terça-feira, 2 de outubro de 2012

PENAL 4/AULA IX


AULA IX DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

9.1 Art. 267 Epidemia

9.1.1 bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente saúde pública. Damásio define a saúde pública como sendo “a normalidade física, mental e orgânica de um número indeterminado de pessoas”. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico (crime formal).

9.1.2 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de estar contaminada ou não pelos germes patogênicos. (2) passivo – coletividade (sociedade) que será atingida diretamente pela propagação da doença (tem que ser número indeterminado de pessoas, caso contrário o crime será o do art. 131 – perigo de contágio de moléstia grave). Bitencourt afirma que o Estado é o sujeito passivo imediato, por entender que este se confunde com a coletividade.

A conduta típica é causar, que tem o sentido de provocar, gerar epidemia. O verbo “causar” tem o sentido de ação, mas também pode ser realizada via omissão imprópria. Epidemia, para Bitencourt, é “o surto de uma doença acidental e transitória, que ataca um grande número de indivíduos, ao mesmo tempo, em determinado país ou região”. Para Rogério Greco, a epidemia deve ser entendida como “uma doença que surge rapidamente em determinado lugar e acomete simultaneamente grande número de pessoas”.

O objeto material são os germes patogênicos. Conforme o tipo penal descreve, a epidemia será causada pela propagação (disseminação, espalhar, difundir) de germes patogênicos (vírus e bactérias). Perceba que a doença tem que ser humana.

Obs.: Epidemia não se confunde com pandemia e endemia. Pandemia é disseminação de uma doença em vários lugares do planeta (Bento de Faria). Já endemia é a doença que surge frequentemente ou permanentemente em um determinado lugar e lá se mantém. Ex.: febre-amarela.

9.1.3 Tipo subjetivo: O tipo penal no caput é praticado com dolo de perigo coletivo e concreto genérico que pode ser direto ou eventual (corrente majoritária). Entretanto, encontra-se na doutrina entendimento de que o perigo nesse delito é abstrato (presumido).

Nucci considera que o tipo penal não possui elemento subjetivo especial ou específico. Por outro lado, Bitencourt entende que o fim especial de agir está contido na intenção de causar a epidemia mediante a propagação de germes patogênicos. O erro quanto à potencialidade infecciosa dos germes patogênicos exclui o dolo e, consequentemente, o crime (erro de tipo).

O crime se consuma com a provocação da epidemia em virtude da propagação dos germes patogênicos. Para Nucci, o crime é material. Para Bitencourt, formal (majoritária). Admite-se a tentativa. Se poucas pessoas contraírem a moléstia, o agente responderá por tentativa de epidemia (jurisprudência).

9.1.4 Causa especial de aumento de pena:

A pena do agente será dobrada em caso de morte de uma ou mais pessoas. Este resultado agravador é gerado de forma culposa (quase sempre com culpa consciente – tem que ser preterdoloso). Não há a incidência de concurso de crimes nesse caso, uma vez que o legislador define que o aumento de pena se dará em virtude do resultado morte, não delimitando sua quantidade. Agora, se o agente quis causar a morte responderá pelo concurso formal ou material de crimes (dependendo do caso).

Se a epidemia for causada de forma culposa por inobservância do dever objetivo de cuidado, o agente será apenado com a pena prevista na primeira parte do artigo. Mas se desta conduta culposa, o agente provocar a morte de uma ou mais pessoas de forma não intencional, responderá pela qualificadora prevista na parte final do dispositivo.

9.1.5 Pontos relevantes:

1) epidemia causada dolosamente que resulta em morte (agravada pelo resultado) é
definida como crime hediondo (art. 1º, VII, da Lei n.º 8.072/90).
2) Ocorrendo epidemia com resultado morte é admissível a decretação de prisão temporária do sujeito ativo, conforme expressa o art. 1º, III, “j”, da Lei n.º 7.960/1989, se presentes os requisitos exigidos.
3) Em temas de crimes contra a saúde pública, sem laudo pericial afirmando que a substância é nociva à saúde descabe ação penal, posto não haver crime a punir. (TJSC).

9.2 Art. 268 Infração de medida sanitária preventiva

A conduta criminosa consiste em infringir determinação do poder público (Leis, Decretos, Portarias etc.). Não basta qualquer dispositivo sanitário, mas aquele voltado ao impedimento de introdução ou propagação de doença contagiosa. Trata-se de norma penal em branco. Para Nucci, o objeto material do crime é a determinação do poder público infringida pelo agente. O abate e transporte irregular de animais e a reutilização de agulhas hipodérmicas em hospital configuram esse crime (jurisprudência). Para a maioria da doutrina o crime é abstrato.

9.3 Art. 269 Omissão de notificação de doença

9.3.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública). Para Bitencourt, se protege “particularmente a seriedade que deve orientar o atendimento da saúde pública”.

9.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - é crime próprio, pois somente o médico pode praticá-lo. Admite concurso de pessoas, mas é fundamental que o médico seja um dos agentes do delito (paciente que induz médico a não notificar). Nesse caso, independente do coautor ou partícipe ser médico ou não, aplicar-se-á o disposto no art. 30 do Código Penal. (2) passivo - é a coletividade (sociedade).

9.3.3 Tipo objetivo: deixar o médico de denunciar (comunicar, informar) à autoridade pública doença cuja notificação (comunicação) é compulsória (obrigatória). Em virtude do verbo núcleo do tipo ser “deixar”, torna-se evidente que se trata de um delito omissivo próprio, no qual o sujeito ativo tem o dever legal de agir. Trata-se de norma penal em branco.

Obs.: Bitencourt alerta que não só doenças infecto-contagiosas são de notificação compulsória, mas as doenças profissionais e aquelas produzidas por condições especiais de trabalho também deverão ser comunicadas às autoridades públicas competentes (art. 169 da CLT).

O objeto material do crime é a notificação compulsória, que consiste na comunicação obrigatória às autoridades de saúde que o médico precisa realizar quando toma conhecimento da existência de doença em que ela for exigível. Na ausência de autoridades de saúde, a comunicação deve ser feita para qualquer outra autoridade que tenha condições de acautelar a incolumidade pública.

Atenção! As principais legislações e atos normativos que apresentam rol de doenças de notificação compulsória são as seguintes: art. 7º da Lei n.º 6.259/75 (organização das ações de vigilância epidemiológica; sobre o Programa Nacional de Imunizações; estabelece norma relativas à notificação compulsória de doenças); Lei n.º 6.437/77; Decreto n.º 78.231/76 (regulamenta a Lei n.º 6.259/75); e a Portaria do Ministério de Estado da Saúde n.º 1.100/96 (relaciona as doenças de notificação compulsória).

