sábado, 29 de setembro de 2012

TGP / AULA X


AULA X – DA JURISDIÇÃO

 A Jurisdição, várias vezes mencionada em aula, é o poder que o Estado detém para aplicar o direito a um determinado caso, com o objetivo de solucionar conflitos de interesses e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei. A expressão vem do latim juris e dicere, que significa “dizer direito”.

No sentido coloquial, a palavra jurisdição significa o território (estado, município, região ou país) sobre o qual este poder é exercido por determinada autoridade ou Juízo.  Em regra, como visto em aulas pretéritas, compete aos órgãos do Poder Judiciário, porém é aceita a noção de que outros órgãos também exerçam essa função, desde que exista autorização constitucional para tanto.

O tema jurisdição é objeto de estudo das mais variadas matérias do direito (constitucional, internacional privado, processual, administrativo etc.). Em direito administrativo também existe a jurisdição administrativa, que é o limite da competência administrativa de um órgão público.

A jurisdição ressalta ser a garantia de existência do Estado Democrático de Direito, a permanência e manutenção do ordenamento jurídico, e a respeitabilidade à Constituição Federal no que concerne à obediência aos seus princípios, valores e vontades.

A jurisdição atua por meio dos juízes de direito e tribunais regularmente investidos (é a atividade do juiz ao aplicar o direito, em processo regular, mediante a provocação de alguém que exerce o direito de ação).

A doutrina conceitua jurisdição da seguinte forma:

1. Uma das funções do Estado para buscar a pacificação dos conflitos com imparcialidade e justiça, utilizando-se do direito processual. (Ada Pellegrine e Araújo Cintra).

2. Um poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica (Humberto Theodoro Jr.).

3. Uma função exercida pelo Estado para compor processualmente conflitos litigiosos, dando a cada um o que é seu, segundo o direito objetivo. (José Frederico Marques).

Em síntese, jurisdição é um ato de soberania (poder-dever), que através do Poder Judiciário, declara o direito, aplicando a lei aos casos concretos. É ao mesmo tempo poder, função e atividade.

10.1 Elementos caracterizadores da Jurisdição

Segundo Marcus Orione, são os seguintes:

a) atividade substitutiva – substitui a vontade dos indivíduos;
b) atividade instrumental – é um meio para a atuação do direito material;
c) atividade declarativa ou executiva – declara o direito segundo as regras e princípios, bem como, executa os títulos legalmente constituídos;
d) atividade desinteressada e provocada – a jurisdição é inerte;
e) decorre de uma situação de litígio, salvo quando voluntária;
f) traduz a ideia de definitividade da decisão prolatada (coisa julgada da sentença).      

10.2 Princípios Fundamentais

A) P. da investidura - a jurisdição deve ser exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.

B) P. da aderência ao território - limitação da própria soberania nacional. Os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado em que é investido, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou seções judiciárias (Justiça Federal). Atos fora do território em que o juiz exerce sua jurisdição dependerão da cooperação do juiz do lugar (carta precatória ou rogatória). Lembre que o STF e o STJ exercem jurisdição em todo o país.

C) P. da indelegabilidade - é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições a outros órgãos, pois cada um deles age em nome do Estado.

Exceções: delegação pelo STF, art. 102, inc. I, “m”, CRFB/88 (competência para execução forçada), e as dos arts. 201 e 492 do CPC (cartas de ordem).

D) P. da inafastabilidade (ou indeclinabilidade) da jurisdição - Não pode a lei "excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito", nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (art. 126, CPC).

E) P. da inevitabilidade - a autoridade dos órgãos jurisdicionais é imposta independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto de aceitarem os resultados do processo (situação de sujeição).

F) P. do juiz natural - ninguém poderá ser privado do julgamento por juiz independente e imparcial, indicado pelas normas constitucionais e legais, proibindo a CF os denominados tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII).

G) P. da inércia - já estudado

10.3 Diferença entre jurisdição, legislação e administração

Preliminarmente, deve-se ter em mente a divisão orgânica de Montesquieu: executivo, legislativo e judiciário.
           
