AULA IX DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
9.1 Art. 267 Epidemia
9.1.1 bem jurídico protegido: incolumidade pública,
especificamente saúde pública. Damásio define a saúde pública como sendo “a
normalidade física, mental e orgânica de um número indeterminado de pessoas”. É
irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico (crime
formal).
9.1.2 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum),
independentemente de estar contaminada ou não pelos germes patogênicos. (2) passivo
– coletividade (sociedade) que será atingida diretamente pela propagação da
doença (tem que ser número indeterminado de pessoas, caso contrário o crime
será o do art. 131 – perigo de contágio de moléstia grave). Bitencourt afirma
que o Estado é o sujeito passivo imediato, por entender que este se confunde
com a coletividade.
A conduta típica é causar, que tem o sentido de provocar,
gerar epidemia. O verbo “causar” tem o sentido de ação, mas também pode ser
realizada via omissão imprópria. Epidemia, para Bitencourt, é “o surto de uma
doença acidental e transitória, que ataca um grande número de indivíduos, ao
mesmo tempo, em determinado país ou região”. Para Rogério Greco, a epidemia
deve ser entendida como “uma doença que surge rapidamente em determinado lugar
e acomete simultaneamente grande número de pessoas”.
O objeto material são os germes patogênicos. Conforme o
tipo penal descreve, a epidemia será causada pela propagação (disseminação,
espalhar, difundir) de germes patogênicos (vírus e bactérias). Perceba que a
doença tem que ser humana.
Obs.: Epidemia não se confunde com pandemia e endemia.
Pandemia é disseminação de uma doença em vários lugares do planeta (Bento de
Faria). Já endemia é a doença que surge frequentemente ou permanentemente em um
determinado lugar e lá se mantém. Ex.: febre-amarela.
9.1.3 Tipo subjetivo: O tipo penal no caput é praticado com dolo
de perigo coletivo e concreto genérico que pode ser direto ou eventual
(corrente majoritária). Entretanto, encontra-se na doutrina entendimento de que
o perigo nesse delito é abstrato (presumido).
Nucci considera que o tipo penal não possui elemento
subjetivo especial ou específico. Por outro lado, Bitencourt entende que o fim
especial de agir está contido na intenção de causar a epidemia mediante a
propagação de germes patogênicos. O erro quanto à potencialidade infecciosa dos
germes patogênicos exclui o dolo e, consequentemente, o crime (erro de tipo).
O crime se consuma com a provocação da epidemia em virtude
da propagação dos germes patogênicos. Para Nucci, o crime é material. Para
Bitencourt, formal (majoritária). Admite-se a tentativa. Se poucas pessoas
contraírem a moléstia, o agente responderá por tentativa de epidemia
(jurisprudência).
9.1.4 Causa especial de aumento de pena:
A pena do agente será dobrada em caso de morte de uma ou
mais pessoas. Este resultado agravador é gerado de forma culposa (quase sempre
com culpa consciente – tem que ser preterdoloso). Não há a incidência de concurso
de crimes nesse caso, uma vez que o legislador define que o aumento de pena se
dará em virtude do resultado morte, não delimitando sua quantidade. Agora, se o
agente quis causar a morte responderá pelo concurso formal ou material de
crimes (dependendo do caso).
Se a epidemia for causada de forma culposa por
inobservância do dever objetivo de cuidado, o agente será apenado com a pena
prevista na primeira parte do artigo. Mas se desta conduta culposa, o agente
provocar a morte de uma ou mais pessoas de forma não intencional, responderá
pela qualificadora prevista na parte final do dispositivo.
9.1.5 Pontos relevantes:
1) epidemia causada dolosamente que resulta em morte
(agravada pelo resultado) é
definida como crime hediondo (art. 1º, VII, da Lei n.º
8.072/90).
2) Ocorrendo epidemia com resultado morte é admissível a
decretação de prisão temporária do sujeito ativo, conforme expressa o art. 1º,
III, “j”, da Lei n.º 7.960/1989, se presentes os requisitos exigidos.