9.3.4 Elemento subjetivo: dolo de perigo coletivo abstrato genérico e direto, pois se exige que o agente não queira notificar às autoridades sanitárias ou de saúde no prazo determinado legalmente. Não há elemento subjetivo especial ou específico. Não se admite a forma culposa. O delito se consuma com a não notificação da doença à autoridade competente no prazo definido por lei ou ato normativo. Inexistindo prazo pré-estabelecido, parte da doutrina entende que o crime se consumará quando o médico realizar atos incompatíveis com o dever de denunciar a doença de notificação compulsória existente (Damásio e Bitencourt). O verbo núcleo é “deixar” - mera conduta (basta a não realização da conduta para o delito se consumar, inexistindo previsão de qualquer resultado naturalístico). Rogério Greco classifica o delito como de perigo concreto (minoritária).

Por ser crime omissivo próprio ou puro inexiste a possibilidade de ocorrência da forma tentada.

Questão: Exige-se contato físico do médico com o doente? Não, pois basta o conhecimento da doença. Ex.: (1) analista ou laboratorista que examina o material da coleta; (2) anátomo-patologista ou médico-legista que verifica a existência de doença profissional ou contagiante; (3) o sanitarista que nota a presença de qualquer mal contagiante.

9.3.5 Pontos relevantes:

1) conflito com o tipo penal do art. 154 do Código Penal (violação de segredo profissional). Não há conflito entre os tipos penais, vez que a descrição típica deste artigo fala em revelação do segredo “sem justa causa” (majoritária).
2) exclusão de determinada doença do rol de notificação compulsória – Para Damásio não haverá a retroatividade benéfica se a doença foi incluída por razões excepcionais ou temporárias (CP, art. 3º). Agora, caso a doença faça parte do elenco complementar por motivo que não excepcional ou temporário, o caso é de retroatividade benéfica (CP, art. 2º).
3) aplicação ao farmacêutico – essa notificação só é exigível ao médico.
4) resultado gravoso culposo – aplica-se as regras do art. 258, CP (aumento de pena).

9.4 Art. 270 Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal

9.4.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública).

9.4.2 Tipo objetivo: A conduta típica prevista é “envenenar” que significa ministrar veneno ou intoxicar por meio de veneno. A conduta indica um comportamento comissivo e também omissivo impróprio. Veneno é definido no léxico como substância que, ingerida ou aplicada a um corpo vivo, prejudica ou destrói as suas funções vitais (Genival Veloso de França). Podem ser:

ð quanto a estado físico: líquidos, sódios e gasosos;
ð quanto à origem: animal, vegetal, mineral e sintético;
ð quanto às funções químicas: óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas); hidrocarbonetos, alcoois, acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres animais, aminoácidos, carboidratos e alcalóides (funções orgânicas);
ð quanto ao uso: doméstico, agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente ditos.

Atenção! Se o agente não envenena a água, mas aplique algo que a deixe imprópria para o consumo estará realizando o tipo do art. 54 da Lei de Crimes Ambientais (ab-rogou o art. 271, CP - corrupção ou poluição de água potável). A água potável que se refere o artigo pode ser de uso comum, que é aquela destinada ao consumo de um número indeterminado de pessoas (lagos, rios, reservatório público) ou de uso particular, que é o reservatório de uso particular (poço artesiano de uma casa ou fazenda). O segundo objeto material descrito no tipo penal é a substância alimentícia, que consiste em toda matéria ou substância, sólida ou líquida, que se destina a suprir as necessidades biológicas do organismo.

Por fim, o tipo também fala de substância medicinal que tem por objeto a cura ou prevenção de doenças no organismo humano. As substâncias alimentícias e medicinais são destinadas para o consumo de um número indeterminado de pessoas e coisas. É obrigatório o exame de corpo de delito.

Nelson Hungria afirma que não é necessária a natureza mortal do veneno, bastando que ele tenha potencial para fazer mal a saúde do ser humano.

9.4.3 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa, inclusive o proprietário da água potável ou das substâncias destinadas ao consumo. (2) passivo - sociedade ou a coletividade. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.4.4 Elemento subjetivo do tipo: dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual (intenção genérica de expor a perigo concreto um número indeterminado de pessoas). No parágrafo 1º, o tipo penal prevê um elemento subjetivo especial ou específico compreendido na descrição típica “para o fim de ser distribuída”. Dessa forma, trata-se de delito de tendência, pois o agente age com um fim especial não compreendido na sua vontade genérica.

Se a intenção do agente era a de matar, responderá pelo crime do art. 121, § 2º, III do CP (homicídio qualificado pelo emprego de veneno).

O delito se consuma com a causação do perigo concreto para um número indeterminado de pessoas criado pelo envenenamento. Para Damásio e Bitencourt,  o crime se consuma no momento em que os objetos materiais são envenenados, independentemente de serem consumidos (corrente majoritária). Estes autores entendem que o delito é de perigo abstrato.

A tentativa é perfeitamente admissível nas formas do caput e do parágrafo primeiro.

9.4.5 Revogação do § 1º pelo art. 54 da Lei 9.605/98: Para Luiz Régis Prado e Rogério Sanches, houve revogação parcial desse artigo (1ª parte e seu § 1º). Rogério Greco comenta que não houve revogação tácita da primeira parte do caput desse art. 270 e do parágrafo 1º, por entender que envenenar compreende um juízo maior de reprovação do que poluir (corrente majoritária). “Respondem pela mesma sanção do caput, o agente que entrega ao consumo a título oneroso ou gratuito ou mantém em depósito para ser distribuída (colocada no mercado consumidor) a água potável envenenada ou as substâncias alimentícias ou medicinais envenenadas. Se o sujeito envenena a água ou substância e, depois a entrega a consumo, responde apenas pela primeira conduta em virtude do princípio da consunção (a segunda conduta será exaurimento impunível).

O agente que envenena a água potável ou a substância alimentícia ou medicinal em decorrência de inobservância do dever objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) responderá pelo envenenamento na forma culposa.

9.4.6 Pontos relevantes:

1) A prescrição da pretensão punitiva na modalidade “ter em depósito”, prevista no parágrafo 1º, só começará a correr da data em que cessar a permanência, ou seja, quando terminar o depósito da substância ou água envenenada (CP, art. 111, III).
2) crime hediondo - Nucci destaca que esse delito não é mais considerado como crime hediondo como ocorria na redação original da Lei n.º 8.072/90.
3) conceito de potabilidade – aqui é relativo, dado a função do uso que as populações fazem da água.
4) Envenenamento de Leite – assim como o envenenamento de uma fonte de água, de uso público, pode acarretar o perigo comum, também a fonte animal de produtos alimentícios, quando envenenada, reclama igual repressão.

