Aulas XI e XII
AULA XI – CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA
11.1 Art. 286 Incitação ao crime
Incitar (induzir, provocar, estimular, instigar etc.),
publicamente, a prática de determinado crime. Inexiste a infração quando visar
a prática de contravenção penal ou ato imoral.
Não confunda esse crime com o previsto no art. 29 do CP
(instigação genérica), que é crime acessório, pois apenas haverá punição do
agente se o crime instigado for praticado (art. 31, CP). O que o art. 286
incrimina é simplesmente a incitação à prática de crime em si mesma, desde que,
esta tenha idoneidade para o fim proposto, independentemente de o incitado
deixar-se persuadir pela incitação (não depende da prática do crime incitado).
Bitencourt menciona a diferença desse crime com a
participação em sentido estrito. Quando o incitado acede à incitação e executa
o crime determinado, transforma o sujeito ativo da instigação em partícipe do
crime executado. Haverá, assim, concurso material de crimes para o incitador. A
diferença, então, reside na desnecessidade do incitado praticar o crime para
configurar o delito em estudo. Ao passo que na participação, somente haverá punição
se o crime for ao menos tentado (qualquer crime: político, drogas, militar,
tributário etc.).
Obs.: o crime será único quando, com uma única conduta, o
sujeito ativo incite a prática de vários delitos: a pluralidade resultante de
conduta única não implica concurso de crimes.
Esse crime é subsidiário, pois somente será aplicado caso
não incida outro tipo penal ou lei especial. Ex.: art. 122, CP.
Não se pode confundir a incitação ao crime com pregações
ideológicas ou anarquistas, por mais liberais, críticas ou avançadas que sejam.
11.1.1 Bem jurídico protegido: paz pública (sensação vivenciada
e internalizada, pela coletividade, de segurança e confiança nas instituições
públicas, transformando esse sentimento coletivo no verdadeiro bem jurídico relevantemente
tutelado).
11.1.2 Consumação: ocorre com a incitação dirigida a número indeterminado
de pessoas, independentemente da prática do crime incitado (perigo abstrato).
Caso o instigado pratique o crime, o instigador poderá responder também por
ele, em concurso material. A tentativa é admissível, desde que não se trate de
incitação oral. Ex.: cartazes, gravações, documentos etc. Não se
pune a forma culposa.
Para Noronha, a publicidade exigida no crime é constituída
também pelo lugar e outras circunstâncias que tornam possível a audição, por
indeterminado número de indivíduos, do incitamento. Não é o número que deve ser
determinado, mas as pessoas. Ex.: reunião de 50 pessoas. O número é
determinado, mas as pessoas não.
Aduz Rogério Sanches, não é bastante que o agente incite
publicamente a prática de delitos de forma genérica, pois deve ser apontado
fato determinado, como, por exemplo, conclamar publicamente titulares de
determinado direito a fazer justiça com suas próprias mãos, o que constitui o
crime de exercício arbitrário das próprias razões. Perceba que a incitação vaga
e imprecisa, não tem eficácia ou idoneidade necessária para motivar alguém a
delinquir. Não basta falar, por exemplo, a favor da sonegação fiscal, mas
deve-se determinar a sonegação.
11.2 Art. 287 Apologia de crime ou criminoso (suprimido do anteprojeto)
Trata-se de um induzimento implícito, feito através de
elogios, exaltação a fatos criminosos ou a seus autores. Não há falar em crime
se a manifestação for sobre contravenção ou contraventor. Apologia de crime
culposo não é punível, pois poderá haver instigação, direta ou indireta, à
pratica de um ato involuntário. Exige-se publicidade (número indeterminado de
pessoas).
Para Hungria, o crime elogiado pode ser pretérito ou futuro.
Contudo, a doutrina majoritária entende que tal crime deve ser passado, pois se
for futuro, o tipo penal aplicado será o de instigação.
Não configura o crime se os elogios forem sobre as
qualidades do agente criminoso, alheias à ação delituosa. É também
controvertida a necessidade da existência de sentença condenatória irrecorrível
contra o autor do crime elogiado. Para Celso Delmanto e Bitencourt, a apologia
que este tipo penal incrimina, em sua última parte, é somente a de autor de
crime que assim tenha sido considerado por decisão condenatória passada em
julgado. Portanto, a apologia de acusado de crime, isto é, não condenada
definitivamente, será atípica. Hungria, por outro lado, entende que tal
circunstância não deve ser exigida (entendem da mesma forma: Capez, Fragoso,
Noronha, Regis Prado etc.).
Consuma-se com a apologia, independentemente da efetiva
perturbação da ordem pública (perigo abstrato). Teoricamente se admite a
tentativa, mas de difícil configuração (tentativa de mero ato preparatório –
tentativa da tentativa). Não há previsão de modalidade culposa.
Para Bitencourt, esse crime não foi recepcionado pela
CRFB/88, pois não passa de simples manifestação pacífica de pensamento, por
vezes, um desabafo, um exercício de liderança. Na maioria dos casos, a
coletividade ouve como uma das tantas pregações, formando ou não opiniões, a
favor ou contra, sem qualquer repercussão positiva ou negativa no meio social.
Para o autor, esse tipo penal faz lembrar do filme Minority Report (prisões
e condenações antes mesmo da execução, pois criaram a figura do pré-crime).
Fazer apologia não se confunde com defesa de alguém ou de
alguma conduta ou defender alguém acusado de algum crime.
11.2.2 Pontos relevantes:
1) Apologia de vários crimes ou criminosos: para a
corrente majoritária, haverá concurso formal. Caso um crime seja praticado
posteriormente, admite-se concurso material.
2) Marcha da maconha – o STF entendeu não caracterizar o
delito em estudo por fazer parte de uma instrumentalidade entre o direito de
reunião, livre manifestação e direito de petição (iniciativa popular).
11.3 Art. 288 Quadrilha ou bando
Trata-se de crime coletivo (concurso necessário), de
condutas paralelas (umas auxiliando as outras). Trata-se de uma associação estável
e permanente de mais de 3 pessoas, ou seja, são pelo menos 4 pessoas com
o fim de praticar uma série indeterminada de crimes (Luiz Regis Prado).
Questão: Quadrilha é sinônimo de bando? Para o CP são sinônimos.
Todavia, em concursos públicos as bancas estão gabaritando que não são sinônimos:
quadrilha é associação organizada; bando é desorganizado. Para Roberto Porto, as
expressões são sinônimas, o que muda em ambas é o local da atuação, visto que a
quadrilha se destina à zona urbana e o bando à zona rural.
ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA
|
QUADRILHA
|
ASSOCIAÇÃO
CRIMINOSA
|
3
pessoas ou mais
|
4
pessoas ou mais
|
2
pessoas ou mais
|
11.3.1 Bem jurídico protegido: Para Bitencourt, é o sentimento
coletivo de segurança e de confiança na ordem e proteção jurídica (caráter
subjetivo), pois a paz pública (caráter objetivo) somente é atingida quando o
crime é divulgado pela mídia.
11.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa. A doutrina
ensina que poderá ser incluído no número legal pessoas inimputáveis (menores de
18 anos e doentes mentais). Bitencourt critica esse entendimento, pois há
evidente resquício de responsabilidade objetiva; (2) passivo –
coletividade.
Questão: O agente infiltrado poderá ser computado no nº mínimo de
4 pessoas? 1ª corrente - Nucci entende que sim, pois do mesmo
modo que se admite a formação de quadrilha com inserção de menor de 18 anos,
embora não seja este culpável, é de se considerar válida, para o mesmo fim, a
presença do agente infiltrado. 2ª corrente – o policial não pode
ser computado, pois não age com o necessário ânimo associativo, pois a sua
finalidade, aliás, é diametralmente oposta, qual seja, desmantelar a sociedade
criminosa. Perceba que o agente infiltrado não responderá pelo crime de
quadrilha ou bando (excludente de ilicitude). Se ele for coagido a matar
alguém, recairá sobre ele inexigibilidade de conduta diversa.
11.3.3 Consumação: momento em que aperfeiçoa a convergência de vontades
entre mais de três pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a
integrar-se ao bando já formado, na adesão de cada qual. Considerando que o
crime ocorre com a simples associação, não importa que o agente tenha
ingressado a quadrilha ou bando após sua formação. De igual modo, é irrelevante
que não tenha participado diretamente de eventuais crimes cometidos por membros
da associação, bastando sua participação, de alguma forma, na organização da
quadrilha (responderá apenas pelo crime de quadrilha e não pelos crimes
cometidos). Em razão dessa autonomia, a punição dos membros integrantes
independe de condenação pela prática de algum dos crimes pretendidos pelo
bando.
Predomina nos tribunais que aqueles que participarem de
eventuais crimes praticados pela quadrilha, responderão em concurso material de
crimes. Perceba que o crime é permanente. Caso um membro seja retirado,
cessa-se a permanência, mas o crime de quadrilha já estará consumado.
Questão: Quando mais de 3 agentes se associam para cometer um
único crime, responderão pelo tipo penal em estudo? Não, pois o crime de
quadrilha ou bando possui como elementar a finalidade de praticar crimes
indeterminados. Se o crime for determinado, haverá concurso eventual de
agentes. Perceba que o liame subjetivo no concurso de agentes, por si só, não
tipifica crime algum, podendo majorar a pena de alguns crimes.
Questão: O que é criminalidade de massa? Não se confunde com
criminalidade organizada. Esta não é apenas uma organização para a prática de
crimes, pois vai além disso: corrompe o legislativo, executivo, judiciário,
ministério público, corpo policial, etc. Aquela, por seu turno, compreende
assaltos, invasões de apartamentos, furtos, estelionatos, roubos e outros tipos
de violência contra os mais fracos e oprimidos. São ataques violentos e
imediatos, atingindo o equilíbrio emocional da população, gerando sensação de
insegurança.
Questão: É possível uma pessoa pertencer a mais de uma quadrilha?
O que a lei pune é associar-se em quadrilha ou bando. Caso o agente, por mais
de uma vez, se associe, não há dúvidas de que há pluralidade de crimes. Não
confunda com organização criminosa (mínimo 3 pessoas com distribuição de
tarefas). Logo, é possível ter uma quadrilha sem organização criminosa e
vice-versa (são institutos autônomos).
Questão: É possível a suspensão condicional do processo para
quadrilheiro? Sim, já que a pena é de 1 a 3 anos, tratando-se de infração de
médio potencial ofensivo. Agora, se os crimes que a quadrilha visa forem
hediondos, a infração passará a ser de grave potencial ofensivo. Nesse caso,
caberá sursis penal e não processual.
O crime de quadrilha não é hediondo, mas poderá ter pena mais grave se
visar o cometimento de crimes hediondos. Esse dispositivo não se aplica ao tráfico de drogas, já que existe regra
específica para tanto, qual seja, art. 35 da lei 11.343/06 (pena de 3 a 10
anos). Note que foi derrogado o art. 14 da Lei de drogas (quadrilha com fim
especial), que previa uma pena de 3 a 10 anos. Contudo, essa pena foi
repristinada pela Lei 11.343/06.
Quadrilha
ou bando do art. 288 do CP
|
Quadrilha
ou bando do art. 35, Lei de Drogas
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Mínimo 4 indivíduos
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Mínimo 2 indivíduos
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Visando a prática de crimes
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Visando a prática de qualquer dos crimes
previstos nos art. 33, caput, § 1º e 34.
|
Pena genérica de 1 a 3 anos ≠ Quadrilha com fim específico (crimes hediondos, terrorismo e
tortura) cuja pena é de 3 a 6 anos.
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Pena de 3 a 10 anos
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Não admite tentativa
|
Não se admite a tentativa, pois os fatos punidos já são
atos preparatórios.
Obs.: Rogério Sanches lembra que a Lei do Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC – Lei 12.529/11), ampliou as
hipóteses de crimes passíveis de acordo de leniência (pacto de colaboração do
infrator na investigação de crimes contra a ordem econômica que, uma vez
cumprido, é causa de extinção da punibilidade). O acordo até então somente
contemplava os crimes dos arts. 5º, 6º e 7º da Lei 8.137/90. Agora a Lei do
SBDC (art. 87) admite a celebração de acordo para os crimes diretamente
relacionados à prática de cartel, constando o crime de formação de
bando/quadrilha, em seu rol exemplificativo.
11.3.4 Pontos relevantes:
1) Porte de arma de fogo – Para Hungria, basta um membro
estar armado para qualificar o crime. Bitencourt compartilha com esse
entendimento, mas desde que os membros saibam da arma. Para Bento de Faria, a
maioria deve estar armada para qualificar o crime. Fragoso, por seu turno,
entende que o juiz deverá reconhecer a qualificadora tanto pela quantidade de
membros armados ou pela natureza da arma utilizada.
2) Não configura bis in idem a condenação
por quadrilha ou bando armado e roubo majorado pelo emprego de arma, porquanto
além de delitos autônomos e distintos, no primeiro o emprego da arma está
calcado no perigo abstrato e, no segundo, no perigo concreto.
3) Envolvimento de “laranjas” na quadrilha ou bando: não
respondem pelo crime, desde que desconheçam a existência ou finalidade da
quadrilha, pois deve ser observado a T. do domínio do fato. Perceba que não
podem nem mesmo completar o número legal (4 agentes), pois faltará a vontade
livre e consciente de se associar.
