AULA XVI – COMPETÊNCIA
Todos os órgãos do Poder Judiciário exercem jurisdição,
mas nem todos serão competentes para examinar determinado litígio. Logo, a
jurisdição, como expressão do poder estatal, embora una e indivisível, por
razões organizacional e prática, é exercida por vários órgãos, distribuídos
pela Constituição Federal e pela lei, cada um deles atuando dentro de
determinados limites, dependendo ora da natureza do litígio, ora da qualidade
dos litigantes. Em termos técnicos, competência é “conjunto de limites dentro
dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional”.
Para Liebman, essa quantidade de jurisdição cujo exercício
é atribuído a cada órgão ou grupos de órgãos, chama-se competência.
Não é tão simples a tarefa de definir qual será o juízo
competente, pois frequentemente diferentes órgãos do Judiciário discordam sobre
a matéria referente à competência jurisdicional e surge, assim, o denominado
“conflito de competência”. Para que isso seja evitado, diversos critérios de
fixação de competência são utilizados pelo legislador ao estabelecer regras
genéricas de divisão: (1) em razão da matéria, (2) do valor da causa, (3) da
qualidade de uma das partes, (4) critério funcional e (5) territorial.
16.1 Distribuição da competência
A distribuição da competência é feita em diversos níveis
jurídicopositivos:
a) a competência de cada uma das Justiças e dos Tribunais Superiores
da União é determinada pela Constituição Federal;
b) as regras de competência, principalmente as referentes
ao foro competente das comarcas, estão na lei federal (Códigos de Processo
civil e penal);
c) nas Constituições estaduais é determinada a competência
originária dos tribunais locais; d) nas leis de organização judiciária estão as
regras de competência de juízo (varas especializadas);
Sabe-se que a estrutura judiciária pátria se assenta nos
seguintes pontos fundamentais:
a) a existência de órgãos jurisdicionais isolados, no
ápice da pirâmide judiciária e portanto acima de todos os outros (STJ e STF);
b) a existência de diversos organismos jurisdicionais
autônomos entre si (as diversas "Justiças");
c) a existência, em cada "Justiça", de órgãos
judiciários superiores e órgãos inferiores (para cumprir o duplo grau de
jurisdição);
d) a divisão judiciária, com distribuição de órgãos
judiciários por todo o território nacional (comarcas, seções judiciárias);
e) a existência de mais de um órgão judiciário de igual
categoria no mesmo lugar (na mesma comarca, na mesma seção judiciária;
f) instituição de juízes substitutos ou auxiliares, com
competência reduzida.
Com essas informações, torna-se possível a determinação do
juiz competente para conhecer e julgar determinada demanda. Assim, a doutrina
aponta uma metodologia para definir a competência a partir de cada caso
concreto:
1) A Justiça brasileira é competente para julgar a
demanda? A resposta
está nos arts. 88 e 89 do CPC e art. 12 da LINDB. Pelo princípio da
efetividade, "o juiz brasileiro só atua, relativamente àquelas causas de
alguma forma vinculadas a país estrangeiro, se houver possibilidade de tornar
efetiva, de realmente fazer cumprir sua sentença. Ex.: ações sobre bens imóveis
situados no Brasil. Nas hipóteses do art. 88, CPC (competência internacional concorrente),
existe a possibilidade de, se for o caso, a Justiça de outro país poder,
também, se considerar competente. Já nos casos do art. 89, a competência da
Justiça brasileira é exclusiva e, então, o ordenamento jurídico brasileiro só
reconhece a competência do juiz brasileiro para conhecer a causa. Nessas
situações do art. 89, se a causa for julgada em outro país, não será possível que
ocorra a homologação da sentença estrangeira no momento em que a pessoa pretender
dar efeitos dessa sentença no território brasileiro pelo Superior Tribunal de
Justiça. Cuidado! Essa homologação era concedida ao STF.
2) Qual é a Justiça brasileira competente? (competência de jurisdição). A
resposta está na CRFB/88: arts. 109, 114, 121, 124 e 125. Note que a justiça
Estadual possui competência residual, quer dizer, tudo que não for dos órgãos
acima será dela.
3) Qual o órgão, superior ou inferior, é o competente? (competência originária, que, em
regra, é da primeira instância. A exceção deve estar prevista nas Constituições
Federal e Estaduais que tratam das competências dos tribunais).
