AULA VIII – DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE
8.1 Art. 130 – Perigo de contágio venéreo
Tutela-se a incolumidade física e a saúde da
pessoa, aqui exposta, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso,
ao contágio de moléstia venérea. Magalhães Noronha inclui a
“vida” como bem jurídico tutelado (minoritário), todavia, o legislador não teve
essa intenção, já que não previu a hipótese de resultado morte em decorrência
do efetivo contágio. Nessa hipótese, o agente responderá por lesão corporal
seguida de morte ou homicídio culposo.
Exemplos de doenças venéreas: cancro, hepatite,
gonorreia etc.
Cuidado! expor a perigo: pena de 3 meses a 1 ano; se o agente
quer transmitir: pena de 1 a 4 anos (forma qualificada). A ação penal é
pública condicionada à representação.
8.1.1 Sujeitos do crime: ativo – pessoa portadora de
moléstia venérea (crime comum), inclusive o cônjuge. Para Rogério Sanches, o
crime é próprio, já que o tipo exige sujeito ativo portador de doença. Passivo
– qualquer pessoa, havendo ou não o consentimento.
Questão: Caso a vítima saiba da moléstia e
consinta com a relação, o agente deverá ser punido? Para Rogério Greco, se
sobrevier uma lesão leve, não há falar em crime (disponibilidade relativa).
Para a corrente majoritária, o consentimento não poderá excluir o delito, pois
o que se protege é a disseminação da doença.
8.1.2 Consumação: trata-se de crime de ação vinculada, exigindo
contato sexual (corpóreo) entre agente e vítima. Damásio defende que se o
contato não for sexual (aperto de mão, ingestão de alimentos ou utilização de
objetos), não haverá esse crime. Veja que é imprescindível a prova pericial da
contaminação.
Questão: Quais são as doenças/moléstias
venéreas que integram esse tipo penal? Trata-se de uma norma penal em branco, pois
a expressão é genérica e indeterminada, devendo ser complementada por normas do
âmbito do Ministério da Saúde.
8.1.3 Tipo subjetivo:
a) perigo de contágio doloso: o agente “sabe” estar contaminado e
aceita a transmissão ao parceiro (caput).
b) dolo eventual: o agente “devendo saber” estar contaminado, assume o
risco de transmitir a moléstia (caput). Há quem defenda, com base na exposição de motivos do CP, que a
expressão “deve saber” se refere à culpa consciente.
c) dolo de dano: intenção positiva de transmitir a moléstia de que está
contaminado – dolo direto (§ 1º).
d) dolo de dano com a efetiva contaminação do parceiro, resultando
lesão grave ou morte: o agente responderá pelo art. 129 (lesão grave ou
resultado morte, pois as penas são maiores). Bitencourt alerta que esse
entendimento está equivocado, pois o próprio parágrafo 1º prevê punição para
essa transmissão dolosa, não devendo prevalecer a aplicação de lesões corporais,
salvo no caso de morte da vítima (lesão corporal seguida de morte).
A classificação do dolo acima em (direto e eventual) é trazida pela
majoritária corrente. Todavia, corrente minoritária (Bitencourt) alerta que a
expressão “deve saber” está relacionada, em verdade, com a potencial
consciência da ilicitude.
8.1.4 Consumação: momento da prática do ato sexual capaz de
transmitir a moléstia (crime formal). Se o agente usar preservativo, o dolo do
agente será afastado. Agora, se o preservativo não resistir ao ato, entende-se
que o agente assumiu o risco da transmissão, devendo ser punido por esse
motivo.
8.1.5 Pontos relevantes:
1) Transmissão de HIV – poderá configurar lesão corporal seguida de
morte, perigo de contágio de moléstia grave ou até mesmo homicídio. Entretanto,
jamais poderá configurar perigo de contágio de moléstia venérea (não depende de
relação sexual para a transmissão).
2) vale lembrar que se a transmissão adveio de estupro, a contaminação
será causa de aumento do crime contra a dignidade sexual.
8.2 Art. 131 - Perigo de contágio de moléstia grave
Tutela-se a incolumidade física e a saúde física da pessoa. O tipo
abrange não só as moléstias venéreas, mas todas as moléstias graves. Para parcela
da doutrina, protege-se, também, a vida (o que não prevalece, pelos mesmos
motivos do crime anterior). A ação penal é pública incondicionada.
Exemplos de moléstias graves: febre amarela,
peste, cólera, tifo exantemático, varíola, alastrim, difteria, infecção
puerperal, infecção do grupo tífico-paratífico, lepra, tuberculose aberta,
impaludismo, sarampo, disinterias, meningite cérebro-espinhal, paralisia
infantil, tracoma, leishmaniose etc.
Cuidado! Se houver transmissão de doença venérea grave de forma
diversa de ato libidinoso, o crime praticado será esse do art. 131. Nada impede
a configuração do crime em estudo se a moléstia grave for transmitida por ato
libidinoso. Ex.: HIV.
8.2.1 Sujeitos do crime: ativo – qualquer pessoa, desde que
contaminadas (crime próprio). Passivo – qualquer pessoa não contaminada.
8.2.2 Conduta: pune-se a pratica de qualquer meio direto
(contato físico) ou indireto (sem contato físico), capaz de transmitir (delito
de ação livre). O tipo penal menciona apenas que a moléstia tem que ser grave.
De igual forma, há nesse crime uma norma penal em branco. Todavia, existe
doutrina criticando esse entendimento (Pierangeli – aduz que, mesmo se a doença
não estiver etiquetada em norma penal em branco, será considerada moléstia grave
capaz de configurar o crime). Assim, a moléstia grave não precisa estar
taxativamente descrita em outra norma (no mesmo sentido: Bitencourt, Luiz Régis
Prado e FMB).
