte do feto.
Delito Material:  morte do feto.
Delito Material:  morte do feto.
Admite a tentativa
Admite a tentativa
Admite a tentativa

Obs.: Lembre-se que será fato atípico se a gestante não sabia que o feto já estava morto e toma o remédio abortivo (crime impossível).

No art. 124 e 126 vislumbra-se uma exceção pluralista à teoria monista (outras exceções no CP: art. 29, § 2º; art. 235 §1º; arts. 317; 333; 342; 343). Os crimes de abortamento são cometidos por comissão, mas admite-se a omissão imprópria.

5.5 Forma Qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Obs.: O legislador diz que essa é uma forma qualificada. Todavia, tem-se uma majorante, uma verdadeira causa de aumento de pena (majoritária).

O aborto será majorado: se a lesão for grave ou ocorrer a morte da gestante. É imprescindível que esses resultados sejam culposos: dolo no aborto e culpa na lesão grave ou morte (crime preterdoloso). Aplica-se a majorante somente aos crimes dos artigos 125 e 126. Nucci defende que essa causa de aumento não prevê uma hipótese autêntica de preterdolo, admitindo o dolo eventual no crime consequente, bem como a tentativa.

Questão: Por que o art. 124 jamais será majorado pelo art. 127? Porque o direito não pune a autolesão. Note que não incidirá nem mesmo para o partícipe.

Questão: Para incidir a majorante do art. 127 é necessário o sucesso do aborto? Não! Simplesmente pelos meios utilizados já se pode aplicar a majorante. Logo, é dispensável a consumação para incidir a majorante de pena.

Questão: O 3° provocador que não consegue interromper a gravidez, mas culposamente provoca a morte da gestante, que crime pratica? 1ª Corrente - (Capez) responderá por aborto qualificado consumado pela morte da gestante. Justificativa: trata-se de crime preterdoloso, não admitindo tentativa. Aplica-se o mesmo raciocínio da Súmula 610, STF:

“HÁ CRIME DE LATROCÍNIO (ABORTO), QUANDO O HOMICÍDIO SE CONSUMA, AINDA QUE NÃO REALIZE O AGENTE A SUBTRAÇÃO DE BENS DA VÍTIMA (AINDA QUE NÃO OCORRA A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ)”.

2ª Corrente - responderá por aborto qualificado tentado, pois não ocorreu o aborto e somente a morte da gestante. O preterdolo admite tentativa quando a parte frustrada do crime for a dolosa. Ex.: A parte dolosa não ocorreu por causas alheias à vontade do agente (dolo tentado). Não é possível a tentativa na parte culposa do crime (prevalece).

Note que para ocorrer a qualificadora o aborto não precisa ocorrer, basta resultar culposamente lesão ou morte da gestante em decorrência dos meios empregados pelo agente. Se houver dolo no aborto e dolo na lesão ou morte, haverá concurso formal de delitos (dois crimes).

5.6 Outros pontos relevantes:

1) aborto provocado em acidente de trânsito: se for a própria gestante, não será punível. Agora, se provocado o acidente por terceiro pela imprudência, responderá pelas lesões corporais de natureza culposa (expulsão do feto).
2) aborto de gêmeos – se o agente sabia da gravidez gemelar, responderá pelo concurso formal impróprio. Agora, se ele não sabia, responderá por crime único de aborto (Rogério Greco). Se a mulher desconhecia a existência de gêmeos e consentiu o aborto, não responderá pelo concurso formal impróprio, mas o médico que retirou os dois fetos, sim.
3) redução embrionária – Segundo Francisco Dirceu Barros, é plenamente possível o abortamento de alguns dos embriões quando a gestante estiver grávida de trigêmeos, quadrigêmeos ou mais e isso, de acordo com a perícia médica, torna a continuidade da gravidez inviável.
4) duração da gravidez no Código Civil: mínimo 180 dias; máximo 300 dias (não tem qualquer repercussão penal).

5.7 Art. 128 – Aborto legal ou permitido

Questão: Qual é a natureza jurídica desse delito? Prevalece que a natureza jurídica é de descriminante especial. É uma causa especial de exclusão da ilicitude (Bitencourt), e não de extinção de punibilidade. LFG diz que o inciso I é uma espécie de estado de necessidade, e, como espécie de estado de necessidade, excluirá a ilicitude. Já o inciso II, é uma espécie de exercício regular de direito, que pela teoria da tipicidade conglobante excluirá a tipicidade. Em resumo: trata-se de excludente de ilicitude.

Análise do Inciso I:

Aborto Necessário/Terapêutico/profiçático/preventivo

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; [forma especial de estado de necessidade]

a)     Praticado por médico
b)    Risco para a vida da gestante (não basta perigo para a saúde da gestante)
c)     Inevitabilidade do aborto

Obs. 1: dispensa o consentimento da gestante.
Obs. 2: Dispensa autorização judicial.
Questão: E se esse aborto foi praticado por outra pessoa (um enfermeiro, por exemplo)? O enfermeiro alegará estado de necessidade de terceiro (art. 24, CP). Note que ele não poderá alegar o art. 128, I (aqui tem que ser médico).

Questão: Precisa do consentimento da gestante ou o médico poderá agir sem esse consentimento? O consentimento da gestante é dispensável, mesmo que ela prefira morrer, o médico poderá interromper a gestação.

Análise do Inciso II

Aborto Sentimental/humanitário/ético
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. [forma especial de exercício regular de direito]

a)     praticado por médico
b)    gravidez resultante de estupro
c)     consentimento da gestante ou de seu representante legal quando incapaz

Obs. 1: dispensa autorização judicial. Será uma forma especial de exercício regular de direito. Note que para LFG será atípico (tipicidade conglobante).
Obs. 2: o STF tem decisões exigindo B.O. do estupro. Não necessita de processo crime contra o estuprador. Note que se o estupro for invenção da gestante, o médico será isento de pena (erro de tipo) e a gestante responderá por aborto consentido.
Obs. 3: é permitido o aborto também no estupro de vulnerável (art. 217-A)
Obs. 4: não há restrição quanto ao tempo de gestação.

Questão: E se for praticado por enfermeiro? Praticará crime, ou do art. 125 ou do art. 126, CP. Note que não poderá alegar estado de necessidade por ausência de perigo morte da gestante. Todavia, Bitencort alerta que a isenção de pena deve ser analisada no caso concreto, pois a inexigibilidade de comportamento diverso poderá favorecer a enfermeira.

Questão: Abrange atos libidinosos diversos (atentado violento ao pudor) de conjunção carnal?

Lei 12.015/2009
Antes
Depois
Sim, por analogia benéfica.
Sim, por expressa disposição legal.

5.8 Aborto de Feto Anencéfalo

Espécie de aborto eugênico/eugenésico

Anencéfalo: embrião, feto ou recém nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, faltando-lhe os hemisférios cerebrais, possuindo apenas uma parcela do tronco encefálico.

Do ponto de vista da Lei
Do ponto de vista da Doutrina
Do ponto de vista da Jurisprudência
Não está permitido (é crime). Por falta de previsão legal, a doutrina defende não ser crime.
Pode configurar hipótese de inexigibilidade de conduta diversa para a gestante (Bitencourt).
Autoriza esta espécie de abortamento desde que:
a) anomalia que inviabiliza a vida extra-uterina,
b) anomalia atestada em perícia médica
c) prova do dano psicológico à gestante
A exposição de motivos do CP diz ser crime.
Hipótese de atipicidade, pois o feto não morre juridicamente; não existe vida intrauterina.
STF: O supremo julgou a ADPF 54, que trata desse tema, permitindo o aborto.
Existe projeto de lei autorizando.
Princípio da intervenção mínima (a questão diz respeito somente à saúde e direito da mulher)


Obs. 1: Discute-se a possibilidade de contemplar outras hipóteses. Ex.: agenesia renal - ausência de rins. Há julgados permitindo esse aborto (RT 791/581). Contudo, Nucci adverte que pelo avanço da medicina, a anomalia, por si só, não poderá autorizar o aborto.
Obs. 2: a permissão judicial desse tipo é uma hipótese de causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Obs. 3: Bitencourt entende que o feto anencefálico não será objeto material de crime, pois estará presente a impropriedade do objeto (hipótese de crime impossível).

AULA VII – LESÕES CORPORAIS
Lesão Corporal – Art. 129, CP

7.1 Bem Jurídico protegido: Incolumidade pessoal do indivíduo (protege a saúde física, mental e fisiológica - integridade física ou psíquica). 

O art. 129, caput, traz a lesão corporal dolosa de natureza leve (delito de menor potencial ofensivo).
O art. 129, §1° - traz a lesão dolosa (ou preterdolosa) de natureza grave (médio potencial ofensivo; admite suspensão condicional do processo – se a pena for abaixo de 1 ano).
Art. 129, §2° - traz a lesão dolosa (ou preterdolosa) de natureza gravíssima.
Art. 129, §3°- traz a lesão seguida de morte (delito preterdoloso).
Art. 129, §§4° (lesão dolosa privilegiada) e 5° (benefícios)
Art. 129, §6° - lesão culposa
Art. 129, §7° - majorantes (idem ao art. 121, § 4º e 6º CP) – foi incluída a hipótese de milícia
Art. 129, §8° - perdão judicial (mesma regra do homicídio culposo)
Art. 129, §§ 9°, 10, 11 – lesão no âmbito doméstico ou familiar (não necessariamente contra mulher).

Sujeito Ativo: delito comum (qualquer pessoa)
Questão: Lesão praticada por policial militar em abuso de autoridade (abuso de autoridade + lesão corporal). Quem julga os dois crimes? O abuso de autoridade não está previsto no CPM, logo, será julgado na justiça comum. A lesão corporal, por sua vez, que é crime militar impróprio, será julgado na justiça castrense.  Assim, o abuso de autoridade será julgado pela justiça comum, enquanto a lesão corporal, na justiça militar.

Súmula 172, STJ: COMPETE À JUSTIÇA COMUM PROCESSAR E JULGAR MILITAR POR CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE, AINDA QUE PRATICADO EM SERVIÇO.

Sujeito Passivo: Qualquer pessoa (outrem = pessoa física viva). Para Luiz Régis prado não se enquadra em vítima o feto. Para Ney Moura Teles, o feto poderá ser vítima (desde a nidação).

Exceções:
1)       Parágrafo 1°, IV – “aceleração de parto”. Aqui a vítima necessariamente será a gestante. Cuidado! Tecnicamente está errado falar em aceleração, pois se acelera o que teve início. Logo, o correto é dizer antecipação de parto (Rogério Greco). Perceba que o feto deve sobreviver para configurar a lesão grave, pois se morrer será aborto culposo (lesão gravíssima).
2)       Parágrafo 2°, V – “aborto culposo”. Aqui a vítima será necessariamente a gestante. Cuidado! Não se está punindo o aborto culposo, mas a lesão que ocasiona o aborto de forma culposa.  

Lembre-se que o agente jamais poderá aceitar ou querer o aborto para configurar a qualificadora. Se o aborto estava nos planos do agente, responderá pelo art. 125 (aborto). É imprescindível que o agente saiba ou deva saber que a vítima esteja grávida, para evitar a responsabilidade penal objetiva.

7.2 Conduta e consumação: ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem (quer causando uma enfermidade, quer agravando enfermidade já existente). O delito é Material. Consuma-se no instante que ocorrer a ofensa à integridade corporal ou à saúde. Na modalidade dolosa, admite a tentativa, salvo na modalidade preterdolosa.

Questão: A Lesão corporal pressupõe dor? Não, o delito dispensa a provocação de dor ou efusão de sangue. Ex.: transmissão de vírus.

Questão: Cortar os cabelos contra a vontade da vítima é crime? 1ª Corrente - pode constituir crime de lesão corporal, mas é indispensável que a ação provoque uma alteração desfavorável no aspecto exterior do indivíduo; 2ª Corrente - pode configurar delito de injúria real, desde que presente a intenção de humilhar a vítima; 3ª Corrente - pode configurar furto ou roubo, dependendo do caso concreto (vender o cabelo da vítima).

Questão: Na pluralidade de ferimentos, cada lesão será um crime autônomo? A pluralidade de ferimentos no mesmo contexto fático não desnatura a unidade do crime, devendo ser considerada pelo juiz na fixação da pena base. Na hipótese de serem lesionadas várias pessoas em um só ato, haverá concurso formal impróprio (Bitencourt).

Questão: A integridade corporal é um bem disponível ou indisponível? A pessoa pode dispor do próprio corpo? Da própria saúde? A doutrina clássica diz que é um bem indisponível. Assim, quem coloca piercings teria que ser processado. Para a doutrina moderna (Bitencourt), a integridade corporal é um bem relativamente disponível, dede que: a) a lesão seja leve; e b) não contrarie a moral e os bons costumes. Não abrange a ablação de órgão genital (para mudança de sexo), pois a lesão, nesse caso, poderá ser benéfica (tratamento) e não é proibida nem mesmo pelo Código de Ética Médica.

Obs.: Tem doutrina admitindo o P. da insignificância para a lesão levíssima (Pierangeli e Bitencourt). Note que a lesão leve admite renúncia antes do recebimento da denúncia. Lembre-se que o conceito de lesão leve é residual, pois é obtido por exclusão dos conceitos de lesão grave e gravíssima.
7.3 129, § 1º:

Diagnóstico (consistência em laudo) ≠ prognóstico (consistência presumida). Assim, para doença incurável, basta um prognóstico.

Inciso I – incapacidade para a ocupação habitual, por mais de 30 dias

Questão: O que é Ocupação habitual? Qualquer atividade corporal rotineira, não necessariamente ligada ao trabalho ou a ocupação lucrativa, devendo ser lícita, ainda que imoral (Galdino Siqueira). Assim, uma prostituta poderá ser vítima desse delito (comércio carnal).

Questão: criança de tenra idade pode ser vítima dessa espécie de lesão corporal? Se um bebê não conseguir mamar, engatinhar, brincar etc., por mais de 30 dias, aplica-se esse inciso. Esse raciocínio se aplica aos idosos.

Questão: As lesões que causam vergonha podem incapacitar o indivíduo por mais de 30 dias? A relutância, por vergonha, de praticar as ocupações habituais não qualificam o crime, pois não será a lesão que estará incapacitando, mas a vergonha da lesão. Ex.: olho roxo.

Note que para atestar o prazo de 30 dias da incapacidade, necessita-se de dois laudos: um na data do fato (exame de corpo de delito) e outro ao completar 30 dias (laudo complementar). Logo, apenas o exame de corpo de delito não será suficiente para constatar a incapacidade. Esse prazo é penal, pois a finalidade é tipificar o delito (computa-se o dia do início e exclui-se o do fim).

Inciso II - Perigo de vida

Questão: O que é perigo de vida? Probabilidade séria, concreta e imediata do êxito letal. Note que deve ser diagnosticado e não prognosticado. A região da lesão não justifica, por si só, a presunção do perigo. Ex.: uma paulada na cabeça de forma culposa ou um ferimento no pulmão. Lembre-se que não poderá ser doloso, pois nesse caso incidirá a tentativa de homicídio (o agente não pode querer matar a vítima). Essa qualificadora será necessariamente preterdolosa, jamais dolosa.

Inciso III – Debilidade (Enfraquecimento ou diminuição da capacidade funcional) permanente (recuperação incerta e por tempo indeterminado) de membro, sentido ou função

Questão: E se o uso de prótese diminuir ou atenuar a debilidade, exclui a qualificadora? Não importa que o enfraquecimento possa se atenuar ou se reduzir com aparelhos de prótese, pois a qualificadora persistirá. Lembre-se que se o indivíduo perder 1 dente, somente a perícia deverá atestar, com base no caso concreto, se a perda de dentes causará redução ou enfraquecimento do aparelho mastigatório. Essa regra se aplica aos dedos. Para Nucci, a perda de dedos é debilidade permanente.

7.4 129, § 2º (gravíssima)

Lei
Doutrina
§ 1º - lesão grave (1 a 5 anos)
§ 1º - lesão grave (1 a 5 anos)
§ 2º - lesão grave (2 a 8 anos)
§ 2º - lesão gravíssima (2 a 8 anos). A Lei de tortura adotou essa expressão (art. 1º, § 3º).

Inciso I - Incapacidade permanente para o trabalho: 1ª corrente - Para incidir essa qualificadora a vítima deve ficar incapacitada para todo e qualquer tipo de trabalho. Note que nesse caso, não terá aplicação prática, pois um tetraplégico poderá realizar trabalho intelectual, por exemplo. 2ª corrente - a incapacidade deve incidir no trabalho atual da vítima.

Inciso II - enfermidade incurável: transmissão intencional de uma doença para a qual não existe cura no estágio atual da medicina. Para o STJ, não abrangia o HIV, pois quem transmitia intencionalmente esse vírus letal praticava tentativa de homicídio. Contudo, em recente julgado, o STJ mudou o entendimento admitindo hipótese de lesão corporal gravíssima. Para o STF, dependerá do caso concreto: poderá ser lesão gravíssima ou art. 131, CP – transmissão de moléstia grave.

Obs.: de acordo com a doutrina, a vítima não está obrigada a se submeter à intervenção cirúrgica em busca da cura, persistindo a qualificadora.

Inciso III - perda (amputação ou mutilação) ou inutilização (sem qualquer capacidade de exercer suas atividades próprias) de membro, sentido ou função (digestiva, respiratória, circulatória, secretora, reprodutora, sensitiva e locomotora):

Atenção! Perda de órgãos duplos/geminados (rins, olhos, pulmões, testículos, orelhas etc.). Um só: natureza grave; Os dois: gravíssima. Se forem membros (mãos, pernas, braços e pés) será sempre gravíssima.

Questão: E se em razão da lesão a vítima ficar impotente? Coeundi ou generandi? Ex.: (1) médico que sem autorização realiza laqueadura; (2) homem que perde testículo e não produz mais espermas. Lembre-se que o rompimento do hímen é de natureza leve.
 Mutilação (retirada por força não cirúrgica)  ≠ amputação (retirada por força cirúrgica).

Inciso IV - deformidade permanente: é o dano estético, aparente, considerável ou irreparável pela força da natureza e capaz de provocar impressão vexatória (desconforto para quem olha e humilhação para a vítima).
Obs.: De acordo com a maioria da doutrina, a idade, o sexo e a condição social da vítima devem ser consideradas na apreciação da presente qualificadora (Nelson Hungria). Não importa se a lesão estética somente é vista na intimidade. Note que se houver reparação estética, para encobrir os ferimentos, desaparecerá a qualificadora.

Questão: Por que o médico não responde por lesão corporal quando realiza cirurgia reparadora ou de urgência? 1ª Corrente - Falta tipicidade (Bento de Faria); 2ª Corrente - Não há dolo (Assis Toledo); 3ª Corrente - No caso da lesão leve, pode-se trabalhar com o consentimento do ofendido (Bitencourt); 4ª Corrente - Estado de necessidade (Pierangeli); 5ª Corrente - Não causa risco proibido (imputação objetiva - LFG); 6ª Corrente - Atipicidade (tendo em vista a tipicidade conglobante – Zaffaroni);

Questão: O que é vitriolagem? É a lesão de natureza gravíssima em razão do emprego de ácidos.

Inciso V - provocação de aborto: Trata-se de uma qualificadora necessariamente preterdolosa (lesão dolosa + aborto culposo). Não se confunde com o aborto qualificado pela lesão do art. 127, CP (aborto doloso + lesão culposa), é o inverso do preterdolo. Note que o agente deve saber da gravidez para incidir a qualificadora.

7.5 Coesistência de qualificadoras:

(1) mais de uma qualificadora do § 1º do art. 129 - o MP deve fazer referência a todas, mas o juiz toma apenas uma para fixar a pena base e as outras como circunstâncias judiciais.
(2) uma qualificadora do § 1º + outra do § 2º - o MP deverá denunciar a do § 2º, sendo a do § 1º considerada na fixação da pena base.

7.6 Lesão corporal seguida de morte:

a) conduta dolosa visando lesão corporal
b) resultado morte culposo (se houver dolo eventual será homicídio)
c) nexo causal entre conduta e resultado (cuidado! o caso fortuito ou a imprevisibilidade do resultado morte elimina a qualificadora, respondendo o agente somente pelas lesões).

Ex.: (1) Indivíduo em uma Boate (boite) agride outrem e este cai batendo a cabeça resultando em sua morte. Se fosse previsível esse resultado, haveria lesão corporal seguida de morte. (2) em um tatame de luta, um atleta agride o juiz, vindo este a morrer em decorrência de um prego existente no chão. O agente responderá apenas pela lesão (agressão), pois a existência do prego era imprevisível.

Questão: Que crime configura vias de fato seguida de morte? Nesse caso haverá crime de homicídio culposo, ficando a contravenção penal absorvida. Ex.: homem que empurra outro que cai e bate a cabeça vindo a morrer.

Lesão corporal seguida de morte
Homicídio culposo
A morte deriva de uma lesão dolosa (vontade de agredir)
A morte deriva de um comportamento penalmente indiferente ou de lesão culposa ou vias de fato. O agente não tem a intenção de matar.

7.7 Diminuição de pena: art. 129, § 4º, lesão corporal privilegiada: violenta emoção, após injusta provocação da vítima. Aplica-se para todas as lesões do art. 129. Ex.: comentários ofensivos à  honra da mãe do agente.

Substituição de pena: 129, § 5º, tem aplicação apenas ao caput, desde que seja privilegiado ou por lesões recíprocas (lesões leves). Não se aplica para as lesões grave, gravíssima ou seguida de morte. Há discussão se a substituição faz parte do direito subjetivo do acusado.
Lesão corporal culposa: art. 129, § 6º (infração de menor potencial ofensivo). Em observância ao P. da simetria, aplica-se os dispositivos do homicídio culposo. A ação será pública condicionada. Bitencourt lembra que as lesões leve, grave e gravíssima devem ser consideradas na dosagem da pena, ainda que culposa (circunstâncias judiciais do art. 59, CP).

Lesão dolosa
Lesão culposa
Leve (3 meses a 1 ano); grave (1 a 5 anos); gravíssima (2 a 8 anos).
Leve, grave ou gravíssima (2 meses a 1 ano). Aplica-se o art. 59, CP (o juiz vai considerar a natureza da lesão na fixação da pena base).