9.5 Art. 271 Corrupção ou poluição de água potável

Esse art. foi ab-rogado pelo art. 54 da Lei 9.605/98, de acordo com a doutrina (Luiz Régis Prado, Rogério Sanches, Ney Moura Teles etc.). Contudo, permanece íntegro no anteprojeto do novo CP.

9.6 Art. 272 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios

9.6.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente relacionada à saúde pública. Delmanto também entende que indiretamente o patrimônio da coletividade pode ser lesionado em face da conduta do agente. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

9.6.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de exercer função comercial, agrícola ou industrial. (2) passivo - coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, de crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.6.3 Tipo objetivo: no seu caput é um tipo penal misto ou de conteúdo variado alternativo, pois prevê quatro ações nucleares: (1) corromper (estragar, tornar podre); (2) adulterar (contrafazer, deformar ou deturpar para pior); (3) falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir); e, (4) alterar (mudar, modificar, transformar). Damásio afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou omissiva própria, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.

O objeto material do delito é “a substância ou produto alimentício destinado a consumo”. Essas substâncias e produtos são aqueles cujo objetivo é nutrir o organismo de um número indeterminado de pessoas. Porém, não é suficiente que a substância ou produto alimentícios sofram as condutas previstas no tipo, é fundamental que se transformem em substâncias nocivas à saúde da coletividade. Nucci define substâncias ou produtos nocivos à saúde: “algo prejudicial às normais funções orgânicas, físicas e mentais”. Delmanto também entende que só haverá o delito, se a substância for efetivamente nociva, caso contrário, não (necessita-se de prova pericial).

Além de substâncias nocivas à saúde, o crime também se configura com a redução do valor nutritivo dos alimentos (perda das propriedades existentes na substância ou produto que servem para alimentar, sustentar e satisfazer as necessidades vitais do indivíduo que são obtidas por meio destes bens de consumo).

Se a corrupção, alteração, adulteração ou falsificação forem dirigidas à produtos alimentícios de uma ou pessoas determinadas, o crime praticado pelo agente não será este do art. 272, mas o crime de perigo para vida ou saúde de outrem, descrito no art. 132 do CP.

9.6.4 Elemento subjetivo: a conduta do caput é praticada com dolo de perigo coletivo e concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual. Na modalidade “ter em depósito para vender” do § 1º-A, existe um elemento subjetivo especial, que é a finalidade do agente guardar a coisa com o fim de vendê-la. Por conter este elemento subjetivo especial ou específico, o tipo do § 1º-A é definido como crime de tendência.

Esse crime se consuma com a criação do perigo concreto para um número indeterminado de pessoas. Dessa forma, é necessária a demonstração e causação do perigo (há quem defenda ser crime material). Admite-se em todas as formas a tentativa.

9.6.5 Forma equiparada: O § 1º-A traz uma figura típica equiparada ao caput, pois prevê as mesmas penas que a ele foram cominadas quando o agente: “fabricar” (fazer, manufaturar), “vender” (alienar, ceder por preço correspondente), “expõe à venda” (oferecer ou manter em exposição para vender), “tem em depósito para vender” (guardar, estocar com a finalidade de vender); “distribuir” (espalhar, repartir), “entregar a consumo” (oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gratuito).

Outra norma equiparada à figura típica do caput é a falsificação de bebidas alcoólicas ou não alcoólicas (falsificação de whisky, vodca etc.).

Esse crime admite a forma culposa (inobservância do dever objetivo de cuidado por negligência, imprudência e imperícia), seja nas modalidades previstas no caput (exceto “falsificar”), naquelas do § 1º-A (exceto “fabricar”) ou do § 1º. Damásio faz uma interessante observação sobre a realização da conduta culposa em relação aos chamados “alimentos enlatados”, pois o comerciante não poderá abrir o objeto sem danificá-lo ou comprometê-lo para o consumo.

9.6.6 Pontos relevantes:

1) Desproporcionalidade da pena prevista para aquele que torna a substância ou o produto nocivo para o consumo e aquele que diminui o valor nutritivo do alimento (Nucci): punição idêntica para os dois casos, embora possa não existir, em grande parte das vezes, qualquer perigo imediato e razoável para a saúde quando diminuído o valor nutritivo.
2) Quem falsifica e vende o produto, responderá apenas pela conduta descrita no caput do artigo em decorrência da aplicação do princípio da consunção, pois o bem jurídico já foi lesionado com a primeira conduta, tornando-se a segunda um post factum impunível (exaurimento).
3) Se não configurar crime de perigo comum, o agente poderá responder pelas figuras típicas do art. 2º, incisos III e V da Lei n.º 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
4) O bromato de potássio adicionado em pequena quantidade à massa crua do pão não o torna nocivo à saúde.
5) O dolo do agente, em crimes tais, além da vontade dirigida a qualquer de tais ações (corromper, adulterar, falsificar) deve compreender a ciência e consciência das referidas destinação e nocividade.
6) O delito do art. 272, § 1º, consuma-se com o ato da venda, e não com a entrega do produto deteriorado, sendo, pois, dispensável a tradição da coisa; assim, é competente para julgamento do delito a Justiça do lugar em que se completou a venda.
7) Inadmissível a alegação de insuficiência de prova quando o próprio réu admitiu incluir substância líquida m gomas de mascar, adulterando, por conseguinte, sua composição original, sendo que tal ato foi presenciado por testemunhas, e, ainda, laudo pericial a confirmar a presença de substância química tóxica no alimento apreendido.

9.7 Art. 273 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

9.7.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente relacionada à saúde pública. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico. Esse crime é de perigo abstrato.

9.7.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente da condição de fabricante ou comerciante de medicamentos ou substâncias análogas. (2) passivo - coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.

9.7.3 Tipo objetivo: tipo penal misto ou de conteúdo variado alternativo, pois prevê quatro verbos núcleos: (1) falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir); (2) corromper (estragar, tornar podre); (3) adulterar (contrafazer ou deturpar para pior); e, (4) alterar (modificar, transformar). Damásio afirma que os núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou omissiva, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.

O referido produto consiste em toda substância, líquida ou sólida, que tem como finalidade o alívio da dor, tratamento, cura ou a prevenção de doenças ou enfermidades. Bitencourt afirma que o produto para fins medicinais e terapêuticos têm uma “nocividade negativa” (prejudica seu valor nutritivo ou terapêutico, ao contrário da nocividade positiva, que é a introdução no remédio de substância alimentícia ou medicinal nociva).