Questão: E se os objetos ou coisas que o
agente utilizar, com o fim de transmitir a moléstia, já estiverem contaminados
com germes e micróbios dos quais ele não é portador, responderá pelo crime em
estudo? De acordo com Bitencourt e Rogério Greco (majoritário), o agente não
deverá ser responsabilizado por este crime (art. 131, CP), mas, nada impede que
ele responda por outro tipo penal (lesão corporal ou perigo para a vida de
outrem). Ex.: agente saudável que perfura vítima com uma seringa contaminada.
8.2.3 Consumação: consuma-se com a prática do ato perigoso capaz
de transmitir o mal visado (crime formal). Se resultar lesão de natureza leve,
ficará esta absorvida (mero exaurimento). Contudo, se a lesão for grave ou
resultar em morte da vítima, o agente responderá por esses crimes em concurso
formal impróprio. Admite-se tentativa. Perceba que o crime é punido pelo dolo
direto de dano, sendo o dolo eventual incompatível com o tipo (Mirabete).
A doutrina discute a possibilidade de transmissão por dolo eventual.
Prevalece que não, pois o tipo exige finalidade de transmitir (dolo direto).
Questão: O que são crimes de intenção? São
delitos que requerem um agir com ânimo, finalidade ou intenção adicional de
obter um resultado, que vai além da realização do tipo penal, mas que não
precisa ser alcançado para consumar o crime (consumação antecipada).
8.2 Pontos relevantes:
1) Transmissão de HIV: Para o STJ, configura tentativa de homicídio.
Para o STF, trata-se de perigo de contágio de moléstia grave (HC 98.712/SP).
2) vítima já contaminada: Para a doutrina, trata-se de hipótese de
crime impossível (Rogério Greco), salvo se a moléstia transmitida for diferente.
3) vítima que morre em decorrência da moléstia transmitida: deverá ser
aplicada a regra do art. 19, CP – o agente responderá por lesão corporal
seguida de morte (Rogério Greco).
4) transmissão realizada durante a amamentação: caso uma ama-seca,
durante amamentação de uma criança, transmite a esta uma moléstia que
desconhece ser contagiosa, não responderá pelo crime em tela. Agora, se
sobrevier lesão corporal ou morte da criança e ficar comprovada a existência de
culpa, a ama-seca responderá conforme o caso. Se, ao contrário, a criança
transmitir a moléstia grave à ama-seca, os pais não responderão pelo crime,
salvo se ficar comprovado o dolo.
5) erro de proibição: Bitencourt defende a possibilidade de ocorrer
erro quando o agente supõe que em relação a seu cônjuge não há proibição de
transmitir a moléstia grave (será capaz de reduzir apenas a pena, pois o erro
aqui é inescusável). O mesmo autor defende também a ocorrência de erro de tipo
quando o agente está contaminado, tem consciência de que é portador, mas
desconhece que a moléstia é grave. O desconhecimento da elementar “grave” pode
configurar o erro, embora seja difícil sua comprovação. Outro exemplo trazido
está na hipótese que o sujeito ativo acredita estar contaminado com doença
venérea, mas a moléstia é grave (imaginou a existência de uma doença que não
existia, mas transmitiu outra que desconhecia). Contudo, Bitencourt alerta que
para evitar impunidade do agressor, deverá ser aplicada a regra do “erro de
subsunção” (o dolo foi o mesmo, qual seja, transmitir algo à vítima), devendo
responder por lesões corporais.
6) transmissão de moléstia grave que resulta em epidemia: o agente
responderá pelos crimes dos arts. 131 e 267, § 2º (modalidade culposa), em
concurso formal.
8.3 Art. 132 - Perigo para a vida ou saúde de outrem
Tutela-se a saúde e a vida da vítima, sendo aplicável somente quando o
comportamento do agente não incida em crime mais grave. Pune-se aquele que de
qualquer forma coloca pessoa certa e determinada em perigo de dano direto,
efetivo e iminente. Aqui, o crime é de ação penal pública incondicionada
(competência do JECrim).
8.3.1 Sujeitos do crime: ativo – qualquer pessoa (crime
comum). Passivo – pessoa certa e determinada, pois do contrário o crime
será o de perigo comum ou contra a incolumidade pública (art. 250, CP). Nelson
Hungria alerta que algumas pessoas não podem ser sujeitos passivos desse crime,
desde que tenham o dever legal de afrontar ou suportar o perigo, salvo quando
extrapolar os limites dos riscos. Ex.: bombeiros, policiais, enfermeiros,
toureiros, operários de fábricas de explosivos ou produtos químicos etc.
8.3.2 tipo subjetivo: vontade consciente de, mediante ação ou
omissão, colocar a vida ou a saúde de pessoa(s) determinada(s) em perigo. Ex.:
patrão que não fornece equipamentos de segurança, desde que a omissão acarrete
uma exposição concreta ao perigo. Perceba que a comprovação do perigo, nessa
hipótese é indispensável, na medida em que o simples descumprimento das normas
de segurança, por si só, tipifica a contravenção penal prevista no art. 19 da
Lei 8.213/91 (legislação Previdenciária). O dolo pode ser direto ou eventual,
em risco iminente. Não se pune a forma culposa. Rogério Sanches lembra que,
havendo dolo de dano, isto é, querendo o agente atingir a vida ou a saúde de
alguém, responderá por outro crime (tentativa de homicídio ou tentativa de
lesão corporal).
8.3.3 Consumação: surgimento do risco (crime de perigo
concreto). Se resultar em dano, como a morte ou lesões graves, o crime de
perigo será absorvido pelo crime mais grave. Admite-se a forma tentada. Noronha
alertava que esse crime possui um caráter “residual”, ou seja, somente poderá
ser aplicado se não houver outro tipo punindo a conduta do agente. Não há punição
para a modalidade culposa. Mas se sobrevier o dano, efetivamente, responderá o
agente, conforme o caso, por lesão corporal culposa (somente se for aquela
prevista do Código de Trânsito) ou homicídio culposo.
