quinta-feira, 26 de julho de 2012

PENAL 2/TEXTO 1, 2 e 3

Por que adotar a teoria da acessoriedade extremada da participação?

Paulo de Souza Queiroz e Aldeleine Melhor Barbosa

A participação, isto é, cooperação dolosa em crime alheio, pressupõe, logicamente, a autoria, tratando-se, por conseguinte, de um conceito não autônomo, mas acessório, que, como tal, depende do conceito principal: o conceito de autor. Exatamente por isso, o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (CP, art. 31).

Mas esse caráter acessório da participação comporta graus¹  e é ordinariamente assim classificado: a) acessoriedade mínima: a punição do partícipe depende da simples conduta típica do autor); b) acessoriedade limitada: a punição do partícipe exige conduta típica e antijurídica do autor; c) acessoriedade máxima ou extremada: a punição do partícipe exige, além da conduta típica e antijurídica, a culpabilidade do autor; d) hiperacessoriedade: a punição do partícipe depende também da punibilidade do autor.

Pois bem, apesar de a teoria da acessoriedade limitada (item b) ser absolutamente majoritária na doutrina², pensamos que a razão está com a teoria da acessoriedade extremada, motivo pelo qual sempre que o autor for absolvido por inculpabilidade (v.g., erro de proibição, coação moral irresistível), tal deverá beneficiar o partícipe, em virtude do caráter acessório da participação.

Em primeiro lugar, porque a inculpabilidade do autor implica o reconhecimento do caráter não criminoso do fato principal; logo, não faria sentido que se tivesse por criminosa a participação, acessória que é. É que a participação em fato não criminoso, criminoso logicamente não é. Em segundo lugar, porque a teoria da acessoriedade limitada acaba por autonomizar a participação relativamente à autoria, negando-lhe a pressuposta acessoriedade. Em terceiro lugar, porque não parece compatível com o princípio da proporcionalidade que, embora absolvido o autor, se possa castigar o partícipe. Em quarto lugar, porque nem sempre é fácil estabelecer uma diferenciação clara entre excludentes de ilicitude e de culpabilidade (v.g., coação moral irresistível e legítima defesa de terceiro), e, pois, saber se o partícipe é ou não jurídico-penalmente responsável. Além disso, a distinção entre uma e outra não preexiste à interpretação, mas é dela resultado.

Daí se dizer que não se pode aplicar a teoria da acessoriedade limitada sem maiores reflexões³. É que situações há em que a não inculpabilidade do autor haverá de se comunicar ao partícipe necessariamente. É o caso do pai que realiza a conduta típica sob séria ameaça de morte de seu filho (coação moral irresistível), hipótese em que o partícipe que o auxilia não poderá ser responsabilizado, isoladamente, pelo cometimento do crime.

O mesmo pode ser dito quando o partícipe auxilia o autor a praticar um fato amparado pela inexigibilidade de conduta diversa. É o caso do dono da empresa que, já em processo falimentar e com vários títulos protestados, deixa de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas de seus empregados. Com efeito, quem ajuda o agente que se encontra em tal situação não pode responder autonomamente pelo crime do art. 168-A do Código Penal, pois tampouco lhe é exigível conduta diversa. Também não faz sentido que o autor seja absolvido por erro de proibição inevitável e o partícipe condenado (v.g., o caçador e quem o auxilia; aquele absolvido, este condenado).

Quanto à objeção de que o partícipe seria beneficiado por circunstância pessoal que não lhe diz respeito, tal é perfeitamente aplicável às excludentes de tipicidade (v.g., erro de tipo) e ilicitude (v.g., legítima defesa), e, pois, não procede.

Finalmente, tudo o que acaba de ser dito não se aplica à hipótese de inimputabilidade por alienação mental ou menoridade, porque, diversamente dos demais casos de exclusão de culpabilidade, aqui o autor (inimputável) sofrerá uma sanção adequada à sua situação: medida de segurança ou medida sócio-educativa, conforme o caso. Exatamente por isso, o partícipe, tendo tomado parte numa ação típica, ilícita e culpável, logo, punível, será castigado na forma da lei. Aqui, sim, a circunstância de caráter pessoal do autor não lhe aproveita. E mesmo que pudesse aproveitá-lo, não seria para deixá-lo impune, mas para lhe impor medida de segurança ou medida sócio-educativa, sanções legalmente incompatíveis com a sua condição de imputável.

