terça-feira, 24 de julho de 2012

PENAL 4/AULA I

AULA I - CRIMES SEXUAIS (DIGNIDADE SEXUAL)

Lembre-se que os costumes possuem dois elementos: (1) repetição e (2) convicção da obrigatoriedade. A relação entre crimes contra os costumes e os crimes sexuais está no preconceito contra as mulheres. Por esse motivo, a expressão “crimes contra os costumes” foi substituída por “crimes contra a dignidade sexual” (Lei 12.015/09). Anteriormente previa-se a figura da “mulher honesta”.

1. Art. 213 Estupro: A nova lei trouxe outra acepção ao vocábulo estupro. Significa conjunção carnal violenta contra homem ou mulher (estupro em sentido estrito) e também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com o agente se pratique outro ato libidinoso.

Art. 214 – foi revogado (atentado violento ao pudor). Passou a configurar estupro. Não houve abolitio crminis! Houve uma migração de artigo, passando a configurar delito único.

Questão: Qual é a importância da migração do art. 214 para o 213? Antes dessa migração, a prática de junção carnal seguida de atos libidinosos (Ex.: sexo anal) gerava concurso material de crimes (estupro + atentado violento ao pudor). Hoje, de
acordo com Rogério Sanches, Rogério Greco e Nucci, o crime passou a ter conteúdo variado (conduta múltipla ou tipo alternativo). Perceba que essa mudança foi benéfica aos acusados, não admitindo o concurso de crimes. Logo, deverá retroagir a fatos pretéritos. Em sentido contrário, admitindo o concurso de crimes: Mirabete e Amisy Neto. Vicente Greco entende pela existência de um tipo híbrido (misto), quer dizer, o tipo possui dois crimes: estupro e atentado violento ao pudor, sendo, por esse motivo, plenamente possível o concurso de crimes, dependendo do caso concreto.

Jurisprudência sobre o tema: STF - admite a continuidade delitiva (HC 103.353/SP). O STJ possui julgados nos dois sentidos: (1) concurso material; (2) continuidade delitiva.  Ver Informativo 468, STJ – "os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor correspondem a uma mesma espécie de tipo penal, confirmando a possibilidade de continuidade delitiva, devendo retroagir a fatos pretéritos em que condenou-se por concurso material de crimes". Não há entendimento majoritário. Entretanto, deverá ser adotada a corrente que admite a continuidade delitiva (mais benéfica ao réu). 

1.2 Espécies de estupro

1) simples: 213, caput – pena de 6 a 10 anos [as lesões leves serão absorvidas]
2) qualificado pela idade da vítima (menor de 18 e maior que 14, pois o menor de 14 é vulnerável) – pena de 8 a 12 anos. Para Rogério Sanches, se a vítima for violentada no dia do seu aniversário não incidirá a qualificadora nem estupro de vulnerável (minoritário).
3) qualificado pela lesão grave (ou gravíssima) – pena de 8 a 12 anos [crime preterdoloso]
4) qualificado pelo resultado morte – pena de 12 a 30 anos [crime preterdoloso]

Obs.: Em todas as suas modalidades o estupro é hediondo. O TJMG já decidiu em sentido contrário.

Rogério Greco lembra que o resultado gravoso deverá ser imputado ao agente em consequência de sua conduta, não importando se empregou violência ou grave ameaça. Em outros termos, se o agente visava apenas o estupro, não empregando força física ou moral contra a vítima, mas ocasiona lesão grave ou a morte desta, a qualificadora deverá ser imputada.

Ainda em relação ao resultado mais grave, há entendimento que poderá ser derivado de dolo ou culpa, pois isso evitaria a aplicação do concurso material de crimes correndo o risco de ficar a pena abaixo da qualificadora (P. da razoabilidade). [Nucci, Bitencourt]. Em sentido contrário: Rogério Greco e Noronha.