Questão: É notório que o crime de disparo de
arma de fogo é mais grave que o delito em tela (perigo para a vida). Ocorre que
o crime de disparo não deverá ser aplicado quando o agente tiver a finalidade
de praticar outro crime (“desde que a conduta não tenha como a finalidade a
prática de outro crime”). Nesse ponto, indaga-se: se a intenção do agente era
por a vítima em perigo de vida, por qual crime deverá responder? Para Fernando
Capez, deverá prevalecer seu dolo, ainda que o crime seja menos grave (perigo
de vida). Rogério Sanches, por outro lado, defende a predominância do crime
mais grave (disparo). Bitencourt explica que o disparo de arma de fogo deverá
considerar o seguinte: (1) se o local é habitado ou a via é pública (se for
local privado, não incide o Estatuto do Desarmamento); (2) se a vítima foi
exposta ou não a perigo concreto.
Questão: E se do perigo resultar em crime
culposo de lesão ou morte? Qual tipo penal deverá ser aplicado? Nesse caso, há
duas situações: 1ª - morte culposa: esta absorverá o crime de perigo. 2ª -
lesão culposa: deverá o agente responder pelo crime de perigo, pois este terá
uma pena maior, evitando uma desproporção no desvalor das condutas.
8.3 Pontos relevantes:
1) Concurso de crimes: Bitencourt defende a possibilidade de concurso
de crimes, pois, o fato de ser norma subsidiária, não incompatibiliza, por si
só, o tipo penal com o concurso de crimes. Assim, se o agente coloca em perigo,
com mais de uma conduta, duas pessoas determinadas, haverá concurso material.
Por outro lado, se ele coloca várias pessoas determinadas e individualizadas, com
uma só conduta, haverá concurso formal. Ex.: agredir motorista de ônibus com o
veículo em movimento.
2) motorista que obriga o condutor do veículo da frente a imprimir
velocidade incompatível com o tráfego, comete o delito em comento.
3) transporte ilegal ou perigoso de bóias-frias: incide na causa de
aumento de pena, de 1/6 a 1/3 (perigo decorrente de transporte irregular de
pessoas).
4) consentimento da vítima: a doutrina ensina que só não afastará o
crime se a ato trouxer a probabilidade de resultar lesão grave, gravíssima ou
morte (Rogério Greco).
Há quem defenda que deveria estar catalogada no título dos crimes contra a paz pública, pois há uma ameaça e perturbação a ordem e a paz públicas. O núcleo é participar. O bem jurídico protegido direto é a incolumidade da pessoa humana; o indireto é a ordem e a paz pública.
9.5.1 Tipo subjetivo: é o dolo. Note que o legislador disse mais o que deveria, pois fez a ressalva da intenção de separar os contendores. Se o agente durante a rixa muda seu ato para separar a rixa, responderá por esse delito (rixa).
O tipo penal exige o número plural de agentes (plurissubjetivo ou de concurso necessário). Lembre-se que os crimes plurissubjetivos se dividem em: condutas paralelas; concorrentes; e contrapostas.
9.5.2 Sujeitos do crime: Para Rogério Greco, o delito é sui generis, pois o sujeito ativo é ao mesmo tempo o sujeito passivo (os rixosos agem uns contra os outros).
Questão: Por ser crime de concurso necessário, admite-se participação? Vale lembrar que a participação pode ser: a) material: o agente toma parte na luta, trocando agressões (partícipe da rixa); b) moral: o agente não toma parte na luta, limitando-se a instigar os agressores (partícipe do crime de rixa). Note que ambos responderão pelo delito.
9.5.3 Consumação: com o início do conflito. Para a corrente majoritária, trata-se de delito de perigo abstrato ou de perigo presumido. Para a Defensoria Pública e STF (em alguns julgados) trata-se de crime de perigo concreto.
Execução do delito: para a maioria é crime unissubsistente, não admitindo fracionamento (tentativa). Nelson Hungria admite a tentativa no caso de frustrar o início da rixa combinada (ex propósito). Ex.: quando uma rixa foi combinada e alguém impede sua execução.
Subtaneidade da rixa: não é necessário que ela surja de improviso; pune-se também a preordenada. Não se admite a tentativa na rixa ex improviso, mas na ex proposito, em tese, é admitida. Ex.: três grupos rivais combinam a rixa, mas antes de iniciá-la são impedidos pela polícia.
Questão: É possível alegar legítima defesa na rixa? 1ª corrente - se a pessoa não estiver participando da briga, poderá alegar a excludente para a se defender para não ser engolido pelo tumulto; 2ª corrente - se a pessoa estiver participando da briga, não poderá alegar a excludente, mas poderá excluir outro crime quando diante de agressões desproporcionais, exorbitantes. Ex.: durante a rixa, alguém saca uma arma, nesse caso, devido a desproporcionalidade da possível agressão, o outro rixoso poderá sacar uma segunda arma para se defender.
Questão: E se resultar lesão grave ou morte, quais as consequências? 1º sistema - solidariedade absoluta: se da rixa resultar lesão grave ou morte, todos os participantes respondem pelo delito, independentemente de se apurar quem foi o seu real autor; 2º sistema - cumplicidade correspectiva: havendo morte ou lesão grave, não sendo apurada a autoria, todos responderão pelo delito, com sanção intermediária entre a de um autor e a de um partícipe do crime; 3º sistema - autonomia (adotado pelo CP): a rixa é punida por si mesma. Havendo lesão ou morte, qualifica-se o crime. Apenas o causador da lesão ou da morte responderá pela qualificadora (6 meses a dois anos). Note que mesmo qualificada continuará sendo de menor potencial ofensivo.