9.7.4 Elemento subjetivo: O caput do art. 273 é realizado com dolo de perigo coletivo abstrato (corrente majoritária) genérico, direto ou eventual. Damásio afirma que na verificação concreta da modalidade típica do caput, o sujeito ativo realiza o delito com a finalidade de lucro. Porém, quando se analisa o tipo penal, verifica-se claramente que não é exigido qualquer elemento subjetivo especial ou específico.

No § 1º do art. 273 do Código Penal, as condutas também são praticadas com o dolo
de perigo coletivo abstrato (majoritariamente), genérico, direto ou eventual. Ocorre que na modalidade “ter em depósito”, o sujeito ativo tem que agir com o “fim de vender”, que é o elemento subjetivo especial ou específico. Assim, pode-se dizer que em relação a esta modalidade o delito é de tendência.

O crime previsto no caput consuma-se com a falsificação, corrupção, adulteração e alteração do produto terapêutico ou medicinal, não se exigindo a demonstração do perigo causado para a coletividade. Já o do § 1º consuma-se com a venda, exposição à venda, depósito para vender, distribuição ou entrega ao consumo a substância terapêutica ou medicinal alterada, também não se exigindo a demonstração do perigo causado para a coletividade. Nas formas “exposição à venda” e “depósito para vender” o crime é permanente. Admite-se a tentativa em todas as formas dolosas.

9.7.5 Forma dolosa equiparada: As figuras típicas no § 1º do art. 273 do Código Penal são consideradas como equiparadas àquelas previstas no caput do artigo, em virtude de possuírem a mesma espécie e quantum de pena. O presente dispositivo prevê as seguintes condutas: importar (trazer para o interior de um país coisas provenientes do estrangeiro); vender (alienar, ceder por preço certo); expor à venda (oferecer ou manter em exposição para vender), ter em depósito para vender (guardar, estocar com a finalidade de vender); distribuir (espalhar, repartir), entregar ao consumo (oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gratuito). O objeto material neste parágrafo é o resultado das condutas realizadas no caput, isto é, o produto terapêutico ou medicinal falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

As condutas típicas previstas neste § 1º expressam claramente a necessidade de ocorrência das modalidades do caput, pois, como dissemos acima, o produto terapêutico ou medicinal já sofreu a ação de falsificação, corrupção, adulteração e alteração. Dessa forma, pode-se concluir que somente realiza este parágrafo, o sujeito que não praticou anteriormente as condutas descritas no caput. Se, portanto, o mesmo agente falsificou o medicamento, e, posteriormente o vendeu, responderá apenas pela primeira conduta, em face da aplicação do princípio da consunção (o ato de “vender” é post factum impunível. O bem jurídico foi lesionado com a ação antecedente “falsificar”).

O § 1º-A do art. 273 é uma norma penal explicativa. Nesse parágrafo o legislador equiparou a produto terapêutico ou medicinal:

a) a matéria-prima destinada à fabricação de medicamentos;
b) os insumos farmacêuticos que são os produtos combinados de duas ou mais matérias-primas;
c) os cosméticos são produtos destinados à limpeza, conservação e embelezamento da pele e dos cabelos (ex.: xampu, batom, esmaltes);
d) os saneantes: produtos utilizados para a limpeza em geral (ex.: alvejantes); e,
e) os produtos de uso em diagnóstico: têm a finalidade de detectar ou diagnosticar a existência de uma doença (ex.: reagentes laboratoriais, contrastes, etc.).

Obs.: Perceba que a prática do homicídio simples (art. 121, caput) ou do roubo simples (art. 157, caput e § 1º) não configuram crimes hediondos, mas a falsificação de um xampu ou baton, sim. Assim, a doutrina critica essa desproporção na reprovação. Todavia, Nucci entende que a desproporção que existe está apenas na pena, e não na consideração da hediondez. Nesse ponto, vale mencionar o fracionamento das condutas no anteprojeto do novo CP (produto cosmético ou saneante).

O § 1º-B apresenta outras figuras equiparadas. Também são puníveis de forma culposa. A única modalidade que não admite a forma culposa é “falsificar” (caput), pois seria inadmissível a prática de tal ato de maneira não intencional.

9.7.6 Pontos relevantes:

1) Esse crime é hediondo e não equiparado.
2) Tipifica, em tese, crime contra a saúde pública a entrega a consumo de complexo vitamínico dolosamente alterado em sua composição normal, da qual foram retirados os componentes ativos em sua maior parte, diante da nocividade negativa do produto assim provocada.
3) Se o próprio réu admite a existência de impurezas constatadas no laudo, nenhuma importância tem a não observância, na colheita do produto para análise, das formalidades legais.
4) Medicamento falso ou importado ilegalmente – recebem o mesmo tratamento.
5) O princípio da insignificância, como derivação necessária do princípio da intervenção mínima do direito penal, busca afastar desta seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora. Trata-se, na espécie, de crime em que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. Irrelevante considerar o valor da venda do medicamento para desqualificar a conduta (STJ).


AULA X – CONTINUAÇÃO CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Obs.: Vale lembrar que o art. 285 deverá ser aplicado quando o resultado gravoso for preterdoloso nos crimes desse título (qualificadora).

10.1 Art. 274 Emprego de processo proibido ou de substância não permitida

Pune-se a conduta de quem, sem permissão expressa da legislação sanitária, empregar substância nociva à saúde no fabrico de produto destinado a consumo. A consumação ocorre no momento do emprego da substância, na medida em que possam afetar a saúde das pessoas, não se exigindo qualquer resultado naturalístico (crime de mera conduta e de perigo abstrato). A preocupação do Estado reside em regular os processos de fabricação para que o consumidor não seja exposto à situação de risco, ou mesmo lesado (trata-se de uma fraude no comércio que repercute na saúde de um número indeterminado de vítimas).

10.1.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora normalmente seja cometido por industrial ou trabalhador fabricante (aquele que acompanha a linha produtiva ou alguma de suas etapas, desde que tenha poder de comando). (2) passivo – coletividade.

Para saber o alcance do tipo deverá ser consultada a legislação sanitária (norma penal em branco). Ex.: o art. 4º da Lei 6.360/76 proíbe a utilização de substâncias cáusticas e irritantes na fabricação de produtos destinados ao uso infantil.

10.1.3 Produtos protegidos: alimentícios, cosméticos, saneantes, brinquedos, vestuários, mamadeiras etc. (Luiz Régis Prado). Contudo, para a corrente majoritária, no caso de brinquedos e mamadeiras, por não serem produtos alimentícios, medicinais ou terapêuticos, não podem ser abrangidos por esse crime, configurando hipótese protegida pelo art. 278, CP (Bitencourt).