1.3 Sujeito do crime: Trata-se de crime comum. No caso de conjunção carnal é imprescindível sujeitos de sexo opostos. Se a vítima for menor de 14 anos ou incapaz de oferecer resistência, a conduta será a do art. 217-A (estupro de vulnerável).

1.4 Conduta: atos de libidinagem acompanhados de violência ou grave ameaça. Não precisa haver contato físico entre a vítima e o autor (Rogério Sanches).

Ação ou omissão: em regra, o delito é comissivo (comportamento positivo). Todavia, admite-se a omissão imprópria (comissivo por omissão/omissivo impuro) nas hipóteses em que o agente seja o garantidor da vítima (art. 13, §2º, CP). Ex.: condenado por estupro violentado pelos colegas de cela em que o agente penitenciário nada faz para impedir a consumação. 


Discute-se na doutrina se o dolo tem que ser específico ou não ("com o fim de"). Prevalece que não. Não se admite a forma culposa (exemplo da praia).

Obs. 1: as vias de fato e lesões de natureza leve serão absorvidas (P. da consunção).
Obs. 2: Cezar Roberto Bitencourt defende que “passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima, ou mesmo um abraço forçado, configuram contravenção penal (art. 61 da LCP – importunação ofensiva ao pudor), desde que praticados em local público ou acessível a este.
Obs. 3: O CPM ainda prevê a distinção entre estupro e atentado violento ao pudor (arts. 232 e 233).

AULA II - CONTINUAÇÃO CRIME DE ESTUPRO


2.1 Bem jurídico protegido e objeto material: Tutela-se a dignidade, a liberdade e o desenvolvimento sexual (Rogério Greco) da pessoa.


2.2 Tentativa: tratando-se de crime plurissubsistente, é plenamente possível a tentativa. Perceba que alguns atos serão considerados antecedentes naturais da conjunção carnal. Ex.: o agente visa a cópula, mas ao rasgar as roupas da vítima passa as mãos nos seios ou esfrega-lhe o pênis buscando a penetração. Para Rogério Greco, também será tentado o delito se durante o constrangimento a vítima não conseguir praticar o ato visado pelo agente (STJ, REsp 792625/DF).

Questão: E se a vítima morrer antes do estupro, consuma-se o delito qualificado ou será hipótese de tentativa qualificada? 1ª corrente - Para Luiz Régis Prado, o crime de estupro qualificado estará consumado ainda que o delito sexual reste-se tentado (doutrina majoritária); 2ª corrente - Para Rogério Greco, haverá tentativa qualificada (pois a vítima tem que estar viva), salvo se o agente perceber que a vítima morreu antes e prosseguir com o seu propósito. Nesse caso, responderá o agente por estupro tentado qualificado + vilipêndio de cadáver.

Questão: Qual a relação do crime de estupro com a cifra negra? De acordo com Rogério Greco, relaciona-se pela não comunicação à autoridade policial do cometimento do crime. Em outras palavras, a vítima, algumas vezes, por constrangimento não denuncia o agressor, fazendo com que a violência sofrida não faça parte da estatística criminal.

Questão: O crime de estupro é um delito transeunte? Em regra não, pois há casos que é possível o exame pericial. Entretanto, atos libidinosos diversos do coito (anal ou vaginal) podem ser considerados transeuntes (Rogério Greco). De igual forma, para se evitar a vitimização secundária, há casos em que mesmo diante do coito dispensa-se o exame pericial. Ex.: mãe de 10 filhos estuprada a mais de 30 dias.

2.3 Causas de aumento de pena:

Art. 226, CP: (i) aumenta-se 1/4 se for cometido em concurso de 2 ou mais pessoas. Rogério Greco defende que, a presença de mais de um agente, por si só, não deve majorar a pena; (ii) 1/2 se cometido por ascendente, padrasto, madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor (pessoa responsável pela orientação) ou empregador ou qualquer outra autoridade sobre a vítima.