Função normativa/legislativa: fazer leis é cronologicamente a primeira manifestação de vitalidade do Estado, pois indica os padrões de conduta abstratos e obrigatórios. A jurisdição, por seu turno, atua no caso concreto, pacificando os conflitos. Lembre-se que o executivo e o judiciário decorrem da lei (atuação do legislativo).

Função administrativa: a administração pode atuar de ofício, contudo, age como parte (Estado Vs cidadão). Também decide, contudo, essa decisão não possui definitividade.

10.4 Elementos clássicos da jurisdição:                 

a)     Notio - faculdade de conhecer certa causa;
b)    Vocatio - fazer comparecer em juízo;
c)     Coercio - imposição de respeito
d)    Judicium - direito de julgar;
e)     Executio - executar suas própias decisões .

10.5 Poderes da jurisdição

Poder de polícia (coerção). Ex.: notificação e intimação. Não confunda esse poder com o estudado em direito administrativo (fiscalização pelo Estado-administrador).
Poder de documentação (fazer fé dos documentos elaborados);
Poder de decisão (coisa julgada material).

AULA XI – ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO

11.1 Unidade da jurisdição – como expressão da soberania estatal, a jurisdição não comporta divisões, pois admitir mais de uma em um mesmo território, implicaria afirmar a existência de mais de uma soberania. Logo, a jurisdição é tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano. Todavia, a doutrina costuma dividir a jurisdição para melhor compreensão da matéria e organização forense.

Vale lembrar que o Brasil adota o sistema de jurisdição uma, pois apenas a um órgão se defere a competência de dizer o Direito de forma definitiva. Em outras palavras, somente um órgão faz coisa julgada material (CRFB, art. 5º, XXXVI). Não se confunde com a jurisdição dual, já que esta prevê a existência de dois órgãos se manifestando de forma definitiva sobre o Direito, cada qual com suas competências próprias. Ocorre tal dualidade, por exemplo, na França, onde as decisões em matéria administrativa fazem coisa julgada material, enquanto que ao Judiciário cabe manifestar-se sobre os demais assuntos. Assim, na França, uma decisão administrativa não pode ser revista pelo Judiciário.

Apenas para não se fazer confusões futuras, vale alertar que os conceitos de dualidade de jurisdição e duplo grau de jurisdição são distintos. Este se refere à possibilidade de recorrer da decisão de primeira instância, para que seja novamente analisado o caso por outra superior, dentro do Judiciário. Portanto, se um caso está pendente de solução na esfera administrativa, e inicia-se a ação (perante o Judiciário) tratando do mesmo tema, a decisão administrativa ficará prejudicada, já que sempre valerá a judicial. Logo, o processo administrativo será arquivado sem decisão de mérito. A eleição da via administrativa ou judicial é opção do interessado. Porém, uma vez acionado o Judiciário, não caberá mais a primeira via, pois a decisão judicial sempre prevalecerá sobre a administrativa. No entanto, nada impede que, após esgotadas todas as instâncias administrativas, o interessado se socorra do Judiciário, pois, repita-se, no Brasil, a jurisdição é una. Há, contudo, algumas exceções: (1) justiça desportiva; e (2) Habeas data.

Só para registrar, a instância administrativa tem várias peculiaridades interessantes para os administrados, como a informalidade do processo, celeridade, gratuidade, possibilidade de revisão de ofício e muitas outras, que acabam por incentivar o seu uso, desafogando um pouco o Poder Judiciário [mas isso é matéria de direito administrativo].

11.2 Classificação da jurisdição:

a) quanto ao objeto: penal ou civil;
b) quanto aos organismos judiciários: especial ou comum;
c) quanto a posição hierárquica dos órgãos: inferior ou superior;
d) quanto a fonte do direito com base na qual é proferido o julgamento: jurisdição de direito ou de equidade.

