O direito penal do risco e algumas teorias para a
repressão
As mudanças tecnológicas ocasionam uma mudança brusca no
comportamento humano. A sociedade moderna quando percebe que seus padrões
coletivos de vida, de progresso, de controlabilidade de catástrofes naturais e
de exploração da natureza estão drasticamente alterados pelo conhecimento de
que a ocorrência interligada de seus processos de desenvolvimento como a
globalização, a individualização, a revolução de gênero, o desemprego e,
principalmente, a manipulação do processo tecnológico produzem “riscos” de produção
de efeitos colaterais que, se concretizados, podem causar catástrofes de
amplitudes globais, como incidentes nucleares, buraco na camada de ozônio,
poluição das águas e do ar por agentes químicos, quedas de aeronaves, guerra
química, biológica ou atômica e etc., seus institutos fundamentais, suas
instituições de controle social e toda a coletividade que a integra, isto é, os
indivíduos, a sociedade civil e o Estado, são postos em movimento na tentativa
de se antever e, assim, conter toda e qualquer conduta, individual ou coletiva,
que possa trazer em seu contexto hipotético a carga de um “risco”.
Daí o Direito Penal, tradicionalmente utilizado como meio
de intervenção estatal de repressão de condutas socialmente indesejáveis,
transmuda-se e passa a ser um dos mecanismos mais utilizados pelo Estado na
luta pela contenção preventiva de condutas hipoteticamente arriscadas. Seu
campo de atuação é largamente expandido, para que possa intervir em campos que
até então lhe eram estranhos, como na economia, no meio ambiente, nas relações
de consumo, na manipulação genética etc. Mas, ao se expandir para cumprir os
ideais prevencionistas, norteados pela teoria dos riscos, depara-se o Direito
Penal com dilemas estruturais internos, pois essas novas áreas demandam um
atuar completamente novo de seus mecanismos. Assim, o arcabouço fundamental do
Direito Penal tradicional passa a ser redesenhado para que surja o que se pode
chamar de “Direito Penal do Risco”. Um Direito Penal que busca
ser eficiente no combate preventivo aos novos riscos; um Direito Penal
altamente punitivista e, também, flexionador, por vezes até exterminador, de
princípios e pressupostos ontológicos do “Direito Penal de base clássica”.
Essa nova concepção gera, paradoxalmente, pontos
conflitantes na estrutura fundamental do Direito Penal contemporâneo. Pontos
estes que parecem afetá-lo de maneira tal que se chega a questionar a sua
legitimidade, a sua necessidade e a sua finalidade nessa atuação dita
expansionista; além, é claro, de causar dúvidas sobre quais rumos se deve tomar
para não se perder em um futuro próximo. Para solucionar tais problemas, parte
da doutrina penal internacional se mobiliza e passa a enfrentar o problema em
toda a sua amplitude. Daí o surgimento de teorias como propostas de solução da
problemática fundamental do Direito Penal da sociedade contemporânea.
Direito de intervenção (Winfried Hassemer)
Os efeitos de um Direito Penal voltado à prevenção de
riscos tecnológicos ultrapassam para Winfried Hassemer, situado no oposto
extremo do mosaico, os limites da Política Criminal para atingir também a
teoria da pena e a doutrina do bem jurídico, de modo que, portanto, ensejam uma
funcionalização do Direito Penal. A incorporação ao Direito Penal do
desenvolvimento político-criminal das idéias de insegurança, complexidade
social, necessidade de orientação, estabilização de expectativas e proteção a
bens jurídicos de grandes perturbações pressupõem, para Hassemer, uma ameaça ao
direito penal, “pois implica o abandono de sua tarefa de assegurar o mínimo
ético, para transformá-lo em instrumento de controle dos grandes problemas
sociais, passando da tarefa de reprimir lesões pontuais a bens jurídicos
concretos, para prevenir, em grande escala, situações problemáticas, inclusive
potenciais” (MACHADO, 2005, 186).