Art. 234-A, CP: (i) aumenta-se 1/2 se do crime resultar gravidez. Lembre-se da permissão de aborto (art. 128, II, CP); (ii) 1/6 até 1/2 se o agente transmitir doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Se faz necessário o exame pericial para saber se houve a transmissão. Nesse ponto, a doutrina discute se a transmissão culposa incide na majorante. De acordo com a exposição de motivos do CP, incidirá em caso de dolo ou culpa. Para Rogério Greco, não poderá ser admitida a modalidade culposa.

Obs.: Se a vontade do agente é disseminar o vírus HIV, deverá responder em concurso formal impróprio (estupro + tentativa de homicídio). Esse é o entendimento de Rogério Greco. Ver informativo 584, STF.

2.4 Ação penal Vs segredo de justiça

Antes da Lei 12.015/09
Depois da Lei
Regra: ação penal privada (mesmo nos casos de presunção de violência).
Regra: ação penal pública condicionada à representação
Exceções: i) vítima pobre – pública condicionada à representação; ii) cometido com abuso do poder familiar - publica incondicionada; iii) cometido com violência real - pública incondicionada; iv) qualificado pela lesão grave ou morte - pública incondicionada.
Exceções: i) cometido contra vítima menor de 18 anos – pública incondicionada; ii) pessoa vulnerável – pública incondicionada; iii) lesão grave ou morte – pública incondicionada.

Ver súmula 608, STF: “praticado com violência real será incondicionada”. Assim, somente será aplicado o art. 225, CP quando praticado mediante grave ameaça (sem violência real). Note que os crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça (art. 234-B, CP). 


Obs.: Eugênio Pacelli defende o direito de ação do ofendido (se a ação ainda não tinha sido proposta, deveria fazê-lo dentro de 6 meses, pois será mais benéfico ao réu, não podendo a nova lei afastar a legitimidade do ofendido). 

Questão: Se o crime foi praticado antes da reforma, o MP dependerá da representação da vítima? Depende: se o MP já ofereceu a denúncia: 1ª corrente – não precisa de representação, tratando-se de ato jurídico perfeito; 2ª corrente – mesmo nesse caso, a representação é necessária, devendo a vítima ser chamada para manifestar o interesse de prosseguir com a ação (tese adotada pelo MPF na ADI 4301 – pretende-se transformar a condição de procedibilidade em prosseguibilidade). Se ainda não houve o oferecimento da denúncia, o MP dependerá de representação da vítima (retroatividade benéfica).

2.5 Consentimento do ofendido. Será fato atípico, desde que a vítima seja maior e capaz. Ex.: sadismo ou masoquismo, desde que a lesão seja leve. Há quem defenda que o “não” da vítima, em algumas vezes faz parte do jogo de sedução. Ex.: caso Myke Tyson.

2.6 Outros pontos relevantes:

1) Marido como sujeito ativo – Havia entendimento de que o homem que obrigava sua esposa a manter relações sexuais agia em exercício regular de um direito, em decorrência do débito conjugal (Hungria). Hoje, tal entendimento foi superado. Caso a esposa se negue a manter relações com o marido, esta poderá utilizar os institutos civis para resolver o problema. Ex.: separação.

2) Coação irresistível praticada por mulher – de acordo com Zaffaroni, trata-se de hipótese de autoria de determinação.

3) Estupro de transexuais – perdeu o sentido da discussão em decorrência da nova redação do tipo penal.

4) Exame de toque com fins libidinosos - trata-se de crime do art. 215, CP (estupro mediante fraude ou outro meio que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade da vítima).

5) Aplicação do art. 9º da Lei 8.072/90 – em virtude da revogação do art. 224, CP, não será possível a aplicação da causa de aumento prevista para os crimes hediondos ao crime de estupro praticado antes da Lei 12.015/09. Discute-se se é possível a retroatividade benéfica para o acusado. O STJ entende que sim (HC 131987/10):

“Não obstante, remanescer a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP), o fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deverá retroagir ao novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP”. 

6) Beijo lascivo – Damásio e Luiz Régis Prado entendem ser estupro, na modalidade ato diverso da conjunção carnal, desde que haja violência ou grave ameaça. Rogério Greco defende ser hipótese de constrangimento ilegal (art. 146, CP) ou importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP).