3) Em temas de crimes contra a saúde pública, sem laudo
pericial afirmando que a substância é nociva à saúde descabe ação penal, posto
não haver crime a punir. (TJSC).
9.2 Art. 268 Infração de medida sanitária preventiva
A conduta criminosa consiste em infringir determinação do
poder público (Leis, Decretos, Portarias etc.). Não basta qualquer dispositivo
sanitário, mas aquele voltado ao impedimento de introdução ou propagação de
doença contagiosa. Trata-se de norma penal em branco. Para Nucci, o objeto
material do crime é a determinação do poder público infringida pelo agente. O
abate e transporte irregular de animais e a reutilização de agulhas
hipodérmicas em hospital configuram esse crime (jurisprudência). Para a maioria
da doutrina o crime é abstrato.
9.3 Art. 269 Omissão de notificação de doença
9.3.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública).
Para Bitencourt, se protege “particularmente a seriedade que deve orientar o
atendimento da saúde pública”.
9.3.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - é crime próprio, pois somente
o médico pode praticá-lo. Admite concurso de pessoas, mas é fundamental que o
médico seja um dos agentes do delito (paciente que induz médico a não
notificar). Nesse caso, independente do coautor ou partícipe ser médico ou não,
aplicar-se-á o disposto no art. 30 do Código Penal. (2) passivo - é a
coletividade (sociedade).
9.3.3 Tipo objetivo: deixar o médico de denunciar (comunicar, informar) à
autoridade pública doença cuja notificação (comunicação) é compulsória
(obrigatória). Em virtude do verbo núcleo do tipo ser “deixar”, torna-se
evidente que se trata de um delito omissivo próprio, no qual o sujeito ativo
tem o dever legal de agir. Trata-se de norma penal em branco.
Obs.: Bitencourt alerta que não só doenças
infecto-contagiosas são de notificação compulsória, mas as doenças
profissionais e aquelas produzidas por condições especiais de trabalho também
deverão ser comunicadas às autoridades públicas competentes (art. 169 da CLT).
O objeto material do crime é a notificação compulsória,
que consiste na comunicação obrigatória às autoridades de saúde que o médico
precisa realizar quando toma conhecimento da existência de doença em que ela
for exigível. Na ausência de autoridades de saúde, a comunicação deve ser feita
para qualquer outra autoridade que tenha condições de acautelar a incolumidade pública.
Atenção! As principais legislações e atos normativos que
apresentam rol de doenças de notificação compulsória são as seguintes: art. 7º
da Lei n.º 6.259/75 (organização das ações de vigilância epidemiológica; sobre
o Programa Nacional de Imunizações; estabelece norma relativas à notificação
compulsória de doenças); Lei n.º 6.437/77; Decreto n.º 78.231/76 (regulamenta a
Lei n.º 6.259/75); e a Portaria do Ministério de Estado da Saúde n.º 1.100/96
(relaciona as doenças de notificação compulsória).
9.3.4 Elemento subjetivo: dolo de perigo coletivo abstrato genérico e
direto, pois se exige que o agente não queira notificar às autoridades
sanitárias ou de saúde no prazo determinado legalmente. Não há elemento subjetivo
especial ou específico. Não se admite a forma culposa. O delito se
consuma com a não notificação da doença à autoridade competente no prazo
definido por lei ou ato normativo. Inexistindo prazo pré-estabelecido, parte da
doutrina entende que o crime se consumará quando o médico realizar atos
incompatíveis com o dever de denunciar a doença de notificação compulsória
existente (Damásio e Bitencourt). O verbo núcleo é “deixar” - mera conduta
(basta a não realização da conduta para o delito se consumar, inexistindo
previsão de qualquer resultado naturalístico). Rogério Greco classifica o
delito como de perigo concreto (minoritária).