Por último, não é correto dizer que o Código Penal adotou a teoria da acessoriedade limitada por conta do disposto nos arts. 29, § 2º, 30, 31 e 62, todos do CP. Sim, porque, embora tais artigos afirmem a acessoriedade da participação, nada dizem sobre o seu grau, que é assim uma questão doutrinária. Mais: dizem respeito essencialmente à punibilidade e à individualização judicial da pena, e só acidentalmente à teoria do crime.

Notas
(1) MAYER, Marx Ernest apud BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 164.
(2) Nesse sentido: WELZEL, Hans. Derecho Penal Ale­man. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1993, p. 135; JESCHECK, Hans-Heirich. Tratado de Derecho Penal: Parte General. 4ª ed., Granada: Editorial Comares, 1993, pp. 596-597. No Brasil:DE JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Geral. 27ª ed., vol I, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 416; BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 423/424; BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, pp. 164-165; GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Vol I, 8ª ed., Niterói: Impetus, 2007, pp. 453/454; ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 684-686. Contrariamente, adotando a teoria da acessoriedade limitada: Bruno, Aníbal apud BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 165;BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral. Vol I, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 416-417; RAMOS, Beatriz Vargas. Do Concurso de Pessoas. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 42. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol I, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 342-343.
(3) GALVÃO, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, pp. 471/472.

Paulo de Souza Queiroz 
Doutor em Direito (PUC/SP), procurador regional da República e professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)
Aldeleine Melhor Barbosa
Analista processual do Ministério Público da União e especialista em Direito Público


Auxílio em pesquisa:


TEORIA DOS BENS ESCASSOS

PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA (art. 29, § 1º). É uma causa de diminuição de pena (de 1/6 a 1/3). A doutrina diverge sobre esse assunto. Nesse ponto, merece destaque a teoria dos bens escassos. Essa teoria tem origem na Espanha, através do Prof. Enrique Gimbernat Ordeig. Trata-se da realização de conduta não necessariamente ligada à prática de crimes (quando a participação for uma colaboração escassa - rara -, não será de menor importância – ex.: emprestar uma arma de fogo ao criminoso). Entretanto, quando a conduta praticada pelo partícipe for uma conduta abundante - não rara -, que não esteja vinculada diretamente à prática de crimes, terá direito à participação de menor importância (ex.: dar carona ao criminoso).

Hipótese:

Se "A" cede a "B" uma chave-mestra para este furtar a casa de "C", o auxílio de "A" corresponderá à entrega de um meio que facilita a ação de "B", sendo certo que a sua não cedência não impediria em definitivo a conduta criminosa de "B". A chave-mestra não era para aquela finalidade um bem raro ou escasso. No entanto, imaginemos que "D", mero operador de sistemas, pretenda auferir vantagem ilícita por meio do computador da empresa em que trabalha, sendo indiscutível que para isso precisa saber da programação da empresa. Considere que a chave desta só é conhecida por dois administradores e pelo próprio programador, que não se coíbe de fornecê-la. A transmissão dolosa dos conhecimentos não poderá ser vista como mera cumplicidade, já que aqueles dados eram, na circunstância, bens raros. É a sua escassez tão intensa que determina uma alteração qualitativa na primitiva cedência/auxílio. Esta deixa de o ser para ser vista como essencial, o que retira o carácter de cumplicidade ao comportamento e o atira provavelmente para a co-autoria. Tal como na instigação, o elemento subjetivo do cúmplice tem de abarcar o auxílio doloso e a prática do fato principal por parte do autor.

Obs.: A doutrina entende que não caberá essa teoria para a coautoria de menor importância, por falta de previsão legal.

Fabio Marques - anotações de aula.


Texto 2

PENAS ALTERNATIVAS - LEI  N.º  9.714/98

Penas alternativas são penas que substituem a pena de prisão aplicada pelo juiz, podendo ser consideradas como penas substitutivas à pena privativa de liberdade. Diz-se substitutiva porque, inicialmente, a condenação é anunciada na forma de privação de liberdade (prisão ou reclusão) e , em seguida o juiz comunica que a pena de prisão foi substituída por uma pena alternativa, que é uma alternativa ao presídio. Continua sendo uma pena, só que não será cumprida no presídio, mas em liberdade, junto a sociedade.