Hipótese de qualificadora: 1ª situação - não se apurando o causador da lesão grave, a vítima também responderá pela qualificadora, em razão do maior perigo da briga. Aqui há um resquício de responsabilidade penal objetiva no CP; 2ª situação - se em razão do tumulto houver morte, apurando-se a autoria do golpe fatal, há duas correntes: 1ª corrente - todos respondem pela qualificadora, sendo que o agressor fatal cumulará o homicídio, não havendo bis in idem (qualifica-se pelo maior perigo da luta); 2ª corrente - para evitar o bis in idem, o agressor fatal responderá pela rixa simples, cumulada com o homicídio. Os demais rixosos pela forma qualificada; 3ª situação - havendo abandono da luta, por um dos rixosos, antes da morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, todos responderão pela qualificadora, pois quem abandona concorre de qualquer forma para a briga ficar mais perigosa; 4º situação - em caso de substituição de rixosos, havendo morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, quem substituiu a vítima responderá pela rixa simples, pois não concorreu para a morte do substituído. Os demais rixosos respondem pela qualificadora.
AULA IX - Art. 133 – Abandono de incapaz
O atual CP preferiu tratar o abandono em duas figuras: (1) abandono de
incapaz (art. 133); e (2) abandono de recém-nascido (art. 134). O bem jurídico
protegido das duas formas é a segurança da pessoa humana e seu bem estar social,
protegendo o incapaz, sobretudo, contra concreta situação de perigo (protege-se
a integridade físico-psíquica).
Obs.: O projeto do novo CP migra o abandono de recém-nascido para o
abandono de incapaz, pois aquele é na verdade uma forma privilegiada de
abandono (motivo de honra).
9.1.1 Sujeitos do crime: (1) ativo -
qualquer pessoa que tenha especial relação de assistência e proteção com a
vítima (a vítima deve estar sob os cuidados, guarda, vigilância ou autoridade
do autor). Em outras palavras, o autor deve estar na condição de garante. Logo,
trata-se de crime próprio. Faltando essa condição, poderá configurar outro
crime: omissão de socorro, abandono material, abandono intelectual etc. (2) passivo
– pessoa incapaz com relação de assistência com o sujeito ativo. A doutrina
denomina esse crime de bipróprio.
9.1.2 Tipo objetivo: abandonar significa deixar
desassistido, desamparado, incapaz de se defender dos riscos resultantes do
abandono, que se encontre na especial relação de assistência já referida.
Pune-se o abandono da própria pessoa e não o abandono do dever de assisti-la. O
abandono, por si só, não tipifica a conduta, sendo indispensável que dele
resulte um perigo concreto para a vida ou a saúde do abandonado. Trata-se de
crime de perigo concreto, que depende de comprovação.
Perceba que essa incapacidade, mais que fática, é jurídica. Para Aníbal
Bruno, essa incapacidade de se defender deve ser julgada não só conforme as
condições pessoais da vítima, mas ainda segundo as circunstâncias em que se
encontra. Pode tratar-se mesmo de adulto válido que se vê exposto em situação
de perigo, da qual não pode, por si próprio, libertar-se. Tão incapazes são as
crianças e os loucos quanto, em determinadas condições, os velhos, os
paralíticos, os cegos, os enfermos, os bêbedos, como qualquer pessoa que, por
qualquer motivo, não possa defender-se do risco a que fica exposta em razão do
perigo. Aliás, como salienta Bitencourt, até mesmo uma pessoa plenamente
válida, poderá estar em condição de incapacitada, ante a impossibilidade de se
defender. Ex.: (1) pessoa abandonada em alto-mar em pequeno barco; (2) aprendiz
de alpinismo abandonado pelo orientador no pico da montanha; (3) jovem auxiliar
que o lenhador levou à floresta frequentada por animais perigosos e lá foi
abandonado sem ter conhecimento do caminho de volta etc.
Atenção! Quem abandona alguém capaz (ou incapaz sem qualquer vínculo de
assistência) não responderá por crime algum, salvo se a conduta adequar-se ao
descrito na definição do crime de omissão de socorro (art. 135). Caso o agente
tenha a posição de garantidor o agente responderá por eventual resultado
danoso, lesão grave ou morte, por exemplo, se não evitá-lo. Agora, existindo a
relação de assistência, sobrevindo o resultado danoso, o agente responderá pelo
crime de abandono qualificado pelo resultado (há nesse caso, de acordo com
Bitencourt, um equivoco do legislador). Criou-se a figura do garantidor
privilegiado.
“com efeito, não deixa de ser paradoxal
negar maior proteção exatamente ao incapaz, a quem o ordenamento jurídico
considera hipossuficiente, pois, contraditoriamente, se do abandono de alguém
capaz, maior, plenamente válido, resultar-lhe a morte, havendo aquele vínculo
de ‘assistência’, o agente responderá pelo crime de homicídio, na forma
comissiva omissiva, ao passo que, nas mesmas circunstâncias, se do abandono de
um incapaz resultar-lhe a morte, o agente responderá somente pelo abandono de
incapaz, qualificado pelo resultado (art. 133). Evidentemente que esse paradoxo
persiste e somente poderá ser afastado, de lege ferenda, com a
simples aplicação dos parágrafos do art. 133, adequando-o à Parte Geral,
especialmente ao disposto no art. 13, § 2º”.
9.1.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo,
representado pela vontade e consequência de expor a vítima a perigo através de
abandono. O dolo pode ser direto ou eventual. Vale lembrar que no delito
doloso, o agente somente responderá quando conhece as condições/circunstâncias
fáticas que constitui o crime. Faltando um ou outro elemento do tipo haverá
erro de tipo (Roxin). Para Bitencourt, não há exigência de um especial fim de
agir.
9.1.4 Consumação: efetivo abandono do incapaz,
desde que este corra perigo real (concreto), ainda que momentâneo. Caso o
agente reassuma o seu dever de assistência, socorrendo a hipotética vítima, o
crime já estará consumado, podendo ser beneficiado pelo arrependimento
posterior (art. 16, CP). Para Bitencourt, o arrependimento posterior ou eficaz
são incompatíveis com esse crime na sua forma simples. Admite-se, em tese, a
tentativa. Não há previsão da modalidade culposa. Contudo, se o abandono for
culposo e resultar danos à vítima, o agente responderá por esse resultado (de
forma autônoma – lesão corporal ou morte). Rogério Greco defende a aplicação do
concurso de crimes entre o abandono e o resultado gravoso (lesão ou morte).