Obs. 1: se for praticada na direção de veículo automotor, aplica-se o CTB (art. 303 – 6 meses a 2 anos). Note que apesar do mesmo desvalor no resultado, o desvalor da conduta é diferente, justificando uma maior repreensão para o CTB. Ao comparar o art. 129, caput (lesão dolosa), que possui uma pena menor que o do CTB, fica questionável a constitucionalidade do dispositivo (lesão corporal no trânsito é mais grave que a lesão corporal dolosa do CP).
Obs. 2: Lesão corporal culposa Vs omissão de socorro e falta de habilitação (para o CTB é pública incondicionada). Para FMB, só dependerá de representação quando não houver omissão de socorro nem falta de habilitação.  Note que se trata de um crime complexo, pois é integrado de fatos, que por si mesmos, constituem crimes.

7.8 Lesão corporal no ambiente doméstico (causas de aumento):

Vítima homem
Vítima mulher
Art. 129, §§ 9º, 10 e 11. (obs.: o STF entendeu ser aplicável ao homem as medidas protetivas da Lei Maria da Penha).
Art. 129, §§ 9º, 10 e 11 + as medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

O § 9º qualifica a lesão leve - a pena passará de 3 meses a 1 ano para 3 meses a 3 anos. Note que a qualificação da lesão exclui a incidência de menor potencial ofensivo.
O § 10 majora as penas dos §§ 1º, 2º e 3º - aumenta-se as penas de 1/3. Note que no § 1º, que admitia a suspensão condicional do processo, deixará de admitir.
O § 11 é majorante para o § 9º - aumenta-se de 1/3 se a vítima for portadora de deficiência.
Hipóteses dos § 9º, 10 e 11:

1)    lesão praticada contra ascendente, descendente ou irmão (é dispensável a coabitação);
2)    lesão praticada contra cônjuge ou companheiro (união estável);
3)    lesão praticada contra pessoa com quem conviva ou tenha convivido o agente (república de estudantes). Para Nucci, essa hipótese é um complemento das duas primeiras;
4)    prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade (visitas).
5)    Vítima portadora de deficiência quando ascendente, descendente ou irmão (Dec. 3.298/99).

7.9 Pontos relevantes:

1) autolesão – se um incapaz for induzido a praticar autolesão (cortar o próprio braço), quem responde como autor mediato (indireto) será aquele que induziu. Se a autolesão visa indenização ou valor de seguro, o crime será o de estelionato (171, CP). Agora, se for para fraudar o serviço militar, o crime será militar (art. 184, CPM)
2) Um agente tenta agredir a vítima, que ao desviar-se do golpe, cai e fratura o braço. É possível imputar a fratura do braço ao agressor? Nesse caso, trata-se de uma concausa relativamente independente superveniente que, não por si só, produziu o resultado. Logo, será atribuída a autoria ao agressor.
3) Agravar uma lesão preexistente também será lesão corporal.
4) A lesão dolosa leve é pública, condicionada à representação da vítima – lei 9.099/95. Há discussão no tocante à violência doméstica. Nas demais hipóteses será pública incondicionada.
5) Não confunda lesão corporal com vias de fato, vez que na contravenção não existe dano à incolumidade pública (deve-se ver a intenção do agente).
6) intenso sofrimento físico ou mental praticado por quem não tem poder, guarda ou atividade sobre a vítima caracteriza lesão corporal e não tortura (FMB). Agora, se estiver presente a submissão do infante, o crime será o de tortura (Rogério Greco).
7) lesão corporal na Lei de remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento – vide art. 14 da Lei 9.434/97.

AULA VIII – DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

8.1 Art. 130 – Perigo de contágio venéreo

Tutela-se a incolumidade física e a saúde da pessoa, aqui exposta, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, ao contágio de moléstia venérea. Magalhães Noronha inclui a “vida” como bem jurídico tutelado (minoritário), todavia, o legislador não teve essa intenção, já que não previu a hipótese de resultado morte em decorrência do efetivo contágio. Nessa hipótese, o agente responderá por lesão corporal seguida de morte ou homicídio culposo.

Exemplos de doenças venéreas: cancro, hepatite, gonorreia etc.

Cuidado! expor a perigo: pena de 3 meses a 1 ano; se o agente quer transmitir: pena de 1 a 4 anos (forma qualificada). A ação penal é pública condicionada à representação.

8.1.1 Sujeitos do crimeativo – pessoa portadora de moléstia venérea (crime comum), inclusive o cônjuge. Para Rogério Sanches, o crime é próprio, já que o tipo exige sujeito ativo portador de doença. Passivo – qualquer pessoa, havendo ou não o consentimento.

Questão: Caso a vítima saiba da moléstia e consinta com a relação, o agente deverá ser punido? Para Rogério Greco, se sobrevier uma lesão leve, não há falar em crime (disponibilidade relativa). Para a corrente majoritária, o consentimento não poderá excluir o delito, pois o que se protege é a disseminação da doença.

8.1.2 Consumação: trata-se de crime de ação vinculada, exigindo contato sexual (corpóreo) entre agente e vítima. Damásio defende que se o contato não for sexual (aperto de mão, ingestão de alimentos ou utilização de objetos), não haverá esse crime. Veja que é imprescindível a prova pericial da contaminação.

Questão: Quais são as doenças/moléstias venéreas que integram esse tipo penal? Trata-se de uma norma penal em branco, pois a expressão é genérica e indeterminada, devendo ser complementada por normas do âmbito do Ministério da Saúde.

8.1.3 Tipo subjetivo:

a) perigo de contágio doloso: o agente “sabe” estar contaminado e aceita a transmissão ao parceiro (caput).
b) dolo eventual: o agente “devendo saber” estar contaminado, assume o risco de transmitir a moléstia (caput). Há quem defenda, com base na exposição de motivos do CP, que a expressão “deve saber” se refere à culpa consciente.
c) dolo de dano: intenção positiva de transmitir a moléstia de que está contaminado – dolo direto (§ 1º).
d) dolo de dano com a efetiva contaminação do parceiro, resultando lesão grave ou morte: o agente responderá pelo art. 129 (lesão grave ou resultado morte, pois as penas são maiores). Bitencourt alerta que esse entendimento está equivocado, pois o próprio parágrafo 1º prevê punição para essa transmissão dolosa, não devendo prevalecer a aplicação de lesões corporais, salvo no caso de morte da vítima (lesão corporal seguida de morte).

A classificação do dolo acima em (direto e eventual) é trazida pela majoritária corrente. Todavia, corrente minoritária (Bitencourt) alerta que a expressão “deve saber” está relacionada, em verdade, com a potencial consciência da ilicitude.

8.1.4 Consumação: momento da prática do ato sexual capaz de transmitir a moléstia (crime formal). Se o agente usar preservativo, o dolo do agente será afastado. Agora, se o preservativo não resistir ao ato, entende-se que o agente assumiu o risco da transmissão, devendo ser punido por esse motivo.

8.1.5 Pontos relevantes:

1) Transmissão de HIV – poderá configurar lesão corporal seguida de morte, perigo de contágio de moléstia grave ou até mesmo homicídio. Entretanto, jamais poderá configurar perigo de contágio de moléstia venérea (não depende de relação sexual para a transmissão).
2) vale lembrar que se a transmissão adveio de estupro, a contaminação será causa de aumento do crime contra a dignidade sexual.

8.2 Art. 131 - Perigo de contágio de moléstia grave

Tutela-se a incolumidade física e a saúde física da pessoa. O tipo abrange não só as moléstias venéreas, mas todas as moléstias graves. Para parcela da doutrina, protege-se, também, a vida (o que não prevalece, pelos mesmos motivos do crime anterior). A ação penal é pública incondicionada.

Exemplos de moléstias graves: febre amarela, peste, cólera, tifo exantemático, varíola, alastrim, difteria, infecção puerperal, infecção do grupo tífico-paratífico, lepra, tuberculose aberta, impaludismo, sarampo, disinterias, meningite cérebro-espinhal, paralisia infantil, tracoma, leishmaniose etc.

Cuidado! Se houver transmissão de doença venérea grave de forma diversa de ato libidinoso, o crime praticado será esse do art. 131. Nada impede a configuração do crime em estudo se a moléstia grave for transmitida por ato libidinoso. Ex.: HIV.

8.2.1 Sujeitos do crime: ativo – qualquer pessoa, desde que contaminadas (crime próprio). Passivo – qualquer pessoa não contaminada.
8.2.2 Conduta: pune-se a pratica de qualquer meio direto (contato físico) ou indireto (sem contato físico), capaz de transmitir (delito de ação livre). O tipo penal menciona apenas que a moléstia tem que ser grave. De igual forma, há nesse crime uma norma penal em branco. Todavia, existe doutrina criticando esse entendimento (Pierangeli – aduz que, mesmo se a doença não estiver etiquetada em norma penal em branco, será considerada moléstia grave capaz de configurar o crime). Assim, a moléstia grave não precisa estar taxativamente descrita em outra norma (no mesmo sentido: Bitencourt, Luiz Régis Prado e FMB).

Questão: E se os objetos ou coisas que o agente utilizar, com o fim de transmitir a moléstia, já estiverem contaminados com germes e micróbios dos quais ele não é portador, responderá pelo crime em estudo? De acordo com Bitencourt e Rogério Greco (majoritário), o agente não deverá ser responsabilizado por este crime (art. 131, CP), mas, nada impede que ele responda por outro tipo penal (lesão corporal ou perigo para a vida de outrem). Ex.: agente saudável que perfura vítima com uma seringa contaminada.

8.2.3 Consumação: consuma-se com a prática do ato perigoso capaz de transmitir o mal visado (crime formal). Se resultar lesão de natureza leve, ficará esta absorvida (mero exaurimento). Contudo, se a lesão for grave ou resultar em morte da vítima, o agente responderá por esses crimes em concurso formal impróprio. Admite-se tentativa. Perceba que o crime é punido pelo dolo direto de dano, sendo o dolo eventual incompatível com o tipo (Mirabete).

A doutrina discute a possibilidade de transmissão por dolo eventual. Prevalece que não, pois o tipo exige finalidade de transmitir (dolo direto).

Questão: O que são crimes de intenção? São delitos que requerem um agir com ânimo, finalidade ou intenção adicional de obter um resultado, que vai além da realização do tipo penal, mas que não precisa ser alcançado para consumar o crime (consumação antecipada).

8.2 Pontos relevantes:

1) Transmissão de HIV: Para o STJ, configura tentativa de homicídio. Para o STF, trata-se de perigo de contágio de moléstia grave (HC 98.712/SP).
2) vítima já contaminada: Para a doutrina, trata-se de hipótese de crime impossível (Rogério Greco), salvo se a moléstia transmitida for diferente.
3) vítima que morre em decorrência da moléstia transmitida: deverá ser aplicada a regra do art. 19, CP – o agente responderá por lesão corporal seguida de morte (Rogério Greco).
4) transmissão realizada durante a amamentação: caso uma ama-seca, durante amamentação de uma criança, transmite a esta uma moléstia que desconhece ser contagiosa, não responderá pelo crime em tela. Agora, se sobrevier lesão corporal ou morte da criança e ficar comprovada a existência de culpa, a ama-seca responderá conforme o caso. Se, ao contrário, a criança transmitir a moléstia grave à ama-seca, os pais não responderão pelo crime, salvo se ficar comprovado o dolo.
5) erro de proibição: Bitencourt defende a possibilidade de ocorrer erro quando o agente supõe que em relação a seu cônjuge não há proibição de transmitir a moléstia grave (será capaz de reduzir apenas a pena, pois o erro aqui é inescusável). O mesmo autor defende também a ocorrência de erro de tipo quando o agente está contaminado, tem consciência de que é portador, mas desconhece que a moléstia é grave. O desconhecimento da elementar “grave” pode configurar o erro, embora seja difícil sua comprovação. Outro exemplo trazido está na hipótese que o sujeito ativo acredita estar contaminado com doença venérea, mas a moléstia é grave (imaginou a existência de uma doença que não existia, mas transmitiu outra que desconhecia). Contudo, Bitencourt alerta que para evitar impunidade do agressor, deverá ser aplicada a regra do “erro de subsunção” (o dolo foi o mesmo, qual seja, transmitir algo à vítima), devendo responder por lesões corporais.
6) transmissão de moléstia grave que resulta em epidemia: o agente responderá pelos crimes dos arts. 131 e 267, § 2º (modalidade culposa), em concurso formal.

8.3 Art. 132 - Perigo para a vida ou saúde de outrem

Tutela-se a saúde e a vida da vítima, sendo aplicável somente quando o comportamento do agente não incida em crime mais grave. Pune-se aquele que de qualquer forma coloca pessoa certa e determinada em perigo de dano direto, efetivo e iminente. Aqui, o crime é de ação penal pública incondicionada (competência do JECrim).

8.3.1 Sujeitos do crimeativo – qualquer pessoa (crime comum). Passivo – pessoa certa e determinada, pois do contrário o crime será o de perigo comum ou contra a incolumidade pública (art. 250, CP). Nelson Hungria alerta que algumas pessoas não podem ser sujeitos passivos desse crime, desde que tenham o dever legal de afrontar ou suportar o perigo, salvo quando extrapolar os limites dos riscos. Ex.: bombeiros, policiais, enfermeiros, toureiros, operários de fábricas de explosivos ou produtos químicos etc.

8.3.2 tipo subjetivo: vontade consciente de, mediante ação ou omissão, colocar a vida ou a saúde de pessoa(s) determinada(s) em perigo. Ex.: patrão que não fornece equipamentos de segurança, desde que a omissão acarrete uma exposição concreta ao perigo. Perceba que a comprovação do perigo, nessa hipótese é indispensável, na medida em que o simples descumprimento das normas de segurança, por si só, tipifica a contravenção penal prevista no art. 19 da Lei 8.213/91 (legislação Previdenciária). O dolo pode ser direto ou eventual, em risco iminente. Não se pune a forma culposa. Rogério Sanches lembra que, havendo dolo de dano, isto é, querendo o agente atingir a vida ou a saúde de alguém, responderá por outro crime (tentativa de homicídio ou tentativa de lesão corporal).

8.3.3 Consumação: surgimento do risco (crime de perigo concreto). Se resultar em dano, como a morte ou lesões graves, o crime de perigo será absorvido pelo crime mais grave. Admite-se a forma tentada. Noronha alertava que esse crime possui um caráter “residual”, ou seja, somente poderá ser aplicado se não houver outro tipo punindo a conduta do agente. Não há punição para a modalidade culposa. Mas se sobrevier o dano, efetivamente, responderá o agente, conforme o caso, por lesão corporal culposa (somente se for aquela prevista do Código de Trânsito) ou homicídio culposo.
Questão: É notório que o crime de disparo de arma de fogo é mais grave que o delito em tela (perigo para a vida). Ocorre que o crime de disparo não deverá ser aplicado quando o agente tiver a finalidade de praticar outro crime (“desde que a conduta não tenha como a finalidade a prática de outro crime”). Nesse ponto, indaga-se: se a intenção do agente era por a vítima em perigo de vida, por qual crime deverá responder? Para Fernando Capez, deverá prevalecer seu dolo, ainda que o crime seja menos grave (perigo de vida). Rogério Sanches, por outro lado, defende a predominância do crime mais grave (disparo). Bitencourt explica que o disparo de arma de fogo deverá considerar o seguinte: (1) se o local é habitado ou a via é pública (se for local privado, não incide o Estatuto do Desarmamento); (2) se a vítima foi exposta ou não a perigo concreto.

Questão: E se do perigo resultar em crime culposo de lesão ou morte? Qual tipo penal deverá ser aplicado? Nesse caso, há duas situações: 1ª - morte culposa: esta absorverá o crime de perigo. 2ª - lesão culposa: deverá o agente responder pelo crime de perigo, pois este terá uma pena maior, evitando uma desproporção no desvalor das condutas.

8.3 Pontos relevantes:
1) Concurso de crimes: Bitencourt defende a possibilidade de concurso de crimes, pois, o fato de ser norma subsidiária, não incompatibiliza, por si só, o tipo penal com o concurso de crimes. Assim, se o agente coloca em perigo, com mais de uma conduta, duas pessoas determinadas, haverá concurso material. Por outro lado, se ele coloca várias pessoas determinadas e individualizadas, com uma só conduta, haverá concurso formal. Ex.: agredir motorista de ônibus com o veículo em movimento.
2) motorista que obriga o condutor do veículo da frente a imprimir velocidade incompatível com o tráfego, comete o delito em comento.
3) transporte ilegal ou perigoso de bóias-frias: incide na causa de aumento de pena, de 1/6 a 1/3 (perigo decorrente de transporte irregular de pessoas).
4) consentimento da vítima: a doutrina ensina que só não afastará o crime se a ato trouxer a probabilidade de resultar lesão grave, gravíssima ou morte (Rogério Greco).

AULA IX - Art. 133 – Abandono de incapaz

O atual CP preferiu tratar o abandono em duas figuras: (1) abandono de incapaz (art. 133); e (2) abandono de recém-nascido (art. 134). O bem jurídico protegido das duas formas é a segurança da pessoa humana e seu bem estar social, protegendo o incapaz, sobretudo, contra concreta situação de perigo (protege-se a integridade físico-psíquica).

Obs.: O projeto do novo CP migra o abandono de recém-nascido para o abandono de incapaz, pois aquele é na verdade uma forma privilegiada de abandono (motivo de honra).

9.1.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa que tenha especial relação de assistência e proteção com a vítima (a vítima deve estar sob os cuidados, guarda, vigilância ou autoridade do autor). Em outras palavras, o autor deve estar na condição de garante. Logo, trata-se de crime próprio. Faltando essa condição, poderá configurar outro crime: omissão de socorro, abandono material, abandono intelectual etc. (2) passivo – pessoa incapaz com relação de assistência com o sujeito ativo. A doutrina denomina esse crime de bipróprio.

9.1.2 Tipo objetivo: abandonar significa deixar desassistido, desamparado, incapaz de se defender dos riscos resultantes do abandono, que se encontre na especial relação de assistência já referida. Pune-se o abandono da própria pessoa e não o abandono do dever de assisti-la. O abandono, por si só, não tipifica a conduta, sendo indispensável que dele resulte um perigo concreto para a vida ou a saúde do abandonado. Trata-se de crime de perigo concreto, que depende de comprovação.

Perceba que essa incapacidade, mais que fática, é jurídica. Para Aníbal Bruno, essa incapacidade de se defender deve ser julgada não só conforme as condições pessoais da vítima, mas ainda segundo as circunstâncias em que se encontra. Pode tratar-se mesmo de adulto válido que se vê exposto em situação de perigo, da qual não pode, por si próprio, libertar-se. Tão incapazes são as crianças e os loucos quanto, em determinadas condições, os velhos, os paralíticos, os cegos, os enfermos, os bêbedos, como qualquer pessoa que, por qualquer motivo, não possa defender-se do risco a que fica exposta em razão do perigo. Aliás, como salienta Bitencourt, até mesmo uma pessoa plenamente válida, poderá estar em condição de incapacitada, ante a impossibilidade de se defender. Ex.: (1) pessoa abandonada em alto-mar em pequeno barco; (2) aprendiz de alpinismo abandonado pelo orientador no pico da montanha; (3) jovem auxiliar que o lenhador levou à floresta frequentada por animais perigosos e lá foi abandonado sem ter conhecimento do caminho de volta etc.

Atenção! Quem abandona alguém capaz (ou incapaz sem qualquer vínculo de assistência) não responderá por crime algum, salvo se a conduta adequar-se ao descrito na definição do crime de omissão de socorro (art. 135). Caso o agente tenha a posição de garantidor o agente responderá por eventual resultado danoso, lesão grave ou morte, por exemplo, se não evitá-lo. Agora, existindo a relação de assistência, sobrevindo o resultado danoso, o agente responderá pelo crime de abandono qualificado pelo resultado (há nesse caso, de acordo com Bitencourt, um equivoco do legislador). Criou-se a figura do garantidor privilegiado.

“com efeito, não deixa de ser paradoxal negar maior proteção exatamente ao incapaz, a quem o ordenamento jurídico considera hipossuficiente, pois, contraditoriamente, se do abandono de alguém capaz, maior, plenamente válido, resultar-lhe a morte, havendo aquele vínculo de ‘assistência’, o agente responderá pelo crime de homicídio, na forma comissiva omissiva, ao passo que, nas mesmas circunstâncias, se do abandono de um incapaz resultar-lhe a morte, o agente responderá somente pelo abandono de incapaz, qualificado pelo resultado (art. 133). Evidentemente que esse paradoxo persiste e somente poderá ser afastado, de lege ferenda, com a simples aplicação dos parágrafos do art. 133, adequando-o à Parte Geral, especialmente ao disposto no art. 13, § 2º”.

9.1.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo, representado pela vontade e consequência de expor a vítima a perigo através de abandono. O dolo pode ser direto ou eventual. Vale lembrar que no delito doloso, o agente somente responderá quando conhece as condições/circunstâncias fáticas que constitui o crime. Faltando um ou outro elemento do tipo haverá erro de tipo (Roxin). Para Bitencourt, não há exigência de um especial fim de agir.

9.1.4 Consumação: efetivo abandono do incapaz, desde que este corra perigo real (concreto), ainda que momentâneo. Caso o agente reassuma o seu dever de assistência, socorrendo a hipotética vítima, o crime já estará consumado, podendo ser beneficiado pelo arrependimento posterior (art. 16, CP). Para Bitencourt, o arrependimento posterior ou eficaz são incompatíveis com esse crime na sua forma simples. Admite-se, em tese, a tentativa. Não há previsão da modalidade culposa. Contudo, se o abandono for culposo e resultar danos à vítima, o agente responderá por esse resultado (de forma autônoma – lesão corporal ou morte). Rogério Greco defende a aplicação do concurso de crimes entre o abandono e o resultado gravoso (lesão ou morte).

9.1.5 Majoração da pena: a) quando o autor for “CADI”, tutor ou curador da vítima (não se admite a inclusão de companheiro – união estável); b) vítima maior de 60 anos; c) abandono em lugar ermo – maior dificuldade ou impossibilidade de o incapaz encontrar socorro (não basta ser noite ou estar chovendo).

