Pela facilidade com que se aprovam leis
penais no Brasil nós temos a sensação de que isso constitui tarefa fácil. Eu
gostaria de sustentar outro ponto de vista. Legislar no campo penal é,
reconhecidamente, uma das tarefas mais difíceis do atuar humano. Se uma lei
(12.720) com apenas dois ou três artigos está gerando tantas críticas, imaginem
a reforma do Código Penal inteiro, que envolve religião, filosofia, crenças
sociais, convicções morais e éticas, doutrinas penais etc.
Sinal dos tempos. Na era da
pós-modernidade nós aprendemos a descontruir, a criticar, a desfazer. Poucos se
arriscam a fazer. Todos contam com motivos diversos para desfazer, para
contestar, para reclamar, para impugnar. Freud falava dos três impossíveis:
governar, educar e curar. Legislar bem na área penal está se transformando
(praticamente) no quarto impossível.
Cláudio Varela (Promotor de Justiça no
RJ) fez as seguintes críticas contra a lei citada (O Globo de 06.10.12, p. 21):
(a) antes da lei a milícia era enquadrada na quadrilha armada, com pena de 2 a
6 anos; com a aplicação da lei dos crimes hediondos, a pena ia para 6 a 12
anos; a nova lei fixa a pena de 4 a 8 anos (menos que a legislação anterior);
(b) as características da milícia eram usadas para elevar a pena-base (agora
isso ficou impossível porque elas fazem parte do crime do art. 288-A); (c) a
forma vaga da redação da lei (“milícia”, “grupo”, “esquadrão”) vai dificultar a
aplicação da lei; (d) a finalidade da milícia ficou reduzida aos crimes
previstos no Código Penal (a quadrilha fala em qualquer outro crime); (e)
crimes como exploração ilegal de TV por assinatura, venda ilegal de GLP,
parcelamento irregular do solo urbano, usura, tortura etc. não estão no CP
(logo, a reunião de várias pessoas para cometer esses crimes não configura o
art. 288-A).
A neocriminalização das milícias nos
parecia necessária, mas a nova lei trouxe mais problemas que o pretendido
endurecimento penal. Nos últimos tempos esse fenômeno está, aliás, sendo
recorrente: o legislador anuncia que está endurecendo a lei penal (isso faz
parte do populismo penal), mas na prática acaba fazendo o contrário.
Outra crítica que pode ser dirigida à
nova lei consiste na sua confiança (ou demagogia) de que o aumento de pena seja
suficiente para debelar a criminalidade. Aumentou-se a pena do homicídio
cometido por grupo de extermínio com o escopo de reduzi-lo.
São absolutamente falsas as promessas
populistas de redução da criminalidade por meio da lei. Baseado em dados do
Datasus (Ministério da Saúde), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) e de órgãos oficiais internacionais (Ministérios da Justiça e da
Saúde), sabe-se que o Brasil fechou o ano de 2010 como o 20º país mais homicida
do mundo a cada 100 mil habitantes. Com mais de 50 mil mortes por ano superou
todos os demais países, inclusive a Índia (40.752 mortes), que possui uma
população seis vezes maior que a brasileira e um volume maior de pessoas
vivendo abaixo da linha da miséria.
A política criminal brasileira
orientada pelo populismo penal (incremento do expansionismo penal) não só não
reduziu a violência, como a aumentou (a agravou). É uma falsa solução para um
problema real. A mídia, o legislador, os políticos, os juízes... todos temos
que nos conscientizar da falsidade da política criminal populista. O castigo
para o criminoso é necessário (de acordo com a proporcionalidade do dano
causado), mas não se pode a partir dessa premissa levantar bandeiras
irracionais e ilusórias, embora extremamente sedutoras, em razão do clima
vingativo reinante nas sociedades globalizadas atuais.
*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da
Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz
Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983),
Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001)
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