4) a intervenção de inúmeras pessoas (quatro, cinco ou
mais), por si só, é insuficiente para caracterizar a formação de quadrilha ou
bando (Bitencourt).
5) o crime de quadrilha ou bando (concurso necessário)
admite participação (concurso eventual de pessoas).
Atenção! Para melhor compreensão do tema crime organizado
- Pesquisar: (1) direito penal funcional; (2) direito penal de
1ª, 2ª e 3ª velocidades; (3) direito de intervenção.
Art.
288-A - Constituição de milícia privada: Constituir, organizar,
integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo
ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste
Código: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos.
Foi incluído no art. 121 o § 6º (majorante) e
no 129, mudou-se o § 7º.
11.4 CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
O sentido básico de toda a classe de crimes de falso permanece
sendo o de ofensa à fé pública, consistindo esta na confiança que impõem certos
objetos, declarações, símbolos ou formas exteriores, por força do costume e das
exigências da vida social.
A doutrina ensina que as características gerais dos crimes
de falso são:
(1) imitação ou alteração da verdade: se apresenta
quando a realidade é alterada de forma a causar uma falsa representação. O
essencial é que se apresente como verdadeiro ou autêntico o que é falso, ou,
mais propriamente, o que proporciona uma falsa representação da realidade.
(2) possibilidade de dano: relevância jurídica da
falsidade. Não se pune o falso inócuo, que não envolve qualquer dano ou perigo
de dano (o falso deve ser capaz de iludir qualquer pessoa). Alguns crimes de
falso não exigem expressamente o dano. (3) dolo: consciência de causar o
dano a que se refere à ação delituosa. Perceba que nem todos os crimes de falso
estão entre os crimes contra a fé pública. São casos em que o legislador
atribuiu maior relevo a outros aspectos do fato incriminado, o que é decisivo
para sua classificação. Ex.: (1) emissão de cheque sem fundos, art. 171, § 2º,
VI, nos crimes contra o patrimônio; (2) registro de nascimento inexistente,
art. 241 nos crimes contra a família. Por outro lado, não só as hipóteses de
falsidade estão previstas entre os crimes contra a fé pública. Ex.: (1) petrechos
de falsificação, art. 291 e 294; (2) falsidade pessoal, art. 307.
11.5.1 moeda falsa e crimes equiparados
Art.
289
|
Art.
290
|
Art.
291
|
Tem
como objeto material a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa, a moeda
papel ou metálica
|
Tem
como objeto material a moeda papel fora de circulação.
|
Tem
como objeto material maquinários para a produção de moeda falsa.
|
Questão: É possível aplicar o princípio da insignificância nesses
crimes? Não é possível, pois o que importa não é o valor expresso (STF e STJ).
11.5.2 Bem jurídico protegido: fé pública, no particular
aspecto da confiança de todos os cidadãos, indistintamente, na autenticidade da
moeda, como símbolo de valor estabelecido pelo Estado. Em regra, é crime de
perigo e só eventualmente de dano. Para a sua consumação, basta a
potencialidade da ofensa à fé pública (crime formal).
11.5.3 Sujeitos do crime: (1) ativo – em
regra, qualquer pessoa (há hipóteses de pessoas específicas). (2)
passivo – coletividade. Eventualmente, podem ser sujeitos passivos
secundários, os indivíduos que tenham direitos ou interesses ofendidos pela
conduta delituosa, inclusive o próprio Estado, como administração.
15.5.4 Art. 289 – Falsificação de moeda: Constituem objeto material da
ação moedas, que, do ponto de vista jurídico, entende-se por peça
metálica cunhada no Estado ou órgão autorizado, tendo curso legal no país ou no
estrangeiro. Tem curso legal a moeda que não pode ser recusada como meio de
pagamento (poder liberativo declarado por lei). No Brasil, a moeda legal é o
real, Lei 9.069/95 (norma penal em branco).
A falsificação da moeda pode ocorrer por fabricação,
hipótese em que o agente faz a moeda, ou por alteração, quando o agente
modifica ou altera moeda genuína. É irrelevante, na fabricação, o método de que
se serve o falsário e o material empregado.
Questão: A expressão “moeda” abrange travels checks ou
cheque viagem? Cheque viagem não é moeda de curso legal, mas um meio de
aquisição desta.
A moeda retirada de circulação, ou que não tenha curso
legal, não pode ser objeto material desse crime, não excluindo, porém, que
possa servir para configurar uma fraude (estelionato).
O CP (art. 7º, I, b) estabelece a extraterritorialidade
da lei penal brasileira nos crimes praticados contra a fé pública da União,
consequentemente, será processado e punido, no país, o autor deste crime, ainda
que o pratique no estrangeiro esteja ou não no território nacional.
As falsificações grosseiras capazes somente de iludir os
cegos, os simples e imaturos de mente, não constituem perigo para a fé pública
e não é punível como moeda falsa, mas, tão só, como estelionato, se for o caso
(é imprescindível a imitatio veri). De igual forma, não configura o
crime em estudo a fabricação de moedas imaginárias.
Transformar uma nota de R$ 1 real em R$ 10 é crime, mas o
contrário não. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, somente se
configura o crime se a alteração for no sentido de atribuir maior valor à
cédula ou moeda metálica.
Configura o crime o recorte e colagem de fragmentos de
cédulas sobre papel-moeda, a fim de atribuir-lhe maior valor. A modificação
praticada sobre dinheiro recolhido para a recolocação na praça, constitui
fabricação, pois a alteração prevista pela lei somente pode dar-se em moeda de
curso legal.
Questão: É preciso a colocação da moeda em circulação? Basta a
falsificação, sendo dispensável a intenção de colocar a moeda em circulação.
Consuma-se no local da falsificação. O dolo é genérico e consiste na
vontade livre e consciente dirigida à falsificação da moeda. Exige o
conhecimento do curso legal da mesma e pelo menos a consciência da possível
circulação do material falsificado. Os motivos e os fins de agir não interessam
no tipo.
A quantidade e qualidade das moedas falsificadas são
irrelevantes para a configuração do delito, embora possa ser considerada na
medida da pena (art. 59, CP). Haverá um crime único se várias moedas forem
falsificadas numa só ação, podendo também haver crime continuado, se as ações
forem repetidas. Não haverá dolo se a moeda é falsificada numa demonstração de
habilidade do agente ou para fim artístico.
A) Circulação de moeda falsa (art. 289, § 1º): Aqui o sujeito ativo é qualquer
pessoa que não concorreu com a falsificação, ou seja, quem falsifica a moeda responde
pelo caput e quem adquire ou quem coloca em circulação responde pelo §1º.