9.1.6 Pontos relevantes:
1) incapaz que foge da vigilância e assistência – se ele mesmo se coloca em situação de abandono, não configurará o crime, pois faltará a conduta do responsável capaz de produzir o desamparo da vítima, criando-lhe o risco efetivo.
2) obrigação de cuidado – os cônjuges são obrigados a cuidar um do outro (obrigação matrimonial), podendo configurar o crime em comento.
3) mãe que deixa filha, com menos de 4 anos de idade, na casa de pessoas estranhas, responde por esse crime, pois há risco de perigo configurado.
4) pai que sai para beber e deixa filho incapaz sozinho em casa, sem a companhia de um adulto, não prestando a devida assistência, responde pelo crime em tela.

9.2.1 art. 134 Exposição ou abandono de recém-nascido:

Para Nelson Hungria, não há distinção entre exposição e abandono, pois são idênticas, sinônimas, sendo utilizadas com o mesmo sentido. Bitencourt defende que as expressões não possuem o mesmo significado, lembrando que o direito não possui palavras inúteis. O bem jurídico protegido é a segurança do recém-nascido.

9.2.3 Sujeitos do crime: (1) ativo – somente pode ser a mãe (crime próprio), visto que objetiva ocultar desonra própria (honoris causa). É diferente que se trate de viúva ou adúltera, como sustentava a antiga doutrina, admitindo-se a própria mulher solteira, especialmente em casos de gravidez cada vez mais precoce, que vem acontecendo inclusive com pré-adolescentes, especialmente nas pequenas comunidades, onde a rigidez moral, normalmente, é mais acentuada. As adolescentes e pré-adolescentes são excluídas pela inimputabilidade, mas deverão receber a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Bitencourt não admite a exclusão da prostituta como sujeito ativo desse crime. Dmásio, Hungria e Fragoso, admitiam que o pai incestuoso ou adúltero também poderia praticar esse crime. (2) passivo – somente o recém-nascido, fruto de relação extramatrimonial.

Questão: Qual é o tempo para a caracterização de recém-nascido? Para Hungria, é o momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da família, pois, desde então, já não há mais ocultar desonra. Para Noronha, é aquele que nasceu a poucos dias. Damásio, por seu turno, entende que será recém-nascido até a queda do cordão umbilical. Fragoso e Bitencourt entendem ser aquele nascido há poucos dias, não ultrapassando um mês e desde que não se tenha tornado de conhecimento público.

Os autores, de modo geral, afirmam que o tipo penal pressupõe que o nascimento deve ter sido “sigiloso” para justificar a tipificação do delictum exceptum. Aníbal Bruno sustenta que o sigilo mencionado refere-se ao nascimento da vítima que se tenha dado em “segredo” e ainda não tenha vindo ao conhecimento de estranhos. Falar em nascimento sigiloso, segundo Bitencourt, parece um rematado exagero, quer porque a restrição não consta da definição legal, quer pela inadmissibilidade de conceber e gestar por longos nove meses sigilosamente.

Questão: E na hipótese de abandono de gêmeo recém-nascidos? O privilégio somente se justifica se a mãe abandonar a todos, caso contrário responderá pelo crime do art. 133, pois o abandono não teria sido para ocultar desonra própria. Abandonando gêmeos, a responsabilidade penal será na modalidade de concurso formal (FMB).

9.2.4 Consumação e tentativa: abandono efetivo do recém-nascido, desde que este corra perigo efetivo, isto é, concreto, ainda que momentâneo, pois é irrelevante a duração do abandono. Se a mãe reassumir o seu dever de guarda e assistência, socorrendo seu filho, mesmo assim, o crime já estará configurado, podendo, entretanto, ser beneficiada pelo arrependimento posterior. Para Bitencourt, o dolo não poderá ser eventual, pois há a necessidade de um especial fim de agir (ocultar desonra própria). Admite-se, em tese, a tentativa. Ex.: mãe que decidida expor o recém-nascido ao perigo é impedida no caminho antes de realizar seu intento.

A eventual superveniência de dano não pode ser abrangida pelo dolo, sob pena de configurar outra infração penal: homicídio ou, havendo a influência do estado puerperal, infanticídio. Não há previsão para a modalidade culposa. Contudo, se decorrerem do abandono culposo resultados danosos para a vítima, o agente responderá por esse resultado (lesão corporal ou morte), de forma autônoma, não qualificando o crime em apreço. Agora, se do abandono doloso sobrevier resultado mais grave (lesão ou morte), o agente responderá pela modalidade qualificada (crime preterdoloso).

Obs.: configura o crime quando o recém-nascido é entregue aos parentes sob a alegação de que os pais biológicos não possuem condições de criá-lo, jamais procurando para visitas ou reclamar privações.
9.3 art. 135 Omissão de socorro
O crime omissivo consiste sempre na omissão de determinada ação que o sujeito tinha obrigação de realizar e que podia fazer. Divide-se em próprio (crime de mera conduta) e impróprio (crime de resultado). Perceba que no crime omissivo próprio não há uma causalidade fática, mas jurídica, não devendo ser decorrente de deveres puramente éticos, morais ou religiosos.
Omissivo próprio (puro)
Omissivo impróprio (impuro) ou comissivo por omissão
O agente tem o dever genérico de agir (recai sobre todos).
O agente tem o dever jurídico (específico) de impedir o resultado (recai sobre determinadas pessoas) – o qual atinge somente o “garante” ou “garantidor”. Figura que existe para agir ou para evitar o resultado.
A norma mandamental decorre do próprio tipo.
A norma mandamental decorre de cláusula geral (art. 13, par. 2º, CP – o qual prevê quem é o garante ou garantidor).
A subsunção (fato/norma) é direta, eis que o dever de agir está na própria norma (a omissão está prevista no tipo incriminador).
Tipo – omissão
Subsunção DIRETA
Fato  - omissão
A subsunção é indireta. O dever de impedir o resultado deriva de uma cláusula geral (a omissão não está no tipo incriminador, está no art. 13, §2º - o tipo penal na verdade descreve uma ação – o fato consiste numa omissão).

Tipo – ação
(Subsunção INDIRETA – não possui tipologia própria)
Fato  - omissão
Responde por omissão de socorro.
Responde pelo crime comissivo, que traz o resultado que deveria ter evitado.
É unissubsistente, logo não admite tentativa.
É plurissubsistente, logo admite tentativa. Ex. salva-vidas que deseja que a vítima morra, mas um terceiro salva a vítima. O salva-vidas responderá por tentativa de omissão.
Natureza jurídica: ausência de ação esperada. Somente responde por dolo
Natureza jurídica: uma realidade onde falta a causalidade. O agente responde porque não age para evitar o resultado naturalístico. Lembre que se a omissão for dolosa o crime será doloso. Responde por dolo ou culpa

9.3.1 Bem jurídico protegido:

Preservação da vida e saúde do ser humano, tendo como fundamento o desrespeito ao dever de solidariedade humana (princípio moral erigido à condição de dever jurídico). Trata-se da violação de um dever geral. Caso seja um dever especial, constituirá outro crime. Lembra Damásio que o CP protege também a incolumidade pessoal do cidadão, não passando daí. Logo, não protege outros interesses, como a honestidade, a liberdade pessoal e o patrimônio. Caso uma pessoa saiba do cometimento de uma infração penal ou concorde psicologicamente com isso, não há falar em omissão de socorro, mas no máximo conivência criminosa, que não será punível a título de participação, salvo se constituir alguma forma de contribuição causal. Há vozes na doutrina que estendem a omissão para os casos acima (Noronha e Paulo José da Costa Jr.). Ex.: pessoa presencia homicídio e nada faz para evitar o resultado. Nesse ponto, Bitencourt lembra que o cidadão comum não está obrigado a evitar a prática de crime, pois não há essa determinação legal no CP (a obrigação se aplica às autoridades públicas – polícias e bombeiros).

9.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular, pois o dever genérico é de não se omitir. (2) passivo – a) criança abandonada ou extraviada; b) pessoa inválida, ferida ou desamparada; e c) qualquer pessoa em grave e iminente perigo. Note que o perigo deve ser de grandes proporções e prestes a desencadear-se, como, por exemplo, pessoa que se está afogando ou presa em qualquer coisa prestes a ser soterrada etc. Não importa quem tenha causado a situação de perigo (própria vítima, terceiros ou fenômenos naturais), salvo para o omitente (de forma dolosa ou culposa), que se transformará no garantidor e responderá não simplesmente por crime de perigo, mas por eventual resultado que advier da situação criada (art. 13, § 2º, CP).

9.3.3 Tipo objetivo: pode ser praticada de duas formas: a) direta/imediata (deixar de prestar, desde que não haja risco pessoal); b) indireta/mediata (não pedir socorro à autoridade pública). A doutrina ensina que o risco moral ou patrimonial não afasta a tipicidade da omissão, bem como o risco para terceiros (nesse caso poderá existir a excludente do estado de necessidade).

Questão: Admite-se concurso de agentes nos crimes omissivos? De acordo com a doutrina, admite-se tanto a coautoria quanto a participação em sentido estrito. Ex.: (1) duas ou mais pessoas, deliberadamente, unem as intenções para não socorrerem alguém (houve coautoria). (2) duas ou mais pessoas, presentes no local da situação de perigo, se negam de forma autônoma a prestarem o socorro (houve crime autônomo de cada uma). (3) pessoa que por telefone dá orientações a quem está no local da situação (houve participação).

Atenção! Não confunda participação em crime omissivo com participação por omissão em crime comissivo. Na participação no crime omissivo ocorre um agir positivo do partícipe que favorece o autor a descumprir o comando legal. Ex.: paciente que instiga o médico a não comunicar a existência de uma enfermidade contagiosa às autoridades sanitárias (será o partícipe da omissão). Por outro lado, na participação por omissão em crime comissivo o partícipe se omite de um dever e o autor comete a ação criminosa. Ex.: operador caixa que deixa o cofre aberto para facilitar o furto.

9.3.4 Consumação: ocorrerá no lugar e momento em que a atividade devida tinha que ser realizada. Por ser crime próprio ou puro, não admite tentativa. Agora, no caso de omissão imprópria, por depender de resultado naturalístico, admite-se a forma tentada. Vale lembrar que o erro quanto à situação de perigo, à possibilidade da conduta ou risco pessoal excluirá o dolo (erro de tipo).

Questão: E se a pessoa não souber da norma mandamental? Estar-se-á diante do erro de tipo mandamental (erro mandamental). É o erro de tipo na omissão imprópria.

9.3.5 Figuras majoradas: não há forma qualificada, pois é crime de perigo. Caso haja resultado naturalístico, o crime passará a ser de dano, aumentando a pena do agente. Se em razão da omissão sobrevier lesão corporal de natureza grave, a pena será aumentada de metadade e triplicada em caso de morte (essa mojorante é fixa). Como já estudado, nos casos de homicídio culposo e lesão corporal culposa, a omissão de socorro não constituirá crime autônomo, mas majorante daqueles.

9.3.6 Pontos relevantes:

1) Uma criança sendo jogada pela janela. Se o pai da criança observa a ação e nada faz, responderá por homicídio. Agora, se for um terceiro alheio à criança, responderá por omissão de socorro.
2) exigibilidade de conduta diversa - nos crimes comissivos integra a culpabilidade e nos omissivos funcionais serve como elemento do tipo penal.
3) agente ausente do local - não poderá responder pelo crime de omissão, mesmo tendo o dever jurídico de agir. Ex. 1: médico que sai mais cedo ou chega atrasado com a morte do paciente nesse ínterim; Ex. 2: salva-vidas conversando com a namorada longe do local do sinistro.
4) o CP adotou a T. normativa da omissão e não o da T. naturalística da omissão (causa natural física do resultado). Para Paulo José da Costa Júnior, a omissão do CP adotou a T. mista, pois há menção expressa das duas T. anteriores, dependendo do caso concreto.
5) responde pelo crime de homicídio culposo, e não omissão, o médico que, estando de plantão e, de sobreaviso em sua residência é acionado, mas negligentemente deixa de comparecer ao hospital, ministrando, por telefone, medicação.
6) respondem pela omissão de socorro os agentes que, mesmo tendo à disposição meios próprios para promover o transporte de pacientes em estado grave para outros hospitais, se negam a fazê-lo, resultando, na morte de algumas pessoas.
7) agente que não socorre vítima atropelada temendo agravar a situação – há uma motivação justa que permite afastar a censurabilidade do comportamento (inexigibilidade de conduta diversa). Mas, nesse caso, deverá buscar socorro.
8) omissão de socorro no Estatuto do Idoso - art. 97, Lei 10.741/03.
9) omissão de socorro no CTB – art. 304, Lei 9.503/97.
10) recusa da vítima em deixar-se socorrer – se o agente verificar, no caso concreto, que se trata de criança abandonada ou extraviada, ou pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, deverá, mesmo contra a vontade expressa da vítima, prestando-lhe o necessário socorro (os bens protegidos são indisponíveis).

9.4 Art. 136 – Maus tratos

Os bens jurídicos tutelados são a vida e a saúde da pessoa humana, ou seja, a integridade fisiopisíquica do ser humano, especialmente daqueles submetidos a autoridade, guarda ou vigilância para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.

9.4.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – somente quem se encontre na condição especcial de exercer a autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia (crime próprio). A ausência dessa relação especial afasta a sua adequação típica, podendo configurar outro crime: exposição de perigo da vida ou da saúde de outrem. (2) passivo – somente pessoas que se encontre subordinada nas relações acima.  

9.4.2 Tipo objetivo: são várias condutas típicas (conteúdo variado): (1) privar de alimentação (basta a privação relativa, pois a total poderá configurar o crime de homicídio); (2) privar de cuidados indispensáveis (materiais, afetivos ou morais); (3) sujeitar a trabalho excessivo ou inadequado; (4) abusar de meios corretivos ou disciplinares (aqui a ação inicial é lícita, mas há abusos na execução). Nas três primeiras figuras o crime é permanente. Na última, instantâneo.

Questão: O corretivo aplicado pelos pais aos filhos, que resulta em hematomas, configura esse crime? Se não afetar a saúde do menor, nem mesmo colocando-o em risco, não haverá excesso. Vale lembrar que se esse corretivo for aplicado por tutor, curador, professor, carcereiro, entre outros, ou seja, qualquer pessoa diferente dos pais, configurará o crime.

9.4.3 Tipo objetivo: Para Euclides Custódio da Silveira, é indispensável a consciência do abuso cometido, sob pena do erro de tipo. Está excluído o dolo de dano desse tipo penal, bastando a probabilidade de sua ocorrência (o crime é formal e de perigo).

9.4.4 Forma majorada: o Estatuto da criança e do adolescente acrescentou o § 3º, prevendo a elevação de 1/3 da pena em razão da menoridade da vítima.  Qualificam o crime: exposição que resulta lesão corporal de  natureza grave ou morte.

9.4 Pontos relevantes:

1) mulher vítima de maus-tratos – não poderá ter o marido como sujeito ativo, pois não há nenhuma relação de autoridade, guarda ou vigilância entre os cônjuges, seja para educação, ensino, tratamento, custódia ou qualquer outra finalidade. A situação será a mesma em relação ao filho maior de idade.
2) elementar especial do crime – Nelson Hungria defende que essa subordinação é um pressuposto para a configuração do crime. Para Frederico Marques, trata-se de um elemento constitutivo do tipo. Bitencourt, por sua vez, defende ser uma elementar típica especializante.
3) simples empurrão ou meto tapa, por mais antipedagógico que seja, não configura o crime.
4) maus-tratos e tortura – não existe coincidência de motivação entre esses crimes. Nos maus-tratos, o agente atua para fins de educação, ensino, tratamento e custódia. Na tortura, a intenção é aplicar castigo.
5) erro de proibido indireto (agente erra sobre os limites de uma causa de justificação).

9.5 art. 137 – Rixa (no projeto do novo CP: confronto generalizado)
Briga perigosa entre mais de duas pessoas (no mínimo três rixosos), agindo cada uma por sua conta e risco, acompanhada de vias de fato ou violências recíprocas. Trata-se de uma infração de menor potencial ofensivo. Flávio Queiroz de Moraes define como o “conflito que, surgindo do improviso entre três ou mais pessoas, cria para estas uma situação de perigo imediato à integridade corporal ou à saúde”.
Há quem defenda que deveria estar catalogada no título dos crimes contra a paz pública, pois há uma ameaça e perturbação a ordem e a paz públicas. O núcleo é participar. O bem jurídico protegido direto é a incolumidade da pessoa humana; o indireto é a ordem e a paz pública.
9.5.1 Tipo subjetivo: é o dolo. Note que o legislador disse mais o que deveria, pois fez a ressalva da intenção de separar os contendores. Se o agente durante a rixa muda seu ato para separar a rixa, responderá por esse delito (rixa).
O tipo penal exige o número plural de agentes (plurissubjetivo ou de concurso necessário). Lembre-se que os crimes plurissubjetivos se dividem em: condutas paralelas; concorrentes; e contrapostas.
9.5.2 Sujeitos do crime: Para Rogério Greco, o delito é sui generis, pois o sujeito ativo é ao mesmo tempo o sujeito passivo (os rixosos agem uns contra os outros).
Questão: Por ser crime de concurso necessário, admite-se participação? Vale lembrar que a participação pode ser: a) material: o agente toma parte na luta, trocando agressões (partícipe da rixa); b) moral: o agente não toma parte na luta, limitando-se a instigar os agressores (partícipe do crime de rixa). Note que ambos responderão pelo delito.
9.5.3 Consumação: com o início do conflito. Para a corrente majoritária, trata-se de delito de perigo abstrato ou de perigo presumido. Para a Defensoria Pública e STF (em alguns julgados) trata-se de crime de perigo concreto.
Execução do delito: para a maioria é crime unissubsistente, não admitindo fracionamento (tentativa). Nelson Hungria admite a tentativa no caso de frustrar o início da rixa combinada (ex propósito). Ex.: quando uma rixa foi combinada e alguém impede sua execução.
Subtaneidade da rixa: não é necessário que ela surja de improviso; pune-se também a preordenada. Não se admite a tentativa na rixa ex improviso, mas na ex proposito, em tese, é admitida. Ex.: três grupos rivais combinam a rixa, mas antes de iniciá-la são impedidos pela polícia.
Questão: É possível alegar legítima defesa na rixa? 1ª corrente - se a pessoa não estiver participando da briga, poderá alegar a excludente para a se defender para não ser engolido pelo tumulto; 2ª corrente - se a pessoa estiver participando da briga, não poderá alegar a excludente, mas poderá excluir outro crime quando diante de agressões desproporcionais, exorbitantes. Ex.: durante a rixa, alguém saca uma arma, nesse caso, devido a desproporcionalidade da possível agressão, o outro rixoso poderá sacar uma segunda arma para se defender.
Questão: E se resultar lesão grave ou morte, quais as consequências? 1º sistema - solidariedade absoluta: se da rixa resultar lesão grave ou morte, todos os participantes respondem pelo delito, independentemente de se apurar quem foi o seu real autor; 2º sistema - cumplicidade correspectiva: havendo morte ou lesão grave, não sendo apurada a autoria, todos responderão pelo delito, com sanção intermediária entre a de um autor e a de um partícipe do crime; 3º sistema - autonomia (adotado pelo CP): a rixa é punida por si mesma. Havendo lesão ou morte, qualifica-se o crime. Apenas o causador da lesão ou da morte responderá pela qualificadora (6 meses a dois anos). Note que mesmo qualificada continuará sendo de menor potencial ofensivo.
Hipótese de qualificadora1ª situação - não se apurando o causador da lesão grave, a vítima também responderá pela qualificadora, em razão do maior perigo da briga. Aqui há um resquício de responsabilidade penal objetiva no CP; 2ª situação - se em razão do tumulto houver morte, apurando-se a autoria do golpe fatal, há duas correntes: 1ª corrente - todos respondem pela qualificadora, sendo que o agressor fatal cumulará o homicídio, não havendo bis in idem (qualifica-se pelo maior perigo da luta); 2ª corrente - para evitar o bis in idem, o agressor fatal responderá pela rixa simples, cumulada com o homicídio. Os demais rixosos pela forma qualificada; 3ª situação - havendo abandono da luta, por um dos rixosos, antes da morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, todos responderão pela qualificadora, pois quem abandona concorre de qualquer forma para a briga ficar mais perigosa; 4º situação - em caso de substituição de rixosos, havendo morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, quem substituiu a vítima responderá pela rixa simples, pois não concorreu para a morte do substituído. Os demais rixosos respondem pela qualificadora.
9.5.4 Pontos relevantes:
1) eventuais não participantes da rixa, podem também figurar como vítimas do crime quando atingidos pelo tumulto.
2) a rixa também é conhecida como sururu, sarilho, banzé, fuzuê, rolo e baderna.
3) o local da rixa é irrelevante e a simulada não constitui crime, em razão da ausência do animus rixandi, ainda que sobrevenha lesão grave ou morte. Nesse caso, os rixosos responderão por crime culposo, de forma autônoma.
4) A rixa à distância é admitida, dispensando o corpo a corpo. Ex. arremesso de objetos (cadeira, garrafas etc.).
5) a troca de agressões verbais não configura rixa, podendo ser algum tipo contra a honra.
6) não é possível o perdão judicial.
7) rixa nos eventos esportivos (Estatuto do Torcedor), reclusão de 1 a 2 anos. Crime de menor potencial ofensivo.
8) Para Rogério Greco, é possível a modalidade omissiva quando o agente gozar do status de garantidor. Ex.: no interior da cela de uma delegacia, alguns detentos começam a se agredir reciprocamente, gerando uma pancadaria indiscriminada. O carcereiro responderá pelo crime, se assistir a tudo e nada fizer (omissão imprópria).
9) confronto entre dois grupos – não haverá rixa, mas vias de fato ou homicídio.

AULA X - CRIMES CONTRA A HONRA

Questão: O que é honra? É o conjunto de dotes morais, intelectuais, físicos e apreço. Divide-se em objetiva (reputação ou boa fama no meio social); subjetiva (dignidade ou decoro de si próprio).
O CP é adotado como norma geral para esses crimes. Contudo, há leis especiais: a) lei de imprensa (não recepcionada pela CRFB/88); b) Código Brasileiro de Telecomunicações; c) Código Eleitoral (perseguidos mediante ação penal pública incondicionada); d) CPM; e) Lei de Segurança Nacional (7.170/83 – é imprescindível a motivação política da ofensa); e f) Estatuto do Idoso.

Atenção! Já se entendeu que a honra era um bem indisponível. Hoje, prevalece que é um bem disponível.