As penas alternativas também são conhecidas nas Regras de Tóquio como sanções0 que não há perda da liberdade, conforme abaixo transcrito:

Também são conhecidas nas regras de Tóquio como “sanções  e medidas que não envolvem a perda da liberdade ” ( Regras de Tóquio – Comentários às Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as medidas não privativas de liberdade, Introdução). “Em todo texto das Regras de Tóquio a expressão ‘medida não privativa de liberdade’ refere-se a qualquer providência determinada por decisão proferida por autoridade competente, em qualquer fase da administração da Justiça Penal, pela qual uma pessoa suspeita ou acusada de um delito, ou condenado por um crime, submete-se a certas condições ou obrigações que não incluem a prisão. A expressão faz referência especial às sanções impostas por um delito, em virtude das quais o delinqüente deva permanecer na comunidade e obedecer a determinadas condições”  (Regras de Tóquio, Introdução  apud DAMÁSIO, 1999a, Penas Alternativas,  p. 28/29).

São também denominadas penas restritivas de direitos, podendo atuar antes do julgamento como, por exemplo, a fiança, a liberdade provisória e a suspensão condicional do processo. Sua imposição é também possível na sentença condenatória. Exemplo sursis. Por último, podem atuar na fase da execução da pena. Exemplo, indulto. Também temos como outro exemplo, o art. 180 da LEP, ao permitir que a pena privativa de liberdade, na fase de execução, seja convertida em restritiva de direitos.

O objetivo primordial das execuções criminais é a reeducação do infrator e a defesa da sociedade. A prisão torna-se uma opção apenas nos casos em que a pessoa cometeu um delito, oferece um sério risco social. O objetivo principal das penas alternativas é evitar que esse indivíduo seja colocado dentro do sistema penitenciário, evitando assim o contado com outras pessoas que já estão no mundo do crime. Entre as penas restritivas há a perda de bens e valores.

PERDAS DE BENS E VALORES

A outra pena restritiva de direitos é a perda de bens e valores pertencentes ao condenado, em favor ao Fundo Penitenciário Nacional, considerando-se como teto, o prejuízo causado pela infração penal ou o proveito obtido pelo agente ou por terceiro em conseqüência da prática do crime.(art. 45, § 3º, do Código Penal).

A perda de Bens e Valores não se confunde com confisco, que se constitui em efeito da condenação criminal, conforme estabelecido no art. 91, inc II, alíneas a e b, do Código Penal. “O confisco como efeito de condenação, é o meio através do qual o Estado visa impedir quaisquer  instrumentos idôneos para delinqüir caiam em mãos de certas pessoas, o que o produto de crime enriquecer o patrimônio do delinqüente” (MIRABETE, 1999, p. 344). 

A perda de Bens e Valores trata-se, mais uma vez, de medida inteligente, que terá como repressivo real. Retira-se do agente o benefício que obteve com ato delituoso, além de privá-lo da vantagem, diminui seu patrimônio e desestimula a reiteração. Isso é resultado da constatação de que a atividade criminosa não gera lucro, além de enfrentar seu poder econômico, servindo até para desconstituir uma eventual estrutura já existente para o cometimento dos ilícitos.

Também, poderá haver discussão a respeito da inconstitucionalidade da providência, pois reza o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

O mandamento constitucional não estará sendo violado, quando se observa que para pronunciamento de decreto condenatório, obrigatório se faz o atendimento ao contraditório e à ampla defesa.

Para se escolher a apenação alternativa de que ora se estuda, além de obrigatoriedade vinculada à verificação, no curso de ação penal, de que os bens ou valores sobre os quais incidirá, tenham realmente sido havidos na prática criminosa.
O juiz não poderá arbitrariamente, indicar bens pertencentes ao agente,  como forma de puni-lo, sem que ao mesmo tenha sido concedida a oportunidade de produzir prova em contrário.

Mais uma vez temos a opinião contrária de BITENCOURT.

[...] na realidade, a própria previsão da Carta Magna da “perda de bens” como pena, especialmente da forma como está disciplinada, é de todo inconstitucional, pois, pasmem, a Constituição estabelece que essa “pena criminal” transmite-se aos sucessores nos limites da herança (art. 5º XLV); em outros termos, pode passar da pessoa do condenado. Essa previsão viola os princípios constitucionais da individualização e da personalidade da pena, porque permite que a pena ultrapasse a pessoa do condenado, ignorando, inclusive, que a morte deste é a primeira e principal causa extintiva da punibilidade e da própria sanção penal. E pena extinta não pode ser cumprida. Essa arbitrariedade institucional não encontra paralelo nem entre os Estados Totalitários, que respeitam o limite da personalidade da pena. O fato de constar do texto constitucional, segundo os próprios constitucionalistas, por si só, não impede que se configure como inconstitucional (BITENCOURT, 1999, p. 123).

