Questão: O que é o direito processual? Ramo que estuda a
função jurisdicional exercida pelo Estado. Possui duas acepções: (1) científica
- exercício da função; (2) normativa - rege o exercício. Lembre-se que o Estado
Democrático de Direito, no exercício de seu poder soberano: (1) Legislativo;
(2) Executivo; (3) Judiciário – aqui está a TGP.
Até o século XIX, o direito processual não tinha
autonomia. Constituía parte do direito privado. Na virada desse século, ocorreu
uma profunda transformação dogmática do processo na Europa Ocidental (Giusppe
Chiovenda, Francesco Carnelutti e Mauro Cappelletti). O grande marco do
processo foi a obra Acesso à Justiça (Mauro Cappelletti) – um apanhado de
vários sistemas processuais pelo mundo (identificou as ondas renovatórias). A
ideia de Cappelletti era a de tornar o acesso à justiça assegurado a todos,
produzindo resultados individuais e socialmente justos, deixando em segundo
plano as formalidades processuais.
O acesso à justiça deve ser amplo, garantindo:
1) o devido processo legal;
2) o contraditório e a ampla defesa;
3) participação das partes na formação do convencimento do
juiz;
4) busca de uma solução justa.
Obs.: para que se tenha acesso assegurado à justiça é
preciso eliminar as dificuldades econômicas (oferta de assistência jurídica integral
e gratuita).
1. SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA
ubi societas ibi jus.
Questão: Qual a causa dessa correlação entre sociedade e
direito? Está na função ordenatória, quer dizer, na coordenação dos interesses que
se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação e composição de
eventuais conflitos. Em resumo, a tarefa da ordem jurídica é a de controle
social.
Para Aristóteles, “o homem é um animal político, que nasce
com a tendência de viver em sociedade”. Há quem defenda que o homem viveu uma
fase pré-jurídica. Contudo, os historiadores são uníssonos em afirmarem que o
direito e a sociedade nasceram e caminham juntos. Ex.: Robinson Crusoé e o
índio Sexta-Feira.
2. CONFLITOS E INSATISFAÇÕES
intersubjetivos (patrimoniais e pessoais). É sempre um
fator antissocial. Aqui surgem os conflitos de interesse, gerando insegurança
CONFLITOS:
Pessoas Vs. Pessoas ou Pessoas Vs. Estado
Desses conflitos surge o conceito de Lide, que de acordo
com Carnelutti, é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida (discutida) ou insatisfeita.
INTERESSES: (i) individuais; (ii) públicos (difusos);
(iii) coletivos.
INDIVIDUAIS
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COLETIVOS
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DIFUSOS
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São aqueles em que a situação favorável à satisfação de
uma necessidade pode determinar-se em relação a um indivíduo, isoladamente.
Ex.: o uso de uma casa.
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A situação favorável à satisfação de uma necessidade não
se pode determinar senão em relação a vários indivíduos, em conjunto. Ex.: o
uso de uma área comum em condomínio.
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São aqueles em que a situação favorável à satisfação de
uma necessidade não se pode determinar senão em relação aos titularizados por
uma cadeia abstrata de pessoas. Ex.: meio ambiente.
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3. MEIOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
1) Autotutela / autodefesa: (1) ausência de um julgador
distinto das partes; (2) imposição da decisão por uma das partes.
2) Autocomposição: (1) desistência (renúncia ao direito);
(2) submissão (renúncia à resistência); (3) transação (concessões recíprocas).
3) Arbitragem: um terceiro surge para decidir de forma
imparcial (em regra, por sacerdotes e anciãos).
4) Jurisdição: ???
Obs. 1: com a arbitragem, observa-se o aparecimento da
figura do juiz antes mesmo do legislador.
Obs. 2: perceba que, a autocomposição e a arbitragem
limitavam-se a fixar a existência ou não do direito. O cumprimento da decisão
continuava dependendo da autotutela.
Questão: Quando surge a jurisdição? A partir do momento em que o
Estado passa a se impor aos particulares, invadindo a esfera de liberdade
destes, surge a jurisdição. Inicialmente, com a figura do pretor (magistrado),
firmando-se concretamente com a Lei das XII Tábuas (450 aC), do Direito Romano
aqui surge o legislador.
Questão: Como funcionava esse primeiro indício de jurisdição? Os cidadãos
em litígio compareciam perante o pretor, firmando o compromisso de aceitar a
decisão (litiscontestatio), e ao árbitro (apud judicium). Em
verdade, o pretor (representante do Estado) apenas ditava as regras para que o
árbitro julgasse de forma justa.