CRIME
CONDUTA
HONRA PROTEGIDA
Calúnia (art. 138) - crime de menor potencial ofensivo. Não admite omissão
Imputar fato determinado previsto como crime, sabidamente falso
Honra objetiva (reputa a imagem perante terceiro)
Difamação (art. 139). Não admite omissão
Imputar fato determinado e desonroso, não importando se verdadeiro ou falso
Honra objetiva
Injúria (art. 140). Admite omissão (ex. deixar de cumprimentar alguém com o fim de humilhá-la)
Atribuir qualidade negativa, fato não determinado (genérico, difuso ou indeterminado).
Honra subjetiva(autoestima; dignidade e decoro).

Obs. 1: chamar alguém de ladrão é injúria (é uma qualidade); Agora, dizer que alguém roubou um banco é calúnia (é um fato). Chamar alguém de “puta” é difamação (é um fato desonroso). Se o fato imputado for uma contravenção penal será difamação e não calúnia. Note que atos homossexuais em meio militar incidem em crime específico militar (pederastia), não se aplicando o CP.
Obs. 2: cuidado com a T. social da ação que considera fato atípico algumas condutas, obrigando a rejeição da denúncia pelo juiz, pois, nesse caso, não seria aplicável a emendatio ou mutatio libeli. Ex.: jogo do bicho.

10.1 Calúnia: infração de menor potencial ofensivo – 6 meses a 2 anos.

Possui dois elementos: (1) falsa imputação de crime; (2) Propalar (oral) ≠  divulgar (não oral). O caput pune o criador da calúnia e o § 1º o divulgador/propalador da calúnia. Há uma ampliação da potencialidade lesiva.

Não podem ser autores de calúnia indivíduos que desfrutam de inviolabilidades (senadores, deputados federais/estaduais). Lembre-se que o advogado não está imune a esse delito no exercício da profissão (será imune para difamação e injúria).

Questão: Os menores de 18 anos e os inimputáveis podem ser vítimas de calúnia? 1ª corrente - (T. tripartida – Magalhães Noronha) entende que não, pois estes não podem ser autores de delitos, podendo, todavia, serem vítimas de difamação; 2ª corrente (majoritária) - a culpabilidade não é elementar do delito de calúnia, logo os inimputáveis podem ser vítimas desse delito. Note que o crime de calúnia consiste na falsa imputação de fato definido como crime e o menor pode praticar fato delituoso chamado de ato infracional (que na prática é crime).

Questão: Pessoa jurídica pode ser vítima de calúnia? 1ª corrente - com o advento da Lei 9.605/98 (crimes ambientais e responsabilidade penal da pessoa jurídica), entende que nas hipóteses dos crimes ambientais será admitida; 2ª corrente - pessoa jurídica não pratica crime, apesar de poder ser responsabilizada penalmente. Logo, não poderá ser vítima de calúnia, mas somente de difamação (o STF e o STJ não entraram no mérito se a PJ pode ou não ser autora de crime); 3ª corrente - o código penal protege a honra da pessoa física e não da jurídica, que não pode ser vítima de qualquer crime contra a honra (Mirabete). Lembre-se que a pessoa jurídica também poderá ser vítima de crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, contudo, esses delitos não possuem regulamentação para as pessoas jurídicas. Perceba que a PJ poderá ser vítima de difamação.

Questão: o morto pode ser vítima de calúnia? A calúnia contra os mortos também é punida, mas sendo a honra um atributo dos vivos, seus parentes é que serão os sujeitos passivos.

Questão: a autocalúnia é crime? A autoacusação não será crime de calúnia, mas poderá configurar crime contra a administração da justiça (assumir autoria de um crime praticado por outrem).

Atenção! Crimes contra a honra do Presidente da República (calúnia ou difamação), do Senado, da Câmara e do STF, podem configurar crime contra a segurança nacional, se presente motivação política. Lembre-se que a injúriacom ou sem motivação políticaserá delito comum do CP, pois a Lei de Segurança Nacional não a prevê, mesmo se for contra chefe de governo estrangeiro.

Questão: caluniar é imputar falsamente a autoria de crime que tenha acontecido? Haverá calúnia quando o fato imputado jamais tiver ocorrido (falsidade que recai sobre o fato) ou, quando for real o acontecimento, não foi a pessoa apontada o seu autor (falsidade que recai sobre a autoria do fato). Logo, não depende do acontecimento criminoso.

Questão: a falsidade de crime não punível será calúnia? Sim, salvo em caso de anistia ou abolitio criminis, que excluem a tipicidade. Se for instituto que extingue apenas a punibilidade o crime persiste.

10.1.1 Tipo subjetivo - é imprescindível a vontade/intenção de ofender a honra objetiva da vítima. Note que o criador da calúnia responderá por dolo direto ou eventual, todavia, o divulgador (ou propalador) só responderá por dolo direto (não se pune o dolo eventual do divulgador). Assim, não será punida a forma culposa. Perceba que a doutrina aponta tais delitos como formais (independem da produção do resultado), pois dispensam o efetivo dano à honra da vítima.

Cuidado!
Animus jocandi - espírito de brincadeira (não haverá crime)
Animus consulendi - para aconselhar (não haverá crime)
Animus narrandi - prestar testemunho (não haverá crime)
Animuns corrigendi - fim de corrigir (não haverá crime)
Animus defendendi - em reação (não haverá crime)

10.1.2 Consumação: no momento em que terceiro toma conhecimento da imputação criminosa, independentemente do dano à reputação do ofendido, bastando a potencialidade lesiva. Se for proferida diretamente para a vítima será injúria.

10.1.3 Tentativa: é admitida na forma escrita (carta caluniosa interceptada pela própria vítima, sem que terceiros tome conhecimento). Lembre-se que o telegrama e o fonograma, necessariamente, passam pelo conhecimento de terceiro. Logo, serão crimes consumados. Aplica-se no caso de pombo-correio.

10.1.4 Espécies:

ð Calúnia verbal: crime unissubsistente (não admite tentativa).
ð Calúnia escrita: crime plurissubsistente, pois poderá ser fracionada (admite tentativa. Ex.: carta caluniadora interceptada pela própria vítima).

Calúnia (art. 138)
Denunciação caluniosa (art. 339)
Crime contra a honra
Crime contra a administração da justiça
A intenção é ofender a honra
A intenção, mais que ofender a honra, é ver instaurado procedimento oficial contra alguém que sabe inocente
Somente para crimes
Abrange crimes ou contravenções

10.1.5 Exceção da verdade: forma de defesa indireta, através da qual o acusado de ter praticado crime de calúnia busca provar a veracidade do que alegou. CALÚNIA DE FATO VERDADEIRO. Será autuada em apenso.

Questão: Qual a consequência da procedência da prova da verdade? Absolvição por atipicidade da conduta caluniosa, pois a falsidade é elementar do tipo. Note que a vítima passará a constituir o polo ativo do crime ofertado pelo MP (de vítima passará a ser autor).

Hipótese de proibição da prova da verdade: i) constituindo o fato imputado crime de ação privada e o ofendido ainda não foi condenado por sentença irrecorrível; ii) quando a vítima é o Presidente da República ou chefe de governo (Estado) estrangeiro (razões diplomáticas); iii) quando houver absolvição do fato com trânsito em julgado, mesmo por insuficiência de provas (seria exumar fato acobertado por coisa julgada – trata-se de uma presunção absoluta da verdade).

Questão: A CRFB pode proibir esse meio de defesa? Sabendo que a exceção da verdade é um meio de defesa, existe corrente minoritária entendendo que a vedação do uso do instituto (tal como ocorre nas 3 hipóteses do § 3º) fere o P. constitucional da ampla defesa (entendimento do TJMG).

10.1.6 Exceção de notoriedade: não descaracteriza o delito o fato de a ofensa estar amplamente conhecida (art. 523, CPP).

EXCEÇÃO DA VERDADE
EXCEÇÃO DA NOTORIEDADE
Prova da verdade da imputação
Prova da notoriedade do fato
Procedência - atipicidade
Procedência - crime impossível (a reputação do ofendido já está abalada)

10.1.7 Calúnia qualificada / denunciação caluniosa: falsa imputação de crime ou contravenção que acarreta início de investigação policial (para a corrente majoritária abrange inquérito policial, administrativo, civil ou processo judicial). Aqui a ação é pública incondicionada. Deve existir uma duplicidade de dolo: a) direto, em relação à falsidade; b) indireto ou eventual, em relação à instauração de procedimento. A lei não incrimina a forma culposa. Basta o agente levar o fato falso ao conhecimento da autoridade por qualquer meio: BO, telefone, rádio, TV, carta etc. Abrange inquérito policial, sindicância, PAD, inquérito civil, ACP e improbidade quando constituírem crime. Não configura o delito se o crime estiver prescrito ou se houver escusa absolutória.

A denunciação caluniosa (art. 339, CP) pode ser praticada inclusive pelas autoridades titulares do procedimento. A conduta da denunciação incide mesmo se o agente, direta ou indiretamente (por interposta pessoa), inventar um crime. Note que se o delito denunciado for uma contravenção haverá diminuição de pena (denunciação privilegiada).

Questão: O que é denúncia temerária, abusiva ou criminosa? É a denunciação caluniosa cometida pelo MP.

10.1.8 Provocação indireta da denunciação: a intenção é caluniar e não iniciar um processo contra a vítima. Não há falar em dolo eventual (Noronha e Hungria). Lembre-se que a denunciação caluniosa absorve o delito de calúnia. Poderá haver concurso material entre denunciação caluniosa + extorsão indireta, no caso de exigir algo mediante a ameaça da entrega de documentos que possam ensejar processo contra a vítima. Para Bitencourt, é possível o dolo eventual, especialmente, no caso de o agente imputar à determinada pessoa, que sabe inocente, a prática de um crime, assumindo o risco que terceiro transmita a notícia criminosa à autoridade policial, causando a instauração do inquérito policial.

Questão: Para propor a ação penal pelo art. 339, CP, o MP está subordinado à conclusão do procedimento injustamente instaurado? 1ª corrente - sim, o MP está subordinado à conclusão do procedimento, evitando o risco de decisões conflitantes; 2ª corrente - não, pois basta haver prova do crime e indícios da autoria para iniciar a ação penal, que, aliás, é pública incondicionada.

Obs. 1: o delito do art. 339, CP, não admite dolo superveniente. Assim, aquele que, de boa-fé, noticia um crime que pensa praticado por determinada pessoa, não pratica denunciação caluniosa, ainda que tempos depois descubra que a revelação foi equivocada.

Obs. 2: cuidado com o art. 19 da Lei de improbidade, que pune o denunciante que deu origem a ato de improbidade que não constitui ilícito penal. Trata-se de crime de menor potencial ofensivo.
Obs. 3: a autoacusação falsa de contravenção é fato atípico.
Obs. 4: haverá o crime do art. 341 do CP ainda que tenha o agente se levado por motivo altruísta (pai que assume a responsabilidade de crime praticado pelo filho).

Art. 339, CP
Art. 340 - comunicação falsa de crime
Art. 341 – autoacusação falsa
O agente imputa a infração penal imaginária à pessoa certa e determinada
O agente apenas comunica a fantasiosa infração penal, não imputando a ninguém ou imputa à personagem fictício
Autocalúnia: o agente assume a paternidade de um crime que não praticou
Envolve crime ou contravenção penal
Envolve crime ou contravenção
Envolve somente crime

Questão: se for comunicado falsamente um delito para fraudar seguro, qual crime comete o agente? 1ª corrente - responde por estelionato, ficando a comunicação falsa absorvida (o fim absorve o meio); 2ª corrente - responde por estelionato em concurso material com a comunicação falsa (prevalece).

Questão: O que é falsidade objetiva? É o delito putativo. O agente denuncia acreditando na inocência do outro e, posteriormente, prova-se que o “inocente” era culpado. Em caso de autodefesa, não haverá denunciação se o agente limitar-se a sua defesa. Agora, se houver o fim de vingança configurado estará o delito.

10.2 Difamação – infração de menor potencial ofensivo. Fato não criminoso ofensivo à reputação. Não importa se o fato é verdadeiro ou falso, bastando ser determinado e não genérico. Pode ser contravenção penal, mas jamais crime. Pessoas que desfrutam de imunidade material não praticam o crime (o advogado tem imunidade profissional). Admite-se dolo direto e eventual. Consuma-se no momento em que um terceiro toma conhecimento, admitindo a tentativa na forma escrita.

O dolo consiste no animus difamandi. Trata-se de crime formal (basta a potencialidade lesiva).

Questão: Quem propala ou divulga comete nova difamação? O art. 139, CP, não contém a previsão de propalar ou divulgar, como ocorre com a calúnia. Contudo, de acordo com a maioria da doutrina, a omissão não significa que o fato será atípico, pois será possível o cometimento de nova difamação.

Obs. 1: uma pessoa desonrada pode ser vítima. Ex.: prostituta.
Obs. 2: não há difamação contra os mortos, somente calúnia. Lembre-se que a Lei de imprensa punia essa difamação.

Questão: A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação? Os tribunais superiores decidem, copiosamente, que sim, pois possuem reputação a ser preservada (não pode ser de calúnia nem injúria).
10.2.1 Exceção da verdade: somente se a ofensa for relativa ao exercício da função de funcionário público ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública. Tem que haver nexo com o exercício das funções (propter officium). A lei de imprensa previa a hipótese do ofendido permitir a prova.

Questão: A difamação contra o presidente da república admite exceção da verdade? A exposição de motivos do CP prevê a proibição dessa exceção. Alguns autores entendem violar o P. da ampla defesa.

EXCEÇÃO DA VERDADE NA CALÚNIA
EXCEÇÃO DA VERDADE NA DIFAMAÇÃO
Gera absolvição do acusado (atipicidade - a falsidade é elementar do tipo)
A sua procedência gera absolvição do acusado, por estar acobertado pelo exercício regular de direito.

Questão: Qual a diferença da difamação contra funcionário público para o desacato? Na difamação, a ofensa ocorre na ausência do funcionário vítima. No desacato, por sua vez, na presença deste. Cuidado! A ofensa de servidor por telefone não caracteriza presença em local, tampouco, se o servidor estiver escondido.

10.2.2 Exceção de notoriedade: aplicação d P. da insignificância - Depende do caso concreto para a sua admissão (cuidado! o art. 519, CPP não foi atualizado – não prevê a difamação, mas é aplicado a esta. Quando criaram o capítulo III do CPP, a difamação era uma espécie de injúria).

10.3 Injúria – imputação de uma qualidade negativa à vítima (coxo, desonesto etc). É crime doloso, admitindo-se dolo eventual. Note que é um delito menos grave que a calúnia e a difamação. São xingamentos contra a vítima. Quem possui imunidade material não comete injúria (o advogado possui imunidade profissional - só não tem imunidade na calúnia). Não existe imputação de determinado fato na injúria, mas de uma qualidade.

Obs. 1: ofende a dignidade ou decoro.
Obs. 2: não pode ter como vítima criança, doente mental e pessoa jurídica (pode haver ofensa contra os representantes da PJ), pois o ofendido deve ser capaz de compreender a ofensa proferida.
Obs. 3: é possível a prática por omissão. Mirabete menciona a hipótese de tentativa de injúria oral que não chega ao conhecimento da vítima. Tem doutrina defendendo a não admissão de tentativa.
Obs. 4: a injúria não admite exceção da verdade nem da notoriedade.
Obs. 5: recusar-se ao cumprimento cordial (aperto de mão) poderá configurar injúria por omissão.

Questão: Que crime comete quem atribui fato desonroso genérico, vago e indeterminado? Parece fato atípico, mas, em verdade, configurará injúria.

Questão: A autoinjúria é crime? Será crime se ofender simultaneamente outra pessoa. Ex.: (1) o agente se intitula corno (ofende a si e a sua esposa); (2) o agente afirma ser filho de uma meretriz (ofende a si, sua mãe e irmãos).

10.3.1 Perdão judicial: A retorsão imediata ou provocação do ofendido pode acarretar legítima defesa (uma ofensa que provoca a injúria). Na injúria recíproca (injúria que provoca outra injúria), há uma compensação de injúrias (os dois serão perdoados).

Ofensa contra os mortos:
CALÚNIA art. 138
DIFAMAÇÃO art. 139
INJÚRIA art. 140
É punível
 Não é punível
Não é punível. Mas é possível por via reflexa. Ex.: a falecida era cafetina das filhas (estará chamando as filhas de meretrizes).

10.3.2 Espécies

(1) Injúria real - trata-se de um concurso formal em que o CP determina a aplicação do concurso material com a soma das penas (injúria + lesão corporal). Para Nelson Hungria, “mais que o corpo, é ofendida a alma”. Em caso de injúria real + vias de fato, incidirá o P. da consunção (aplica-se a injúria real, pois o delito de vias de fato restará absorvido – contravenção penal). Para Rogério Sanches, as penas são somadas por se tratarem de crimes formais impróprios (desígnios formais autônomos).

Obs.: P. da consunção ou absorção - (Oscar Stevenson) está relacionado com fatos anteriores e posteriores do delito / agente. Relação de magis para minus (de continente para conteúdo). Aplica-se aos crimes progressivos (o delito consumido, menos grave, serve de passagem para o mais grave), progressão criminosa (há dolo de cometer outros delitos), antefato impunível e pós-fato impunível (exaurimento).

Questão: Esse concurso não configura bis in idem? Há quem defenda existir o bis in idem, pois a violência é considerada duas vezes na imputação da pena.

Questão: O atentado violento ao pudor (hoje estupro) contra o estuprador da filha do sujeito ativo é caso de injúria real? 1ª corrente - entende que sim (desejo de vingança); 2ª corrente - entende que não (será estupro).

(2) Injúria absoluta: Quando a expressão tiver, por si mesma, e para qualquer pessoa, um significado ofensivo constante e unívoco.

(3) Injúria relativa: A expressão assume caráter ofensivo se proferida em determinadas circunstâncias ou condições de forma, lugar, tempo etc. São levadas pelo regionalismo (depende do tom).

INJÚRIA DISCRIMINATÓRIA (qualificada)
RACISMO (Lei 7.716/89)
Raça, cor, etnia, religião, origem ou condição da pessoa (idoso ou deficiente). Não abrange sexo (homofobia) e convicção política. Há quem denomine de racismo impróprio.
Raça, cor, etnia, religião, origem ou condição da pessoa (idoso ou deficiente) - segregação ou apartaide social. Não abrange sexo e convicção política.
Discriminação pessoal ou de pessoas determinadas. Ex.: chamar alguém de macaco.
Apologia à discriminação de maneira impessoal. Ex.: proibir algo a alguém por ser negro.
É prescritível e afiançável (o Delegado pode arbitrar)
É imprescritível e inafiançável (cabe prisão em flagrante de parlamentares)
Ação penal pública condicionada (antes era privada)
Ação penal pública incondicionada
Perceba que poderá haver concurso formal entre a injúria qualificada e o racismo. Ex.: agente que ofende publicamente com a intenção de instigar os presentes ao preconceito da raça.

Obs.: a homofobia configura a injúria do caput e não a discriminatória.

A retorsão mediante injúria preconceito, de acordo com a maioria, não permite perdão judicial do art. 140, § 1º, uma vez que o preconceito manifestado não se reveste de simples injúria, tratando-se de violação muito mais séria à honra e a uma das metas fundamentais do estado democrático de direito (proteger a dignidade da pessoa humana).

10.4 Art. 141- causas de aumento de pena:

Note que o art. não traz qualificadoras! Trata-se de majorante para qualquer crime contra a honra (aumenta-se de 1/3):

I – contra o Presidente da República (ofende indiretamente a honra de todos os cidadãos) ou de chefe de governo estrangeiro (pode estremecer as relações diplomáticas);
II – contra funcionário público, em razão de suas funções (se a ofensa não tiver nexo com a função, não incide a causa de aumento);
III – (a) na presença de várias pessoas: 1ª corrente - Para Nelson Hungria, exige-se o mínimo de 3 pessoas; 2ª corrente - Para Bento de Faria, exige-se no mínimo 2 pessoas. Atenção! Não se computam nesse número o autor, partícipes, pessoas que não puderem compreender o caráter desonroso e coautores; (b) ou por qualquer meio que facilite a divulgação (Internet, radio etc). Com a não recepção da Lei de Imprensa, os crimes por meio da imprensa sofrem a causa de aumento em epígrafe, isto é, aplica-se o CP.
IV – contra pessoa maior de 60 anos ou pessoa deficiente: somente para calúnia e difamação. Caso seja o delito de injúria, será crime qualificado (art. 140, §3º, CP).

Parágrafo único: Ofensa mercenária - mediante paga ou promessa de pagamento. Aplica-se a pena em dobro.

10.5 Exclusão dos crimes (Art. 142, CP)

Natureza Jurídica: 1ª Corrente - causa especial de exclusão da ilicitude. Damásio e Delmanto defendem esta posição, já que esses casos estariam abrangidos pelo art. 23, CP (prevalece); 2ª Corrente - causa de exclusão da punibilidade. Adotado por Noronha e Hungria. Isso porque o art. diz: “não se pune”; 3ª Corrente - causa de exclusão do elemento subjetivo do tipo, representado pelo propósito de ofender. Adotado por Heleno Cláudio Fragoso.
Inciso I - ofensa irrogada em juízo: Ofensa irrogada em juízo - na discussão da causa. Não abrange as concretizadas nas dependências do Fórum nem a calúnia.

Essa Imunidade judiciária Alcança: a) partes e b) procuradores

Questão: Alcança o juiz, o MP ou o Delegado? Noronha diz que o juiz e o Delegado irão se valer do art. 23 do CP, ou seja, alegarão estrito cumprimento do dever legal. O MP não precisa da previsão do art. 142, pois há o art. 41, V, da Lei 8.625/93. Lembre-se que o advogado se vale do art. 7°, §2° do EOAB.

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar

Para a maioria, a ressalva expressa no inciso II está implícita no inciso I e no inciso III. Logo, as imunidades não são absolutas.

III – (imunidade funcional) “o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício”

Essa imunidade é absoluta ou relativa? 1ª Corrente - é absoluta; 2ª Corrente - é relativa (salvo quando inequívoca a intenção de ofender). Hoje prevalece a segunda corrente (STF).

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

É preciso aliar-se ao animus ofendendi. Não basta dar publicidade.