9.1.5 Majoração da pena: a) quando o autor
for “CADI”, tutor ou curador da vítima (não se admite a inclusão de companheiro
– união estável); b) vítima maior de 60 anos; c) abandono em lugar ermo – maior
dificuldade ou impossibilidade de o incapaz encontrar socorro (não basta ser
noite ou estar chovendo).
9.1.6 Pontos relevantes:
1) incapaz que foge
da vigilância e assistência – se ele mesmo se coloca em situação de abandono,
não configurará o crime, pois faltará a conduta do responsável capaz de
produzir o desamparo da vítima, criando-lhe o risco efetivo.
2) obrigação de cuidado – os cônjuges são obrigados a cuidar um do
outro (obrigação matrimonial), podendo configurar o crime em comento.
3) mãe que deixa filha, com menos de 4 anos de idade, na casa de
pessoas estranhas, responde por esse crime, pois há risco de perigo
configurado.
4) pai que sai para beber e deixa filho incapaz sozinho em casa, sem a
companhia de um adulto, não prestando a devida assistência, responde pelo crime
em tela.
9.2.1 art. 134 Exposição ou abandono de recém-nascido:
Para Nelson Hungria, não há distinção entre exposição e abandono, pois
são idênticas, sinônimas, sendo utilizadas com o mesmo sentido. Bitencourt
defende que as expressões não possuem o mesmo significado, lembrando que o
direito não possui palavras inúteis. O bem jurídico protegido é a segurança do
recém-nascido.
9.2.3 Sujeitos do crime: (1) ativo
– somente pode ser a mãe (crime próprio), visto que objetiva ocultar desonra
própria (honoris causa). É diferente que se trate de viúva ou adúltera, como sustentava a
antiga doutrina, admitindo-se a própria mulher solteira, especialmente em casos
de gravidez cada vez mais precoce, que vem acontecendo inclusive com
pré-adolescentes, especialmente nas pequenas comunidades, onde a rigidez moral,
normalmente, é mais acentuada. As adolescentes e pré-adolescentes são excluídas
pela inimputabilidade, mas deverão receber a proteção do Estatuto da Criança e
do Adolescente. Bitencourt não admite a exclusão da prostituta como sujeito
ativo desse crime. Dmásio, Hungria e Fragoso, admitiam que o pai incestuoso ou
adúltero também poderia praticar esse crime. (2) passivo – somente o
recém-nascido, fruto de relação extramatrimonial.
Questão: Qual é o tempo para a caracterização
de recém-nascido? Para Hungria, é o momento em que a délivrance se torna conhecida
de outrem, fora do círculo da família, pois, desde então, já não há mais
ocultar desonra. Para Noronha, é aquele que nasceu a poucos dias. Damásio, por
seu turno, entende que será recém-nascido até a queda do cordão umbilical. Fragoso
e Bitencourt entendem ser aquele nascido há poucos dias, não ultrapassando um
mês e desde que não se tenha tornado de conhecimento público.
Os autores, de modo geral, afirmam que o tipo penal pressupõe que o nascimento
deve ter sido “sigiloso” para justificar a tipificação do delictum exceptum. Aníbal Bruno
sustenta que o sigilo mencionado refere-se ao nascimento da vítima que se tenha
dado em “segredo” e ainda não tenha vindo ao conhecimento de estranhos. Falar
em nascimento sigiloso, segundo Bitencourt, parece um rematado exagero, quer
porque a restrição não consta da definição legal, quer pela inadmissibilidade
de conceber e gestar por longos nove meses sigilosamente.
Questão: E na hipótese de abandono de gêmeo
recém-nascidos? O privilégio somente se justifica se a mãe abandonar a todos,
caso contrário responderá pelo crime do art. 133, pois o abandono não teria
sido para ocultar desonra própria. Abandonando gêmeos, a responsabilidade penal
será na modalidade de concurso formal (FMB).
9.2.4 Consumação e tentativa: abandono efetivo
do recém-nascido, desde que este corra perigo efetivo, isto é, concreto, ainda
que momentâneo, pois é irrelevante a duração do abandono. Se a mãe reassumir o
seu dever de guarda e assistência, socorrendo seu filho, mesmo assim, o crime
já estará configurado, podendo, entretanto, ser beneficiada pelo arrependimento
posterior. Para Bitencourt, o dolo não poderá ser eventual, pois há a
necessidade de um especial fim de agir (ocultar desonra própria). Admite-se, em
tese, a tentativa. Ex.: mãe que decidida expor o recém-nascido ao perigo é
impedida no caminho antes de realizar seu intento.
A eventual superveniência de dano não pode ser abrangida pelo dolo, sob
pena de configurar outra infração penal: homicídio ou, havendo a influência do
estado puerperal, infanticídio. Não há previsão para a modalidade culposa.
Contudo, se decorrerem do abandono culposo resultados danosos para a vítima, o
agente responderá por esse resultado (lesão corporal ou morte), de forma
autônoma, não qualificando o crime em apreço. Agora, se do abandono doloso
sobrevier resultado mais grave (lesão ou morte), o agente responderá pela
modalidade qualificada (crime preterdoloso).
Obs.: configura o crime quando o recém-nascido é entregue aos parentes sob
a alegação de que os pais biológicos não possuem condições de criá-lo, jamais
procurando para visitas ou reclamar privações.
9.3 art. 135 Omissão de socorro
O crime omissivo consiste sempre na
omissão de determinada ação que o sujeito tinha obrigação de realizar e que
podia fazer. Divide-se em próprio (crime de mera conduta) e impróprio (crime de
resultado). Perceba que no crime omissivo próprio não há uma causalidade
fática, mas jurídica, não devendo ser decorrente de deveres puramente éticos,
morais ou religiosos.