4) Qual a Comarca, ou Seção Judiciária, competente? (competência de foro). Por Foro,
entende-se a circunscrição territorial judiciária onde a causa deve ser
proposta (Comarca ou Seção Judiciária). Aqui vigora o princípio da aderência ao
território. A regra geral é o foro de domicílio do réu.
5) Qual a Vara competente? (competência do juízo). Esta
resulta da distribuição dos processos entre os órgãos judiciários do mesmo
Foro. Aqui, juízo é sinônimo de órgão judiciário e, em primeiro grau de jurisdição,
corresponde às varas. Em um só Foro poderá haver mais de um juízo ou Vara. Respondendo
as questões acima, 3 critérios auxiliam na identificação da competência
interna: objetivos (competência em razão da matéria, da pessoa e do
valor da causa); funcional; e territorial.
A) Objetivos:
a) Ratione materiae: a competência será absoluta.
Ex.: tribunal do júri; justiça eleitoral; previdenciária; família; sucessões
etc.
b) Ratione personae: dependerá da pessoa envolvida
na lide. Ex.: julgamento pelo STJ, nos crimes comuns, dos governadores dos Estados
e do DF. Cuidado! isso não fere o princípio da isonomia.
c) valor da causa: art. 258 e 259. Ex.: competência dos
JECs – art. 91, CPC.
B) Funcional: o julgamento deve ser realizado pelo juiz indicado pela
lei. Ex.: juiz de cognição; juiz de execução; juiz de 1º grau etc.
C) Territorial: forum rei ou domicilii; forum
contractus; forum rei sitae
16.2 Foro no Processo Civil:
a) foro geral: Para o CPC: i) comum - art.
94, CPC (direitos reais ou pessoais sobre bens: domicílio do réu). O conceito
de domicílio está expresso no art. 70, CC, que poderá ser voluntário ou legal
(art. 76, CC); ii) subsidiário: 94, § 1º ao 4º - i) se o domicílio do
réu for incerto ou desconhecido, a demanda poderá ser proposta no local onde
ele for encontrado ou no domicílio do autor; ii) se o réu não tiver domicílio
ou residência no país, a ação poderá ser proposta no domicílio do autor. Caso
este também não tenha, poderá ser proposta em qualquer outro foro; iii) se a
demanda tiver de ocorrer com vários réus, poderá ser feita a escolha, pelo
autor, de qualquer dos domicílios de um deles. Na Justiça do trabalho: art. 651,
CLT.
b) foro especial: art. 95: situação da coisa (salvo
nos casos de opção pelo foro do domicílio do réu ou de eleição, desde que não
verse a lide sobre propriedade, servidão, vizinhança, posse, divisão e demarcação
de terras e nunciação de obra nova). Para as sucessões (inventário e partilha),
a regra está no art. 96: domicílio do autor da herança. Ações contra incapazes:
art. 98 – domicílio do seu representante; Foro das pessoas jurídicas e das
sociedades: art. 109, CRFB. Obrigações/acidentes: art. 100, CPC.
16.3 Processo Penal: art. 70 – lugar em que se consumar a infração, ou, no caso
de tentativa, lugar em que for praticado o último ato de execução. Não se
conhecendo o local da infração, art. 72: domicílio ou residência do réu. Para
as ações penais privadas: art. 73 (o ofendido escolhe).
Obs.: art. 74 – a competência pela natureza da infração
será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência
privativa do tribunal do júri. Ex.: justiça militar, eleitoral, justiça federal
etc.
16.4 Competência absoluta e relativa
Competência absoluta: É aquela improrrogável, predominando o interesse
público. No CPC, poderá ser revista dentro de 2 anos após o trânsito em julgado
com a Ação Rescisória. No CPP, quando condenatória, poderá ser revista a
qualquer tempo pela Revisão Criminal ou HC.
Competência relativa: permite a prorrogação, pois estão em jogo interesses
privados.
Questão: O que é perpetuatio jurisdictionis? Trata-se de
princípio que fixa a competência no momento da propositura da ação, pouco
importando as modificações de estado de fato ou de direito ocorridas
posteriormente (art. 87 ).
Ex.: se a competência foi determinada em razão do
domicílio do réu, sua mudança futura não afeta a competência fixada. Da mesma
forma, se o réu se torna incapaz e outro é o domicílio de seu representante, a
competência não se altera em razão do art. 98 do CPC. Contudo, haverá mitigação
em caso de criação de vara especializada.