10.6 Retratação (para calúnia ou difamação)

Retratar-se não significa confessar a calúnia ou a difamação. Retratar ≠ Confessar

Retratar é escusar-se, retirar o que disse, trazer a verdade novamente à tona. Trata-se de causa extintiva da punibilidade. Se o querelado se retrata, extingue-se a punibilidade. A retratação não tranca as portas do cível. Nos crimes contra a honra, só é possível em calúnia e difamação.

Obs. 1: não existe retratação extintiva da punibilidade na injúria (existia na lei de imprensa).
Obs. 2: A retratação é causa unilateral de extinção da punibilidade que dispensa a concordância do ofendido.

Questão: A retratação nos delitos contra a honra é comunicável ou incomunicável aos partícipes? A retratação é subjetiva (“o querelado fica isento de pena”) incomunicável (só extingue a punibilidade de que se retrata).

Cuidado! no delito do art. 342 do CP (falso testemunho ou falsa perícia), a retratação também é possível, mas é objetiva e comunicável.

Questão: Qual é a sentença que o art. 342 alude? O termo final da retratação extintiva da punibilidade é sentença de 1º grau. O agente terá até a sentença de 1º grau para se retratar da calúnia e difamação perpetradas. Logo, não é admitida em grau de recurso.

Questão: É possível retratação extintiva da punibilidade no crime contra a honra de funcionário público no exercício da função? Em regra não, pois não haverá querelado (ação penal é pública).

Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Nesse artigo encontra-se o instituto do pedido de explicações. Trata-se de medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa quando, em virtude dos termos empregado ou do verdadeiro sentido das frases, não se mostra evidente a intenção de ofender a honra, gerando dúvida. O pedido de explicações não interrompe nem suspende o prazo decadencial.

Questão: O pedido de explicações é facultativo, mas uma vez pedida, a explicação é obrigatória? A resposta é tão facultativa quanto ao pedido. Ninguém pode ser compelido a explicar algo. Prevalece que as explicações pretendidas não são obrigatórias. Esse pedido seguirá o rito/procedimento das notificações judiciais (justificações avulsas – art. 861, CPC). Lembre-se que a lei de imprensa trazia o rito. O problema que a lei de imprensa foi declarada não recepcionada.

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único.  Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código.
Ação Penal
Lei 12.033/09
Antes
Depois
Regra: Ação Penal Privada
Exceções:
a) injúria real com violência gerando lesão corporal (injúria real com vias de fato cai na regra);
b) vítima presidente da república ou chefe de governo estrangeiro (ação publica condicionada a requisição).
c) vítima funcionário público no exercício da função (ação penal pública condicionada a representação).
Criou +1 exceção:

4) Injúria Preconceito (ação penal pública condicionada).
A mudança de ação penal por essa lei é irretroativa, já que a mudança de ação penal privada para pública diminuem causas de extinção da punibilidade, o que é uma mudança para pior!

Atenção! Funcionário público por equiparação somente se aplica para sujeito ativo de delitos, jamais para sujeito passivo. Logo, o funcionário público por equiparação não poderá ser vítima de desacato.

10.7 Crime contra a honra de funcionário público

Ofensa em razão da função: Ação penal pública condicionada à representação.
Ofensa desvinculada da função: Ação penal é de iniciativa privada

Súmula 714, STF: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do MP, condicionada à representação do ofendido para crime de ação penal pública condicionada ou ação penal privada.
Essa súmula representa verdadeiro direito de opção.

Ação Penal Pública Condicionada
Ação Penal Privada
Representação
Não se admite:
a) perdão do ofendido
b) perempção
c) retratação extintiva da punibilidade
Queixa
Admite-se:
a)      perdão do ofendido
b)      perempção
c)      retratação extintiva da punibilidade

Questão: Se o funcionário optar pela representação, ele pode mudar e optar pela queixa? De acordo com o STF, se o servidor ofendido optar pela representação do MP, fica-lhe preclusa a ação penal privada (HC 84.659-9/MS).

Será condicionada à representação do Ministro da Justiça quando a ofensa for irrogada contra o Presidente da República ou Chefe de Governo Estrangeiro.

Obs. 1: Não confunda com desacato (realizado na presença do funcionário público; se estiver de folga, a ofensa deve ter motivação funcional).
Obs. 2: O agente que vai até a repartição pública dizer diretamente ao funcionário palavras ofensivas, relacionadas ou não à função, tais como: corno, ladrão e corrupto, comete desacato. Se o funcionário estivesse ausente, o crime seria de injúria;
Obs. 3: O credor que, num final de semana, aborda o funcionário público, fora do exercício de suas atividades, assacando expressões estranhas à função (ex.: caloteiro), responde por injúria. Diferentemente, haverá desacato, caso a ofensa se relacione às funções públicas;
Obs. 4: Ofensa irrogada por escrito, telefone ou televisão, ainda que relacionada às funções públicas, configura delito contra a honra, e não desacato, pois, como vimos, nesse último delito, é essencial a presença do funcionário no local dos fatos.
Obs. 5: Ofensa a honra de militar, em ambiente militar, é crime do CPM e não do CP.

AULA XI – DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL
11.1 Art. 146 Constrangimento ilegal: tutela a liberdade individual ou pessoal de autodeterminação. A liberdade que se protege é psíquica (livre formação da vontade, isto é, sem coação) e a física (liberdade de movimento). Lembre-se que essa proteção possui acento  constitucional (art. 5º, II, CRFB/88).

11.1.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum). Tratando-se de funcionário público no exercício das funções, o crime praticado poderá ser, de acordo com as circunstâncias, não este, mas qualquer outro (ex.: violência arbitrária ou abuso de poder). (2) passivo – qualquer pessoa, desde que capaz de sentir a violência e motivar-se com ela (é necessária a capacidade de autodeterminação). Caso seja praticado contra criança, aplica-se o art. 232 do ECA, desde que o agente criminoso exerça relação de autoridade, guarda ou vigilância sobre o menor.

Nada impede que a violência ou a grave ameaça sejam exercidas contra pessoa diversa daquela que se pretende constranger. Nada impede que a violência ou a grave ameaça sejam exercidas contra pessoa diversa daquela que se pretende constranger. Nessa hipótese, se a ameaça for irresistível, e a conduta do ameaçado for tipificada criminalmente, haverá autoria mediata (teoria do domínio do fato).

Lembre-se que o autor mediato responderá por dois crimes, em concurso material, pelo constrangimento ilegal e mais o crime que o executor for obrigado a praticar.

Ainda que a finalidade do constrangimento seja legítima, pertencente a terceiro, constituirá o crime (Bitencourt). Se o objetivo for evitar a prática de ato puramente imoral (não proibido por lei – ex.: prostituição), haverá o constrangimento. Agora, se for empregado para impedir a prática de uma infração penal ou qualquer conduta ilícita, não constituirá, em tese, crime, pois ninguém tem o direito ou a liberdade de delinquir (eventuais excessos serão punidos).

Não é indispensável que o ofendido oponha resistência efetiva contra a coação ou procure superá-la através de fuga, pedindo socorro ou empregando qualquer outro recursos; é suficiente que, mediante violência ou grave ameaça, tenha-se violentado a sua liberdade interna, constrangendo-o, assim, a realizar o que lhe foi imposto, sem amparo legal.

O erro sobre a legitimidade da ação, se for evitável, excluirá o dolo, restando, subsidiariamente, a culpa, que nesse crime é impunível, salvo se houver lesão corporal, que criminaliza a modalidade culposa (Bitencourt).

11.1.2 Meios de execução:

a) mediante violência – vis corporalis, com a finalidade de vencer a resistência da vítima (pode ser resistível ou não).
b) mediante grave ameaça – violência moral (vis compulsiva). Somente a ameaça grave configura o crime.
c) qualquer outro meio, reduzindo a capacidade de resistência. Os meios devem ser fraudulentos ou sub-reptícios (sem violência física ou moral). Ex.: ações químicas; entorpecentes; máquina da verdade ou pílulas da confissão; hipnose (comprometem a vontade e a liberdade da vítima, levando-a a falar o que pretendia silenciar).

11.1.3 Constrangimento Vs tortura: se a violência ou a grave ameaça visar a prática de crime, configurará o crime de tortura, previsto no art. 1º, I, b, da Lei 9.455/97, que estabelece que “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico o mental para provocar ação ou omissão de natureza criminosa”.

11.1.4 Tipo subjetivo: dolo direto ou eventual. Se o constrangimento for praticado para satisfazer pretensão legítima, ou se a violência for praticada no exercício da função ou em razão dela, poderá configurar exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) ou violência arbitrária (322).

11.1.5 Consumação: quando o ofendido faz ou deixa de fazer aquilo a que foi constrangido.
Para Bitencourt, o § 2º reconhece cúmulo material de pena, mas através do concurso formal impróprio, e não pelo concurso material, conforme entendimento majoritário (Hungria, Damásio, Aníbal Bruno, FMB, Rios Gonçalves etc.). A ação penal é pública incondicionada.

11.1.6 Forma majorada: (1) reunião de mais de 3 pessoas; (2) emprego de armas (para Bitencourt tem que ser mais de uma);

Questão: Qual o conceito de arma? As armas podem ser próprias (finalidade específica de ataque ou defesa. Ex.: revolver, punhal, bombas, facão etc.) ou impróprias (não possui destinação natural para ataque ou defesa. Ex.: machado, tesoura, foice, navalha etc.). Não podem ser equiparados ao conceito de armas: pedras, madeiras, sarrafos, cordas, móveis, mesas, cadeiras etc.).

11.1.7 Caráter subsidiário do constrangimento: Consoante Bitencourt, não é recomendável afirmar, “simplesmente”, que é o constrangimento é um crime subsidiário, pois nem sempre será absorvido pela violência, salvo quando for meio de realização ou for meio integrante, tais como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor etc. Não confunda especialidade com subsidiariedade. Nesta os fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e, caso a pena do tipo principal possa ser excluída por qualquer motivo, a pena do crime subsidiário poderá se apresentar (soldado de reserva), o que não ocorre naquela.

Intervenção médica e cirúrgica constituem, em regra, exercício regular de direito. Nada impede, contudo, que caracterizem estado de necessidade. Ex.: Transfusão de sangue sem autorização do paciente.

11.2 Art. 147 Ameaça
É meio de execução do crime de constrangimento ilegal e elementar de outros, pode constituir, em si mesma, crime autônomo. O bem jurídico protegido é o mesmo do constrangimento (caráter psíquico).

Questão: Qual a diferença do constrangimento ilegal para a ameaça? No constrangimento a ameaça e a consequente submissão da vontade do ofendido são meios para atingir outro fim, representado pelo fazer ou não fazer a que é constrangido. Na ameaça, ao contrário, a finalidade do agente esgota-se na própria intimidação e na perturbação da tranqüilidade e paz espirituais do ofendido.

11.2.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa. Tratando-se de funcionário público, no exercício das funções, a ameaça poderá configurar o crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65). (2) passivo – qualquer pessoa física, capaz de sentir a idoneidade da ameaça (configura o crime em caso de incapacidade relativa).

Ameaçar significa intimidar, meter medo em alguém. Medo é um sentimento cuja valoração é extremamente subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa, de situação para situação. Se o mal for justo ou não for grave, não configurará o crime. Quando a vítima não der crédito à ameaça (pois não é idônea para causar medo), não há falar em crime. Cuidado! Esse meio inidôneo poderá configurar crime impossível, pela ineficácia do objeto.

Para Noronha, a ameaça pode ser realizada de fora direta (sobre a vítima ou seu patrimônio); indireta (alguém presa à vítima por laço de consanguinidade ou afeto. Ex.: intimidar a mãe afirmando que irá fazer algum mal ao filho); explícita (abertamente); implícita (deixa subententido); e condicional (quando depende de outro fato. Ex.: “se repetir o que disse, te mato”).

O crime é de forma livre: oral (telefone, gravada etc.); por escrito (assinado ou anônimo); por gesto ou por qualquer outro meio simbólico.

Obs.: não é injusta a ameaça de causar um “mal” autorizado pela ordem jurídica (prender o infrator, acionar judicialmente o infrator, hipotecar bens do devedor). No entanto, a ameaça, enquanto meio de execução do crime de constrangimento ilegal, não precisa ser injusta. A ameaça de causar mal justo constitui exercício regular de direito (desforço imediato na defesa da posse, intervenção cirúrgica, protesto de títulos etc.) ou estrito cumprimento do dever legal (executar sentença de morte, policial que prende o condenado, carcereiro que recolhe criminoso à prisão etc.). Note que o crime de ameaça não permite a exclusão da ilicitude pelo exercício regular de direito ou estrito cumprimento de dever legal, mas a própria tipicidade, pois a injustiça do mal ameaçado constitui elemento normativo da conduta descrita (FMB e Bitencourt).

Bitencourt entende que a ameaça condicional ou retributiva configura o crime em tela, pois “crime existe em razão da simples intimidação. O estado de ira, de raiva ou de cólera não exclui a intenção de intimidar. Ademais, é incorreta a afirmação de que a ameaça do homem irado não tem possibilidade de atemorizar, pois exatamente por isso apresenta maior potencialidade de intimidação, pelo desequilíbrio que o estado colérico pode produzir em determinadas pessoas. Aliás, não raro os crimes de ameaça são praticados nesses estados”.

11.2.2 Estado de embriaguez - conforme Bitencourt, não se pode ignorar os vários estágios apresentados, além dos mais diversificados efeitos que pode produzir nos mais variados indivíduos. Segundo Damásio, é possível que o estado de embriaguez seja tal que exclua a seriedade exigida pelo tipo. É possível, porém, que a embriaguez do sujeito não exclua, mas, ao contrário, torne sério o prenúncio de mal injusto e grave, pelo que o crime deve subsistir.

11.2.3 Consumação e tentativa: o crime é consumado no momento em que o teor da ameaça chega ao conhecimento do ameaçado, sendo desnecessária a presença do ofendido no momento em que a ameaça é exteriorizada pelo sujeito ativo (Bitencourt). O crime é formal, pois a vítima não precisa sentir-se intimidada, bastando a ação do agente e a vontade de amedrontar. Vale lembrar que esse crime é tipicamente subsidiário e ação penal é pública condicionada à representação do ofendido.

11.3 Art. 148 Sequestro e cárcere privado

11.3.1 Bem jurídico tutelado: Liberdade de movimento. Crime comum, de médio potencial ofensivo (admite suspensão condicional do processo) que pode ser praticado por qualquer pessoa. Não exige condição especial do agente. Veja que se o réu for primário e se o crime não for praticado no ambiente doméstico e familiar, não caberá prisão preventiva.

Questão: Aquelas pessoas que não conseguem se locomover sozinhas podem ser vítimas do art. 148? Sim, pois a liberdade de movimento não deixará de existir quando precisa ser exercida por intermédio de aparelhos ou de outrem. Ex.: criança em tenra idade; paraplégicos etc.

Havendo motivação política, quando a vítima da privação da liberdade for o Presidente da República, Presidente do Senado, Presidente da Câmara ou do STF, o crime será contra a Segurança Nacional (art. 28, lei 7.170/83). Lembre-se que a motivação política é uma especializante.

Questão: A liberdade de movimento é um bem disponível ou indisponível? Trata-se de bem disponível. Veja que o consentimento do ofendido (querer ser privado de sua liberdade) exclui o tipo penal. Ex.: BBB; A Fazenda etc.

11.3.2 Conduta: Privação da liberdade, que pode ser executada mediante:

a) sequestro (gênero) – privação da liberdade sem confinamento. Ex: sítio
b) cárcere privado (espécie) – privação da liberdade com confinamento. Ex: porão. O juiz tem que considerar esse meio mais gravoso na fixação da pena.

Obs.: Pode ser praticado por ação ou omissão (médico que não concede alta para paciente já curado. Cuidado! Caso essa privação tenha o fim de cobrar procedimentos médicos, será exercício arbitrário das próprias razões). Lembre que o delito é de execução livre (violência, grave ameaça ou qualquer outro meio). A vítima não precisa ser deslocada do local em que se encontra para caracterizar o delito. Ex.: na hora que a vítima acorda se vê amarrada na cama.

11.3.2 Tipo Subjetivo: Dolo, sem finalidade especial. Isso porque dependendo da finalidade especial será outro o crime:

- se a finalidade for escravização de fato da vítima, passa a ser o art. 149, CP.
- se a finalidade for obter vantagem econômica, passa a ser o art. 159, CP.
- se a finalidade for satisfazer pretensão, passa a ser o art. 345, CP.

11.3.3 Consumação: Efetiva privação da liberdade da vítima, porém, trata-se de crime permanente (a consumação protrai durante todo o tempo da permanência). É perfeitamente possível a tentativa. Lembre que, a qualquer momento admite-se a prisão em flagrante e a prescrição só terá início com a cessação da permanência (súmula 711, STF).

Questão: Interessa o tempo da privação da liberdade para consumação do delito? 1ª Corrente (majoritária) - é irrelevante o tempo de privação, podendo influenciar na pena; 2ª Corrente - é imprescindível tempo juridicamente relevante da privação, caso contrário, haverá tentativa.

No caso do § 1º, o potencial ofensivo muda (passa a ser infração de grande potencial, admitindo prisão preventiva mesmo para o acusado primário, deixando de admitir suspensão condicional do processo – pena de 2 a 5 anos), quando:

a vítima for ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

a) Não abrange o irmão, parentesco colateral, por afinidade, padrasto ou madrasta do agente.
b) Não abrange o idoso com idade igual a 60 anos. Note que incidirá a qualificadora mesmo que o idoso tenha menos de 60 na data da privação e venha ser solto após essa idade.
c) as condições das vítimas têm que fazer parte do dolo do agente (devem ser conhecidas pelo agente).

o crime for praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital(Trata-se de internação simulada ou fraudulenta).

a privação da liberdade durar mais de quinze dias: esta é a prova maior de que o tempo da privação não interfere na consumação, apenas na pena. O prazo de 15 dias deve ser contado desde o momento da privação até a libertação da vítima.
o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

a) o dolo do agente tem que alcançar esta qualidade da vítima.
b) basta a vítima ter menos de 18 anos no início do sequestro (não importa se completa essa idade durante ou após).

o crime for praticado com fins libidinosos.

Lei 11.106/05
Antes
Depois
Rapto (art. 219, CP)
Pena: 2 a 4 anos
Ação Penal Privada
Sequestro Qualificado (art. 148, §1°, V, CP)
Pena: 2 a 5 anos - Ação Penal Pública Incondicionada
Será irretroativa (deve respeitar os atos anteriores).

Ocorreu o princípio da continuidade normativo-típica. Houve migração da conduta para outra figura criminosa.

A pena do rapto e a ação penal privada devem continuar para os casos praticados antes da lei 11.106/05. A pena do art. 148 é mais grave, logo irretroativa. A ação penal pública também é irretroativa para evitar a subtração de causas extintivas da punibilidade ao acusado (renúncia, perdão, perempção, decadência etc.)

§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Questão: Como proceder na hipótese de mais de uma qualificadora? (tanto pelo parágrafo 1°, quanto pelo parágrafo 2°?) Não dá para aplicar as duas qualificadoras. Nesse caso, aplica-se o art. 148, §2°, como qualificadora e o parágrafo 1° na forma que aduz o art. 59, CP (circunstâncias judiciais).

11.3.4 Competências: Crimes de competência da justiça estadual comum (competência residual). Lembre-se que para a justiça especializada a competência é expressa. Ex.: justiça militar.

Nunca é demais lembrar que a Justiça federal também possui competência comum. Ver art. 109, IV, V e VI, CRFB/1988.

11.4 Art. 149 Redução à condição análoga a de escravo (CP - art. 149)

A doutrina chama esse crime de “plágio”: sujeição de uma pessoa de uma pessoa ao poder/ domínio de outra.

Declaração universal dos direitos humanos Artigo IV: veda a conduta criminosa.

Questão: Por que se pune a redução análoga a de escravo e não a redução à condição de escravo? A escravidão é uma situação de direito que o Brasil não reconhece em seu Ordenamento Jurídico, por isso, não se pode reduzir alguém a algo que o Ordenamento Jurídico não reconhece, podendo-se punir algo parecido. A escravidão é uma situação de direito em virtude da qual o homem perde a própria personalidade tornando-se simplesmente coisa. Sem amparo legal em no Brasil, pune-se apenas a redução do homem à condição análoga a de um escravo, estado de fato proibido por Lei.

A exposição de motivos do CP deixa claro que o bem jurídico tutelado é o status libertatis (estado de homem livre). Por isso o crime está colocado no capítulo dos delitos contra a liberdade individual.

Obs.: é cada vez mais frequente o entendimento de que o art. 149 é de competência da Justiça Federal, sob o argumento de que se trata de crime contra a organização do trabalho, passando a ser federal nos termos do CRFB/1988 - art. 109, VI. Contudo, há quem defenda a competência da Justiça Estadual, sob os argumentos seguintes: a) posição topográfica (capítulo dos crimes contra a liberdade individual); b) a exposição de motivos do CP, item 51, deixa claro que o crime protege o status libertatis; c) crime contra a organização do trabalho só é da competência federal quando atinge a organização geral do trabalhador ou direitos dos trabalhadores coletivamente considerados.

STF: o pleno já se manifestou sobre o assunto. Porém, a discussão foi retomada, pois na anterior não se fez um linding case, uma vez que 03 votos disseram ser competência federal e 03, competência estadual. Atualmente, a discussão está 1x1. O Min. Joaquim Barbosa Pediu Vista (RE 459510)

11.4.1 Sujeitos dos crime: PREVALECE que o crime é bicomum. O crime pode ser praticado por qualquer pessoa, bem como a vítima também poderá ser qualquer um.

Após a Lei 10.803/03, foram delimitados os sujeitos ativo e passivo, devendo, agora, de acordo com Rogério Greco Filho, existir entre os sujeitos uma relação de trabalho.

11.4.2 Conduta punida: escravização de fato da criatura humana, reduzindo-a à condição de servo.

Lei 10.803/03

Antes
Depois
Crime de execução livre
O crime passou a ser crime de execução vinculada. Não admite qualquer comportamento. Somente os comportamentos do CP art.149, "caput" e §1º.

Ex.: individuo que, em uma fazenda, é tratado como os antigos escravos, estando impedido de deixá-la, não recebendo salários, configura o CP art. 149. Este crime pode ser praticado mediante sequestro ou cárcere privado, o crime do CP art. 148 ficará absorvido pelo 149, CP (P. da consunção).