Segundo Hassemer, a consideração firmada por Liszt,
segundo a qual o Direito Penal constituiria uma barreira intransponível à
Política Criminal, na perspectiva da sociedade mundial de riscos é formulada de
maneira contrária, isto é, para ele, o Direito Penal não mais se posiciona como
bloqueio infranqueável à Política Criminal, pelo contrário, funcionaria como
seu instrumento legitimador. Na sociedade de riscos, o Direto Penal deixa de
tutelar bens jurídicos concretos para garantir funções sistêmicas vagas e
indeterminadas. Portanto, segundo Hassemer, legítimo apenas que o Direito
Penal, em contextos de elevada complexidade social, tutele e assegure elementos
pessoais para que, assim, exerça funções que não sejam a seguridade geral ou a
diminuição social de dano ou de um risco, mas a imputação de fatos puníveis a
uma pessoa (MACHADO, 2005, p. 186).
É que HASSEMER adere a uma posição garantista (SOUZA,
2007, p. 79), e por isso mesmo, dessa “linha de pensamento decorre a posição
firme do autor contrária à extensão da tutela penal a bens jurídicos
supra-individuais. Mais especificamente, defende que os interesses gerais ou
estatais tão-somente ganham importância na esfera penal na medida em que
corresponderem aos interesses imediatos dos indivíduos” (MACHADO, 2005, p.
186-187). Hassemer evidencia que a expansão que implicou a idéia de novos
riscos aos campos de atuação do Direito Penal moderno, faz com que princípios
estruturais dos mais essenciais sejam acometidos, para que, assim, se aproximem
os mecanismos de atuação do Direito Penal aos do Direito Administrativo; o ramo
de ordenação social verdadeiramente legítimo a intervir em tais áreas. Para
ele, “tais situações ilícitas não podem se adequar aos padrões de normatização
próprios do Direito Penal, uma vez que exijam uma tipificação que recorra, por
exemplo, aos esquemas próprios aos tipos de perigo abstrato, além de referirem
à proteção de bens jurídicos que se mostram vagamente configurados” (SOUZA,
2007). É que “dentro da cultura do bem jurídico pessoal, HASSEMER não aceita a
constante antecipação de tutela que o direito penal vem promovendo na sociedade
de risco, fundamentalmente por meio dos tipos de perigo abstrato. Além disso, o
autor nega esta intromissão efusiva do conceito de risco na tipicidade, posto
que, de fato, serve como uma categoria de plena normatização típica” (SALVADOR
NETTO, 2006, p. 160).
Hassemer, assim, parece tentar fazer frente à utilização
do aparato penal na satisfação de grandes necessidades sociais que, para tanto,
fazem necessário que se afaste o Direito Penal de seus ideais de garantias
materiais e processuais. Para Hassemer, a evolução, como se apresenta, traz
problemas sérios ao Direito Penal, pois seus meios de atuação são idôneos para
solucionar pouquíssimos problemas e, portanto, sobre ele paira a pena de perda
de sua tradicional força de convicção. Por assim ser, o “direito penal deve afastar-se
do direito penal do risco, cujos proveitos são poucos, a custos muito altos,
como, por exemplo, o de abdicar da defesa de garantias de liberdades
individuais” (MACHADO, 2005, p. 189-190). Não parece negar o autor a dinâmica
da sociedade contemporânea, mas, não obstante, sua “posição em relação a estes
acontecimentos é muito firme, qual seja,
estes 'novos' bens jurídicos não devem estar sob a proteção do direito penal.