Obs.: Existe ainda a classificação entre jurisdição contenciosa e voluntária [serão estudados na próxima aula].
a) Jurisdição penal ou civil – varia de natureza conforme o direito objetivo material em que se fundamenta a ação. Assim, fala-se em jurisdição penal para as pretensões punitivas e jurisdição civil para as causas e pretensões não penais (civil em sentido amplo).

A jurisdição penal é exercida pelos juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, pela Justiça Militar federal, pela Justiça Federal e pela Justiça Eleitoral (apenas a Justiça do Trabalho é completamente desprovida de competência penal). A jurisdição civil, em sentido amplo, é exercida pela Justiça estadual, pela Justiça federal, pela Justiça Trabalhista e pela Eleitoral (excluída a Justiça Militar).

Obs.: Na verdade o ilícito penal não se difere substancialmente do ilícito civil, pois a distinção existe apenas quanto à sanção; a ilicitude penal é um mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinada a reforçar as consequências da violação de dados valores especialmente protegidos pelo Estado.

Pontos de contato entre a jurisdição civil e penal:

Ex. 1: quando alguém pratica um furto haverá duas consequências: a) obrigação de restituir o objeto furtado (natureza civil); e b) sujeição às penas do art. 155 do Código Penal.
Ex. 2: quem contrai novo casamento, sendo casado, o direito impõe duas consequências: a) a nulidade do segundo casamento - CC, art. 183, VI (sanção civil); e b) sujeição à pena de bigamia (CP, art. 235).
Ex. 3: Ação civil ex delito: na própria sentença penal, o juiz poderá atribuir um valor para a reparação do dano civil causado, tornando certa a obrigação de reparação (título judicial).
Ex. 4: prova emprestada: aquela produzida em um processo e que pode ser utilizada em outro, desde que com não surpreenda a pessoa que não fora parte no primeiro processo.

b) Jurisdição especial ou comum – os vários organismos judiciários são instituídos pela CRFB/88, constituindo cada um deles uma unidade administrativa autônoma com limites de competência.

Ex.: jurisdição especial: Justiça Eleitoral (arts. 118-121), a Justiça do Trabalho (arts. 111-117) e as Justiças Militares Federal (arts. 122-124) e Estaduais (art. 125, § 3º);
E.: jurisdição comum: Justiça Federal (arts. 106-110) e as Justiças Estaduais ordinárias (arts. 125-126).

c) Jurisdição superior ou inferior – Aplicação do P. do duplo grau de jurisdição (possibilidade de um mesmo processo, após julgamento pelo juiz inferior, voltar a ser objeto de julgamento em instância superior do Poder Judiciário). A Jurisdição inferior é exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde seu início (competência originária). Na Justiça Estadual são os juízes de direito das comarcas, inclusive da Capital. A superior é a exercida pelos órgãos competentes para conhecerem dos recursos interpostos contra as decisões proferidas na jurisdição inferior.

d) Jurisdição de direito ou de equidade
Jurisdição de direito – O Estado-juiz fica preso aos limites da lei, não podendo deixar de aplicá-la. Esta é a regra no sistema jurídico brasileiro. O juiz só poderá julgar por equidade quando expressamente autorizado (CPC, art. 127). Ex.: art. 7º do CDC.
Jurisdição de equidade – O juiz se libera dos critérios de legalidade estrita, podendo dar ao caso concreto a solução que ele reputar mais justa, ainda que deixe de aplicar o direito objetivo.

Ex.: Escola do Direito Alternativo, influente no Rio Grande do Sul, que prega a jurisdição de equidade como regra geral. Esta, porém, é criticada pela doutrina, pois o Estado Democrático de Direito exige o devido processo legal (o processo justo), e que só há processo justo quando o juiz trabalha com premissas previamente estabelecidas (que são as normas jurídicas que compõem o direito objetivo). Cabe ao juiz representar a vontade e a inteligência do Estado, uma vez que é deste, e não da pessoa natural que exerce o cargo, o poder de julgar.

PRÓXIMA AULA XII – LIMITES DA JURISDIÇÃO

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