Agora, se a pessoa falsifica e coloca em circulação só responde por um crime,
pois a colocação em circulação será um post factum impunível (P. da
consunção).
Questão: O estado de necessidade poderá ser alegado pelo agente? O
estado de necessidade não tem sido reconhecido como argumento excludente da
ilicitude pelos tribunais, ainda que o acusado esteja endividado e na iminência
de perder o emprego, pois ausente a proporcionalidade entre o perigo de lesão
ao bem jurídico e a ofensa causada.
Ações do tipo alternativo: (1) importar (introduzir no
país) ou (2) exportar (enviar a outra nação); (3) adquirir (obter
para si, de forma onerosa ou gratuita); (4) vender (alienar de forma
onerosa); (5) ceder (entregar a outrem, a outro título); (6) emprestar
(entregar a outrem para receber posteriormente idêntica quantidade e
espécie), (7) guardar (ter consigo ou em depósito, à disposição) ou (8) introduzir
na circulação (passar a moeda a terceiro de boa-fé, usando-a como
instrumento de valor ou meio de troca, ou de qualquer outra forma desfazer-se
da moeda, ensejando sua circulação como genuína).
Na modalidade guardar o crime é permanente e na modalidade
adquirir é possível a tentativa. É crime de grande potencial ofensivo junto com
o caput.
Tipo subjetivo: vontade consciente. A dúvida sobre a idoneidade da moeda
pode configurar o dolo eventual. Salvo a última hipótese típica (introduzir em
circulação), nas demais há sempre, em regra, conhecimento por parte de quem
recebe a moeda de sua falsidade o que o fará responder igualmente pelo crime. Fragoso
lembra que a introdução na circulação pode dar-se inclusive por abandono em
lugar público, desde que haja consciência da possível circulação.
B) Circulação de moeda falsa recebida de boa-fé (art. 289,
§ 2º)
ART.
289, §1º DO CP
|
ART.
289, §2º DO CP
|
O
agente age com manifesta má-fé.
|
O
agente adquire de boa-fé, mas em seguida restitui a circulação com má-fé.
Mas
se restitui a circulação de boa-fé e só depois descobre que era falsa a
moeda, que crime foi praticado? FATO ATÍPICO.
|
Trata-se de forma menos grave do crime, em que o agente
apenas visa obter ressarcimento do prejuízo que lhe foi infligido (crime
privilegiado). O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, exceto os falsificadores
e seus agentes ou intermediários, que conhecem a condição da moeda.
Questão: O agente tem que agir com dolo direto ou o eventual? Somente
o dolo direto tipifica o crime, não abrangendo o dolo eventual, pois no tipo há
a seguinte expressão: “depois de conhecer a falsidade”.
O crime se consuma exatamente no instante em que a moeda é
colocada em circulação. A doutrina admite a tentativa.
Se o agente não provar a boa-fé no momento em que recebeu
a moeda, nem por isso será enquadrado sumariamente na modalidade mais grave
(art. 289, § 1º), porque para que está possa ser reconhecida incumbe à acusação
provar que o agente conhecia a falsidade, devendo a dúvida resolver-se em favor
do réu.
O recebimento pode ocorrer a qualquer título, de forma
direta ou indireta, inclusive por doação. Contudo, se for por
meio de furto ou qualquer outro crime ou achado, deverá o agente responder pelo
crime do art. 289, § 1º. Note que a simples devolução da moeda à própria pessoa
que entregou, será fato atípico.
C) Fabricação ou emissão irregular de moeda (art. 289, §
3º)
Pune o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal
de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão
(crime funcional). Na verdade, trata-se de crime contra a administração pública
(crime próprio).
A ação consiste em fabricar, emitir ou autorizar a
fabricação ou emissão de moeda com título ou peso inferior (não
superior) ao determinado em lei. Entende-se por título, no sentido da lei, a
proporção ou teor da liga metálica legalmente estabelecida para a composição da
moeda. A segunda modalidade do crime é referente à produção de papel-moeda
em quantidade superior (não inferior) à legalmente autorizada. A
produção de quantidade maior de moeda metálica é fato atípico, e o interprete
da lei não pode colocá-la. O crime é punido a título de dolo e se consuma com a
prática de qualquer um dos núcleos.
Haverá concurso material se o agente praticar em seguida qualquer
outro crime, com a moeda produzida irregularmente (peculato, estelionato etc.).
D) Desvio e circulação indevida (art. 289, § 4º)
Pune quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não
estava ainda autorizada.
Pode ser praticado por qualquer pessoa (funcionário ou
não): retirar o dinheiro da destinação (transitória ou definitiva) que lhe é
atribuída por lei ou regulamento, e introduzi-lo em circulação, abusivamente.
Para a existência do crime não se exige que o agente obtenha vantagem pessoal,
nem a ação de desviar a pressupõe. O crime pode ser praticado pelo funcionário
que infringe as regulamentações devidas e lança a moeda em circulação. Se após
o desvio não houver a circulação, haverá apenas tentativa.
15.5.5 Art. 290 Crimes assimilados ao de moeda falsa
O crime é comum e se o funcionário público for o agente haverá
uma qualificadora. O funcionário público tem que “trabalhar na repartição onde
o dinheiro se achava recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo”.
Embora reunidos em um só dispositivo legal, três são efetivamente os crimes
previstos: formar, suprimir e restituir à circulação.
(1) Formar cédula, nota ou bilhete representativo
de moeda com fragmentos de cédulas, notas ou bilhetes verdadeiros; passa a
costurar uma nota falsa com fragmentos de uma nota verdadeira. Dispensa a
colocação da moeda no mercado.
(2) suprimir, em nota, cédula ou bilhete
recolhidos, para o fim de restituí-los à circulação, sinal indicativo de sua
inutilização; o agente mexe apenas no sinal que invalida a nota, retirando o
carimbo de inutilizacão. Dispensa a colocação da moeda no mercado.
(3) restituir à circulação cédula, nota ou bilhete
em tais condições, ou já recolhidos para o fim de inutilização; o agente
restitui notas inviabilizadas à circulação. NÃO dispensa a colocação da moeda
no mercado.
Ao contrario com do crime de moeda falsa (art. 289), a
aquisição e o recebimento da moeda nas condições descritas no art. 290, não
foram elevadas à categoria de crime, subsistindo o delito de receptação.
O dolo envolve o conhecimento de que o papel-moeda é
formado com fragmentos de cédulas ou se acha recolhido.
Este crime não se confunde com a introdução de moeda falsa
em circulação (art. 289, § 1º), em que a ação tem por objetivo moeda
falsificada por fabricação ou alteração.
Art.
289.
|
Art.