Em outras palavras, o fenômeno de jurisdicização específico da sociedade de
risco apenas pode ser engendrado por setores externos ao sistema penal,
buscando, destarte, um outro ramo sancionatório e regulador” (SALVADOR NETTO,
2006, p. 160)
Está muito claro, pois, que se opõe Hassemer muito
severamente à tendência propagada pelo Direito Penal do risco e firma a redução
do Direito Penal a um núcleo, o direito
penal nuclear: voltado apenas aos delitos de lesão a bens jurídicos individuais
ou a bens jurídicos supra-individuais intimamente ligados à pessoa e em delitos
de perigo concreto, de gravidade elevada e evidente, além de firmado em regras
de imputação rígidas e princípios de garantia clássicos; todo o resto, fica
abarcado em um outra ramo do direito. Parece, portanto, que na proposta de
Hassemer, estaria afastada da intervenção jurídico-penal a tutela de bens
universais frente aos novos riscos tecnológicos e, além do mais, se intentaria
evitar qualquer outra tentativa de expansão do Direito Penal. Além de afastar
do Direito Penal essa tutela, Hassemer procura propor que não deva ficar a
cargo simples e exclusivamente do Direito Administrativo, mas que se encarregue
dela também um novo sistema de intervenção jurídica estatal, livre das
rigorosas exigências principiológicas e de formalidades na atribuição de
responsabilidades – mais apropriado a lidar com as peculiaridades das áreas de
manifestação dos novos riscos –, o qual denomina direito de intervenção
(MACHADO, 2005, p. 197); um novo ramo do direito pelo se poderia alcançar uma
forte “descriminalização (revogação dos tipos penais) daqueles comportamentos
que não apresentam uma explícita danosidade (lesividade) aos bens jurídicos ,
pessoais” (SALVADOR NETTO, 2006, p. 160).
O Direito de Intervenção se localizaria entre o Direito
Penal e o Direito Administrativo e entre o Direito Civil e o Direito Público e
se destinaria, nos moldes preventivos, ao combate de novos focos de
insegurança, em especial, no que diz respeito a matérias como drogas, delitos
econômicos e delitos de meio-ambiente. Um Direito que disporia, em sua
sistemática de aplicação, de sanções de menor intensidade que as
tradicionalmente comináveis pelo Direito Penal, o tornaria forçoso a renúncia
definitiva a penas privativas de liberdade, uma vez que seria ele mais flexível
em relação às garantias materiais e processuais. Em outras palavras, “a idéia
de 'Direito de Intervenção' consiste, assim, exatamente, na criação de um novo
ramo jurídico, dotado de menos garantias que o sistema penal, mas, ao mesmo
tempo, capaz de coibir e reprimir os desvios típicos da sociedade reflexiva.
Este direito estaria sediado no espaço limítrofe do direito civil e
administrativo. Desse modo, ao direito penal pertencem a proteção de bens
jurídicos pessoais, a aplicação das sanções mais severas como a pena privativa
de liberdade e, conseqüentemente, um feixe abrangente de garantias processuais
e materiais. Ao direito penal (de intervenção) caberia a regulação das
'instâncias de interação coletiva', com menos garantias e, diante disso, sem a
possibilidade de punições severas como a privação da liberdade” (SALVADOR
NETTO, 2006, p. 161). “Na opinião de Hassemer, um modelo de direito de
intervenção assim configurado seria, pragmaticamente, mais adequado para
responder aos problemas específicos das sociedades pós-industriais. De outro
lado, poder-se-ia liberar o direito penal de expectativas de prevenção que não
pode cumprir e que, segundo o autor, o arruínam”(MACHADO, 2005, p. 198).
O direito penal de velocidades (Silva Sánchez)
Mas não é somente Hassemer que tem uma proposta de
isolamento do Direito Penal a um núcleo central, ou de um direito penal
nuclear. Silva Sánchez aponta como uma das características do processo de
expansão do Direito Penal o deslocamento de seu foco de intervenção para campos
tradicionalmente afetos ao Direito Administrativo, isto é, da tutela de penal
tradicional para o controle preventivos de riscos.