Omissivo
próprio (puro)
|
Omissivo impróprio (impuro) ou
comissivo por omissão
|
O agente
tem o dever genérico de agir (recai sobre todos).
|
O agente
tem o dever jurídico (específico) de impedir o resultado (recai sobre
determinadas pessoas) – o qual atinge somente o “garante” ou “garantidor”.
Figura que existe para agir ou para evitar o resultado.
|
A norma
mandamental decorre do próprio tipo.
|
A norma
mandamental decorre de cláusula geral (art. 13, par. 2º, CP – o qual prevê
quem é o garante ou garantidor).
|
A
subsunção (fato/norma) é direta, eis que o dever de agir está na própria
norma (a omissão está prevista no tipo incriminador).
Tipo –
omissão
Subsunção
DIRETA
Fato - omissão
|
A
subsunção é indireta. O dever de impedir o resultado deriva de uma cláusula
geral (a omissão não está no tipo incriminador, está no art. 13, §2º - o tipo
penal na verdade descreve uma ação – o fato consiste numa omissão).
Tipo –
ação
(Subsunção
INDIRETA – não possui tipologia própria)
Fato - omissão
|
Responde
por omissão de socorro.
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Responde
pelo crime comissivo, que traz o resultado que deveria ter evitado.
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É
unissubsistente, logo não admite tentativa.
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É
plurissubsistente, logo admite tentativa. Ex. salva-vidas que deseja que a
vítima morra, mas um terceiro salva a vítima. O salva-vidas responderá por
tentativa de omissão.
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Natureza
jurídica: ausência de ação esperada. Somente responde por dolo
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Natureza
jurídica: uma realidade onde falta a causalidade. O agente responde porque
não age para evitar o resultado naturalístico. Lembre que se a omissão for
dolosa o crime será doloso. Responde por dolo ou culpa
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9.3.1 Bem jurídico protegido:
Preservação da vida e saúde do ser humano,
tendo como fundamento o desrespeito ao dever de solidariedade humana (princípio
moral erigido à condição de dever jurídico). Trata-se da violação de um dever
geral. Caso seja um dever especial, constituirá outro crime. Lembra Damásio que
o CP protege também a incolumidade pessoal do cidadão, não passando daí. Logo,
não protege outros interesses, como a honestidade, a liberdade pessoal e o
patrimônio. Caso uma pessoa saiba do cometimento de uma infração penal ou
concorde psicologicamente com isso, não há falar em omissão de socorro, mas no
máximo conivência criminosa, que não será punível a título de participação,
salvo se constituir alguma forma de contribuição causal. Há vozes na doutrina
que estendem a omissão para os casos acima (Noronha e Paulo José da Costa Jr.).
Ex.: pessoa presencia homicídio e nada faz para evitar o resultado. Nesse
ponto, Bitencourt lembra que o cidadão comum não está obrigado a evitar a
prática de crime, pois não há essa determinação legal no CP (a obrigação se
aplica às autoridades públicas – polícias e bombeiros).
9.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular, pois o
dever genérico é de não se omitir. (2) passivo – a) criança abandonada ou extraviada; b) pessoa inválida, ferida ou
desamparada; e c) qualquer pessoa em grave e iminente perigo. Note que o perigo
deve ser de grandes proporções e prestes a desencadear-se, como, por exemplo,
pessoa que se está afogando ou presa em qualquer coisa prestes a ser soterrada
etc. Não importa quem tenha causado a situação de perigo (própria vítima,
terceiros ou fenômenos naturais), salvo para o omitente (de forma dolosa ou
culposa), que se transformará no garantidor e responderá não simplesmente por
crime de perigo, mas por eventual resultado que advier da situação criada (art.
13, § 2º, CP).
9.3.3 Tipo objetivo: pode ser praticada de duas formas: a)
direta/imediata (deixar de prestar, desde que não haja risco pessoal); b)
indireta/mediata (não pedir socorro à autoridade pública). A doutrina ensina
que o risco moral ou patrimonial não afasta a tipicidade da omissão, bem como o
risco para terceiros (nesse caso poderá existir a excludente do estado de
necessidade).
Questão: Admite-se concurso de agentes nos crimes
omissivos? De acordo com a doutrina, admite-se tanto a coautoria quanto a
participação em sentido estrito. Ex.: (1) duas ou mais pessoas,
deliberadamente, unem as intenções para não socorrerem alguém (houve
coautoria). (2) duas ou mais pessoas, presentes no local da situação de perigo,
se negam de forma autônoma a prestarem o socorro (houve crime autônomo de cada
uma). (3) pessoa que por telefone dá orientações a quem está no local da situação
(houve participação).
Atenção! Não confunda participação em crime
omissivo com participação por omissão em crime comissivo. Na participação no
crime omissivo ocorre um agir positivo do partícipe que favorece o autor a
descumprir o comando legal. Ex.: paciente que instiga o médico a não comunicar
a existência de uma enfermidade contagiosa às autoridades sanitárias (será o
partícipe da omissão). Por outro lado, na participação por omissão em crime
comissivo o partícipe se omite de um dever e o autor comete a ação criminosa.
Ex.: operador caixa que deixa o cofre aberto para facilitar o furto.
9.3.4 Consumação: ocorrerá no lugar e momento em que a
atividade devida tinha que ser realizada. Por ser crime próprio ou puro, não
admite tentativa. Agora, no caso de omissão imprópria, por depender de
resultado naturalístico, admite-se a forma tentada. Vale lembrar que o erro
quanto à situação de perigo, à possibilidade da conduta ou risco pessoal
excluirá o dolo (erro de tipo).
Questão: E se a pessoa não souber da norma mandamental? Estar-se-á diante do erro
de tipo mandamental (erro mandamental). É o erro de tipo na omissão
imprópria.