290
|
Falsificador
responde pelo art. 289 caput
|
Falsificador
responde pelo art. 290 caput
|
Receptador
responde pelo art. 289 , § 1º
|
Receptador
responde pelo art. 180 do CP
|
Obs.: A moeda metálica está excluída deste crime.
O delito é punido a título de dolo, com uma observação:
esse dolo tem uma finalidade especial, que é a de restituir à circulação. Se a
restituição à circulação for feita pela mesma pessoa que formou a cédula,
suprimiu os sinais de inutilização ou subtraiu o papel-moeda destinado à
inutilização, haverá um só crime, pois a última ação será fato posterior não
punível (Fragoso).
11.5.6 Art. 291 Petrechos para falsificação
Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou
gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer
objeto especialmente destinado à falsificação de moeda. Trata-se de crime autônomo,
excepcionando a regra de não punição de atos preparatórios (crime comum).
Segundo Fragoso, este crime é subsidiário em relação ao
crime de moeda falsa (art. 289). Caso o agente desista voluntariamente da
falsificação, subsistirá o crime de petrechos para falsificação de moeda.
Não há aparelhos que falsifiquem única e exclusivamente a
moeda. Logo, não precisa ser maquinário específico para a falsificação. É
irrelevante a alegação de que o fim era a produção de moeda verdadeira, pois,
necessariamente, a moeda que for produzida será considerada falsificada, em
razão da exclusividade da União em emiti-la (competência da justiça federal). É
imprescindível a perícia.
Questão: Se o agente foi encontrado com os petrechos e com as
moedas falsas, quantos crimes ele praticou? Os petrechos ficarão absorvidos
pela falsificação. Assim, o art. 289 absorverá o art. 291.
Decidiu o STJ que se os petrechos apreendidos não se
prestam apenas para a falsificação da moeda, servindo para outras fraudes, a
competência será da Justiça Estadual.
15.6 Emissão de título ao portador sem permissão legal (Art.
292)
Dede os tempos do império já se cuidava de reprimir a
emissão irregular de títulos ao portador, cuja circulação entendia-se que
afetava a moeda de curso legal.
A proibição encontra fundamento no propósito de impedir
que títulos ao portador concorram com a moeda, perturbando-lhe a circulação
normal e ofendendo, como se fossem moedas falsas, a fé pública.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (aquele que emite
título ao portador), crime comum.
A conduta incriminada é de emitir (lançar em
circulação) nota, bilhete, ficha, vale ou título ao portador ou a que falte
indicação do nome da pessoa a quem deva ser pago. Título ao portador é aquele
que constitui uma obrigação de pagar determinada importância a quem o apresente
como detentor. É também título ao portador aquele a que falta indicação do nome
do favorecido.
Obs.: É lícito o uso de vales provisórios, empregados
normalmente na vida comercial, destinados a circular em ambiente restrito e
emitidos para fins específicos. Ao contrário do que ocorre no crime de moeda
falsa (art. 289), não basta aqui a formação do título, que será meramente ato
preparatório. A permissão legal exclui o crime. Ex.: letra de câmbio, cheque,
ações de sociedades anônimas.
A consumação ocorre no momento em que o agente introduz o
título em circulação, entregando-o ou enviando-o ao tomador. O crime é formal e
admite tentativa. A forma do título ou a inscrição nele contida é perfeitamente
irrelevante, desde que contenha inequívoca promessa de pagamento de dinheiro.
Parágrafo único: recebimento ou utilização de títulos como
dinheiro
Trata-se de atividade acessória em relação à emissão, mas
cuja idoneidade para aumentar ou estender o dano ao interesse penalmente
tutelado é manifesta.
O crime consiste em receber ou utilizar
(como instrumento de valor ou meio de troca, ou seja, função específica da
moeda) como dinheiro.
AULA XII – FALSIFICAÇÃO DE TÍTULOS E OUTROS PAPÉIS
PÚBLICOS
12.1 Art. 293 Falsificação de papéis públicos
A proteção penal aqui se exerce em relação a papéis representativos
de valores ou relativos a valores de responsabilidade do Estado, ou a
arrecadação de impostos e taxas. Segundo Hungria, “entre tais papéis, há os que
têm afinidade com o papel-moeda, destinando-se a meio (e comprovante) de
pagamento de certos tributos, contribuições fiscais ou preços públicos; e há os
que se assemelham mais aos documentos em geral, representando, nas hipóteses
previstas, meios probatórios contra a administração pública”.
12.1.1 Bem jurídico protegido: fé pública, no aspecto da
garantia da autenticidade de títulos e papéis públicos. Sujeitos do crime:
(1) ativo - crime comum, salvo no caso do inciso III, § 1º, em que
somente poderá ser sujeito ativo o comerciante ou o industrial (crime próprio).
A qualidade de funcionário agrava o crime. (2) passivo - Estado e,
secundariamente, o ofendido pela conduta. A materialidade do fato consiste em falsificar,
fabricando ou alterando, qualquer dos papéis e títulos que estão previstos nos
incisos do art. 293 e são objetos da ação delituosa. Em qualquer das suas
modalidades o crime é formal e se consuma com a falsificação. Admite
tentativa.
12.1.2 Uso de papéis falsificados (art. 293, §1º): não se pune o uso praticado pelo
autor da falsificação, visto tratar-se de fato posterior impunível.
12.1.3 Supressão de sinais indicativos de inutilização
(art. 293, §2º): os
papéis são autênticos, mas há carimbos ou sinais indicativos de sua
inutilização. A ação pode ser praticada por qualquer meio e o crime se consuma
com a efetiva supressão, praticada com o chamado dolo específico (fim de tornar
os papéis novamente utilizáveis). O uso desses papéis constitui o crime
previsto no § 3º do mesmo artigo, podendo constituir exaurimento quando usado
pelo agente que suprimiu o sinal. Exige a consciência de que os papéis se achem
na situação a que a lei se refere, bastando, porém, o dolo eventual.
12.1.4 Restituição à circulação de papéis falsos recebidos
de boa-fé: crime
privilegiado (idem à circulação de moeda falsa).
12.2 Art. Petrechos de falsificação (art. 294)
Idem à fabricação de moeda falsa, o legislador erigiu os
atos preparatórios para falsificação de papéis em crime autônomo.
12.3 Agravante especial (art. 295): refere-se às condutas delituosas dos
arts. 293 e 294. Não basta ser funcionário público, pois é necessário que este
se aproveite das facilidades que lhe proporciona o cargo / função que
desempenha.
12.4 FALSIDADE DOCUMENTAL
Documento é todo escrito devido a um autor determinado,
contendo exposição de fatos ou declaração de vontade, dotado de significação ou
relevância jurídica. É todo objeto que,
por si só, comprova um fato (todos acreditam), possuindo relevância jurídica.