16.5 Prorrogação de competência:
a) voluntária: eleição de foro. Uma das partes
renuncia sua vantagem. Ex.: art. 111, CPC (somente possível no CPC).
b) legal: a própria lei permite a prorrogação. Ex.:
conexão (identidade de pedido e causa de pedir – art. 103, CPC) e continência
(identidade de partes e causa de pedir, mas uma é mais ampla que a outra – art.
104, CPC).
Obs.: prevenção: reconhecimento do juízo que
primeiro conheceu da causa. Mesma circunscrição: aquele que despachou (art.
106); circunscrição diferente, aquele que citou validamente (art. 219).
AULA XVII – AÇÃO
Lembrando aulas pretéritas, foi mencionado que a ação
constitui, juntamente com a jurisdição e o processo, a Trilogia do Direito Processual
(Ramiro Podetti). Logo, não há jurisdição ou processo sem o exercício do
direito de ação. Antes de conhecer o conceito de ação, torna-se necessário
analisar as teorias que tentam identificar sua natureza jurídica.
17.1 Teoria imanentista ou civilista: define a ação como imanente ao direito
material, em outros termos, a ação esta vinculada ao direito substancial
agredido, garantindo ao autor o sucesso da demanda.
Não há direito sem ação nem ação sem direito (Savigny). Crítica:
essa teoria não explica os casos de improcedência do pedido ou de ações declaratórias
de inexistência do direito (Ugo Rocco). Essa teoria durou até a metade do
século 20.
17.2 A Polêmica de Windschied Vs Muther No final do século 20, dois
autores alemães travaram uma polêmica na separação do direito material e ação.
Isso resultou em conclusões até então ignoradas, passando a demonstrar
distinções entre os institutos.
Muther, combatendo algumas ideias de Windscheid, distinguiu direito lesado e
ação. A ação consiste no direito à tutela do Estado, e que compete a quem seja
ofendido no seu direito. É um direito público subjetivo, distinto do direito
cuja tutela se pede, mas tendo por pressupostos necessários este direito e sua
violação, nascendo dois direitos, ambos de natureza pública: o direito do
ofendido à tutela jurídica do Estado (dirigido contra o Estado) e o direito do Estado
à eliminação dessa lesão, contra aquele que a praticou.
Windscheid acabou admitindo a existência de um direito de agir, exercível
contra o Estado e outro contra o devedor, porém um pressuposto do outro, embora
distintos, já que um é direito privado e o outro é de natureza pública. Perceba
que um ponto de vista passou a complementar o outro, dando nova roupagem ao
conceito de ação.
17.3 Teoria da autonomia concreta:
Adolpho Wach - A ação é um direito autônomo, no sentido de
que não tem, necessariamente, por base um direito subjetivo, ameaçado ou
violado, porquanto também há lugar para obter uma simples declaração da
existência ou inexistência de uma relação jurídica, o que ocorre com as
chamadas ações meramente declaratórias. Contudo, como o direito à tutela
jurisdicional só pode ser satisfeito através da proteção concreta, a ação só
existiria quando a sentença fosse favorável.
17.4 Teoria do direito postestativo
Chiovenda – concebeu direitos subjetivos que não
correspondem a uma obrigação. Assim, ação é um direito autônomo, não dirigida contra
o Estado, mas ao adversário. O direito de ação é um direito potestativo, um
direito de poder, tendente à produção de um efeito jurídico a favor de um
sujeito e com ônus para outro, o qual nada deve ou pode fazer para evitar tal
efeito, ficando sujeito à sua produção. Assim, a ação é o poder jurídico de
realizar a condição necessária para a atuação da vontade da lei. Para
Chiovenda, esse direito pertence a quem tem razão contra quem não a tem, visando
a atuação concreta da lei, não deixando de ser um direito de obter uma sentença
favorável.
17.5 Teoria da autonomia abstrata:
Degenkolb (Alemanha) e Plosz (Hungria) - o direito de ação
não depende da existência literal do direito invocado, exigindo apenas que o
autor faça referência a um interesse, protegido abstratamente pelo direito,
ficando o Estado, obrigado a exercer a sua atividade, proferindo uma sentença,
ainda que contrária aos interesses do autor. Para essa teoria existem dois
interesses distintos: a) o interesse tutelado pelo direito (interesse
principal) e b) o interesse na tutela daquele direito pelo Estado (interesse
secundário). Aqui, o exercício do direito de ação deixa de ter uma conotação
meramente individualista, passando a atender ao escopo social que lhe é
inerente de servir como meio de pacificação dos conflitos, mesmo porque, para
falar em exercício do direito de ação, não interessa o resultado favorável
àquele que ingressou com a demanda (Marcus Orione).