7) Art. 59 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) – em decorrência da substituição do título “crimes contra os costumes” por “crimes contra a dignidade sexual”, o art. 59 em tela, que prevê uma causa de aumento específica em 1/3, deverá ser adaptado.

8) Prostituta como vítima – ainda que esta seja paga ao final do ato, se for empregada violência ou grave ameaça pelo autor, haverá a consumação do delito.

9) Gravidez da mulher autora de estupro - o aborto não será permitido para a mulher autora do estupro, nem mesmo a pedido do homem vítima, mesmo em casos de “golpe da barriga” (Rogério Greco).

10) Estupro Vs Lei Maria da Penha – aplica-se o P. da especialidade, desde que o crime seja cometido contra a mulher no ambiente doméstico ou familiar.



Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.


Obs.: Como agente agressor, pode ser enquadrado o marido, companheiro, namorado, ex-namorado, o pai, o avô, a avó, o genro, o cunhado, a nora, a cunhada, a mãe, a filha, a avó, a tia, a sobrinha, o sobrinho, a irmã, o patrão ou a patroa da empregada doméstica, a mulher homossexual que agride sua companheira etc.



2.7 Art. 215 – Violação sexual mediante fraude

Esse dispositivo sofreu uma primeira alteração em 2005, momento em que foi suprimida a expressão “mulher honesta”. Em 2009, semelhante ao que ocorreu com o estupro e o atentado violento ao pudor houve a junção dos tipos penais dos arts. 215 e 216 (posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude). Perceba que se a finalidade for econômica, aplica-se conjuntamente a pena de multa (art. 49, CP).

Conduta: pune-se o estelionato sexual, caso em que o agente, sem usar de qualquer espécie de violência ou grave ameaça, emprega fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Ex.: (i) baile de máscaras; (ii) irmãos gêmeos; (iii) exame de toque desnecessário; (iv) líderes espirituais.

Obs. 1: a fraude empregada não pode anular a capacidade de resistência da vítima, caso em que estará configurado o delito de estupro de vulnerável. Ex.: agente usa psicotrópicos para vencer a resistência da vítima (boa noite Cinderela).

Obs. 2: Bitencourt lembra do especial fim de agir para configurar o delito (delitos de tendência – Welzel).

Consumação e tentativa: (i) conjunção carnal - efetiva penetração (ainda que parcial); (ii) outro ato libidinoso. Admite-se a forma omissiva imprópria.

Beijo mediante fraude: para Rogério Greco não configura o delito em tela.

Causas de aumento: as mesmas do estupro (art. 226, CP).

Pontos relevantes:

1) se a vítima perceber que estava sendo enganada e continuar com o ato, o agente não será responsabilizado. Agora, se a vítima for constrangida à continuar com o ato o crime será o do 213.
2) fraude grosseira (afasta o tipo penal – tese do crime impossível)
3) prostituta enganada (incidirá o crime)
4) “Agente bom de papo” – falsas promessas gananciosas (será fato atípico, pois incidirá a torpeza bilateral).

5) mulher desonesta - erro de tipo e de proibição. Se o agente, conhecedor da “má fama” da vítima, estiver convencido de que está autorizado a pregar-lhe uma peça para possuí-la sexualmente, incorrerá em duplo erro penal: (i) erro de tipo, por imaginar que a existência de determinada característica pessoal  afasta a tipicidade penal; (ii) erro de proibição, por acreditar que seu comportamento não era proibido em razão das circunstâncias pessoais da vítima. Contudo, será possível discutir a escusabilidade ou inescusabilidade do erro (Bitencourt).
6) as qualificadoras da “virgindade e menoridade” (entre 14 e 18 anos) foram suprimidas desse tipo penal. Logo, pela revogação, não poderão ser consideradas na dosagem da pena, pois agravariam a situação do réu.

Leitura obrigatória: texto 1.

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