10.1.4 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar a conduta). Não há previsão para a modalidade culposa e não se exige qualquer finalidade específica. Admite-se a forma tentada.

10.2 Art. 275. Invólucro ou recipiente com falsa indicação

Pune-se a conduta de inculcar (indicar falsamente) em invólucro (bulas, rótulos etc.) ou recipiente (frascos, latas etc.) de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada.

Para Luiz Regis Prado, o objeto material restringe-se ao invólucro e ao recipiente. Não podem ser incluídos boletins, catálogos, prospectos, propagandas, folhetos, anúncios etc. A falsa indicação neles exteriorizada não tipifica o delito desse art., mas poderá, conforme o caso, caracterizar o crime de fraude no comércio (art. 175, CP). Perceba que, em regra, o fato constitui fraude ao consumidor. Todavia, devido ao mal presumidamente gerado à saúde pública, o CP deverá preponderar.

10.2.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora seja normalmente praticado por comerciantes, fabricantes e trabalhador da linha de produção, desde que tenha poder de comando. (2) passivo – coletividade.

10.2.2 Consumação: no momento que se dá a falsa indicação, prescindindo-se da disposição do produto ao consumidor (crime de mera conduta e de perigo abstrato - não precisa nem mesmo sair da fábrica). Embora a lei não exija comprovação da nocividade do produto, há julgados em sentido contrário (o simples fato de alguém, utilizando-se de vasilhame de uísque estrangeiro, colocar em seu interior uísque nacional, a fim de vendê-lo como produto alienígena, não basta à tipificação do crime, desde que não possua substancia nociva à saúde). Há julgados considerando indiretamente o uísque como substância alimentícia. Se a indicação falsa versar sobre o peso líquido do produto alimentício, a conduta será constitutiva do crime do art. 66, 8.078/90 – CDC. Não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime culposo).

Questão: Esse crime é de forma vinculada? Sim, pois o legislador especifica que a indicação falsa deve ser feita em invólucro ou recipiente e deve referir-se à existência de substância que não se encontra no conteúdo do produto ou que nele existe em quantidade menor. Assim, a falsa indicação em folhetos, catálogos ou prospectos não tipifica o delito, podendo configurar o crime do art. 175, CP (fraude no comércio).

Atenção! Se a redução ou mesmo a ausência do teor vitamínico constante da bula em nada altera a indicação terapêutica específica do produto fabricado, aplica-se o crime em comento e não o do art. 273, CP (hediondo). Agora, no caso de venda de produto adulterado, em razão da supressão de elementos que compunham sua fórmula, o crime será o do art. 273.

10.2.3 Conflito de normas: o art. 275 é especial na medida em que o legislador penal especifica a natureza dos produtos cujos invólucros ou recipientes contêm informação falsa, ou seja, os produtos alimentícios, terapêuticos e medicinais, bem como a modalidade específica de indicação falsa que interessa para efeito de proteção da saúde pública, embora os arts. 66 do CDC e 7º da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90).

10.3 Art. 276. Produto ou substância nas condições dos dois arts. Anteriores: Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo (crime de mera conduta e conteúdo variado).

Em regra, esse crime é praticado por comerciante, mas o artigo dispensa essa condição para o sujeito ativo (crime comum). Pune-se a conduta de vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer modo, entregar a consumo produtos que sejam produzidos em uma das circunstâncias dos arts. 274 e 275. Perceba que a tentativa é de difícil comprovação, pois a mera posse para venda já consumará o delito. A proteção se faz necessária para evitar que tais produtos sejam consumidos pela coletividade.

10.3.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora normalmente seja praticado por comerciante. (2) passivo – coletividade.

Atenção! Não se exige habitualidade (basta uma única conduta), pois é dispensada a atividade comercial do agente.

10.3.2 Conflito com o crime contra a economia popular (art. 7º): em ambos os dispositivos o legislador incrimina a venda, exposição à venda, depósito para a venda e entrega a consumo. A diferença está no objeto material, pois no CP o objeto exige fabricação nas hipóteses dos arts. 274 e 275. No art. 7º, por sua vez, o objeto é mais amplo, recaindo sobre matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias para o consumo. Para saber quais são esses produtos impróprios deve-se recorrer ao art. 18 do CDC (produtos vencidos, deteriorados, alterados, corrompidos etc.). Todavia, a prioridade será do CP, em razão da tutela específica “saúde pública”.

Outro conflito aparente está no caso do art. 2º da Lei de Crimes Contra a Economia Popular (Lei 5.521/51). Ambos os tipos incriminam a exposição à venda de produto alimentício cujo fabrico haja desatendido determinações oficiais de forma específica. Todavia, o mencionado art. 2º somente será aplicado quando o produto exposto à venda tiver sido fabricado desatendendo regras de composição de outra natureza (produtos permitidos). Ex.: fabricação de alimentos funcionais quando não se cumpre as regras estabelecidas pela ANVISA.

10.3.3 Consumação: não há previsão de resultado material, de modo que o crime se consuma com a mera realização de qualquer das condutas previstas. Na modalidade “ter em depósito”, exige-se o fim especial de agir: “para vender”. Admite-se a tentativa e não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime culposo). Ex.: funcionário que vende o produto sem ter atuado com dolo (não ofereceu nem indicou o produto que sabia ser fabricado nas condições proibidas).

10.4 Art. 277. Substância destinada à falsificação: Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais (tipo alternativo).

Na lição de Fragoso, tal destinação pode decorrer da própria natureza da coisa (exclusivamente empregada para este fim), ou da especial aplicação que lhe vai ser dada pelo comprador ou por quem a recebe, a qualquer título (substância que podem ser empregadas para outros fins lícitos). Logo, não precisa ser o produto utilizado especificamente para a falsificação. Ex.: (1) manter em depósito sulfito de sódio (substância usada para mascarar carne em estado inicial de putrefação); (2) uso de farinha de trigo para falsificação de medicamentos. A doutrina ensina que a expressão “falsificação” abrange a alteração, corrupção e adulteração. Mirabete entende pela interpretação restritiva.

Atenção! Quando o depósito for de produtos lícitos, deve-se ter especial cuidado ao analisar a ação “expor à venda”, ficando quase impossível enquadrar a hipótese em crime devido à adequação social da conduta.