Por ser crime omissivo próprio ou puro inexiste a
possibilidade de ocorrência da forma tentada.
Questão: Exige-se contato físico do médico com o doente? Não, pois
basta o conhecimento da doença. Ex.: (1) analista ou laboratorista que examina o
material da coleta; (2) anátomo-patologista ou médico-legista que verifica a
existência de doença profissional ou contagiante; (3) o sanitarista que nota a
presença de qualquer mal contagiante.
9.3.5 Pontos relevantes:
1) conflito com o tipo penal do art. 154 do Código Penal
(violação de segredo profissional). Não há conflito entre os tipos penais, vez
que a descrição típica deste artigo fala em revelação do segredo “sem justa
causa” (majoritária).
2) exclusão de determinada doença do rol de notificação
compulsória – Para Damásio não haverá a retroatividade benéfica se a doença foi
incluída por razões excepcionais ou temporárias (CP, art. 3º). Agora, caso a doença
faça parte do elenco complementar por motivo que não excepcional ou temporário,
o caso é de retroatividade benéfica (CP, art. 2º).
3) aplicação ao farmacêutico – essa notificação só é
exigível ao médico.
4) resultado gravoso culposo – aplica-se as regras do art.
258, CP (aumento de pena).
9.4 Art. 270 Envenenamento de água potável ou de
substância alimentícia ou medicinal
9.4.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública (saúde pública).
9.4.2 Tipo objetivo: A conduta típica prevista é “envenenar” que significa
ministrar veneno ou intoxicar por meio de veneno. A conduta indica um
comportamento comissivo e também omissivo impróprio. Veneno é definido no
léxico como substância que, ingerida ou aplicada a um corpo vivo, prejudica ou
destrói as suas funções vitais (Genival Veloso de França). Podem ser:
ð quanto a estado físico: líquidos,
sódios e gasosos;
ð quanto à origem: animal, vegetal,
mineral e sintético;
ð quanto às funções químicas:
óxidos, ácidos, bases e sais (funções inorgânicas); hidrocarbonetos, alcoois,
acetonas e aldeídos, ácidos orgânicos, ésteres animais, aminoácidos,
carboidratos e alcalóides (funções orgânicas);
ð quanto ao uso: doméstico,
agrícola, industrial, medicinal, cosmético e venenos propriamente ditos.
Atenção! Se o agente não envenena a água, mas aplique algo
que a deixe imprópria para o consumo estará realizando o tipo do art. 54 da Lei
de Crimes Ambientais (ab-rogou o art. 271, CP - corrupção ou poluição de água
potável). A água potável que se refere o artigo pode ser de uso comum, que é
aquela destinada ao consumo de um número indeterminado de pessoas (lagos, rios,
reservatório público) ou de uso particular, que é o reservatório de uso
particular (poço artesiano de uma casa ou fazenda). O segundo objeto material
descrito no tipo penal é a substância alimentícia, que consiste em toda matéria
ou substância, sólida ou líquida, que se destina a suprir as necessidades
biológicas do organismo.
Por fim, o tipo também fala de substância medicinal que
tem por objeto a cura ou prevenção de doenças no organismo humano. As
substâncias alimentícias e medicinais são destinadas para o consumo de um
número indeterminado de pessoas e coisas. É obrigatório o exame de corpo de
delito.
Nelson Hungria afirma que não é necessária a natureza
mortal do veneno, bastando que ele tenha potencial para fazer mal a saúde do
ser humano.
9.4.3 Sujeitos do delito: (1) ativo - qualquer pessoa, inclusive o
proprietário da água potável ou das substâncias destinadas ao consumo. (2) passivo
- sociedade ou a coletividade. Também será vítima a pessoa eventualmente
atingida pela conduta do agente.