Para Marta Machado, reside precisamente aqui o desvio no
curso natural de processos de normativização de fatos sociais politicamente
definidos como não desejados, pois prevenção e controle protetivo genérico são
questões genuína para o direito administrativo e não uma tarefa para o aparato
penal. Segundo esta autora, nos termos da explanação de Silva Sánchez, entre a
intervenção penal e o intervencionismo estatal consubstanciado na legislação
administrativa reside uma diferença qualitativa. “A primeira persegue a
proteção de bens concretos em casos concretos e segue critérios de imputação
individual, lesividade ou periculosidade concreta. O segundo persegue a
ordenação, de modo geral, de setores de atividades; não segue critérios firmes
de lesividade ou periculosidade concreta. O segundo persegue a ordenação, de
modo geral, de setores de atividades; não segue critérios firmes de lesividade
ou periculosidade, mas de afetação geral da globalidade do sistema.
Por meio do direito administrativo, não se almeja tratar
de ações imputáveis pessoalmente a um sujeito determinado, mas de um gênero de
condutas que represente, em termos estatísticos, um perigo para um determinado
modelo setorial de gestão. Trata, portanto, de questões macrossociais,
sistêmicas e estruturais” (MACHADO, 2005, p. 188).
Ao comentar a explanação do professor Sánchez, a autora
chama a atenção para as alterações que se inseriram no arcabouço sistemático do
Direito penal, para que forçar sua adequação às formas de manifestação dos
“novos riscos”, e que, portanto, fazem com que as características dos
mecanismos próprios de atuação do Direito Penal sejam redesenhadas, de forma a
aproximá-las ao modelo administrativo. Para ela, “Sánchez chega a ponderar que
o direito penal não só vem assumindo o modo de racionalizar e operar do direito
administrativo, com vem se convertendo em um direito de gestão ordinária de
problemas sociais.
Daí a origem de sua afirmação de que a demanda por
regulamentação tem sido endereçada a lugar equívoco” (MACHADO, 2005, p. 188).
Mas o discurso de Silva Sánchez “é significativamente mais sutil do que o
proposto por HASSEMER, a partir do fato da preocupação explicitada pelo autor
espanhol com os institutos, por exemplo, da imputação objetiva e, em
conseqüência, com as formas de trazer a problemática do risco para o cerne da
tipicidade penal” (SALVADOR NETTO, 2006, p. 162). Não se pode também deixar de
notar que há em Silva Sánchez uma crítica às propostas funcionais (PUCCI, 2008,
p. 230) e que, por outro lado, sua proposta sobre ferrenhas críticas de
posições que comungam um Direito Penal de base funcional (AMARAL, 2007, p.
122-125).
Seja como for, Silva Sánchez firma sua proposta em uma
base muito interessante. Com efeito, após analisar os pontos críticos
apreensíveis no embate existente nas estruturas fundamentais do Direito Penal
contemporâneo, pós-industrial, onde forças parecem constantemente medir suas
potências em um constante confronto, no qual se posicionam, de um lado, uma
tendência expansionista, fundada na proteção penal da sociedade em face dos
“riscos” e, de outro, uma tendência fundada na mantença de seu arcabouço
tradicionalmente concebido e até então, arraigado nestas linhas, tecnicamente
desenvolvido, Silva Sánchez - um dos autores, de postura intermediária,
denominada expansão moderada –, ao mesmo tempo em que se desgarra da tendência
tradicionalista clássica, rejeita a tendência flexibilizadora da atualidade e,
assim, concebe um modelo dual para a sistemática de aplicação do Direito Penal,
a teoria do Direito Penal de duas velocidades.
Em sua concepção sistemática, Silva Sánchez parte de dois
pressupostos: o primeiro consiste em fazer oposição à plena “modernização” do
direito penal – caracterizada por ele como a expansão de seus campos de atuação
e a flexibilização de princípios político-criminais e de pressupostos de
imputação da pena privativa de liberdade. O segundo pressuposto, condiz com
negar o retorno ao direito penal clássico. É que a “crítica de SILVA SÁNCHEZ ao
direito penal contemporâneo reside, principalmente, na relação existente entre
as garantias incorporadas pelo sistema de imputação e as sanções resultantes da
concretude das normas em face do cidadão” (SÁNCHEZ, 1999).