12.2.1 Características do documento:
1. forma escrita: nem todo escrito é um documento. Documento
não autenticado não pode ser objeto dos crimes de falsidade documental. O
escrito deve ser feito sobre coisa móvel, que possa ser transportada e
transmissível (não abrange o escrito em imóvel ou veículo). Pode ser feito à
mão ou por meio mecânico ou químico, podendo ser empregados os sinais
alfabéticos de qualquer língua e, inclusive, sinais taquigráficos, numéricos,
criptográficos ou telegráficos, desde que constituam expressão do pensamento.
No caso de reprodução mecânica, é indispensável à subscrição manuscrita, não
sendo documento, portanto, os trabalhos impressos (livros, revistas, jornais
etc.). Não constitui documento o escrito indecifrável ou aquele que somente o
autor pode entender.
2. autor determinado: identificação do autor do
escrito (que não é necessariamente a pessoa que o escreveu, mas aquelas a quem
se deve a declaração de vontade). O escrito anônimo não é documento. Em regra, a
identificação é feita pela assinatura aposta ao documento, mas não se exclui a que
possa decorrer do próprio conteúdo, desde que a lei não exija expressamente a
subscrição. Incabível, contudo, buscar a identificação do autor em elementos
estranhos ao próprio escrito. A assinatura pode ser feita por abreviação de parentesco
(“teu pai”, “teu irmão” etc.) ou por pseudônimo reconhecido, desde que através
dela seja possível identificar o autor. A impressão digital, porém, não
substitui a assinatura (Fragoso).
3. conteúdo ou teor: manifestação de vontade ou
exposição de fatos. Não há documento sem conteúdo. A simples assinatura aposta
a um papel ou a um quadro não constitui documento. Este deve conter uma
manifestação do pensamento realizada através da narração ou exposição de um
fato ou uma declaração de vontade (documentos declarativos e expositivos). O
escrito ininteligível ou sem sentido não é documento.
4. relevância jurídica: conteúdo juridicamente
apreciável, isto é, a expressão de pensamento deve acarretar consequências jurídicas.
Esse conteúdo deve ser atual ou presente, e não passado ou futuro. Se o
documento é especialmente destinado a servir como meio de prova, ele será um
instrumento. Outros escritos podem ser documentos de ocasião, quando, sem terem
sido preconstituídos como meio, em determinado momento tornam-se idôneos à
comprovação de fatos juridicamente relevantes. A circunstância de ser
juridicamente nulo não exclui o documento da tutela penal. Há documentos ou
atos que, na ausência de certos requisitos, são considerados pela lei civil
absolutamente nulos e que nem por isso são insuscetíveis de falsidade punível. Evidentemente,
contudo, não constituirá documento o ato nulo, juridicamente irrelevante, isto
é, incapaz de produzir qualquer consequência no mundo do direito; todavia aqui
não se atende à nulidade, mas à inexistência do documento.
Os documentos podem ser públicos ou particulares,
estando ambos protegidos pela tutela penal, em diferentes dispositivos. Diz-se genuíno
o documento, quando seu autor aparente é o seu autor real. Diz-se verídico
o documento em que a declaração de vontade ou exposição que contém,
corresponde à realidade dos fatos. A falsidade operada em relação à
autenticidade do documento é material; a que se refere à veracidade do
conteúdo, é ideológica (Fragoso).
12.2.2 Art. 296 Falsificação de selo ou sinal público
Os selos e sinais públicos a que a lei penal aqui se
refere, não constituem documentos. São, porém, comumente empregados como
elementos de certificação ou autenticação documental, o que justifica a
classificação. Uma vez apostos ao documento, tais passam a fazer parte
integrante dele.
A falsificação (fabricação ou alteração) deve ter como
objeto selo público destinado a autenticar atos oficiais (destinação objetiva)
da União, de Estado ou de Município. O conteúdo do selo é irrelevante e a
falsificação será sempre por imitação do sinal autêntico. A falsificação de
selo imaginário não é crime. No caso de alteração, o agente modificará o selo
genuíno, para fazê-lo passar por outro, atribuindo-o a outra autoridade.
Atenção! A falsificação de selo público de titularidade de
autoridade estrangeira não configura o delito, mas poderá constituir meio para
outro crime. Não precisa ser uma falsificação perfeita, bastando ter idoneidade
de enganar indeterminadas pessoas. O crime se consuma com a falsificação,
independentemente de qualquer outro resultado.
A) Uso de selo ou sinal falsificado (art. 296, § 1º): uso para autenticar ou certificar
ato oficial. A simples detenção do sinal/selo falsificados não é crime. O agente
deve saber da falsificação. O uso do selo por parte de quem falsificou será
fato posterior impunível.
B) Utilização indevida (art. 296, II): utilização abusiva de selo ou
sinal verdadeiro. Aqui o sujeito ativo é normalmente funcionário público,
porém, o crime é comum. Se o sinete ou instrumento necessário à aposição do selo
for obtido mediante furto, haverá concurso material de crimes.
Não haverá crime sem que a utilização indevida tenha sido
realizada em prejuízo alheio ou proveito próprio ou de outrem. Tanto o prejuízo
como o proveito podem ser de qualquer espécie ou natureza (material ou mora). É
indispensável que esse resultado (dano ou vantagem, para si ou para outrem) se
verifique efetivamente, pois constitui o momento consumativo do crime.
Se a utilização abusiva for para falsificar um documento, haverá
um único crime (falsidade documental). Aplica-se o P. da absorção. Sendo o
agente funcionário público, e cometendo o delito prevalecendo-se da função, a
pena é aumentada de um sexto. Tal disposição abrange qualquer das condutas
previstas no art. 296.
12.3 Falso material
(arts. 297 e 298)
Art. 297
|
Art. 298
|
Pena de 2 a 6 anos
|
Pena de 1 a 5
|
Crime comum, majorado (1/3) quando praticado por
funcionário público.
|
Crime comum, não majorado quando praticado por
funcionário público. O STJ entende que essa circunstância deve ser
considerada na fixação da pena base.
|
Falsificar ou alterar no todo ou em parte
|
Falsificar ou alterar no todo ou em parte
|
Documento público ou equiparado a público
|
Documento particular (aquele que não for público)
|
É imprescindível a capacidade de iludir (perícia)
|
É imprescindível a capacidade de iludir (perícia)
|
Exige-se dolo, sem fim especial
|
Exige-se dolo, sem fim especial
|
Dispensa o efetivo uso do documento
|
Dispensa o efetivo uso do documento (crime formal)
|
Admite-se tentativa (ainda que formal)
|
Admite-se tentativa (ainda que formal)
|
Cuidado! Cópia de cheque
utilizada durante a noite (na balada) poderá iludir o homem médio. Por esse
motivo, Rogério Sanches alerta que o correto é utilizar como parâmetro as
circunstâncias em que foi utilizado o documento para iludir, e não o homem
médio.