9.4.4 Elemento subjetivo do tipo: dolo de perigo coletivo e
concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual (intenção genérica de expor a
perigo concreto um número indeterminado de pessoas). No parágrafo 1º, o tipo
penal prevê um elemento subjetivo especial ou específico compreendido na
descrição típica “para o fim de ser distribuída”. Dessa forma, trata-se de
delito de tendência, pois o agente age com um fim especial não compreendido na
sua vontade genérica.
Se a intenção do agente era a de matar, responderá pelo
crime do art. 121, § 2º, III do CP (homicídio qualificado pelo emprego de
veneno).
O delito se consuma com a causação do perigo concreto para
um número indeterminado de pessoas criado pelo envenenamento. Para Damásio e
Bitencourt, o crime se consuma no
momento em que os objetos materiais são envenenados, independentemente de serem
consumidos (corrente majoritária). Estes autores entendem que o delito é de
perigo abstrato.
A tentativa é perfeitamente admissível nas formas do caput
e do parágrafo primeiro.
9.4.5 Revogação do § 1º pelo art. 54 da Lei 9.605/98: Para Luiz Régis Prado e Rogério
Sanches, houve revogação parcial desse artigo (1ª parte e seu § 1º). Rogério
Greco comenta que não houve revogação tácita da primeira parte do caput
desse art. 270 e do parágrafo 1º, por entender que envenenar compreende um
juízo maior de reprovação do que poluir (corrente majoritária). “Respondem pela
mesma sanção do caput, o agente que entrega ao consumo a título oneroso
ou gratuito ou mantém em depósito para ser distribuída (colocada no mercado consumidor)
a água potável envenenada ou as substâncias alimentícias ou medicinais
envenenadas. Se o sujeito envenena a água ou substância e, depois a entrega a
consumo, responde apenas pela primeira conduta em virtude do princípio da
consunção (a segunda conduta será exaurimento impunível).
O agente que envenena a água potável ou a
substância alimentícia ou medicinal em decorrência de inobservância do dever
objetivo de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia) responderá pelo
envenenamento na forma culposa.
9.4.6 Pontos relevantes:
1) A prescrição da pretensão punitiva na modalidade “ter
em depósito”, prevista no parágrafo 1º, só começará a correr da data em que
cessar a permanência, ou seja, quando terminar o depósito da substância ou água
envenenada (CP, art. 111, III).
2) crime hediondo - Nucci destaca que esse delito não é
mais considerado como crime hediondo como ocorria na redação original da Lei
n.º 8.072/90.
3) conceito de potabilidade – aqui é relativo, dado a função
do uso que as populações fazem da água.
4) Envenenamento de Leite – assim como o envenenamento de
uma fonte de água, de uso público, pode acarretar o perigo comum, também a
fonte animal de produtos alimentícios, quando envenenada, reclama igual
repressão.
9.5 Art. 271 Corrupção ou poluição de água potável
Esse art. foi ab-rogado pelo art. 54 da Lei 9.605/98, de
acordo com a doutrina (Luiz Régis Prado, Rogério Sanches, Ney Moura Teles etc.).
Contudo, permanece íntegro no anteprojeto do novo CP.
9.6 Art. 272 Falsificação, corrupção, adulteração ou
alteração de substância ou produtos alimentícios
9.6.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública,
especificamente relacionada à saúde pública. Delmanto também entende que indiretamente
o patrimônio da coletividade pode ser lesionado em face da conduta do agente. O
resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública),
resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para
este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.
9.6.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum),
independentemente de exercer função comercial, agrícola ou industrial. (2) passivo
- coletividade ou a sociedade, trata-se, portanto, de crime de sujeito passivo
vago, em virtude da vítima não ter personalidade jurídica. Também será vítima a
pessoa eventualmente atingida pela conduta do agente.
9.6.3 Tipo objetivo: no seu caput é um tipo penal misto ou de conteúdo
variado alternativo, pois prevê quatro ações nucleares: (1) corromper (estragar,
tornar podre); (2) adulterar (contrafazer, deformar ou deturpar para
pior); (3) falsificar (imitar fraudulentamente, modificar para iludir);
e, (4) alterar (mudar, modificar, transformar). Damásio afirma que os
núcleos “corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou
omissiva própria, e o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.