É por isso que “Silva Sánchez correlaciona a severidade
das sanções afirmadas por um determinado sistema com as garantias por ele
firmadas e, assim, constata que o conjunto de garantias seria mais reverso da
pena do que algo inerente à identidade do modelo sistemático. Logo conclui que
a problemática não reside propriamente na expansão do Direito Penal da pena
privativa de liberdade, de modo que entende admissível que o Direito Penal
absorva novas áreas de proteção menos garantistas, desde que, nestes campos,
seja afastada a cominação de penas que imponham a privação da liberdade ao
responsável pelo fato. Com sua concepção, pretende o autor demonstrar “a
possibilidade de coexistirem espécies de subsistemas sancionatórios dentro do
sistema penal.
Daí porque fala em um Direito Penal de 'duas velocidades'
para se referir a dois diferentes subsistemas sancionatórios penais, cada um
com a sua vocação específica e com um sistema de garantias próprio” (SOUZA,
2007, p. 84)
Com base nessa formulação, Silva Sánchez divide o Direito
Penal em dois modelos dogmáticos e político-criminais: o direito penal nuclear,
onde são mantidos os princípios e pressupostos do direito penal liberal, e o
direito penal periférico, no qual esses princípios podem ser flexionados ou até
reformulados, para que de fato tutele o Direito Penal as novas áreas
arriscadas. As penas privativas de liberdade ficariam assim adstritas aos
campos do Direito Penal nuclear, e o Direito Penal periférico disporia apenas
de sanções patrimoniais e penas restritivas de direito. Assim, os direitos, as
liberdades e as garantias individuais estariam resguardados pela proteção de
bens jurídicos pessoais pelo núcleo duro do Direito Penal, orientado pela
concepção de garantias clássicas, ao passo que a proteção penal de bens
jurídicos supra-individuais, orientada na idéia de novos riscos, ficaria a
cargo da zona periférica do Direito Penal, caracterizada pela mitigação de tais
garantias. Segundo Rafael Diniz Pucci, arraigado nos dizeres do professor de
Coimbra Jorge de Figueiredo Dias, a via de Silva Sánchez “postularia uma
'periferia' jurídico-penal especificamente dirigida aos grandes e novos riscos, com menor intensidade
garantística. Pertenceria ainda ao Direito Penal, mas seria 'aparentada' aos
princípios do direito sancionatório de caráter administrativo” (PUCCI, 2008, p.
231).
Silva Sánchez correlaciona a severidade das sanções
afirmadas em um sistema de garantias e,
assim, constata que o conjunto de garantias é o que se torna mais reverso da
pena do que algo inerente à identidade mesma do modelo de sistema. Por isso, a
problemática do sistema penal para ele parece não residir propriamente no
ideário de expansão do Direito Penal da pena privativa de liberdade, mas nas
garantias mesmas que integram este sistema. Por isso, entende admissível que o Direito Penal
absorva novas áreas de proteção menos garantistas, mas, desde que, nestes
campos, seja afastada a cominação de penas que imponham a privação da liberdade
ao responsável pelo fato.
Com sua concepção, afirma Marta Rodrigues de Assis
Machado, pretende Silva Sánchez demonstrar “a possibilidade de coexistirem
espécies de subsistemas sancionatórios dentro do sistema penal. Daí porque fala
em um Direito Penal de 'duas velocidades' para se referir a dois diferentes
subsistemas sancionatórios penais, cada um com a sua vocação específica e com
um sistema de garantias próprio” (SOUZA, 2007, p. 84).