12.3.1 Art. 297 –
infração de maior potencial ofensivo, não admite suspensão condicional do
processo. Caso o agente seja primário, ainda assim, caberá prisão preventiva.
Pena de 2 a 6 anos. No caso de documento particular, crime de menor potencial
ofensivo (pena de 1 a 5 anos), admite-se a suspensão condicional do processo.
Sujeitos do crime: (1) ativo – crime comum. Note que, se for funcionário público
a pena pode ser aumentada de 1/6. Tratando-se de documento da Previdência,
responderá o agente pelo art. 297, § 3º. (2) passivo –
primário, o Estado; secundário, o prejudicado.
Conduta:
falsificar ou alterar. Pressupõe dolo (sem finalidade especial do agente).
Havendo finalidade do agente, o crime poderá ser outro.
Falsificar
|
Alterar
|
Ao todo (total) à o agente cria o
documento
Em parte (parcial) à aproveita os espaços
em branco
|
Substituição de palavras ou rasuras
|
A consumação ocorre no momento
em que é praticada uma das ações nucleares previstas no tipo. Tratando-se de
delito plurissubsistente admite-se tentativa.
ð Documento
formal e substancialmente público é aquele emanado por funcionário público
competente, inerente ao interesse publico.
ð Documento
formalmente público de conteúdo privado é aquele emanado de entes públicos. Ex:
tabeliões.
Essa distinção não tem consequência na prática, pois a lei
penal equipara, para mesmo tratamento, a falsificação em ambos os casos.
São considerados documentos
públicos: (1) os emanados por paraestatais (SEM, FP e EP); (2)
títulos ao portador (cheque); (3) ações de S/A ou comandita por ações; (4) livros
de sociedade comercial; (5) testamento particular. Note que o cheque quando
deixa de ser transmissível por endosso (perda do prazo de protesto), passando a
ser transmissível por cessão civil (endosso póstumo), voltará a ser considerado
documento particular.
O telegrama é um documento
particular, em regra, pois se a falsificação recair sobre as anotações oficiais
que o telegrama contiver terá caráter público. Lembre-se que os escritos a
lápis não configuram documento, em decorrência da insegurança da sua
manutenção.
Para Fragoso, o documento público que a lei penal aqui
contempla é não só o nacional, como também o estrangeiro, desde que no exterior
seja considerado documento público, e desde que tenha atendido às formalidades
exigidas para sua eficácia no Brasil.
Caso o documento seja dotado de
irrelevância jurídica, poderá ser alegada a atipicidade. Contudo, Fragoso entende que a
força probante do documento público é irrelevante, de modo que não interessa à
configuração do crime o fato de portar o documento fé pública, circunstância
que, todavia, poderá ser considerada na medida da pena.
A falsificação pode dar-se pro formação, no todo ou em
parte, de escrito com aparência de documento público (contrafação), bem
como por alteração de documento verdadeiro (a alteração do documento
falso não é crime). A simples eliminação de parte do conteúdo (juridicamente
relevante) constituirá o crime previsto no art. 305 (supressão de documento). É
irrelevante que o conteúdo do documento falsificado ou alterado seja verdadeiro
ou falso. Em qualquer caso, exige-se o exame de corpo de delito, pois o
crime deixa vestígios, sendo indispensável à apresentação do documento
falsificado. O exame de corpo de delito indireto é inadmissível.
Trata-se de crime de perigo. A tentativa é
admissível, já que não a exclui o crime de perigo.
12.3.2 Art. 298 - Documento particular é aquele feito sem forma
especial, formado por particulares e sem a intervenção de oficial público. É
de notar-se que são documentos particulares os atos públicos nulos como tais,
por serem feitos por oficiais incompetentes ou por não se revestirem das
formalidades legais. O crime pode ser praticado por contrafação, total ou parcial,
ou por alteração do documento verdadeiro. Em qualquer caso, consuma-se com a
falsificação ou alteração, independentemente do uso efetivo, já que se trata de
crime formal.
A tentativa é admissível. Aqui também será indispensável,
para o reconhecimento da falsidade punível, a existência de prejuízo alheio,
atual ou potencial, de qualquer natureza.
12.3.3 Falsificação
de documento e princípio da especialidade
Público: para
fins eleitorais.
Art. 2º, da Lei 7.492/86 (crimes
financeiros) – documento representativo de título ou valor mobiliário. Pena de
2 a 8 anos.
Privado: para
fins eleitorais.
12.4 Art. 299 Falsidade ideológica
Tutela-se a fé pública, mas em
seu conteúdo. Só poderá ser praticado por qualquer pessoa que tenha o dever
jurídico de declarar a verdade. Há duas penas: de 1 a 5 anos se o documento for
público e de 1 a 3, se o documento for particular. Não existe o crime quando a
falsa ideia recai sobre documento cujo conteúdo está sujeito à fiscalização da
autoridade. Ex.: uma parte se declarou falsamente a hipossuficiência e o juiz
confirmou a falsidade. O STJ entendeu que compete à autoridade fiscalizar isso,
determinando o trancamento do inquérito.
Objeto material da ação será sempre documento público ou
particular. A
materialidade do fato consiste em omitir, em tais escritos, declaração
que deles deveria constar, ou neles inserir ou fazer inserir declaração
falsa ou diversa da que deveria ser escrita. Pode assim o crime ser praticado
por ação ou omissão.
Diz-se que há falsidade ideológica mediata, quando o
agente faz inserir no documento através de terceiro (geralmente oficial
público), declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita. Se o terceiro
estiver consciente da falsidade, haverá concurso de agentes. A falsa informação
prestada pelo agente, neste caso, pode ser feita verbalmente ou por escrito.
Deve haver finalidade especial:
criar obrigação e extinguir ou prejudicar direitos. Caso contrário, será fato
atípico. Ex. 1: senhora que falsifica certidão de nascimento para enganar
namorado. Ex. 2: duas pessoas que mentem o local de acidente de trânsito. Note
que a omissão não admite tentativa.
Questão: A
falsidade necessita de perícia? Como a falsidade afeta o documento em sua
ideação e não autenticidade ou inalterabilidade, é desnecessária perícia.
Cuidado! O p. único (majorante de pena) aduz que, se o agente é funcionário
público ou se a falsificação é de assentamento de registro civil, aumenta-se a
pena de 1/6.