O objeto material do delito é “a substância ou produto
alimentício destinado a consumo”. Essas substâncias e produtos são aqueles cujo
objetivo é nutrir o organismo de um número indeterminado de pessoas. Porém, não
é suficiente que a substância ou produto alimentícios sofram as condutas
previstas no tipo, é fundamental que se transformem em substâncias nocivas à
saúde da coletividade. Nucci define substâncias ou produtos nocivos à saúde:
“algo prejudicial às normais funções orgânicas, físicas e mentais”. Delmanto também
entende que só haverá o delito, se a substância for efetivamente nociva, caso
contrário, não (necessita-se de prova pericial).
Além de substâncias nocivas à saúde, o crime também se
configura com a redução do valor nutritivo dos alimentos (perda das
propriedades existentes na substância ou produto que servem para alimentar,
sustentar e satisfazer as necessidades vitais do indivíduo que são obtidas por
meio destes bens de consumo).
Se a corrupção, alteração, adulteração ou falsificação
forem dirigidas à produtos alimentícios de uma ou pessoas determinadas, o crime
praticado pelo agente não será este do art. 272, mas o crime de perigo para
vida ou saúde de outrem, descrito no art. 132 do CP.
9.6.4 Elemento subjetivo: a conduta do caput é praticada com dolo de perigo
coletivo e concreto ou abstrato genérico, direto ou eventual. Na modalidade
“ter em depósito para vender” do § 1º-A, existe um elemento subjetivo especial,
que é a finalidade do agente guardar a coisa com o fim de vendê-la. Por conter
este elemento subjetivo especial ou específico, o tipo do § 1º-A é definido
como crime de tendência.
Esse crime se consuma com a criação do perigo concreto para
um número indeterminado de pessoas. Dessa forma, é necessária a demonstração e
causação do perigo (há quem defenda ser crime material). Admite-se em todas as
formas a tentativa.
9.6.5 Forma equiparada: O § 1º-A traz uma figura típica equiparada ao caput,
pois prevê as mesmas penas que a ele foram cominadas quando o agente:
“fabricar” (fazer, manufaturar), “vender” (alienar, ceder por preço
correspondente), “expõe à venda” (oferecer ou manter em exposição para vender),
“tem em depósito para vender” (guardar, estocar com a finalidade de vender);
“distribuir” (espalhar, repartir), “entregar a consumo” (oferecer ao mercado
consumidor a título oneroso ou gratuito).
Outra norma equiparada à figura típica do caput é a
falsificação de bebidas alcoólicas ou não alcoólicas (falsificação de whisky,
vodca etc.).
Esse crime admite a forma culposa (inobservância do dever
objetivo de cuidado por negligência, imprudência e imperícia), seja nas
modalidades previstas no caput (exceto “falsificar”), naquelas do § 1º-A
(exceto “fabricar”) ou do § 1º. Damásio faz uma interessante observação sobre a
realização da conduta culposa em relação aos chamados “alimentos enlatados”,
pois o comerciante não poderá abrir o objeto sem danificá-lo ou comprometê-lo
para o consumo.
9.6.6 Pontos relevantes:
1) Desproporcionalidade da pena prevista para aquele que
torna a substância ou o produto nocivo para o consumo e aquele que diminui o
valor nutritivo do alimento (Nucci): punição idêntica para os dois casos,
embora possa não existir, em grande parte das vezes, qualquer perigo imediato e
razoável para a saúde quando diminuído o valor nutritivo.
2) Quem falsifica e vende o produto, responderá apenas
pela conduta descrita no caput do artigo em decorrência da aplicação do
princípio da consunção, pois o bem jurídico já foi lesionado com a primeira
conduta, tornando-se a segunda um post factum impunível (exaurimento).
