Breve comentário sobre o porte ilegal de arma e o crime de
homicídio:
Imagine a seguinte situação: Zezinho, portando ilegalmente uma
arma de fogo, efetua disparo contra seu desafeto Huguinho. Indaga-se:
quantos crimes foram praticados por Zezinho?
Não há dúvida que o disparo de
arma poderá ser absorvido pelo homicídio. Contudo, o problema existe no
concurso entre o porte ou posse ilegal e o homicídio. Nesse ponto, atente-se
para o seguinte:
Com o advento do Estatuto do Desarmamento, o operador do
direito deverá observar se houve o crime de posse irregular de arma de fogo de
uso permitido (art. 12), de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art.
14), de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16) ou de
porte ilegal de arma de fogo com marca, numeração ou sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado (art. 16, parágrafo único, IV).
Se, antes de praticar o homicídio, o sujeito possuía ou
mantinha ilegalmente sob sua guarda a arma de fogo de uso permitido, nos locais
mencionados no art. 12 do Estatuto, o homicídio não absorverá a posse
irregular de arma de fogo de uso permitido, uma vez que esse delito é
permanente e já estava consumado antes mesmo do cometimento do homicídio, além
de possuir vítimas e objetos jurídicos distintos, o que impedirá o
reconhecimento do princípio da consunção ou absorção.
Por outro lado, se o sujeito possuísse a arma de fogo de
uso permitido ou a mantivesse sob guarda em sua casa e resolvesse sair com ela
à rua para praticar o homicídio contra seu desafeto (Huguinho), para o STJ, o
crime fim absorve o crime meio (Súmula n. 17), deixando de lado os requisitos
do princípio da consunção e valendo-se, certamente, de política criminal para
que não haja uma pena exagerada. Perceba que Zezinho passou a portar
ilegalmente a arma de fogo de uso permitido, que possuía ou tinha sob sua
guarda, somente para praticar o homicídio, remanescendo, caso tenha ocorrido, o
crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 do Estatuto),
que estava consumado antes da prática do porte ilegal de arma de fogo e do
homicídio (em tese, existiram 4 condutas: posse, porte, disparo e homicídio).
Agora, se for possível demonstrar que o sujeito, além de
possuir ou manter sob sua guarda a arma de fogo de uso permitido irregularmente,
portava, transportava etc., antes da prática do crime doloso contra a vida, poderá
existir o concurso material do porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art.
14) e o delito de homicídio praticado com o emprego dessa arma.
É certo, também, que haverá o concurso do art. 16, caput,
que trata do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, com
o delito de homicídio, nas mesmas situações mencionadas, quando o objeto
material for empregado para o cometimento do crime de homicídio. Perceba que, se
a arma de fogo for de uso proibido ou restrito, mesmo que o sujeito a possua ou
tenha sob guarda nos locais descritos no art. 12, sem autorização e em
desacordo com o preceito legal ou regulamentar, o crime será o previsto no art.
16, caput, que comina pena mais severa.
Do mesmo modo, aquele que, após o cometimento do homicídio,
ocultar a arma de fogo também deverá ser responsabilizado pelo crime posterior (art.
14 ou 16, caput, do Estatuto), pois a prática do homicídio não lhe deu
autorização para ocultar ou ter em depósito a arma de fogo de forma ilegal e
indefinidamente. Nessa última situação, observa-se, porém, que, se já houve o
reconhecimento do crime de porte ilegal de arma de fogo em concurso com o crime
contra a vida, certamente o sujeito não poderá mais ser responsabilizado pelo
crime de ocultação da arma, uma vez que o tipo penal é misto alternativo. Em
contrapartida, se, após a já referida ocultação, o sujeito, por exemplo, portar
a arma de fogo, haverá nova conduta típica independente das anteriores, já que
a situação fática será outra.
Também haverá concurso material entre o homicídio e o
crime previsto no art. 16, parágrafo único, inc. IV, do Estatuto quando a arma
de fogo empregada para a prática do crime doloso contra a vida tiver numeração,
marca ou qualquer sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Aliás,
é o que ocorre na maioria dos crimes violentos, merecendo uma maior reprovação.
Resumindo: há duas correntes sobre o tema:
1ª corrente - concurso material de
crimes, pois os tipos penais tutelam bens jurídicos diferentes;
2ª corrente - se o porte ilegal tinha o único
objetivo de praticar o homicídio, aplica-se o princípio da consunção,
pois a arma foi apenas o meio necessário para a execução do homicídio.
No entanto, se o indivíduo ordinariamente porta ilegalmente a arma (de forma independente
e autônoma) e eventualmente a utiliza para o homicídio, haverá concurso
material de crimes (há julgados no STJ defendendo essa 2ª corrente).
Questão: É possível o concurso entre o porte ilegal e o disparo?
Depende: se for porte ilegal de arma permitida, haverá um único crime, pois
possuem a mesma pena e tutelam o mesmo bem jurídico. Agora, se for porte de
arma proibida, este prevalecerá sobre o disparo.
Obs.: Vale lembrar que as condutas criminosas do estatuto do desarmamento migrarão para o novo CP (essa é a previsão do anteprojeto).
Obs.: Vale lembrar que as condutas criminosas do estatuto do desarmamento migrarão para o novo CP (essa é a previsão do anteprojeto).
Fonte: Prof. Fabio Marques - anotações de aula
Nenhum comentário:
Postar um comentário
ESPAÇO PARA CRÍTICAS, SUGESTÕES E PERGUNTAS.