Para ALFREDO ROCCO, direito de ação "é um direito
público subjetivo do indivíduo contra o Estado, e só contra o Estado, que tem
por conteúdo substancial o interesse secundário e abstrato na intervenção do
Estado para a eliminação dos óbices que a incerteza ou a inobservância da norma
aplicável ao caso concreto possam opor à realização dos interesses
tutelados" .
17.6 Natureza jurídica da ação:
A ação, em resumo, é um direito subjetivo público,
distinto do direito subjetivo privado invocado, ao qual não pressupõe
necessariamente abstrato (genérico), porque não varia, é sempre o mesmo. Tem
por sujeito passivo o Estado, do qual visa a prestação jurisdicional num caso concreto.
Com fundamento nisso, surge uma corrente defendendo o poder constitucional da
ação, colocando o Estado em situação de dever de uma solução jurisdicional para
os conflitos, para o melhor exercício da cidadania (Marcus Orione).
Enrico Tullio Liebman define a ação como um poder de
exigir a prestação jurisdicional, vinculado a uma pretensão existente na esfera
do direito material, cuja análise se faz por meio das condições da ação.
Para Rodrigo Cunha, a ação é o direito a um pronunciamento
do Estado, terceiro imparcial, diante de um pedido formulado pelo autor, e não
o direito a uma sentença favorável, pois, nesta última hipótese, não haveria
verdadeira autonomia da ação. Assim, há um direito abstrato de agir em juízo,
mesmo que não se possua o direito substancial que se pretende tornar efetivo em
juízo.
A doutrina tem concebido a ação como um direito público
subjetivo, ou seja, o direito de ver assegurada a prestação da tutela jurisdicional
pelo Estado.
17.7 Condições da ação: “PLIn”
Possibilidade jurídica do pedido: não poder incidir em vedação
pelo direito. Ex.: pedido de retirada de órgão de pessoa morta, sob a alegação
de que comprou.
Legitimidade ad causam: qualidade ativa ou passiva para
agir. O autor deve ser, em regra, titular do direito. Ver art. 3º do CPC.
Divide-se em ordinária e extraordinária (substituto processual).
Interesse de agir: deve ser observado o binômio necessidade e adequação,
quer dizer, somente terá interesse aquele que ajuizar demanda útil / necessária
e com o meio adequado (o meio deve ser apto a corrigir o que se quer).
17.8 Classificação:
a) Conhecimento: leva ao judiciário a existência da lide.
Poderá ser: i) declaratória; ii) condenatória; iii) constitutiva (cria,
modifica ou extingue);
b) Executória: satisfativa do direito quando o réu ou
devedor não cumpre voluntariamente a sentença; c) Cautelares: para evitar a
ineficácia do processo, em casos de urgência.
Ação penal: a) pública (condicionada ou incondicionada); b) privada (personalíssima,
exclusivamente privada e subsidiária da pública).
Ação trabalhista: a) individuais e coletivas (dissídios coletivos).
17.9 Elementos da ação:
a) partes (sujeito ativo e passivo: autor e réu);
b) o pedido - é a própria pretensão deduzida em juízo.
Poderá ser: i) imediato (condenatória, declaratória, constitutiva, executória
ou cautelar). Está relacionado ao processo; ii) mediato (o próprio direito material
ou imaterial pedido). Está relacionado ao direito.
c) causa de pedir – é o fato jurídico que ampara a
pretensão deduzida. Para José Rubens Costa, “é a explicação do porquê se pede alguma
coisa em juízo”. Ex.: art. 282, III, CPC. A causa de pedir poderá ser próxima
(é a fundamentação jurídica) ou remota (é o fato gerador do direito). Ex.:
contrato não cumprido (o contrato será a causa de pedir próxima e o não
cumprimento a remota).
Ação e Defesa: devem ser observados os mesmos requisitos da ação. Lembre-se
que o direito brasileiro privilegia o princípio do contraditório. Ex.:
contestação; reconvenção; exceções substanciais etc. [próximas aulas: trabalho,
prova bimestral e PF – boa sorte e feliz natal!]
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