10.4.1 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar uma das condutas). Para Nucci, exige-se o tipo um especial fim, consubstanciado no destino “falsificação” do produto. Consuma-se com a prática de uma das condutas nucleares, independente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Para Rogério Sanches, a perícia é necessária para constatar a potencial capacidade de dano do produto falsificado, embora o crime seja de perigo abstrato. A lei pune apenas as condutas relacionadas às substâncias, ficando, assim, excluídos maquinários e outros aparatos utilizados para a falsificação. Perceba que a qualificadora do art. 285 dificilmente será aplicada nesse tipo, pois o resultado gravoso normalmente ocorrerá após o consumo do produto falsificado. Assim, qualifica-se os crimes do art. 272 ou 273.

10.4.2 Sujeitos do crime: idem ao anterior.

10.5 Art. 278. Outras substâncias nocivas à saúde: Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal. Trata-se de um complemento dos arts. 270 e 277 do CP, estendendo a política de proteção do bem jurídico saúde pública não somente àquelas condutas que afetam a produção, comercialização e distribuição de água, alimentos, e medicamentos, mas, também, diante daqueles comportamentos que implicam a produção, comercialização e distribuição de coisa ou substância em si mesma nociva para a saúde. Ex.: perfumes, cosméticos, cigarros, chupetas, brinquedos etc.

Substância nociva é aquela prejudicial, que causa dano à saúde de quem a consome. Não se confunde com a imprópria para consumo, que é a não recomendável, inadequada. Tal como aponta Mirabete, a nocividade deve ser inerente à coisa ou substância, e não decorrente de seu uso indevido. Nesse ponto, já se decidiu que canetas que contêm produto tóxico ao organismo humano não configura o delito, pois a nocividade, para configurar o crime, deve ter relação à destinação normal do produto.

Consuma-se com a prática de qualquer das condutas contidas no tipo, independentemente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Não confunda com a previsão dos arts. 272 e 273, pois a nocividade do produto prevista no art. 278 deve ser efetiva. O crime é de perigo abstrato (Para Rogério Greco, perigo concreto). Há previsão para punir a modalidade culposa. A doutrina ensina que se exige um especial fim de agir: “para vender”.

Atenção! O ECA, em seu art. 243, pune quem vende, fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida.
10.5.1 Conflito aparente de normas: aquele que comercializa substância tóxica perigosa para a saúde em descordo com a normativa aplicável (em desacordo com as exigências legais), sendo a fabricação em si da substância permitida, comete o crime do art. 56 da Lei de Crimes Ambientais. Ex.: comércio de agrotóxicos ou raticidas em açougue ou mercado de frutas frescas. Agora, se o produto for de venda proibida, aplica-se o art. 278, CP. Ex.: (1) chumbinho (raticida vendido clandestinamente, em razão de não possuir registro na ANVISA ou órgão similar). (2) venda de estricnina (produto proibido) em farmácias.

Outro conflito aparente reside na venda de produtos com omissão de sinais ostensivos ou dizeres que advirtam sobre a periculosidade do produto (art. 63, CDC) ou haja omissão do dever de comunicar à autoridade competente e aos consumidores sobre a nocividade ou periculosidade dos produtos colocados no mercado (art. 64, CDC).

10.6 Art. 279. Substância avariada (Revogado pela Lei nº 8.137/90).

10.7 Art. 280Medicamento em desacordo com receita médica (fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica).

Perceba que somente a receita médica vincula o fornecedor do medicamento, razão pela qual não configura o crime, por exemplo, a receita fornecida por dentista, o que traduz uma impropriedade por parte do legislador, que deveria ter considerado qualquer receituário emanado de profissional habilitado ao tratamento de pessoas (Rogério Sanches).

Para Bento de Faria, o fornecimento de substância medicinal de melhor qualidade que a receitada configura o crime, cuja objetividade é coibir a substituição arbitrária da substância. Para Rogério Sanches, se não gerar riscos à saúde, não há falar em crime quando o medicamento fornecido for de qualidade superior.

10.7.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa (balconista, prático etc.), embora normalmente seja praticado por farmacêutico. (2) passivo – coletividade e a pessoa que teve o medicamento trocado.

Consuma-se com a entrega do medicamento em desacordo com a receita médica, não se exigindo dolo específico. Admite-se a tentativa. Não confunda a tentativa com o mero oferecimento de substância medicinal diferente da que foi prescrita pelo médico, sendo este comportamento um mero ato preparatório atípico. De igual forma, não configura tentativa a simples exposição a comércio de medicamentos.

10.7.2 Pontos relevantes:
1) Medicamento manipulado: quando receitado pelo médico, somente o exame pericial poderá determinar se houve ou não a prática do crime pelo farmacêutico (Luiz Régis Prado).
2) Caso o farmacêutico entenda haver erro na medicação por parte do médico, deverá localizar este para que corrija expressamente (art. 254, regulamento do Departamento Nacional de Saúde). Não encontrando o médico e sendo urgente a entrega do medicamento, poderá o farmacêutico corrigir a receita, agindo em estado de necessidade.
3) Não comete esse crime se o agente despacha medicamento genérico registrado pela ANVISA em substituição ao prescrito (substituição permitida pelo Ministério da Saúde).
4) Tratando-se de substância terapêutica ou medicinal corrompida, adulterada, falsificada ou alterada, e o agente, não tendo certeza dessa circunstância, não deixa, mesmo assim, de efetuar a venda, poderá responder pela modalidade culposa.

10.8 Art. 281. Comércio, posse ou uso de entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica (Revogado pela Lei nº 6.368/76 – hoje, Lei 11.343/06). Migrará novamente para o CP.

10.9 Art. 282Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica: exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites.

10.9.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste delito é a incolumidade pública, especificamente saúde pública. O resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.

10.9.2 Sujeitos do delito: (1) ativo - o caput se divide em duas partes diferentes. Na primeira, qualquer pessoa que exerce qualquer uma das profissões previstas “sem autorização legal” (crime comum). Na segunda, sujeito que ultrapassa os limites legais da profissão. Nesse caso, somente o profissional da medicina, farmácia e odontologia (crime próprio); (2) passivo - o sujeito passivo é a coletividade ou a sociedade e a pessoa que eventualmente seja “tratada” pelo agente. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto e de forma vinculada.

Na primeira, o agente exerce (praticar, fazer algo com habitualidade), a título oneroso ou gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem a devida autorização legal. Não se exige finalidade lucrativa. O tipo normativo contido nas expressões “sem autorização legal” e “excedendo-lhe os limites” indica uma norma penal em branco.
O indivíduo bacharel em medicina somente poderá atuar profissionalmente, quando obtiver o registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Federação que exercerá a profissão.

O objeto material é a profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Apesar do verbo núcleo ser “exercer”, Rogério Greco entende que o delito pode ser realizado de forma comissiva e omissiva imprópria. Cezar Roberto Bitencourt afirma que não há tipicidade na conduta das “parteiras”, por ser atividade distinta da profissão de médico-obstetra. Logo, não existe o exercício ilegal da profissão de parteira. Contudo, Rogério Sanches adverte que se a parteira realizar atos de ginecologista, por exemplo, cometerá o crime.