Após esse período arcaico, o pretor ganhou mais força / autonomia,
passando a reconhecer ele próprio o mérito dos litígios. Essa nova fase,
iniciada no século III d.C., ficou conhecida por período cognitio extra
ordnem. Nesse ponto, encerra-se o ciclo da chamada justiça privada (para a
justiça pública).
RESUMO:
Antes do Estado conquistar para si o poder de decidir o
direito no caso concreto, ocorreram 3 fases:
1 - autotutela e autocomposição
2 - arbitragem facultativa
3 - arbitragem obrigatória (aqui surge o processo)
- jurisdição (em
sentido moderno).
Atenção! Leitura obrigatória: (1) LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado, 11ª ed, Método. texto: Divisão orgânica do poder
– “tripartição de poderes”. p. 323-327; (2) CORREIA, Marcus Orione. Teoria
Geral do Processo, 5ª ed, Saraiva. Texto 1: ondas renovatórias.
AULA II – A FUNÇÃO ESTATAL PACIFICADORA
2.1 Finalidade da jurisdição [será aprofundada na aula XI]
O Estado visa pacificar 3 ordens com a jurisdição:
1ª ordem – social
2ª ordem – política (manter a ordem política)
3ª ordem – jurídica
Outras apontadas pela doutrina: educação, liberdade, vontade concreta de direito.
2.2 Meios Alternativos de pacificação social
No Brasil, a autotutela é definida como crime, seja quando praticada por particular (art. 345, CP), seja pelo próprio Estado (350, CP). A autocomposição não é incentivada e a arbitragem praticamente desconhecida. Lembre-se que a autodefesa, excepcionalmente é admitida no Brasil: legítima defesa e desforço imediato.
CP - Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
CP - Art. 350 - Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder:
Pena - detenção, de um mês a um ano.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre o funcionário que:
I - ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança;
2.3 Ruptura com o formalismo
a) conciliação - É incentiva desde a Constituição Imperial . Ex.: (i) JECrim; (ii) art. 847 e 850; (iii) 125, IV, CPC.
CLT - Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.
§ único - O presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social.
CPC - Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça;
IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
b) arbitramento (não vale no penal)
Conciliação: i) endoprocessual (transação penal); ii) extraprocessual (juiz de paz – não se aplica ao Direito Penal).
2.4 Controle jurisdicional indispensável (ligado à liberdade)
P. da nulla poena sine judicio - Proíbe-se a autotetula do Estado e autocomposição entre Estado e acusado.
Alguns países permitem a submissão à pena pecuniária. Ex.: plea of guilty do direito inglês. Há também o bargaining (transação entre acusação e defesa – EUA). Nesse ponto, é de se notar que no Brasil há a transação penal, antes mesmo da instauração do processo (art. 98, I, CRFB/88). Cumpre registrar que a Lei 9.099/95 trouxe 4 medidas despenalizadoras: (1) composição civil dos danos; (2) pena alternativa; (3) representação condicional; e (4) sursis processual (p/ pena mínima de 1 ano).
2.6 O Processo e o Direito Processual
As funções do Estado moderno estão ligadas:
a) à vida e ao desenvolvimento da nação;
b) ao fortalecimento dos valores humanos da personalidade;
c) garantia de liberdade e bem estar social (welfare state);
d) pacificação dos conflitos com justiça.
2.7 Legislação e Jurisdição
O Estado regula as relações interssubjetivas através de 2 atividades: (1) legislação – normas abstratas; (2) jurisdição: aplicar a legislação ao caso concreto.
Questão: O que é ordenamento jurídico?
Há duas teorias que tentam explicar:
Teoria dualista – Chiovenda
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Teoria unitária – Carnelutti
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O ordenamento se divide em material e processual.
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Não há como separar o direito material do processual, pois eles se completam. Os direitos nascem quando existir uma sentença
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Lei material + Processo + Procedimento = Direito Processual = Jurisdição
Direito Material: é o arcabouço jurídico que disciplina as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (CP, CC, CLT etc.).
Processo: soma de atividades em cooperação, poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições que impulsionam a atividade jurisdicional.
Direito Processual: é o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz.
Obs.: o direito processual pátrio foi tradicionalmente norteado pelo P. dispositivo, segundo o qual o juiz, mantendo-se equidistante, aguarda a iniciativa das partes no que se refere à afirmação dos fatos constitutivos de seu direito e a respectiva produção de provas. Cuidado! há exceções.
2.8 A instrumentalidade do processo
O processo é um instrumento a serviço da paz social (social, político e jurídico).
Possui dois aspectos: Positivo (liga o sistema processual à ordem jurídica); negativo (não deve possuir uma regra absoluta).
[Próxima aula: Aula III – Fases do direito processual]
Leitura obrigatória: Texto 2 - gerações de direitos: liberdade, igualdade e fraternidade.
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