A função racionalizadora do Estado sobre a demanda social
por punições, com esse modelo, daria lugar a uma resposta simultaneamente
funcional e garantista. Ou seja, seria assegurada, de um lado, a proteção a
bens individuais pelo núcleo duro do Direito Penal, portanto, estaria
resguardado o arcabouço principiológico e os pressupostos sistemáticos de
aplicação clássicos e, de outro, tomaria o Direito Penal a proteção das novas
áreas de tutela de forma eficiente por intermédio de sanções alternativas, se
tida como legítima a flexibilização de critérios de imputação e dos princípios
político-criminais de incriminação. Segundo Alamiro Velludo Salvador Netto,
“esta forma de penar permite uma constatação quanto à natureza dos tipos
penais, os quais, como mecanismos de garantias, podem ser classificados como
pertencentes ao direito penal de 'primeira' ou 'segunda' velocidade”, e conclui
que “(...) é percebida na construção do autor a alteração constante que o
Direito Penal vem sofrendo, transformando-se num direito de prevenção, onde os
parâmetros de suportabilidade dos riscos (risco permitido) são estabelecidos
como forma de gestão da sociedade dos contratos anônimos e relações complexas”
(PUCCI, 2008, p. 163-164).
A concepção do professor espanhol, como faz lembrar o
Professor Luciano Anderson de Souza, “é a de que se garanta uma expansão do
Direito Penal que carregue consigo toda a função simbólica que esse sistema de
controle social pode carrear, sem que isto implique necessariamente a imposição
de penas privativas de liberdade, mas, sim, que esta expansão possa se dar com
o recurso à previsão das penas restritivas de direitos ou penas pecuniárias, em
situação semelhante àquela vivenciada em muitos países europeus no âmbito do
Direito Administrativo sancionador. E indo mais além, o autor demonstra certa
simpatia, inclusive, com a adoção de sanções meramente reparatórias, como
aquelas que são típicas de um direito de reparação civil” (SOUZA, 2007, p. 67)
. Mas, não se pode ignorar, é uma concepção passível de críticas, como as
tecidas pelo professor Cláudio do Prado Amaral: “1) do ponto de vista
científico-sistêmico, conduz à quebra da teoria do delito como concepção geral
e uniforme do ilícito, em claro retrocesso histórico; 2) também, aproxima-se
muito das propostas de Hassemer e outros – exceto pelo fato de propor a
manutenção do direito penal de segunda velocidade dentro do próprio direito
penal – no sentido de um direito de intervenção (intervenktionsrecht),
cujo conteúdo ainda carece de precisão; 3) ainda, traria para dentro do direito
penal a possibilidade de relativização das garantias penais heróica e
historicamente conquistadas; 4) não se pode deixar de apontar também que
criaria um direito penal de classes, em que seriam sancionadas com pena
privativas de liberdade os indivíduos das camadas menos favorecidas, enquanto
na delinqüência agressiva aos bens coletivos (por exemplo, aquele que atinge a
economia) seus autores seriam sancionados com penas não detentivas; 5)
outrossim, desconsideraria o caráter
estigmatizante que possui qualquer pena criminal, ainda que não
privativa de liberdade; 6) e, afinal, um direito penal de velocidades causaria
uma inapropriada atuação do princípio da proporcionalidade” (AMARAL, 2007, p.
121-122).
Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6170
Questão: O que é direito de terceira velocidade? De acordo com
Rogério Greco, cada velocidade marca um momento da história. Antes da Grande
Guerra, preponderava a imposição de penas privativas de liberdade. Essa foi a
primeira velocidade do Direito Penal. Depois da 2ª Grande Guerra, em razão dos
sofrimentos impingidos aos cidadãos do mundo, surge a preponderância de
aplicação das penas alternativas. Esse é o Direito Penal de Segunda Velocidade.
No atual momento histórico, com o aumento de ataques terroristas, a sociedade passa
a abrir mão das garantias penais e processuais para a efetivação de sua
segurança jurídica. Houve um endurecimento do Direito Penal. Esse é o Direito
Penal de Terceira Velocidade. Ex.: interceptação telefônica, delação premiada
etc. Vale lembrar que essa teoria está relacionada com o direito penal do
inimigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
ESPAÇO PARA CRÍTICAS, SUGESTÕES E PERGUNTAS.