O exercício de qualquer outra profissão que exija habilitação profissional, como, por exemplo, a de advogado, enfermeiro, protético, farmacêutico etc., incidirá na contravenção penal do art. 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n.º 3.688/41).

10.9.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Nucci defende posicionamento diverso ao dizer que por ser um crime habitual, o tipo penal também contém um elemento subjetivo especial, que é a vontade de desempenhar usualmente qualquer das profissões previstas. Se a finalidade é de obtenção de vantagem econômica ou financeira, aplica-se a qualificadora – pena de multa (Nesse caso, o crime é formal, pois o legislador previu o resultado naturalístico que não precisa acontecer para consumar o delito). Inexiste a modalidade culposa.

10.9.4 Consumação e tentativa: verificação da conduta habitual e reiterada dos atos privativos da profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Não se admite a tentativa. Entende-se que o agente deve realizar reiteradamente os atos profissionais, não sendo possível o seu fracionamento. Também não se pune a forma culposa, por falta de previsão legal.

10.9.5 Pontos relevantes:

1) O artigo 282 difere do art. 284 (crime de curandeirismo), pois neste delito o agente realiza atos capazes de enganar a coletividade, isto é, pratica procedimentos que seriam efetivamente utilizados pelos profissionais da medicina, odontologia e farmácia. Já no curandeirismo, as condutas do sujeito ativo são grosseiras e destoam completamente de condutas normais daqueles profissionais da saúde (ex.: rezas, benzimentos etc.).
2) Também não se confunde com tipo o previsto no art. 283 (charlatanismo), pois neste o agente faz uso de métodos comuns e usuais da profissão. Já no art. 283, o agente apregoa ou anuncia a realização de curas por meios secretos (desconhecido por outros profissionais da área) ou infalíveis (que garantem a cura do problema de saúde existente).
3) Caso o médico, dentista ou farmacêutico estejam suspensos de suas atividades, devido a uma decisão judicial, mas, continuem exercendo a profissão, respondem pelo delito do art. 359 do CP (desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito).
4) Este crime não abrange o veterinário, que só cuida de animais (Bento de Faria defende abranger esse profissional).
5) Quem se faz passar por ‘Doutor’, sem ter concluído qualquer curso universitário, mantendo consultório, expedindo receitas e divulgando avisos pelo rádio sobre os dias em que clinicará no interior do município”.
6) Exercício ilegal da medicina com fins lucrativos e falsidade ideológica (princípio da consunção).
7) Há julgados punindo médico inscrito em uma região que atua em outra sem o devido registro na repartição sanitária local. Entretanto, Rogério Sanches defende tratar-se de infração administrativa e não penal.
8) Permiti-se a exclusão da ilicitude (estado de necessidade) quando esses profissionais atuam em ocasião de calamidade pública ou em locais distantes (de difícil acesso). Todavia, isso não é pacífico, em razão da incompatibilidade lógica com a habitualidade.
9) Não há falar em absorção quando o profissional exerce ilegalmente a medicina e prescreve drogas, pois são crimes autônomos, salvo quando houver vinculação entre ambos (STF).

10.10 Art. 283. Charlatanismo: Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível

10.10.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum), independentemente de ser profissional da saúde ou não (ex.: médico). O agente deste delito é chamado de “charlatão”, uma espécie de estelionatário que engana a credulidade da sociedade, se atribuindo a capacidade de realizar curas por meios que sabe serem falsos. (2) passivo - coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente prejudicada pela conduta do agente.

O delito pode ser praticado pelas condutas típicas inculcar (aconselhar, apregoar, recomendar) ou anunciar (divulgar, noticiar) a cura (restabelecimento de doenças ou problemas de saúde) por meio (método) secreto (oculto, desconhecido de outros profissionais) ou infalível (eficaz, indefectível). Não é crime habitual, sendo necessária apenas uma única conduta praticada pelo agente. O crime é comissivo, mas admite a omissão imprópria. A divulgação pode ser feita por correspondência, rádio, televisão, contato direto etc.
Questão: O que são médicos estacionários? De acordo com Eugênio Cordeiro, são aqueles que não acompanham a evolução da medicina. Há também os superficiais, que examinam rápida e sumariamente o doente, e os sistemáticos, que veem sempre um mesmo estado mórbido, ao qual se ajeitam os mesmos remédios previamente formulados. Esses profissionais não cometem o crime de charlatanismo.

10.10.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Caso o agente acredite no meio de cura que apregoa ou anuncia estará afastado o dolo, tornando atípica a conduta. Inexiste a modalidade culposa.

O delito se consuma no momento em que o agente realiza a inculcação (promete) ou anuncia a cura pelo meio secreto ou infalível (conhecendo a falsidade do meio). Não se exige finalidade especial por parte do agente. Por ser crime de perigo abstrato, não é exigido que qualquer pessoa recorra ao meio oferecido. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto.

A tentativa é admissível, desde que a inculcação ou o anúncio seja realizado na forma escrita (plurissubsistente).

10.10.3 Pontos relevantes:

1) Bitencourt alerta que é permitido o anúncio de meio de cura por médicos (Decreto-lei n.g 4.113/42) e por odontólogos (Lei n.g 5.081/76), desde que o método seja conhecido e de comprovada eficiência. A mera promessa de cura sem a característica do segredo e da infalibilidade não configura o delito.
2) É preciso apurar sempre um forte resíduo de má-fé, para identificar-se o crime de charlatanismo (inequívoco dolo).
3) Não constitui charlatanismo divulgação de descoberta de tratamento com a afirmação de ter sido sua eficiência comprovada, sem inculcar-se infalibilidade de cura.
4) O charlatanismo e o curandeirismo integram o rol dos crimes contra a saúde pública, ou seja, praticado contra número indeterminado de pessoas. Crimes de perigo concreto (probabilidade de dano).
5) O Direito Penal da culpa é incompatível com o perigo abstrato. O homem responde pelo que fez ou deixou de fazer. Dessa forma, a denúncia precisa indicar o resultado (sentido normativo). Caso contrário, será inepta.

10.11 Art. 284 Curandeirismo: Exercer o curandeirismo

10.11.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública, especificamente saúde pública. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.
10.11.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa, tratando-se de crime comum. Há quem entenda que o médico não possa ser sujeito ativo, pois possui conhecimento técnico. Contudo, como lembra Mirabete, nada impede que um médico abandone os métodos profissionais para aplicar gestos ou qualquer outro meio não vinculado à sua formação técnica. (2) passivo - coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente tratada pela conduta do agente.