Legislação especial pode, relativamente a esta sanção penal, dar-lhe “destinação diversa” do Fundo Penitenciário Nacional. O art. 243 da Lei Maior, por exemplo, prevê a expropriação de glebas utilizadas no cultivo de drogas, destinando-as ao assentamento de “colonos sem terra”, e a inconstitucional Medida Provisória n.º 1.713/98, que alterou o art. 34 da Lei n.º 6.368/76, para permitir a apreensão e leilão de bens relacionados com tráfico de drogas (BITENCOURT, 1999, p. 124).


texto 3

A morte do agente

A morte do agente, qualquer que seja o instante em que aconteça, extinguirá a punibilidade, colocando um ponto final na pretensão punitiva ou na pretensão executória. É a aplicação da máxima  mors omnia solvit  (a morte tudo apaga).

Ensina Walter Coelho que “somente o homem, enquanto pessoa viva, poderá ser responsabilizado pela prática de crime, já que, com a morte, deixa ele de ser sujeito de direitos e obrigações, ocorrendo a extinção da punibilidade.

Conquanto isso pareça óbvio, convém lembrar que nem sempre foi assim. Nem as pessoas mortas escapavam à fúria repressiva da fase que antecedeu o período humanitário do Direito Penal, como muito bem salienta Edmond Picard, em sua obra ‘Le droit pur’: ‘Um morto é também, às vezes, considerado sujeito de direito.

Na Idade Média, promoviam-se processos criminais contra cadáveres; a inquisição exumava-os, fazia-os citar, pronunciava contra eles penas póstumas e o confisco de bens que, antes do decesso, constituíam o patrimônio do defunto’ ”.

O Concílio de Praga (ano de 563) aplicava sanção penal ao cadáver do suicida, proibindo atos religiosos em sua memória.  Durante toda Idade Média, arraizada nos princípios do direito canônico, o suicídio continuou sendo crime e pecado contra Deus. Aplicava-se pena ao cadáver, que devia ser suspenso pelos pés e arrastado pelas ruas, com o rosto voltado para o chão.

Comenta Magalhães Noronha que a máxima mors omnia solvit (a morte tudo apaga) “nem sempre foi assim. A História conta-nos casos de pessoas julgadas mesmo depois da morte. Além disso, houve as penas infamantes, que não só atingiam a memória do morto, como também seus descendentes. Na Idade Média, ao lado da  damnatio memoriae, conheceram-se a condenação em efígie e a execução de cadáver”.

A morte do agente como causa de extinção da punibilidade é corolário do art. 5º, XLV, da CF/88, que consagra o princípio da pessoalidade da sanção penal, dispondo que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Sobre o princípio da pessoalidade da sanção penal,  também conhecido como princípio da intranscendência ou personalidade da sanção penal, comentam Zaffaroni e Pierangeli que “nunca se pode interpretar uma lei penal no sentido de que a pena transcende da pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude  de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado. Daí que se deva evitar toda consequência da pena que afete a terceiros”.

Já dizia Beccaria o seguinte: “se a pena é aplicada à família inocente, ela é odiosa e tirânica, porque já não há liberdade quando as penas não são puramente pessoais”. Além da finalidade da pena de ressocialização somente guardar relação com quem cometeu o fato punível, a sanção penal não pode afetar terceiros alheios ao fato, porque na seara penal também tem aplicação os princípios da responsabilidade subjetiva e da culpabilidade, exigindo para a aplicação da sanção penal, respectivamente, a existência de um injusto  doloso ou culposo e da culpabilidade do agente. Os sucessores não tem nenhum vínculo com o acontecimento, salvo, obviamente se forem coautores ou partícipes.

Em nossa doutrina é pacífico o entendimento de que a pena de morte (em caso de guerra declarada), a pena de prisão, a pena de multa (pena pecuniária ou multa penal) e as penas restritivas de direitos (com exceção da perda de bens e valores) não se transferem aos herdeiros. O que subsiste,  passando aos sucessores, são: 1) a obrigação de reparar o dano; e 2) a decretação do perdimento de bens. 

Existe divergência sobre o significado de “perdimento de bens”. Alguns juristas entendem que esse “perdimento de bens” constante da norma constitucional é a sanção penal restritiva de direitos “perda de bens e valores”, prevista no art. 43, II e 45, § 3º do CP. Com isso, poderia essa sanção penal ser estendida aos sucessores. Outra corrente, que entendemos mais adequada, sustenta que esse “perdimento de bens” é o que consta no art. 91, II, b, do CP (confisco). 