9.3.5 Figuras majoradas: não há forma qualificada, pois é crime de
perigo. Caso haja resultado naturalístico, o crime passará a ser de dano,
aumentando a pena do agente. Se em razão da omissão sobrevier lesão corporal de
natureza grave, a pena será aumentada de metadade e triplicada em caso de morte
(essa mojorante é fixa). Como já estudado, nos casos de homicídio culposo e lesão
corporal culposa, a omissão de socorro não constituirá crime autônomo, mas
majorante daqueles.
9.3.6 Pontos relevantes:
1) Uma criança sendo jogada pela janela. Se o
pai da criança observa a ação e nada faz, responderá por homicídio. Agora, se
for um terceiro alheio à criança, responderá por omissão de socorro.
2) exigibilidade de conduta diversa - nos crimes comissivos integra a
culpabilidade e nos omissivos funcionais serve como elemento do tipo penal.
3) agente ausente do local - não poderá
responder pelo crime de omissão, mesmo tendo o dever jurídico de agir. Ex. 1:
médico que sai mais cedo ou chega atrasado com a morte do paciente nesse
ínterim; Ex. 2: salva-vidas conversando com a namorada longe do local do
sinistro.
4) o CP adotou a T. normativa da omissão
e não o da T. naturalística da omissão (causa natural física do resultado).
Para Paulo José da Costa Júnior, a omissão do CP adotou a T. mista, pois há
menção expressa das duas T. anteriores, dependendo do caso concreto.
5) responde pelo crime de homicídio culposo, e
não omissão, o médico que, estando de plantão e, de sobreaviso em sua
residência é acionado, mas negligentemente deixa de comparecer ao hospital,
ministrando, por telefone, medicação.
6) respondem pela omissão de socorro os
agentes que, mesmo tendo à disposição meios próprios para promover o transporte
de pacientes em estado grave para outros hospitais, se negam a fazê-lo,
resultando, na morte de algumas pessoas.
7) agente que não socorre vítima atropelada
temendo agravar a situação – há uma motivação justa que permite afastar a
censurabilidade do comportamento (inexigibilidade de conduta diversa). Mas,
nesse caso, deverá buscar socorro.
8) omissão de socorro no Estatuto do Idoso -
art. 97, Lei 10.741/03.
9) omissão de socorro no CTB – art. 304, Lei
9.503/97.
10) recusa da vítima em deixar-se socorrer –
se o agente verificar, no caso concreto, que se trata de criança abandonada ou
extraviada, ou pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente
perigo, deverá, mesmo contra a vontade expressa da vítima, prestando-lhe o
necessário socorro (os bens protegidos são indisponíveis).
9.4 Art. 136 – Maus tratos
Os bens jurídicos tutelados são a vida e a
saúde da pessoa humana, ou seja, a integridade fisiopisíquica do ser humano, especialmente
daqueles submetidos a autoridade, guarda ou vigilância para fins de educação,
ensino, tratamento ou custódia.
9.4.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – somente quem se encontre na condição especcial de exercer a
autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou
custódia (crime próprio). A ausência dessa relação especial afasta a sua
adequação típica, podendo configurar outro crime: exposição de perigo da vida
ou da saúde de outrem. (2) passivo – somente
pessoas que se encontre subordinada nas relações acima.
9.4.2 Tipo objetivo: são várias condutas típicas
(conteúdo variado): (1) privar de alimentação (basta a privação relativa, pois
a total poderá configurar o crime de homicídio); (2) privar de cuidados
indispensáveis (materiais, afetivos ou morais); (3) sujeitar a trabalho
excessivo ou inadequado; (4) abusar de meios corretivos ou disciplinares (aqui
a ação inicial é lícita, mas há abusos na execução). Nas três primeiras figuras
o crime é permanente. Na última, instantâneo.
Questão: O corretivo aplicado pelos pais aos
filhos, que resulta em hematomas, configura esse crime? Se não afetar a saúde
do menor, nem mesmo colocando-o em risco, não haverá excesso. Vale lembrar que
se esse corretivo for aplicado por tutor, curador, professor, carcereiro, entre
outros, ou seja, qualquer pessoa diferente dos pais, configurará o crime.
9.4.3 Tipo objetivo: Para Euclides Custódio da
Silveira, é indispensável a consciência do abuso cometido, sob pena do erro de
tipo. Está excluído o dolo de dano desse tipo penal, bastando a probabilidade
de sua ocorrência (o crime é formal e de perigo).
9.4.4 Forma majorada: o Estatuto da
criança e do adolescente acrescentou o § 3º, prevendo a elevação de 1/3 da pena
em razão da menoridade da vítima. Qualificam
o crime: exposição que resulta lesão corporal de natureza grave ou morte.
9.4 Pontos relevantes:
1) mulher vítima de maus-tratos – não poderá ter o marido como sujeito
ativo, pois não há nenhuma relação de autoridade, guarda ou vigilância entre os
cônjuges, seja para educação, ensino, tratamento, custódia ou qualquer outra
finalidade. A situação será a mesma em relação ao filho maior de idade.
2) elementar especial do crime – Nelson Hungria defende que essa
subordinação é um pressuposto para a configuração do crime. Para Frederico
Marques, trata-se de um elemento constitutivo do tipo. Bitencourt, por sua vez,
defende ser uma elementar típica especializante.
3) simples empurrão ou meto tapa, por mais antipedagógico que seja, não
configura o crime.
4) maus-tratos e tortura – não existe coincidência de motivação entre
esses crimes. Nos maus-tratos, o agente atua para fins de educação, ensino,
tratamento e custódia. Na tortura, a intenção é aplicar castigo.
5) erro de proibido indireto (agente erra sobre os limites de uma causa
de justificação).
9.5 art. 137 – Rixa (no projeto do novo
CP: confronto generalizado)
Briga perigosa entre mais de duas
pessoas (no mínimo três rixosos), agindo cada uma por sua conta e risco,
acompanhada de vias de fato ou violências recíprocas. Trata-se de uma infração
de menor potencial ofensivo. Flávio Queiroz de Moraes define como o “conflito
que, surgindo do improviso entre três ou mais pessoas, cria para estas uma
situação de perigo imediato à integridade corporal ou à saúde”.Há quem defenda que deveria estar catalogada no título dos crimes contra a paz pública, pois há uma ameaça e perturbação a ordem e a paz públicas. O núcleo é participar. O bem jurídico protegido direto é a incolumidade da pessoa humana; o indireto é a ordem e a paz pública.