Cuidado! Como são crimes que protegem o mesmo bem jurídico, então o art. 149 absorverá o art. 148. Agora, se for defendido que o art. 149 é crime contra a organização do trabalho, então não poderá absorver o art. 148 (haverá concurso formal).

Obs.: não se exige maus-tratos ou sofrimento, mas, se houver, deverá ser considerado na fixação da pena-base.

O crime de sequestro e cárcere privado tutela bem jurídico disponível, isto é, a liberdade individual. Se a vítima abre mão da tutela, se torna disponível. O art. 149, que também tem como bem jurídico a liberdade individual, por sua vez, vem sendo entendido pela doutrina que se trata de bem indisponível, pois o grau de submissão da vítima justifica esse tratamento diferenciado.

Questão: O crime do art. 149 é punido a título de dolo com ou sem finalidade especial? Esse crime é punido a título de dolo. A conduta do caput não tem finalidade especial, mas a do §1º sim.

a) CP art. 149, caput: dolo sem finalidade especial.
b) CP art. 149, §1º, I e II: dolo com finalidade especial, qual seja reter o trabalhador no local do trabalho.

Cuidado! Quando o patrão retém o carro do trabalhador para que este lhe pague o que deve, não há em que se falar em finalidade especial, configurando exercício arbitrário das próprias razões.

11.4.3 Momento consumativo: no momento em que a pessoa está efetivamente reduzida à condição análoga de escravo mediante qualquer uma das condutas do CP art. 149. Obs.: trata-se de crime permanente (admite-se flagrante a qualquer tempo; a prescrição só começará a correr depois de cessada a permanência). Ver CP art. 111, III; Súmula 711 STF: aplicação da Lei mais grave. A tentativa é possível, pois se trata de crime plurissubjetivo.

11.4.4 Majorantes de pena: CP art. 149, §2º. É aplicado apenas contra criança e adolescente, não abrangendo o maior de 60 anos. O crime se configura também quando por motivo de preconceito, raça, cor, etnia, religião ou origem. Todavia, não abrange preconceito sexual. A ação penal é pública incondicionada.

11.5 Art. 150 Violação de domicílio

Para Pinto Ferreira, a inviolabilidade de domicílio é uma consequência imediata da segurança pessoal e do direito de propriedade. A Residência, o lar, o domicílio devem estar ao abrigo das invasões provocadas pelo arbítrio. Logo, para que ocorra o crime de violação de domicílio é necessário que o agente entre ou permaneça em casa alheia ou de suas dependências, contra a vontade expressa ou tácita do morador. A permanência é fator necessário para a caracterização do crime.

O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar (Lord Chatam).

11.5.1 Bem jurídico protegido: O tipo penal não protege a posse, nem mesmo a propriedade, mas tão somente a tranquilidade doméstica. Damásio ressalta que só constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia habitada, ou, quando ausente seus moradores; o que não ocorre quando for a casa desabitada, pois nesse caso o crime será o de usurpação, delimitado pelo art. 161, do Código Penal.

Ressalta Luiz Regis Prado, que houve quem sustentasse que o delito em estudo violava essencialmente a propriedade (Beling), além daqueles que destacavam uma violação à ordem pública (inspiração germânica). Contudo, hoje predomina o entendimento de que a violação do domicílio classifica-se entre os crimes contra a liberdade individual, tendo, portanto, o escopo de preservar a paz doméstica.

Em resumo, a conduta descrita no art. 150 visa proteger a paz doméstica, resguardando além da tranquilidade do lar, a segurança de seus habitantes, garantindo ao individuo a plena liberdade dentro de sua casa, protegendo-o assim de quaisquer intervenções indesejadas.

11.5.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa pode cometer esse crime, até mesmo sem perceber que está cometendo o delito. Todavia, incidirá em qualificadora quando cometido por funcionário público. Ex.: (1) proprietário de imóvel alugado que acha que tem o direito de entrar no imóvel quando bem quiser. (2) pai, separado judicialmente, que adentra a residência de sua ex-esposa, sem o seu consentimento, com a intenção de pegar os filhos para passear. (2) passivo – aquele que sofre a invasão (aquele que tem o poder de impedir a entrada de outrem em sua “casa”, não interessando que seja proprietário, possuidor legítimo, arrendatário etc.). Apenas os titulares do jus prohibendi, ou seja, somente quem possui o direito de decidir sobre a permanência de pessoas dentro de sua habitação será considerada vítima. Não é exigido para tanto o exercício da propriedade pela pessoa.

Ainda com relação ao sujeito passivo, é necessário esclarecer que existindo relação de subordinação, apenas o hierarquicamente superior poderá exercer o jus prohibendi, a menos que não haja motivo justo.

No caso de um domicílio familiar, em compasso com a CF/88 em seu art. 226, §5º, ambos os cônjuges podem exercer a titularidade do direito de proibição, ao contrário de entendimentos no esteio do pensamento do legislador de 40, que defende essa titularidade apenas ao homem, como o de COSTA JR.

Esta relação de subordinação também existe na comunidade privada, como nos pensionatos, colégios, ordens religiosas, em que todos estão subordinados ao diretor ou ao reitor, sendo transferível a titularidade no caso de ausência, aos subordinados hierarquicamente inferiores.

No entanto, dentro de uma relação de igualdade prevalece o brocarbo romano, melior est conditio prohibentis, isto é, prevalece a vontade de quem proíbe.

Questão: Pessoa jurídica pode ser sujeito passivo desse delito? Segundo MAYRINK, é minoritária a corrente que admite como sujeito passivo a pessoa jurídica, considerando que a vontade desta é manifestada por seus titulares ou representantes legais.

Para Damásio, o patrão tem o direito de penetrar no quarto da empregada, desde que para fins lícitos e morais, ainda que contra a vontade dela. As perguntas que ficam são: qual seria o interesse do patrão em invadir o quarto sem o consentimento da empregada, se não ilícito ou imoral? Se não existe a necessidade da propriedade, por que o quarto da empregada não pode ser considerado “domicílio”, para efeitos penais? Na verdade, o patrão estaria agindo com abuso de direito, já que para se comunicar com a empregada bastaria bater na porta e chamá-la para fora.

Questão: Em caso de mais de um morador na casa, quem são os titulares do direito? Há concorrência neste poder investido quanto à prevalência de impedimento de pessoa não desejada em uma “casa”. Dessa maneira, havendo vários moradores, o esposo e a esposa são os titulares desse direito de consentimento, em que prevalece a sua autoridade em relação à dos demais habitantes. Contudo, os demais (filhos, netos, sobrinhos, empregados etc.) podem admitir ou excluir alguém nas dependências que lhes são destinadas. Caso haja discordância entre elas, prevalecerá a proibição dos titulares do direito (esposo e esposa).

Questão: A violação admite tentativa? Damásio e Mirabete entendem que o delito de violação de domicílio é considerado formal ou de mera conduta. Para Noronha, o delito é material, pois a própria entrada ou permanência dentro da habitação seriam o resultado. Todavia, essa divergência não acarreta maiores problemas, pois tanto Noronha quanto Damásio aceitam a tentativa nas duas condutas do tipo penal.

11.5.3 Qualificadora:

A entrada e a permanência podem ser: (1) clandestina - quando realizada às ocultas, de forma escondida, sem que o morador, saiba da presença do agente; (2) astuciosa - quando feita por fraude, isto é, simulando condição ou situação para conseguir a entrada ou permanência ou (3) franca - entrada ou permanência quando o agente contraria abertamente, sem subterfúgios, a vontade do sujeito passivo. Ou seja, manifesta ostensivamente o intuito de permanecer ou entrar, apesar do dissenso expresso ou tácito da vítima.

Qualifica-se o crime quando:

a) Cometido durante a noite - para o Direito Penal Brasileiro noite corresponde à completa obscuridade ou ausência de luz solar, não há que se relacionar noite com o repouso noturno.
b) Em lugar ermo – compreende lugar deserto, desabitado, despovoado, afastado, solitário. Considera-se que o agente aproveita dessa situação para cometer o crime em comento.
c) Emprego de violência – essa violência, quer com uso de arma ou cometido por duas ou mais pessoas, pode ser empregada contra a pessoa ou coisa (rompimento de obstáculos, por exemplo), as duas qualificam o crime, não há distinção entre elas.

11.5.4 Causas de aumento: Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) quando o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais em que não há observância nas formalidades constantes em lei, ou caso amparado por lei, haja abuso de autoridade. Ex.: policial que adentra equivocadamente na casa da vítima, em busca de criminoso, não tendo a diligência domiciliar legitimada pelo mandado da autoridade competente, destarte não houver observância nas formalidades constantes em lei.

Há casos em que entrar e permanecer em “casa” alheia não constitui crime de violação de domicílio. Contudo, se o agente, ao contrário do exemplificado no parágrafo anterior, está investido das formalidades legais, não há que se falar em crime. Quando se diz formalidades legais, alude-se ao que está previsto no Art 5º, XI da CRFB/88, que discorre sobre a necessidade de ordem judicial para qualquer diligência, durante o dia, no domicílio.

Há excludentes de ilicitude, também, quando, a qualquer hora do dia ou da noite, o indivíduo viole o domicílio em virtude de crime que esteja acontecendo ou prestes a acontecer. Outrossim, em caso de desastre ou prestação de socorro, configurando o chamado estado de necessidade.

Questão: Admite-se concurso de crimes? Note que o crime é de mera conduta, pois o legislador descreve apenas o comportamento do agente sem fazer alusão a qualquer resultado. É delito instantâneo quando se refere à conduta entrar, mas, é permanente quando observada a conduta permanecer. É um tipo misto alternativo, pois admite duas condutas que, embora conjuntamente praticadas, configura um único delito. Só subsiste como delito autônomo quando a entrada ou permanência for o próprio fim da conduta e não meio para o cometimento de crime diverso; caso em que será absorvido por este (P. da consunção). Ex.: (1) “A” viola a casa de “B” para matá-lo; (2) agente que passando pela rua percebe que a janela de uma casa está aberta e resolve adentrá-la para praticar furtos. Contudo, Noronha trás um exemplo de concurso material de delitos: Se “A”, por qualquer razão (para mostrar aos correligionários políticos o pouco caso que faz do adversário) penetra na casa de “B” e, depois, por qualquer outro fato – protestos deste, gesto de chamar a polícia, discussão etc. - o agride, haverá dois crimes em concurso material.

Questão: Qual é o conceito de casa? O termo CASA aparece logo no caput do Art 150 do CP, mas não com a intenção de restringir o crime a apenas ao domicílio familiar, mas para deixar claro que ocorre tal crime quando se invade a privacidade alheia. Então CASA para, fins penais, é todo local reservado à vida íntima do indivíduo ou à sua atividade privada, seja ou não coincidente com o domicílio civil, como também com todo compartimento habitável, ainda que em caráter eventual, coletivo ou não.

Configura-se crime de violação de domicílio, entrar ou permanecer nas dependências da casa, garagens, pátios, jardins, quintais devidamente separados do exterior, balcões de bares, escritórios, quartos de hospital, quartos de hotel, cabines de navio, quartos de prostíbulo etc.

Por outro lado, o termo CASA não será empregado às hospedarias, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva desde que esteja aberta observando a restrição do nº II do § 4º (dependência comum de habitação coletiva: motéis, hotéis, casas de prostituição etc.). Não constitui CASA, também, pasto de propriedade rural, bares, sala de aula, isso por que a ideia de proteção tem de estar ligada à privacidade, assim o bar não é um ambiente em que haja privacidade, tanto ao seu proprietário quanto aos frequentadores. No caso da sala de aula, em que um professor ministra aula a um número indeterminado de alunos, não há privacidade exclusiva a todos que se encontrem em sala.

Questão: O que é domicílio? A palavra domicílio tem um significado jurídico importante, tanto no Código Civil quanto no estatuto processual civil. É, em geral, no foro de seu domicílio que o réu é procurado para ser citado. É a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito. Onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos. É o local onde responde por suas obrigações. É conceito jurídico (CC, art. 950 e 1578; e CPC, art. 94).

O Código Civil, no art. 31, considera domicílio o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com ânimo definitivo. A residência é, assim, um elemento do conceito de domicílio (elemento objetivo). O elemento subjetivo é o ânimo definitivo. O Código Civil brasileiro adotou o modelo suíço. Domicílio também não se confunde com habitação ou moradia, local que a pessoa ocupa esporadicamente (casa de praia, de campo etc.).

Uma pessoa pode ter um só domicílio e várias residências. Pode ter também mais de um domicílio, pois o CC/02 admite pluralidade domiciliar. Para tanto, basta que tenha diversas residências onde alternadamente viva ou vários centros de ocupação habituais (CC, art. 32). É possível, também, alguém ter domicílio sem ter residência (art. 33). Ex.: ciganos e andarilhos, que não têm residências fixa. Nesse caso, considera-se domicílio onde forem encontrados.

Em síntese, o sentido apreendido pelo conceito de domicílio ou casa dentro do art. 150 é diferente do civil, compreendendo neste a simples habitação do indivíduo, sendo exigido apenas que ele exerça ali atos que revelem a utilização do local para sua moradia, por exemplo, os trailers, os barracos de favela, ou ainda para o exercício de suas atividades, a oficina, o consultório. Sendo necessária a ocupação destes locais, pois se desabitados o delito do art. 150 não restará configurado.

11.5.5 Ilicitude da prova obtida por invasão de domicílio: A prova obtida por meio de invasão de domicílio não pode incriminar a vítima dessa infração penal.

11.5.6 Proteção constitucional do domicílio:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

11.5.6 A realização da prisão no interior de domicílio: A realização de prisão no interior de domicílio é motivo de divergência doutrinária processual penal, seja a casa da própria pessoa a ser presa ou de terceiro. Para Tourinho Filho, a prisão de alguém no interior de domicílio só poderá ocorrer se houver permissão do morador para que o executor da ordem ingresse, ou não havendo a autorização, só com ordem judicial para busca (além do mandado de prisão) e, neste último caso, só durante o dia.

Questão: Qual é o conceito de dia? É o período considerado entre 06:00 e 18:00 horas. Para Hélio Tornaghi, é o espaço temporal que vai do crepúsculo do entardecer ao amanhecer.  Há ainda quem entenda que seja das 06:00h às 20:00h, por analogia ao Código de Processo Civil.

Questão: Caso um indivíduo esteja sendo perseguido por haver contra si um mandado de prisão e ingresse no domicílio alheio durante a noite, a polícia poderá violar o domicílio e cumprir o mandado? Se o morador recusar a entregar o foragido, poderá haver, em tese, situação de flagrante contra esse morador por crime de favorecimento pessoal, e havendo situação de flagrante não há falar em violação de domicílio. Não há dúvida que o morador poderá ser amparado por excludente de antijuridicidade (art. 310, CPP e 19, CP). Contudo, não caberá à polícia avaliar situação de excludente, devendo proceder a prisão quando estiver diante de violação de tipo penal, em tese, em flagrante delito. Só ao Ministério Público e ao Poder Judiciário caberá tal apreciação. Logo, estando o responsável pelo domicílio em flagrante delito deve ser conduzido à delegacia e autuado na forma da lei.

11.6 Art. 154-A. Invasão de dispositivo informático (Trazido pela Lei Carolina Dieckmann - 12.737/12)

Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Também tutela a privacidade do indivíduo, podendo ser praticado por qualquer pessoa (desde que não tenha autorização). O sujeito passivo, em regra, é o proprietário do dispositivo informático (pessoa física ou jurídica). Para Márcio André Lopes Cavalcante, o sujeito passivo também poderá ser a pessoa que “efetivamente utiliza o dispositivo para armazenar seus dados ou informações que foram acessados indevidamente”. É o caso, por exemplo, de um computador utilizado por vários membros de uma casa ou no trabalho, onde cada um tem perfil e senha próprios. Outro exemplo trazido por Cavalcante é o da pessoa que mantém um contrato com uma empresa para armazenagem de dados de seus interesses em servidores para acesso por meio da internet (“computação em nuvem”, mais conhecida pelo nome em inglês cloud computing).

11.6.1 Ações do tipo:

Invadir: Ingressar, sem autorização, em determinado local. Cavalcante lembra que a invasão de que trata o artigo é “virtual”, ou seja, no sistema ou na memória do dispositivo informático.

Questão: O que é dispositivo informático? Em informática, dispositivo é o equipamento físico (hardware) que pode ser utilizado para rodar programas (softwares) ou ainda para ser conectado a outros equipamentos, fornecendo uma funcionalidade. Exemplos: computador, tablet, smartphone, memória externa (HD externo), entre outros.

Cuidado! O dispositivo objeto do crime deve ser alheio. Isso significa que se alguém invadir seu próprio dispositivo não é crime. Exemplo: desbloqueio de IPhone ou IPad, por meio de um software chamado “Jailbreak”, para alterar alguma funcionalidade de fábrica.

Questão: Para configurar o crime, o dispositivo precisa estar conectado à rede de computadores? Não há essa exigência. É de se notar que somente ocorrerá a conduta típica se a invasão acontecer com violação de mecanismo de segurança imposto pelo usuário do dispositivo. Assim, não configura o crime se alguém acessa o computador de um amigo sem dispositivo de segurança ou senha. Ex.: indivíduo que na hora do almoço, aproveita-se para acessar o computador do colega de trabalho, que não é protegido por senha ou qualquer outro mecanismo de segurança. Cavalcante também menciona que não haverá crime se alguém encontrar um pen drive (não protegido por senha) de um colega de trabalho e decide vasculhar os documentos e fotos ali armazenados. “Trata-se de uma falha da Lei porque a privacidade continua sendo violada, mas não receberá punição penal”.

Questão: O que são mecanismos de segurança? São aqueles que impedem o acesso em dispositivos ou invasões como, por exemplo: firewall (existente na maioria dos sistemas operacionais), antivírus, anti-malwareantispyware, senha para acesso, entre outros.

Questão: A empresa especializada em segurança digital contratada por um banco para que faça testes e tente invadir os dispositivos dos seus servidores responde pelo crime em tela? Não, pois houve autorização para a invasão. Agora, se alguém da empresa instala programa espião para revelar senhas digitadas pelos usuários ou clientes do banco, com o objetivo e auferir vantagem ilícita, cometerá o crime.

Questão: Exige-se dolo específico? Sim, pois a invasão deve ocorrer com o objetivo de: (1) obter, adulterar ou destruir dados ou informações do titular do dispositivo; ou (2) instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Questão: O agente que invade um computador e lá instala um malware (programa malicioso) para descobrir senhas e subtrair valores de conta bancária, comete o crime em estudo ou furto mediante fraude? O entendimento consolidado, até então, era o de que se tratava de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II), que, segundo Cavalcante, deverá ser mantido, pois o art. 154-A prevê como crime invadir computador, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, com o fim de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Por outro lado, o art. 155, § 4º pune a conduta de subtrair coisa alheia móvel (dinheiro, por exemplo) mediante fraude (inclusive por meio virtual). Assim, deverá ser aplicado o princípio da consunção, pois a instalação do programa foi o meio para a obtenção da vantagem.

Questão: Esse crime é formal ou material? Trata-se de crime formal, pois se consuma com a invasão, não se exigindo a ocorrência do resultado naturalístico (a obtenção, adulteração ou destruição de dados do titular do dispositivo ou a instalação de vulnerabilidades não precisam ocorrer). Vale lembrar que o delito é, em regra, não transeunte, isto é, deixa vestígios. Assim, será necessária a realização de perícia (art. 158 do CPP), podendo ser comprovado por outros meios, como, por exemplo, a prova testemunhal (art. 167 do CPP). Ocorrendo prejuízo econômico por parte da vítima, haverá causa de aumento prevista no § 2º do art. 154-A (de 1/6 a 1/3). Essa causa de aumento não se aplica ao § 3º (possui um aumento específico previsto no § 4º).

Atenção: se a vítima sofreu prejuízo econômico porque o invasor dela subtraiu valores, não haverá o crime do art. 154-A, com essa causa de aumento do § 2º, mas sim o delito de furto qualificado. Isso porque, conforme visto, o furto é mais específico que o delito de invasão. Agora, nas hipóteses em que da invasão resultar prejuízo, desde que não seja um delito mais específico, incidirá o § 2º. Ex.: a vítima teve sua máquina danificada, precisando de consertos.

Cavalcante traz as seguintes hipóteses:

ð O agente que tenta invadir um computador com o objetivo de instalar um malware e obter a senha para realizar furto, mas não consegue, responderá por tentativa de invasão (art. 154-A) e não por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
ð O agente que invade computador com o objetivo de instalar malware e obter a senha para realizar furto, mas sem iniciar atos executórios da subtração, responderá por invasão consumada (art. 154-A) e não por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
ð O agente que invade o computador com o objetivo de instalar malware e obtem a senha para realizar o furto, inicia o procedimento para subtração dos valores, mas não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade, responderá por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
ð O agente que invade o computador com o objetivo de instalar malware e obter a senha para realizar o furto, conseguindo efetuar a subtração dos valores, responderá por furto qualificado consumado (art. 155, § 4º, II).

Questão: Esse crime admite tentativa?A tentativa é perfeitamente possível. Ex.: o agente inicia o processo de invasão do computador de um terceiro, mas não consegue violar o mecanismo de segurança do dispositivo.

Cavalcante lembra que a pena é irrisória e representa uma proteção insuficiente para um bem jurídico tão importante. Dessa forma, será muito frequente a ocorrência de prescrição retroativa pela pena concretamente aplicada.

Questão: Quem julgará esses crimes? O art. 154-A do CP é crime de menor potencial ofensivo, sujeito à competência do Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei n.° 9.099/95). Em regra, nos delitos sujeitos ao JECrim o instrumento de apuração do fato utilizado pela autoridade policial é o termo circunstanciado (art. 69 da Lei n.° 9.099/95). “Entretanto, nos casos do art. 154-A do CP, muito provavelmente, o termo circunstanciado não será suficiente para apurar a autoria e materialidade do delito, sendo quase que imprescindível a instauração de inquérito policial, considerando que, na grande maioria dos casos, será necessária a realização de busca e apreensão na residência do investigado, perícia e oitiva de testemunhas etc” (Cavalcante).