Entendendo desta última forma, em comentário ao art. 45, § 3º, do CP, Delmanto explica claramente que “a perda de bens e valores é modalidade de pena, prevista no art. 5º, XLVI, b, da CR/88. Como tal, jamais, poderá passar da pessoa do condenado, dispondo expressamente o art. 5º, XLV, da Magna Carta: ‘Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido’.

O perdimento de bens mencionado [...] refere-se, a nosso ver, ao efeito extrapenal genérico da condenação disciplinado pelo art. 91, II, b, do CP e não à pena de perda de bens e valores estatuída pelos arts. 43, II e 45 § 3º  do CP. Sendo a perda de bens modalidade de sanção penal, é ela ‘pessoal, individuada, intransferível, adstrita à pessoa do delinqüente’; ‘a morte do condenado rompe o vínculo jurídico entre o Estado-condenador e o morto-réu’, e ‘a família, quanto aos descendentes, ascendentes e colaterais, não fica sob a incidência da pena, exaurida para sempre com a morte do réu’ (José Cretella Júnior. Comentários à Constituição de 1988, 3ª ed., Forense Universitária, v.1, p. 497).

Já a perda de bens mencionada pelo art. 91, II, b, do CP, é efeito civil e não penal da condenação (STF, RTJ 101/516), podendo, portanto, ser estendida aos sucessores e contra eles executada, nos termos do art. 5º , XLV, da CR/88”. 

Se afigura correto esse último entendimento, pois a perda de bens e valores é claramente pena criminal.  A morte do agente anterior à decisão irrecorrível extingue a pretensão punitiva, não ocorrendo os efeitos da condenação, pois esta inexistirá. Se posterior, extingue todos os efeitos penais da decisão condenatória, principais e secundários; com exceção do  perdimento de bens para a corrente que entende ser ele significante da pena restritiva de direito perda de bens e valores. Dependendo do momento em que ocorra a morte, terá uma repercussão diferente no campo da responsabilidade civil. Caso a morte do agente ocorra após o trânsito em julgado da decisão condenatória, esta poderá ser executada no juízo cível, pois perfeito e acabado está o título executivo judicial. É o que traz o art. 63 do Código de Processo Penal, enunciando que “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.

Em contrapartida, a sentença não poderá ser executada no cível se a morte anteceder o trânsito em julgado. Aqui é necessário que se promova a actio civilis ex delicto (art. 64 do CPP). Saliente-se que o art. 67, II, do CPP estabelece que não impedirá a propositura da ação civil a decisão que julgar extinta a punibilidade.

A  morte do agente é uma causa de extinção da punibilidade  geral, ou seja, aplicável a qualquer tipo penal incriminador que se impute a alguém. Também, é causa  pessoal (personalíssima) de extinção da punibilidade e, por isso, não se comunica entre os co-autores e partícipes. Mesmo nos crimes próprios, como, v.g., o peculato, a morte do funcionário não beneficia o  extraneus com a extinção da punibilidade, e nem gera a “desclassificação para o crime patrimonial comum”.

Por ser  pessoal (incomunicável), quando há concurso de pessoas, a morte de um dos agentes não influencia no desenvolvimento da ação penal contra os demais, seja qual for o delito em destaque.

Aloysio de Carvalho Filho entende que a morte da mulher acusada de adultério extingue a ação em relação ao corréu. Entendemos que essa solução não tem fundamento jurídico suficiente. Afirma o autor  que “admite-se, entretanto, por exceção, que a morte da mulher acusada de adultério extingue a ação, também, em relação ao corréu. A norma é salutar, atendendo-se à delicadeza da situação criada e entretida por ação dessa natureza. Acresce que, ocorrendo o falecimento da mulher antes de uma sentença que a condenasse, é justo milite a seu favor a presunção de inocência. A continuação do processo contra o cúmplice, terminando, quiçá, pela sua condenação, viria, sem nenhuma dúvida, lançar de novo sobre a mulher o labéu de culpada, rompendo, pela inevitável repercussão social dessa sentença, o silêncio em torno do crime, a que, por morte, tinha inconcusso direito”.

Acompanhamos a posição dos que afirmam que, não havendo disposição expressa em sentido contrário, a ação penal no crime de adultério também prossegue contra o coautor.

Recentemente, essa discussão perdeu o sentido, pois o crime de adultério foi revogado pela lei 11.106/05, ocorrendo a  abolitio criminis.

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