9.5.1 Tipo subjetivo: é o dolo. Note que o legislador disse mais o que deveria, pois fez a ressalva da intenção de separar os contendores. Se o agente durante a rixa muda seu ato para separar a rixa, responderá por esse delito (rixa).
O tipo penal exige o número plural de agentes (plurissubjetivo ou de concurso necessário). Lembre-se que os crimes plurissubjetivos se dividem em: condutas paralelas; concorrentes; e contrapostas.
9.5.2 Sujeitos do crime: Para Rogério Greco, o delito é sui generis, pois o sujeito ativo é ao mesmo tempo o sujeito passivo (os rixosos agem uns contra os outros).
Questão: Por ser crime de concurso necessário, admite-se participação? Vale lembrar que a participação pode ser: a) material: o agente toma parte na luta, trocando agressões (partícipe da rixa); b) moral: o agente não toma parte na luta, limitando-se a instigar os agressores (partícipe do crime de rixa). Note que ambos responderão pelo delito.
9.5.3 Consumação: com o início do conflito. Para a corrente majoritária, trata-se de delito de perigo abstrato ou de perigo presumido. Para a Defensoria Pública e STF (em alguns julgados) trata-se de crime de perigo concreto.
Execução do delito: para a maioria é crime unissubsistente, não admitindo fracionamento (tentativa). Nelson Hungria admite a tentativa no caso de frustrar o início da rixa combinada (ex propósito). Ex.: quando uma rixa foi combinada e alguém impede sua execução.
Subtaneidade da rixa: não é necessário que ela surja de improviso; pune-se também a preordenada. Não se admite a tentativa na rixa ex improviso, mas na ex proposito, em tese, é admitida. Ex.: três grupos rivais combinam a rixa, mas antes de iniciá-la são impedidos pela polícia.
Questão: É possível alegar legítima defesa na rixa? 1ª corrente - se a pessoa não estiver participando da briga, poderá alegar a excludente para a se defender para não ser engolido pelo tumulto; 2ª corrente - se a pessoa estiver participando da briga, não poderá alegar a excludente, mas poderá excluir outro crime quando diante de agressões desproporcionais, exorbitantes. Ex.: durante a rixa, alguém saca uma arma, nesse caso, devido a desproporcionalidade da possível agressão, o outro rixoso poderá sacar uma segunda arma para se defender.
Questão: E se resultar lesão grave ou morte, quais as consequências? 1º sistema - solidariedade absoluta: se da rixa resultar lesão grave ou morte, todos os participantes respondem pelo delito, independentemente de se apurar quem foi o seu real autor; 2º sistema - cumplicidade correspectiva: havendo morte ou lesão grave, não sendo apurada a autoria, todos responderão pelo delito, com sanção intermediária entre a de um autor e a de um partícipe do crime; 3º sistema - autonomia (adotado pelo CP): a rixa é punida por si mesma. Havendo lesão ou morte, qualifica-se o crime. Apenas o causador da lesão ou da morte responderá pela qualificadora (6 meses a dois anos). Note que mesmo qualificada continuará sendo de menor potencial ofensivo.
Hipótese de qualificadora: 1ª situação - não se apurando o causador da lesão grave, a vítima também responderá pela qualificadora, em razão do maior perigo da briga. Aqui há um resquício de responsabilidade penal objetiva no CP; 2ª situação - se em razão do tumulto houver morte, apurando-se a autoria do golpe fatal, há duas correntes: 1ª corrente - todos respondem pela qualificadora, sendo que o agressor fatal cumulará o homicídio, não havendo bis in idem (qualifica-se pelo maior perigo da luta); 2ª corrente - para evitar o bis in idem, o agressor fatal responderá pela rixa simples, cumulada com o homicídio. Os demais rixosos pela forma qualificada; 3ª situação - havendo abandono da luta, por um dos rixosos, antes da morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, todos responderão pela qualificadora, pois quem abandona concorre de qualquer forma para a briga ficar mais perigosa; 4º situação - em caso de substituição de rixosos, havendo morte da vítima, não se apurando o autor do golpe fatal, quem substituiu a vítima responderá pela rixa simples, pois não concorreu para a morte do substituído. Os demais rixosos respondem pela qualificadora.
9.5.4 Pontos relevantes:
1) eventuais não participantes da rixa, podem também figurar como
vítimas do crime quando atingidos pelo tumulto.
2) a rixa também é conhecida como sururu, sarilho, banzé, fuzuê, rolo e
baderna.
3) o local da rixa é irrelevante e a simulada não constitui crime, em
razão da ausência do animus rixandi, ainda que sobrevenha lesão grave ou morte. Nesse caso, os rixosos
responderão por crime culposo, de forma autônoma.
4) A rixa à distância é admitida, dispensando o corpo a corpo. Ex.
arremesso de objetos (cadeira, garrafas etc.).
5) a troca de agressões verbais não configura rixa, podendo ser algum
tipo contra a honra.
6) não é possível o
perdão judicial.
7) rixa nos eventos
esportivos (Estatuto do Torcedor), reclusão de 1 a 2 anos. Crime de menor
potencial ofensivo.
8) Para Rogério Greco, é possível a modalidade omissiva quando o agente
gozar do status de garantidor. Ex.: no interior da cela de uma delegacia, alguns
detentos começam a se agredir reciprocamente, gerando uma pancadaria
indiscriminada. O carcereiro responderá pelo crime, se assistir a tudo e nada
fizer (omissão imprópria).
9) confronto entre dois grupos – não haverá rixa, mas vias de fato ou
homicídio.
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