11.6.2 Criação de delegacias especializadas em crimes virtuais
A Lei n.° 12.735/2012, publicada na mesma data desta Lei, determinou que os órgãos da polícia judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal) deverão estruturar setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado (art. 4º). Em suma, as polícias deverão criar delegacias ou núcleos especializados em crimes cibernéticos, como, aliás, já existem em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, entre outros.

11.6.3 Figura equiparada
O § 1º prevê a mesma pena para quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. É o caso, por exemplo, do indivíduo que desenvolve um programa do tipo “cavalo de troia” (trojan horse), um malware (software malicioso) que, depois de instalado no computador, libera uma porta para que seja possível a invasão da máquina. Vale lembrar que se houver autorização (para testes, por exemplo), não há falar em crime (faltaria o injusto).

Questão: O § 1º poderá ser aplicado ao chamados “chupa cabras”? Sim, pois tanto programas de computador (softwares) como dispositivos (hardwares) destinados à invasão indevida de outros dispositivos informáticos são objetos de proteção. Nesse sentido, as páginas na internet que divulgam softwares espiões e invasores passaram a ter seus responsáveis alcançados pela nova Lei, desde que provado que a finalidade do agente era divulgar ou disponibilizar tais programas.

11.6.4 § 3º - Invasão qualificada pelo resultado
Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena será de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, desde que a conduta não constitua crime mais grave (princípio da subsidiariedade expressa).

Assim, haverá a qualificadora prevista neste § 3º se, com a invasão, o agente conseguir obter o conteúdo de:

ð Comunicações eletrônicas privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca de mensagens etc);
ð Segredos comerciais ou industriais;
ð Informações sigilosas (o sigilo que qualifica o crime é aquele assim definido em lei).
ð Obtenção do controle remoto do dispositivo invadido.

11.6.5 § 4º - Causa de aumento de pena
Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos (causa de aumento específica). Nesse caso, se o agente praticar o art. 154-A, §§ 3º e 4º, o delito deixará de ser de competência do JECrim, já que a pena máxima será superior a 2 anos.

11.6.6 § 5º Causa de aumento de pena (Para Cavalcante, aplica-se para o caput e § 3º)
Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:

ð Presidente da República, governadores e prefeitos;
ð Presidente do Supremo Tribunal Federal;
ð Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou 
ð dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Questão: Como será proposta a ação penal? A previsão está no art. 154-B. “Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos” (será pública incondicionada).

Assim, a regra do art. 154-A é de ação penal pública condicionada à representação, já que a intimidade e a vida privada são bens disponíveis, tendo a vítima o direito de avaliar se deseja evitar o processo judicial e assim se proteger contra os efeitos deletérios que podem advir da divulgação das circunstâncias que envolvem o fato (strepitus iudicii). Vale lembrar que deve ser evitada a vitimização secundária (considerando que outras pessoas, investigadores, Delegados, servidores, Promotor, Juiz etc., terão acesso ao conteúdo das informações que a vítima preferia o sigilo, tais como fotos, correspondências, mensagens, entre outros). Logo, é indispensável que a vítima ofereça representação para que seja iniciada qualquer investigação sobre o fato (art. 5º, § 4º, do CPP), bem como para que seja proposta a denúncia por parte do Ministério Público.

Questão: Qual é o prazo de vacatio legis da Lei 12.737/12? 120 (cento e vinte) dias. Como foi publicada em 03/12/2012, somente entrará em vigor no dia 02/04/2013.



AULA XII CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

12.1 Art. 155 Furto – subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem. Recai sobre o patrimônio (propriedade, posse ou detenção). É crime de médio potencial ofensivo, com pena de 1 a 4 anos, não admitindo prisão preventiva se o agente for primário.

Questão: O que se protege com esse crime? Há quem defenda que se tutela apenas a propriedade (Hungria). Contudo, uma 2ª corrente entende abranger propriedade e posse (Noronha). Por fim, a maioria defende tutelar propriedade, posse e detenção legítimas. Trata-se de crime de ação livre ou conteúdo variado. Pode ser utilizado um animal adestrado ou uma criança. Lembre-se que se trata de um crime de ação penal pública incondicionada.

Questão: ladrão que furta ladrão. Quem será a vítima? A vítima será a do primeiro furto, pois o ladrão furtado não tinha posse, detenção ou propriedade legítimas.

Questão: Quais são os objetos do furto? Partes de um corpo, cadáver (desde que tenha fim econômico – caso contrário será crime do art. 211, CP), semoventes (abigeato), energias de valor econômico etc.

Questão: Os títulos de crédito podem ser objeto de furto? Argumenta-se que o furto ocorre somente em razão do título, e não da importância. Evangelista Magalhães Noronha afirma que se o agente, só com o apossamento do título, tiver a sua disposição o valor nele consignado, sem necessitar de qualquer artifício, ou introduzir qualquer modificação, a hipótese será de furto. Caso contrário, a subtração do título é delito-meio para consecução de delito-fim (P. da consunção).

Questão: O que é Coisa para o direito penal? É o bem economicamente apreciável. Contudo, há divergência sobre as de valor moral ou sentimental. Para Hungria, coisa de relevante interesse moral ou sentimental também podem ser objetos materiais de furto. Para Nucci, coisas sem valor econômico, aquelas puramente de estimação, não podem ser objetos materiais de furto, devendo a dor moral ser resolvida na esfera civil (indenização). Cuidado! Não traga o conceito de “coisa” do direito civil para o CP.

12.1.2 Não podem ser objetos de furto: bens imóveis, imateriais (incorpóreos), bens sem valor econômico, coisas sem dono (res nullius), coisas abandonadas (res derelicta), coisa perdida (res deperdita - pode ser objeto de apropriação de coisa achada). Folhas de cheque em branco (não tem valor econômico, se for folha preenchida caracterizará furto). Fernando Capez aduz que se for um talonário de cheque haverá furto. Agora, se o autor preencher as folhas, haverá concurso material entre furto e estelionato.

ð COISA PERDIDA: a vítima não sabe onde o objeto está. Logo, não poderá ser objeto de furto (não haverá subtração, mas apropriação).
ð COISA ESQUECIDA: a vítima sabe onde o objeto está. Assim, poderá ser objeto de furto.

Questão: E a coisa pública de uso comum, pode ser objeto de furto? A coisa pública de uso comum, em regra, não pode ser objeto material de furto, a não ser que destacada do local de origem para atender interesse econômico de alguém (areia da praia que serve ao artista na criação da obra de arte).

Questão: Qual é o momento da consumação? 1ª corrente - T. da concrectatio – a consumação ocorre pelo simples contato entre o agente e a coisa visada; 2ª corrente - T. da amotio ou apprehensio – ocorre a consumação quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, dispensando posse mansa e pacífica; 3ª corrente - T. da ablatio – consuma-se quando o agente, depois de apoderar-se da coisa, consegue deslocá-la de um lugar para outro; 4ª corrente - T. da ilatio – exige-se posse mansa e pacífica da coisa apoderada.

Para o STF e STJ, consuma-se com o simples apoderamento da coisa (T. da amotio). O furto de uso é fato atípico, desde que espontânea, rápida e sem danos (a vontade de usar deve estar desde o início da ação). Ex.: o infrator furta um veículo, passeia e depois devolve no mesmo local e sem avarias. Hungria defende persistir o furto em razão do combustível e óleo consumidos. Todavia, para a doutrina moderna, o desgaste de peças e combustível não retira a atipicidade da conduta.

Obs.: Nelson Hungria lembra que a coisa não precisa sair da esfera pessoal ou profissional da vítima, bastando que esta perca a disponibilidade sobre o bem. Ex.: empregada doméstica que subtrai uma jóia e esconde embaixo do sofá (famulato).

Questão: É possível praticar furto por omissão? Para Capez, é possível em caso de participação, desde que o agente tenha o dever jurídico de evitar o resultado e se omite intensionalmente. Ex.: empregado que deixa a porta da loja aberta para que um terceiro entre e furte.

12.1.3 Também se consuma o delito: (1) perda do bem subtraído durante a fuga; (2) prisão em flagrante de um dos agentes e fuga dos demais; (3) subtração de partes da coisa; (4) prisão em flagrante após a subtração.

Questão: O crime de furto admite TENTATIVA? Somente haverá se iniciados os atos de execução e a ineficácia do meio empregado não seja absoluta. Ex.: (1) infrator que coloca mercadoria sobre as vestes e é surpreendido pelo segurança ou é monitorado desde o início; (2) sujeito que se apropria de produto com etiqueta antifurto. Lembre-se que a vigilância constante em estabelecimentos comerciais, não torna, por si só, o crime impossível (apenas dificulta a ação do agente). O STJ entende que mesmo diante da vigilância por câmeras o crime será possível, podendo caracterizar tentativa idônea.

Atenção! Não configura furto, sendo meros atos preparatórios: (1) agente surpreendido subindo escada ou pulando o muro da residência; (2) sujeito que invade residência e antes de subtrair qualquer coisa é surpreendido pelos proprietários (comete invasão de domicílio).

Obs.: veículo que não pode ser retirado do local em decorrência de dispositivos antifurto ou problemas mecânicos configura tentativa de furto. O punguista que enfia a mão no bolso errado (onde não está a coisa) incide em tentativa. Agora, se a vítima não trazia consigo nenhum objeto configurará crime impossível.

12.1.4 Furto de coisa própria: Não existe furto de coisa própria. Caso esteja em legítima posse de terceiro, poderá configurar exercício arbitrário das próprias razões. Para Capez, o agente que furta coisa sua, que está na posse de outrem, comete o delito de furto, ainda que seja o legítimo proprietário do bem. Lembre-se que existe a possibilidade de erro de tipo, na hipótese do agente subtrair coisa alheia acreditando ser sua.

Obs: O funcionário público que subtrai coisa pública ou particular em posse da Administração Pública comete, em regra, o delito de furto. Agora, se a ação foi facilitada em decorrência de sua qualidade, o crime será funcional: peculato-furto.

12.1.5 Furto de coisa comum: Praticado por condômino, co-herdeiro, sócio ou quem detenha legitimamente a coisa. O art. 156, tipifica essa conduta, com detenção de 6 meses a 2 anos ou multa (é um exemplo de furto de menor potencial ofensivo). Lembre-se que se procede mediante representação (ação penal pública condicionada).

12.1.6 Furto famélico ou necessitado: Somente em situações de penúria. O agente não pode possuir condições laborativas e os bens furtados não podem ser supérfluos. O STJ já negou para a subtração de botijão de gás. Em caso de furto de remédios, poderá incidir o estado de necessidade, mas não famélico.

12.1.7 Furto agravado pelo repouso noturno: É o período que as pessoas do local (população) do crime dormem, ainda que a vítima não durma naquele horário. Caso ocorra à noite, mas não no horário de repouso noturno, não se aplicará o aumento. Ex.: vigilante noturno que na folga dorme até às 20h, mas a população dorme após as 22h.

Questão: Esse aumento de pena incide para os furtos em estabelecimentos comerciais? Para o STJ, aplica-se o aumento tanto para os estabelecimentos residências quanto comerciais.

12.1.8 Furto privilegiado ou mínimo: (art. 155, § 2º) - causa de diminuição de pena, que se aplica ao furto simples e qualificado, desde que seja de pequeno valor a coisa (não ultrapasse 1 salário mínimo) e que o agente seja primário. Para o STF e STJ, as circunstâncias do privilégio não são incompatíveis com as qualificadoras do furto. Note que se o valor for insignificante, o fato será atípico (P. da bagatela).

A diminuição consistirá - substituição da pena de reclusão por detenção (cumulada ou não);  - redução da pena de 1/3 a 2/3;  - aplicação apenas da pena de multa. Perceba que o privilégio é direito subjetivo do condenado e não uma opção do juiz.

12.1.9 Furto qualificado: Art. 155, § 4º - pena de 2 a 8 anos. Note que a pena de prisão é o dobro da pena do furto simples. São circunstâncias objetivas, pois são dados acessórios (meios ou modos de execução), não sendo elementares do crime.

Questão: O que é furto de energia? Art. 155, § 3º: água encanada, luz elétrica etc. Caso o relógio de energia ou o hidrômetro forem adulterados haverá estelionato e não furto, pois não houve subtração, mas manipulação do uso real da energia.

Questão: subtração de sinal de TV a cabo é furto? Para o STJ sim. Para o STF, não, pois o sinal de TV não é energia.

Questão: Existe furto privilegiado-qualificado? 1ª Corrente - A gravidade da qualificadora é incompatível com o privilégio. Não bastasse isso, a posição topográfica do privilégio não alcança as qualificadoras (era a posição do STF); 2ª Corrente - Assim como se admite homicídio qualificado-privilegiado, também será possível furto qualificado-privilegiado (atual posição do STF e do STJ). Damásio defende que nada impede essa possibilidade, pois a qualificadora tem natureza objetiva. Aplica-se as mesmas regras para o estelionato privilegiado.

Questão: O que é furto híbrido? É o furto qualificado-privilegiado. A pena é duplicada em concurso de pessoas (pena de 1 a 4 anos). No art. 157, a pena é de 4 a 10 anos, com aumento de 1/3 ou 1/2 (concurso de pessoas). Nessa hipótese, em observância aos P. da proporcionalidade e da isonomia, não pode o poder judiciário exercer juízo de valor sobre o quantum da sanção penal estipulada pelo legislador sob pena de violação ao P. da separação dos poderes (STF).

12.1.10 Qualificadoras do crime de furto:

I) destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Entende-se por obstáculo todo objeto empregado pela pessoa para proteger a coisa sobre a qual pode recair a conduta (parede, cadeado etc). Caso a violência seja exercida contra o próprio objeto visado não incidirá a qualificadora. A mera remoção sem dano também não. Ex.: retirar telhas.

Questão: Quebrar vidro de veículo qualifica o furto? Para realizar ligação direta: 1ª corrente - não incide; 2ª corrente - incide a qualificadora, pois o rompimento é utilizado para burlar o obstáculo. É indispensável o exame pericial.

Obs. 1: Na aplicação da pena com várias qualificadoras, o promotor obedecerá todas na denúncia e o juiz aplicará apenas 1 como base, sendo as demais circunstâncias judiciais.
Obs. 2: Caso o agente após subtrair a coisa, danifica partes que guarneciam a coisa (dolo de danificar), responderá por furto em concurso material de dano.

II) com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.

ð Abuso de confiança: Possui caráter subjetivo, não se comunicando com os coautores ou partícipes. Há quem entenda se estender ao vigia, ainda que no 1º dia de serviço. Abrange empregado doméstico (famulato) e o parentesco. Note que a coisa deve estar disponível para o agente.
ð Mediante fraude: consiste no afastamento da vigilância exercida sobre a coisa, a fim de que o agente possa subtraí-la (transferência da posse unilateral). Não confunda com o estelionato, em que a fraude é usada para enganar a vítima, fazendo com que esta entregue a coisa de maneira voluntária ao agente (transferência da posse bilateral). Note que a fraude qualifica o furto e constitui elementar do crime de estelionato.

Questão: O que é Lei do Mato Virgem? Para Nelson Hungria, é a prática de ilícito aproveitando-se da distração de outrem.

ð Mediante escalada: a escalada tem como pressuposto o ingresso do infrator no local por meio anormal (cavar um túnel; pular um muro; entrar pelo telhado etc.). Quando houver vestígios, torna-se necessária prova pericial.

Cuidado! Subir em poste para roubar fios não é escalada, pois esta pressupõe a entrada em prédio.

ð Mediante destreza: meio de peculiar habilidade física ou manual. Deve a vítima trazer o bem junto ao corpo. Ex.: punguista. Caso a vítima perceba o furto, não haverá destreza, tratando-se de furto simples. Caso seja percebido por um terceiro, incidirá a qualificadora. Note que a ação deve recair sobre a pessoa, e não sobre a coisa.

III) Com emprego de chave falsa – chave falsa é todo instrumento com ou sem a forma de chave, utilizado como dispositivo para abrir fechadura. Ex.: arames. Veja que, a chave verdadeira não será considerada chave falsa. Porém, poderá caracterizar furto mediante fraude. A cópia da chave verdadeira, feita pelo agente, será considerada chave falsa.

IV) Mediante concurso de duas ou mais pessoas: Não é necessária a presença de dois executores, incidindo a qualificadora em qualquer hipótese de concurso de pessoas. Pode ser um inimputável (menor de idade ou doente mental). Hungria defende ser necessário que todos colaborem na fase executiva, pois o que qualifica o delito é a dificuldade de reação da vítima.

Quadrilha: (art. 288, CP) é a associação estável e permanente de mais de 3 pessoas com o fim de praticar uma série indeterminada de crimes. Consuma-se o crime independentemente da prática dos delitos. A consumação por um agente compromete os demais por força da T. monista da ação.

Questão: Os agentes deverão responder pelos crimes cometidos e pelo delito de quadrilha, em concurso material, na forma do art. 69, CP? 1ª corrente - para evitar uma dupla punição (ne bis in idem), enquadra-se no furto simples + quadrilha, ou somente no concurso de duas ou mais pessoas desconsiderando o crime de quadrilha (Bitencourt); 2ª corrente - STF / STJ, o crime de quadrilha é autônomo, não havendo qualquer problema no concurso material do furto mediante concurso de duas ou mais pessoas com o delito de quadrilha.

Quadrilha ou bando armado: art. 288, p. único. A pena será aplicada em dobro. Basta que um só dos integrantes esteja portando arma (corrente majoritária). Não confunda com o roubo com emprego de arma (art. 157, § 2º, I). Para os tribunais, não configura bis in idem a condenação por crime de quadrilha armada e roubo majorado pelo emprego de arma, em virtude da autonomia e independência dos delitos.

Atenção: A absolvição de coautor desqualifica o furto para simples, salvo demonstrada a existência de um outro coautor ou partícipe.

12.1.11 Furto de veículo automotor (abrange lanchas e aviões): o § 5º, do art. 155, só será aplicado caso o veículo seja transportado para outro Estado ou país. Quem realiza transporte após a consumação do furto responde por receptação. Admite-se tentativa numa hipótese: o agente subtrai o veículo, perseguido e preso após cruzar a fronteira ou divisa, pois nesse caso, o agente não teve a posse mansa e pacífica do veículo. Para o STF e STJ, a consumação se dá pelo mero apoderamento. Cuidado com o DF.

12.2 Art. 157 Roubo - É crime pluriofensivo (patrimônio e integridade). Trata-se de crime complexo, resultando da fusão de duas figuras típicas: furto e constrangimento ilegal. Consuma-se no momento em que o agente se torna possuidor da coisa (T. da amotio – posse da coisa). A vítima do roubo, diferentemente do que ocorre no furto, não precisa ter diminuição de seu patrimônio. Não precisa ser o dono ou o possuidor da coisa. Ex.: pessoa que tenta impedir um roubo poderá ser vítima.

Obs.: A ação penal é pública incondicionada em qualquer modalidade.

FURTO – 155
ROUBO – 157
Furto de uso não é crime
Roubo de uso é crime
Existe furto privilegiado
Não existe roubo privilegiado
Admite P. da insignificância
Não admite P. da insignificância
Concurso de pessoas, dobra-se a pena.
Concurso de pessoas, aumenta-se a pena de 1/3 a 1/2. Note que são desproporcionais as penas entre os concursos do furto e roubo.

Questão: Qual a solução para a desproporção das penas no concurso de pessoas entre o furto e o roubo? Desconsiderava-se a qualificadora do furto e aplicava-se a do roubo por analogia (mais benéfica ao réu). Logo, somava-se a pena do furto com 1/3 a 1/2. Contudo, para evitar o juiz legislador, essa corrente foi superada pela súmula 442 do STJ: “Há impedimento de majorante do roubo no furto com qualificadora de concurso de agentes”.

12.2.1 Roubo de uso1ª corrente - configura roubo, pois ainda que a coisa possa ser restituída, a violência ou grave ameaça não poderá ser desfeita (STF); 2ª corrente - configura constrangimento ilegal (art. 146, CP), pois não houve subtração definitiva, faltando a elementar “para si ou para outrem” (Rogério Greco).

12.2.2 Roubo de coisa comum1ª corrente - crime autônomo; 2ª corrente - furto simples de coisa comum + a lesão praticada. Note que não há previsão legal para a espécie.

Questão: Pessoa jurídica pode ser vítima de roubo? Cuidado! Em seu aspecto patrimonial, sim. Agora, em seu aspecto integridade física, não.

Questão: Qual a diferença entre Roubo próprio e impróprio? No próprio, a ameaça ou violência ocorre durante ou antes da subtração (violência física, moral e imprópria);  começa e termina como roubo. No impróprio ou por aproximação (§ 1º), por sua vez, a ameaça ou violência é realizada depois da subtração (violência física e moral - não prevê violência imprópria) - a ameaça ou violência visam: a) garantir a detenção da coisa já subtraída; b) garantir a impunidade do crime; começa como furto, mas termina como roubo.

Grave ameaça (vis compulsiva): qualquer meio capaz de amedrontar a vítima. Não precisa ser prometido algum mal. Ex.: uso ostensivo de arma; abordagem repentina. Cleber Masson defende existir crime impossível na hipótese de a vítima ser ameaçada e não possuir bens a serem subtraídos (corrente minoritária). Bitencourt lembra que o roubo se consuma com a ameaça ou violência empregada, não podendo configurar crime impossível (majoritária).

Emprego de violência à pessoa (vis corporalis vis absoluta): Lembre-se da violência imprópria (qualquer meio que afaste a possibilidade de resistência da vítima). Ex.: trancar a vítima no banheiro; boa noite Cinderela. Agora, se a vítima se colocar em condições de incapacidade de oferecer resistência (embriaguez) o crime será o de furto. A expressão “logo depois” - significa que a violência ou grave ameaça deve ser imediatamente após a subtração. Caso demore para consumar a ameaça ou a violência, responderá por furto, mais a conduta subsequente (ameaça ou lesão). Veja que o crime se consuma com a grave ameaça ou violência, caso contrário será furto.

Questão: Existe tentativa de roubo impróprio? 1ª corrente - não há tentativa, pois se o agente aplicar ameaça ou violência será roubo; se não houver ameaça ou violência será furto (Damásio); 2ª corrente - será tentativa quando o agente conseguir subtrair o objeto, mas não ameaçar ou violentar a vítima, por circunstâncias alheias a sua vontade (Mirabete). Ex.: indivíduo que subtrai objeto da vítima que passa a perseguí-lo a pé. Cansado, o agente dobra uma esquina, saca uma arma e aguarda a vítima para ameaçá-la. Note que não há discussão sobre a possibilidade da tentativa no roubo próprio.