Declarar falsamente paternidade
em assentamento de registro civil, não incide a falsidade ideológica, pois há
tipo específico: art. 241 e 242 do CP. Trata de recém-nascido (registrar como
próprio o filho de outrem). Cuidado com as falsidades especiais dos arts. 350
do Código Eleitoral e 66 da Lei 9605/98 – falsificar licenciamento ambiental.
ð Falsidade
material - o sujeito cria ou altera um documento verdadeiro.
ð Falsidade
ideológica - o documento é formalmente verdadeiro, mas seu conteúdo é falso.
Questão: A
substituição de fotografia em RG configura qual delito? 1ª corrente
- Configura o art. 307, delito de menor potencial ofensivo (AGU); 2ª
corrente - configura a falsidade de documento público do art. 297, CP
(majoritária).
Quanto à tentativa, cumpre distinguir: na forma de omitir
declaração, o crime será omissivo puro, e não admitira tentativa. Todavia,
na forma de inserir ou fazer inserir declaração falsa, é
perfeitamente possível a tentativa, já que se pode fracionar o processo
executivo.
12.4.1 Abuso de folha em branco: O agente se aproveita de documento
ou papel assinado que lhe é entregue em confiança, ou de que tem a posse ou
detenção, para preenchê-lo abusivamente. A ação geralmente é praticada para
obter vantagem patrimonial. Não há previsão no CP para esse abuso. Todavia, a
Exposição de Motivos (nº 61) aduz que o fato está conceitualmente incluído na
falsidade ideológica (Fragoso). Perceba que a folha de papel assinada
inteiramente em branco não é documento, por faltar-lhe conteúdo. Não há dúvida,
porém, de que se torna documento, desde que ocorre o preenchimento dos claros
ou da parte em branco. Considera-se folha assinada em branco, não só a que se
apresenta inteiramente em branco, contendo apenas a assinatura, como aquela que
contém apenas alguns espaços em branco, a serem preenchidos, ou que podem ser
preenchidos. Há, em qualquer caso, uma falsidade, pois o conteúdo do documento
aparece como sendo de autoria do signatário, o que constitui, sem qualquer
dúvida, falso.
12.4.2 Pontos
relevantes:
1) a falsificação grosseira não
configura o delito de falsidade, dependendo de perícia, salvo nos casos de
substituição de fotografia (STF e STJ).
2) inserir conteúdo falso em
documento verdadeiro em branco. Para Hungria, se houver posse legítima do
documento, haverá falsidade ideológica. Agora, se a posse for ilegítima, a
falsidade será material. Em se tratando de nota promissória emitida sem alguns
de seus requisitos essenciais, é permitido ao portador de boa-fé do título
preencher os espaços em branco. Trata-se da aplicação da súmula 387, STF.
12.5 Art. 300 Falso
reconhecimento de firma ou letra (o tabelião ou responsável)
Trata-se de modalidade de falsidade ideológica em que a fé
pública vem tutelada contra a falsa autenticação documental, praticada em geral
por tabeliães (crime próprio). A condição de funcionário, sendo elementar ao
crime, transmite-se, evidentemente, ao coautor (art. 30), que responderá pelo
crime em exame, posto que não tenha tal qualidade. O crime consuma-se com a
falsa atestação, independentemente de qualquer outro resultado (crime formal).
12.6 Art. 301 Certidão
ou atestado ideologicamente falso (funcionário público
competente).
Crime próprio e outra modalidade de falsidade ideológica.
A ação só pode ser praticada por funcionário público, na execução de ato de
ofício. A simples condição de funcionário não basta, devendo o ato constituir
atribuição funcional. A materialidade do fato consiste em atestar ou certificar
falsamente fato ou circunstância que habilite alguém a obter qualquer
vantagem de caráter público.
O crime consuma-se com a formação do falso atestado ou
certidão (que será documento público), independentemente de qualquer outro
resultado (pode, assim, o documento permanecer na posse do funcionário). Pode a
falsidade ser parcial, isto é, relativa apenas a fato ou circunstância referida
na certidão ou atestado, desde que condicionante da obtenção de vantagem.
12.7 Art. 302 Falsidade de atestado médico
Espécie de falsidade ideológica. Estes documentos pressupõem uma
capacidade técnica ou científica, e neles se deposita maior fé pública,
precisamente pela maior dificuldade de seu controle. Trata-se de crime próprio
(somente o médico pode praticá-lo). O atestado dever ser dado no exercício da
profissão, o que significa que seu conteúdo deve relacionar-se com fatos cuja
constatação incumbe ao médico realizar. A falsidade, que pode ser total ou
parcial, pode ser praticada com a consignação de fato inverídico ou com a omissão
de fato verdadeiro, desde que juridicamente relevante. Se houver finalidade
lucrativa aplica-se cumulativamente multa.
Se o agente for funcionário e se o ato for praticado em
razão de ofício, o crime será o de corrupção passiva (art. 317).
Atenção! O uso do atestado falso constitui o crime
previsto no art. 304, podendo médico responder como co-autor pelo crime que
vier a ser praticado com o atestado falso se lhe conhecia a destinação.
12.8 Art. 303
Reprodução ou adulteração de peça filatélica
No conceito Celso Delmanto, peça filatélica compreende os
cartões, ou blocos comemorativos, obliteradores, provas etc. Protege-se a fé
pública no particular aspecto da autenticidade de selos e peças filatélicas que
tenham valor para coleção. Igual tratamento não se dispensou às moedas antigas
e recolhidas, usadas para coleção. A falsidade operada em relação às mesmas
somente será punível como elemento do crime patrimonial que vier a ser
praticado.
A ação deve ter necessariamente por objeto selo recolhido
ou inutilizado para fins postais (caso contrário, o crime será o do art. 293,
I) ou qualquer outra pela filatélica, desde que tenha valor para coleção.
12.9 Art. 304 Uso de
documento falso
Apresentar o documento falso. A
pena dependerá do tipo de documento, se público ou particular. Caso o documento
seja apresentado pelo próprio falsificador, o uso será um post factum impunível. Agora, se apresentado por pessoa distinta,
quem apresenta responde pelo 304 e quem falsifica pelo 297.
Pode o uso ser de qualquer natureza (judicial ou
extrajudicial) e deve consistir em ação, sendo incabível por omissão. Não haverá crime sem a existência
de conduta positiva por parte do agente, na utilização do escrito. É
imprescindível que se trate do próprio documento falso, não bastando o uso de
uma cópia ou de uma fotocópia não autenticada (que nem sequer é documento). O crime
é instantâneo, consuma-se com a simples utilização do documento, sem que
seja necessário indagar da existência de qualquer proveito ou dano.
O uso de vários documentos falsos numa mesma ação
delituosa implica em concurso formal de crimes. O uso do mesmo documento
falso em relação a várias pessoas constitui crime continuado.
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