10.11.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e direto. Inexiste punição a título de culpa.

O delito se consuma com a prática reiterada das condutas mencionadas nos incisos I
a III do caput. Trata-se, portanto, de crime habitual. A tentativa é inadmissível.

Rogério Greco defende ser possível a tentativa em crime habitual, dependendo da forma concreta em que a ação foi realizada.

Exercer significa realizar uma determinada atividade com habitualidade. Curandeirismo é a atividade exercida de forma reiterada e habitual, na qual o agente por meios não científicos e grosseiros procura realizar a cura de doenças. A prática de um só ato não configura o delito.

Trata-se de crime de forma vinculada, pois o legislador descreve três ações em que o sujeito ativo deverá incidir para responder pelo delito. A primeira conduta prevista é aquela em que o agente (1) prescreve (receitar, recomendar, indicar como remédio), (2) ministra (fornecer para ingestão) ou (3) aplica (usar, empregar), habitualmente (de forma reiterada), qualquer substância (matéria de origem natural ou artificial cujo objeto deveria ser o de curar ou prevenir enfermidade) para o sujeito passivo. É completamente irrelevante para configuração do delito se a substância é nociva para a saúde. Ex.: obrigar pessoas a ingerirem sangue de animais e bebidas alcoolicas, como forma de alcançar a cura.

O inciso II fala da conduta do agente que “usando gestos, palavras ou qualquer outro meio” exerce o curandeirismo. Damásio define da seguinte forma as ações que devem ser feitas pelo sujeito ativo, para a tipificação de sua conduta: Gestos são movimentos corpóreos, incluindo-se, aqui, os passes. Palavras são manifestações verbais, invocando-se, em geral, o sobrenatural, para obter-se a pretendida cura. Por qualquer outro meio deve-se entender todo método de cura análogo aos casuisticamente citados.

Nucci entende ser atípica as condutas descritas neste tipo penal se estas fizerem parte de um ritual religioso. “Inviolabilidade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5V, VI)”. Assim, não se pode considerar curandeirismo a conduta daqueles que, crendo na ação de espíritos, fazem gestos com as mãos, nomeados passes, para a cura de males físicos ou psíquicos de alguém, que, por sua vez, acredita no mesmo. Assim, ambas as partes envolvidas estão vinculadas a uma religião, no caso o espiritismo, bem como a um culto (práticas consagradas para a exteriorização de uma religião ou crença). No mesmo patamar estão outras religiões que empregam gestos, palavras ou outros meios para curar os males dos seus adeptos, invocando o nome de espíritos ou de ícones da sua crença, como Jesus Cristo, a fim de exercitarem e colocarem em prática a sua liturgia”.

Rogério Greco e Bento de Faria afirmam que não devem ser considerados curandeiros:

ð os ministros da Igreja quando praticam atos de exorcismo, porque são admitidos pelos seus cânones;
ð quem pratica ato de qualquer religião ou doutrina, inclusive o espiritismo, desde que não ofenda a moral, os bons costumes ou faça perigar a saúde pública, ou apenas busque demonstrações em proveito da ciência.

Por fim, o inciso III do caput do art. 284 descreve a ação de fazer diagnóstico. Podemos definir e elementar típica diagnóstico, como a identificação ou a constatação de determinado problema de saúde pelos seus sintomas exteriorizados (ato exclusivo de médico). Perceba que a principal consequência do curandeirismo é o retardamento de busca pelo tratamento adequado (isso justifica o caráter abstrato do crime). 

Apesar de apenas no inciso I, o legislador utilizar a expressão “habitualmente”, as condutas dos incisos II e III também necessitam ser praticadas de forma habitual ou reiterada para a configuração do delito.

As condutas do tipo indicam um comportamento comissivo, porém, Rogério Greco entende que o delito pode ser realizado de forma omissiva imprópria.

O delito se tornará qualificado com a aplicação da pena de multa, se o sujeito ativo exercer as condutas descritas no caput mediante remuneração. Ao contrário do que ocorre com o delito do art. 282 (Exercício Ilegal de Medicina, Arte Dentária ou Farmacêutica), o delito exige que o agente obtenha a remuneração. Neste caso, portanto, o crime é material, pois o legislador exige o recebimento da remuneração para se tornar qualificado, sendo insuficiente a mera promessa do lucro.

Damásio de Jesus defende a ideia de que a recompensa recebida não precisa ser necessariamente pecuniária.
10.11.4 Pontos relevantes:

1) O agente que mediante falsa promessa de cura obtém remuneração sem realizar qualquer dos atos previstos no caput do art. 284, pratica o delito de estelionato.
2) Em sendo o curandeirismo crime de perigo abstrato contra a saúde pública, não se exige à sua tipificação faça a pessoa da prática da profissão, bastando à prova de habitualidade a mera repetição de atos, tais como receitas, aplicações, rezas ou quejandos, num mesmo dia, para mais de um cliente.
3) O curandeirismo não é crime de dano, mas de perigo. O dolo é representado pela vontade livre e consciente de realizar os atos inseridos no art. 284 do CP, pouco importando para a conceituação da sanção penal a ausência de lucro ou proveito, pois não são elementos necessários para a configuração.
4) O curandeirismo é crime contra a saúde pública, dito de perigo, porque se consuma pelo simples risco a esse bem jurídico comum, visado pelo legislador, sem necessidade de dano concreto.
5) Prática grosseira de cura por quem não possui nenhum conhecimento de medicina. Não se confunde com religião porque quem, sob o color de ato litúrgico se propõe a tratar misticamente da saúde alheia usando gestos, palavras ou outros meios, comete o delito do art. 284 que não se confunde com atos de fé de preceito meramente religioso.
6) Embora o curandeirismo seja prática delituosa típica de pessoa rude, sem qualquer conhecimento técnico-profissional da medicina e que se dedica a prescrever substâncias ou procedimentos com o fim de curar doenças, não se pode descartar a possibilidade de existência de concurso entre tal crime e o exercício ilegal de arte farmacêutica, se o agente também não tem habilitação profissional específica para exercer tal atividade.
7) cura de doenças psíquicas por paranormais: de acordo com Mirabete, se a parapsciologia abre infindáveis campos de estudo, muito há para saber, fora do direito, para que se possa permitir a ação dos paranormais. Enquanto isso não se fizer a repressão penal deve estabelecer-se nos termos do artigo 284, CP.
8) admite-se o concurso formal do curandeirismo com o crime de estupro, estelionato ou exercício ilegal da medicina (HC 36.244, STJ).

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