Obs.: o agente que desejando furtar foge sem a coisa, vindo a ferir a vítima, não responde por roubo, mas por furto tentado em concurso com lesão corporal. Outrossim, aquele que puxa o objeto da vítima lesionando-a.

Hipóteses de roubo:

(1) Indivíduo que ameaça várias pessoas e subtrai os pertences de apenas uma (roubo em ônibus). Há somente um crime de roubo, porque apenas um patrimônio foi subtraído. Contudo, o nº de pessoas ameaçadas será considerado na dosagem da pena. Não será crime continuado!
(2) indivíduo que ameaça uma pessoa e subtrai os pertences de mais de uma. Para a corrente majoritária há um só crime de roubo, porque foi um fato só, numa mesma situação de ameaça, embora tenham sido violados dois patrimônios diferentes. Para uma segunda corrente, haverá concurso formal (uma causa com dois resultados).

(3) indivíduo que ameaça duas ou mais pessoas e subtrai bens de duas ou mais. Haverá concurso formal com o resultado dependente do nº de vítimas patrimoniais.

12.2.3 Roubo majorado (art. 157, § 2º):

Questão: Como se aplica o aumento? 1ª corrente - pluralidade de circunstâncias faz o aumento se aproximar da metade; 2ª corrente - o aumento na terceira fase de aplicação da pena não depende do número de majorantes, mas da valoração do caso concreto.

I - Aumento de pena pelo emprego de arma: pode ser arma própria (fim de ataque ou defesa) ou imprópria (caco de vidro, ferro etc.). A arma tem que ser empregada para caracterizar o aumento. O STF e a 5ª turma do STJ, entendem que o aumento de pena se aplica mesmo que a arma não seja localizada ou periciada, desde que haja prova que houve o emprego.

No caso de arma quebrada ou desmuniciada, também incide aumento de pena. Cuidado! Não incidirá aumento se a arma for de brinquedo, pois brinquedo não é arma, mas será crime de roubo pela grave ameaça (arma finta), equiparando-se à simulação com o dedo. Lembre-se que a antiga lei de armas (9.437/97), trazia a conduta criminosa de crimes praticados com arma de brinquedo. Todavia, essa conduta não foi recepcionada pela nova Lei do Desarmamento e a súmula do STJ que previa a hipótese foi cancelada. Assim, hoje o emprego de arma de brinquedo gera roubo simples, pois não é capaz de provocar a lesão que se busca evitar.

Questão: É preciso apontar a arma? 1ª corrente - deve haver o emprego efetivo da arma, sendo insuficiente o simples portar (Bitencourt e minoria); 2ª corrente - é suficiente que o agente porte ostensivamente, de modo que ameace a vítima (Régis Prado e maioria).

Apreensão da arma: Para arma branca, a prova testemunhal supre o exame pericial (exame indireto). Para atestar a capacidade lesiva, somente com a apreensão e perícia. Mas o STF e o STJ entendem ser dispensável esse expediente, pois basta a prova de que a arma foi empregada no crime.

Obs. 1: simular estar armado não incide o aumento de pena. Será roubo simples.
Obs. 2: quando dois ou mais indivíduos praticam o roubo, mas apenas um está armado, todos respondem com o aumento de pena.
Obs. 3: a causa de aumento de pena de emprego de arma absorve o crime de porte ilegal de armas, evitando o bis in idem.
Obs. 4: caso o agente sempre ande armado e um dia resolve praticar roubo, responderá pelo porte ilegal de arma + o roubo, com aumento de pena pelo emprego de arma, porque os tipos penais protegem bens jurídicos distintos. Não haverá bis in idem. Capez defende que, em caso de roubo ou furto de uma arma de fogo, haverá concurso material de crimes (roubo ou furto da arma + porte ilegal).

Roubo com arma praticado por quadrilha ou bando: os agentes responderão pelo roubo majorado pelo emprego de arma + o crime de formação de quadrilha, majorado por ser quadrilha ou bando armado. Note que o mesmo emprego de arma aumenta a pena no roubo e dobra a da quadrilha ou bando, não incidindo em bis in idem, de acordo com o STF e STJ, pois os delitos possuem momentos consumativos diferentes. Para Nucci, caracteriza bis in idem.

II – concurso de duas ou mais pessoas: Devem ser considerados os inimputáveis ou agentes não identificados. Apesar da divergência, tem-se decidido não configurar bis in idem a condenação de quadrilha e roubo majorado pelo concurso de agentes.

III - Transporte de valores: o agente deve conhecer tal circunstância. Caso a vítima transporte valores, mas o infrator não saiba disso, não se aplica o aumento de pena. Ex.: agente rouba um veículo no semáforo e posteriormente descobre que tem um malote de dinheiro. Abrange qualquer valor (cargas em caminhão; engradados de cerveja; remédios; etc.).

Obs.: roubo de aeronave será crime contra a segurança nacional.

V – manutenção da vítima em poder do agente: Restringir a liberdade da vítima - só se aplica se o infrator restringe a liberdade da vítima para poder roubar ou garantir o sucesso da fuga (tem que ser um desdobramento do roubo). Após a fuga, se o agente mantém novo
dolo de sequestro, haverá concurso material (roubo majorado + sequestro). Caso a restrição da liberdade não tenha relação com o roubo, incidirá o crime de sequestro. Sendo para a realização de saques em caixas eletrônicos (sequestro relâmpago) o delito será o de extorsão, não havendo previsão da causa de aumento de pena do art. 157, § 2º, V.

12.2.4 Pluralidade de causas de aumento de pena: Para o STF, o aumento deve se aproximar da metade. “Quanto maior o nº de circunstâncias, mais próximo da metade deve ser o aumento”. Ex.: emprego de arma + concurso de pessoas + transporte de valores. Para o STJ, a pluralidade, por si só, não justifica o aumento automático da metade, devendo ser fundamentada a sua necessidade (Súmula 443, STJ).

12.2.5 Roubo qualificado (art. 157, § 3º):

a) pela lesão grave (ou gravíssima) - aplica-se ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 129, § 1º e 2º do CP. Incide no roubo próprio ou impróprio. Pode ser delito doloso ou preterdoloso (dolo na subtração e culpa na lesão grave). Note que a lesão grave pode recair em terceira pessoa que não o detentor da coisa. Consuma-se no momento da lesão. Logo, admite-se tentativa na parte dolosa do delito. Pena de 7 a 15 anos. Cuidado! A primeira parte do § 3º não constitui latrocínio, nem incide em crime hediondo (Cleber Masson).
b) pela morte (latrocínio: expressão criada pela doutrina). Trata-se de crime hediondo, com pena de 20 a 30 anos, sem prejuízo da multa. Note que o resultado agravador pode ser atribuído ao agente tanto de forma dolosa quanto culposa.

Questão: O que é Latrocínio? Matar para roubar. É o roubo qualificado pela morte (doloso ou preterdoloso). Perceba que será latrocínio com a morte dolosa ou culposa da vítima do roubo (ou terceira pessoa). Lembre-se que na forma preterdolosa não se admitirá tentativa. A pena será de 20 a 30 anos de reclusão. A causa de aumento de pena pelo emprego de arma ou concurso de pessoas, não será aplicada, pois o delito já é qualificado, mas poderá ser considerada na dosimetria.

Questão: E se a vítima morrer de susto durante a ameaça? Quando resultar a morte de uma grave ameaça, o delito não será o do § 3º (latrocínio). Para a doutrina, o crime será o de roubo simples em concurso formal com o delito de homicídio, doloso ou culposo. Essa corrente aplica a T. da imputação objetiva - não seria possível atribuir ao agente a produção do resultado morte, nem mesmo culposamente (T. pró-réu), pois não está na linha de desencadeamento lógico previsível. Para ser latrocínio, a violência deve ser física e não psicológica (ameaça).

Questão: O agente que mata um inimigo durante um roubo, responde por latrocínio? Não, nesse caso responderá por homicídio em concurso material com o roubo praticado. A morte tem que ter relação com o roubo e durante este. Outrossim, se o ladrão matar alguém, em razão do roubo, mas depois da consumação, não será latrocínio. Ex.: agente rouba um banco e depois de obter êxito, encontra o gerente do banco e o mata.

Morte de um dos agentes: erro na execução. Ex.: um comparsa mata o outro ao tentar atingir a vítima. Responderá pelo delito de latrocínio. Aplica-se a regra do art. 73, CP (aberratio ictus).

Morte de um dos agentes após a subtração: não se trata de latrocínio. Ex.: desacordo na divisão dos produtos do roubo. Para que se configure latrocínio a violência tem que ser praticada durante o assalto e em razão dele (nexo entre a violência, subtração e fator temporal).

Matador de aluguel que subtrai valores após a morte da vítima: responde por homicídio em concurso material com furto (as vítimas do furto serão os sucessores). Será julgado pelo tribunal do júri.

Pluralidade de mortes e subtração única: crime único de latrocínio. Para o MP de SP gera concurso formal impróprio. Há ainda quem defenda configurar continuidade delitiva.

Concurso de agentes: Apenas um agente mata a vítima, estando o outro armado, os dois responderão pelo latrocínio. O coautor ou partícipe de roubo, responde pelo latrocínio ainda que não tenha desferido o disparo. É desnecessário saber qual dos coautores agiu dolosamente provocando a morte.
Questão: O arrependimento posterior ou a aplicação de pena restritiva de direitos são admitidos no crime de roubo? São possíveis em relação ao crime de roubo próprio praticado mediante violência imprópria (sem violência física).

Consumação do latrocínio:

a) morte tentada e subtração tentada – responde por latrocínio tentado (tentativa de latrocínio);
b) morte consumada e subtração consumada – responde por latrocínio consumado;
c) morte consumada e subtração tentada: 1ª corrente - no delito de latrocínio, por ser um crime complexo, caso o crime fim não reste consumado, haverá tentativa de latrocínio (Rogério Greco); 2ª corrente - Para o STF, prevalece o latrocínio consumado (súmula 610).
d) morte tentada e subtração consumada: 1ª corrente - tentativa de latrocínio por ser crime complexo, necessitando do resultado morte (STF); 2ª corrente - tentativa de homicídio qualificado. Há julgados no STF entendendo que o fato melhor se ajusta ao delito de roubo consumado em concurso com a tentativa de homicídio, qualificado pela conexão teleológica (julgado pelo tribunal do júri).
e) subtração consumada e lesão corporal grave. Possibilidades: 1) roubo qualificado pela lesão corporal grave (pena de 7 a 15 anos de reclusão); 2) latrocínio tentado; 3) homicídio qualificado na forma tentada em concurso material com o delito de roubo qualificado com o emprego de arma. Caso seja considerado que o agente não tinha a vontade de matar, responderá pelo delito de roubo qualificado pela lesão grave. Agora, se evidenciado que a intenção era a de matar, o delito será o de homicídio qualificado na forma tentada em concurso material com o delito de roubo.

Súmula 610 do STJ: “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que o objeto não seja subtraído”. Rogério Greco entende que essa súmula desconsidera o conceito legal de crime consumado (tese para Defensoria).

Obs.: O roubo praticado com o propósito político caracteriza delito contra a segurança nacional (art. 20, Lei 7.170/83). Pena de 3 a 10 anos de reclusão. Resultando lesão grave a pena será dobrada, resultando morte, será triplicada.

AULA XIII – CONTINUAÇÃO CRIMES PATRIMONIAIS

13.1 Art. 158 Extorsão: muito semelhante ao roubo. É crime pluriofensivo. Cleber Masson defende não se tratar de crime complexo, pois é espécie do gênero “constrangimento ilegal”. Para Rogério Sanches, a vítima poderá ser pessoa física ou jurídica (aspecto patrimonial). Não há previsão legal para o emprego de violência imprópria.

ROUBO – 157: 4 a 10 anos
EXTORSÃO – 158: 4 a 10 anos
Subtrair coisa
Constranger alguém a fazer ou a não fazer ou tolerar algo
Dispensa colaboração da vítima
Exige colaboração da vítima
Execução: violência; grave ameaça; e redução da vítima à impossibilidade de resistência.
Execução: violência; grave ameaça
Somente móvel
Móvel ou imóvel

13.1.1 Consumação: crime de consumação antecipada ou de resultado cortado. Ver Súmula 96, STJ. independe do resultado naturalístico. Lembre-se que se a vantagem for obtida, haverá mero exaurimento do delito, que deverá ser considerado na pena base. Admite-se tentativa. Ex.: a vítima é constrangida por carta ou e-mail, mas a mensagem é interceptada ou a vítima não atende a exigência do infrator.

Questão: Existe prisão em flagrante em crimes formais? É possível no momento da execução do delito (constranger), e não por ocasião do exaurimento do crime. Discute-se se o crime é de dano (maioria) ou perigo de dano (Heleno Cláudio Fragoso).

13.1.2 Indevida vantagem econômica: se a vantagem for devida (legítima) o crime será o de “exercício arbitrário das próprias razões” – art. 345, CP. Caso a vantagem não seja econômica, não haverá o delito. Ex.: constranger alguém a assumir a autoria de um delito.
Art. 158, § 1º: a pena é aumentada de 1/3 a 1/2: i) no cometimento por duas ou mais pessoas. Aplica-se o aumento no caso de coautoria, e não em mera participação como ocorre no roubo. Note que o coautor deve realizar conjuntamente a ação nuclear do delito. Ex.: não incide aumento quando 1 agente constrange a vítima em um banco e o comparsa fica aguardando para a fuga; ii) emprego de arma de fogo.

A extorsão será qualificada quando houver lesão grave (não hediondo) ou morte (hediondo). A grave ameaça não qualifica.

13.1.3 Continuidade delitiva entre extorsão e roubo: STF e STJ entendem que são incompatíveis (tipos penais diversos). Contudo, o STJ já decidiu em sentido contrário.

Ação penal: sempre pública incondicionada.

Obs.: o crime de concussão é denominado equivocadamente de extorsão praticada por funcionário público. Note que a concussão é crime contra a Administração Pública e não contra o patrimônio (Cleber Masson). Logo, um funcionário público também poderá cometer extorsão (STF).

13.1.4 Sequestro relâmpago: O § 3º foi incluído em 2009. Só será aplicado se a extorsão for praticada mediante a restrição da liberdade da vítima. Trata-se de uma extorsão qualificada. Não se confunde com a extorsão mediante sequestro, em que há privação de liberdade da vítima, nem com o roubo circunstanciado, em que a restrição ocorre para subtrair o patrimônio, sem colaboração da vítima.

Obs.: o sequestro relâmpago, ainda que resulte morte (158, § 3º), não será crime hediondo, mas a extorsão com resultado morte, do 158, § 2º, sim. Para LFG, o sequestro relâmpago com resultado morte deve ter tratamento de hediondo, ainda que não haja previsão legal, afirmando ser possível a interpretação extensiva. As penas são: 6 a 12; 16 a 24; 24 a 30. Ao lado da extorsão mediante sequestro, o sequestro relâmpago com resultado morte possui a maior pena prevista no CP. Note que o resultado agravador deve recair sobre a vítima (pessoa sequestrada), caso contrário haverá concurso material. Ex.: matar o segurança da vítima (corrente majoritária).

13.2 Art. 159 – Extorsão mediante sequestro (ou cárcere privado – por interpretação extensiva): pena de 24 a 30 anos (é a maior pena do CP). É crime hediondo, de natureza permanente. A prisão pode ser efetuada a qualquer momento (art. 303, do CPP). O termo “qualquer vantagem” se refere ao patrimônio da vítima ou de terceiro, pois o delito está no capítulo dos crimes contra o patrimônio. Damásio defende uma interpretação literal. Note que a consumação se estende no tempo (súmula 711, STF) e a vantagem deve ser econômica (do contrário será apenas sequestro ou cárcere privado). Caso a vantagem seja impossível, não haverá extorsão; e se proveniente de dívida de jogo ou prescrita será constrangimento ilegal. Lembre que a vantagem deve ser econômica e indevida.

Cuidado! 1) sequestrar para garantir vantagem devida (art. 148 + 345, CP); 2) sequestrar visando vantagem sexual (148, § 1º, V + 213, se conseguir a vantagem sexual).

Obs. 1: A subtração de um animal para exigir resgate será extorsão do art. 158. Agora, se for de um cadáver, haverá concurso material entre extorsão (art. 158, CP) e 211, CP. A simulação do próprio sequestro também configura o tipo do art. 158. Lembre-se que a pessoa jurídica pode ser vítima de extorsão e de extorsão mediante sequestro (vítima patrimonial).
Obs. 2: tutela-se o patrimônio, a integridade física e a liberdade física e psíquica da vítima. O delito exige dolo específico ou especial fim de agir. É caracterizado por ser um tipo incongruente (congruente assimétrico: especial fim de agir).
Obs. 3: a vítima não precisa ser locomovida de um determinado local, basta o impedimento de sair dele.
Obs. 4: se for praticado roubo e extorsão, simultaneamente, com a mesma vítima: concurso material de crimes (tese para acusação); crime único patrimonial (tese para defesa).
Obs. 5: a convalidação judicial da prisão em flagrante torna o juiz prevento (art. 310, CPP).

13.2.1 Não coaduna com a extorsão a violência imprópria: hipnose ou drogadição para entrega de móvel (roubo), imóvel (estelionato) ou vantagem não econômica (constrangimento ilegal). Há aumento de pena previsto no art. 9º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Aumenta-se da metade para os crimes do art. 159, § 1º, § 2º e § 3º; 158, § 2º; 157, § 3º. Note que deve ser respeitado o limite de 30 anos. Há quem entenda que essa aplicação viola o P. da individualização da pena, pois somente seria possível a aplicação de 30 anos para qualquer criminoso, não importando seus antecedentes.

Atenção! Não confunda com a unificação das penas (art. 75, § 1º). Súmula 715, STF: os benefícios são calculados com base no somatório das penas e não no limite de 30 anos. No caso de novos crimes após a unificação, despreza-se os anos cumpridos e une-se às novas penas com o restante, respeitando um novo limite de 30 anos (art. 75, § 2º).

13.2.2 Consumação: Admite-se como vítima mais de uma pessoa. Consuma-se ainda que os sequestradores não tenham realizado as exigências. Trata-se de crime formal de consumação antecipada. O recebimento do resgate é mero exaurimento, servindo para o juiz dosar a pena base (STF). Como é um crime plurissubsistente, admite-se a tentativa. Consumado o sequestro, não se admite desistência voluntária ou arrependimento posterior. Agora, caso os infratores sequer consigam sequestrar a vítima, haverá tentativa. É crime permanente (a prescrição só começa a correr quando cessada a permanência. Permite-se o flagrante a qualquer tempo. Ver Súmula 711 do STF.

13.2.3 Forma qualificada: i) sequestro acima de 24 h (crime a prazo); ii) vítima menor de 18 anos (no início do sequestro) ou maior de 60 (no fim do sequestro). Para evitar o bis in idem, não se aplica a agravante genérica do art. 61, CP. Note que o sequestrador deve saber a idade da vítima para evitar responsabilidade penal objetiva; iii) cometido por quadrilha ou bando (não se aplica o delito de quadrilha ou bando do art. 288 do CP – P. da consunção). Cleber Masson afirma que a não incidência de concurso material é um erro, pois os crimes são autônomos.

A pena será de 16 a 24 anos de reclusão, caso seja qualificado pela lesão grave e de 24 a 30 anos com o resultado morte (não importa se deriva da violência, salvo em caso de força maior ou culpa de terceiro). Perceba que o período de cárcere ou privação da liberdade não influencia no tipo, mas na sua pena base. De acordo com a jurisprudência, concorre para a extorsão mediante sequestro o agente a quem, na divisão de tarefas, cabia providenciar alimentos para as vítimas, alugar o cativeiro e demais apoios táticos.

13.2.4 Delação premiada do § 4º: caso o delito seja cometido em concurso, o delator terá a sua pena reduzida de 1 a 2/3. Tratase de causa especial de diminuição da pena. Somente pode ser concedida pelo poder judiciário. Não confunda com a delação premiada da Lei 8.072/90 (traição benéfica), que se aplica a todos os crimes hediondos e equiparados.

13.2.5 Requisitos para a delação: extorsão mediante sequestro; concurso de pessoas; dirigida à autoridade (Delegado, MP, PM, juiz etc.); facilitação da liberdade. Perceba que é um direito subjetivo do réu de caráter pessoal.

13.2.6 Perdão judicial do art. 13, da Lei 9.807/99: quando o criminoso for primário e colaborar voluntariamente com a investigação, identificando os demais coautores ou partícipes, permitindo a localização da vítima e do(s) produto(s) do crime, poderá ter sua punibilidade extinta. Para a doutrina, não há vedação para a aplicação desse benefício aos delitos em geral (hediondos ou não). Contudo, o STJ não permite esse instituto ao crime de roubo qualificado.

13.2.5 Extorsão indireta: exigir ou receber. Relações entre credor e devedor. Tutela-se, além do patrimônio, a liberdade individual, pois a vítima é constrangida a fazer o que a lei não determina. Ex.: induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar no título de dívida a firma de algum parente abastado, de modo que não resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça de um processo por apropriação indébita ou falsidade. Qualquer documento hábil a dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou terceiro. Dispensa-se a efetiva instauração do procedimento, basta a potencialidade do documento. Note que o criminoso se vale da situação aflitiva da vítima para conseguir seu objetivo (Dolo de aproveitamento). Não se admite a modalidade culposa.

O crime é formal na modalidade exigir e material na modalidade receber (a própria vítima entrega o documento incriminador). Admite-se a tentativa. Ex.: policial impede a entrega do documento. A ação penal é pública incondicionada. Note que a pena mínima cominada permite o sursis processual (art, 89, JECrim). Não confunda com o crime de usura (Lei 1.521/51 – economia popular), que absorve a extorsão indireta (P. da consunção).

Denunciação caluniosa: ocorre simultaneamente ao início do procedimento criminal decorrente da extorsão. Capez defende ocorrer concurso material de crimes.


Material atualizado em 15 de janeiro de 2013.

Um comentário:

  1. Mãe em estado puerperal que mata neonato anencéfalo comete infanticídio?

    ResponderExcluir

ESPAÇO PARA CRÍTICAS, SUGESTÕES E PERGUNTAS.