3) Se não configurar crime de perigo comum, o agente
poderá responder pelas figuras típicas do art. 2º, incisos III e V da Lei n.º
1.521/51 (crimes contra a economia popular).
4) O bromato de potássio adicionado em pequena quantidade
à massa crua do pão não o torna nocivo à saúde.
5) O dolo do agente, em crimes tais, além da vontade
dirigida a qualquer de tais ações (corromper, adulterar, falsificar) deve
compreender a ciência e consciência das referidas destinação e nocividade.
6) O delito do art. 272, § 1º, consuma-se com o ato da
venda, e não com a entrega do produto deteriorado, sendo, pois, dispensável a
tradição da coisa; assim, é competente para julgamento do delito a Justiça do lugar
em que se completou a venda.
7) Inadmissível a alegação de insuficiência de prova
quando o próprio réu admitiu incluir substância líquida m gomas de mascar,
adulterando, por conseguinte, sua composição original, sendo que tal ato foi
presenciado por testemunhas, e, ainda, laudo pericial a confirmar a presença de
substância química tóxica no alimento apreendido.
9.7 Art. 273 Falsificação, corrupção, adulteração ou
alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
9.7.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste
delito é a incolumidade pública, especificamente relacionada à saúde pública. O
resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde pública),
resultado de uma conduta dolosa ou culposa que cria um incremento de risco para
este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.
Esse crime é de perigo abstrato.
9.7.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer pessoa (crime comum),
independentemente da condição de fabricante ou comerciante de medicamentos ou
substâncias análogas. (2) passivo - coletividade ou a sociedade,
trata-se, portanto, crime de sujeito passivo vago, em virtude da vítima não ter
personalidade jurídica. Também será vítima a pessoa eventualmente atingida pela
conduta do agente.
9.7.3 Tipo objetivo: tipo penal misto ou de conteúdo variado alternativo,
pois prevê quatro verbos núcleos: (1) falsificar (imitar
fraudulentamente, modificar para iludir); (2) corromper (estragar,
tornar podre); (3) adulterar (contrafazer ou deturpar para pior); e, (4)
alterar (modificar, transformar). Damásio afirma que os núcleos
“corromper” e “adulterar” podem ser cometidos de forma comissiva ou omissiva, e
o verbo “falsificar”, somente poderá ocorrer comissivamente.
O referido produto consiste em toda substância, líquida ou
sólida, que tem como finalidade o alívio da dor, tratamento, cura ou a
prevenção de doenças ou enfermidades. Bitencourt afirma que o produto para fins
medicinais e terapêuticos têm uma “nocividade negativa” (prejudica seu valor
nutritivo ou terapêutico, ao contrário da nocividade positiva, que é a
introdução no remédio de substância alimentícia ou medicinal nociva).
9.7.4 Elemento subjetivo: O caput do art. 273 é realizado com dolo
de perigo coletivo abstrato (corrente majoritária) genérico, direto ou
eventual. Damásio afirma que na verificação concreta da modalidade típica do caput,
o sujeito ativo realiza o delito com a finalidade de lucro. Porém, quando se analisa
o tipo penal, verifica-se claramente que não é exigido qualquer elemento subjetivo
especial ou específico.
No § 1º do art. 273 do Código Penal, as condutas também
são praticadas com o dolo
de perigo coletivo abstrato (majoritariamente), genérico,
direto ou eventual. Ocorre que na modalidade “ter em depósito”, o sujeito ativo
tem que agir com o “fim de vender”, que é o elemento subjetivo especial ou
específico. Assim, pode-se dizer que em relação a esta modalidade o delito é de
tendência.
O crime previsto no caput consuma-se com a
falsificação, corrupção, adulteração e alteração do produto terapêutico ou
medicinal, não se exigindo a demonstração do perigo causado para a
coletividade. Já o do § 1º consuma-se com a venda, exposição à venda, depósito
para vender, distribuição ou entrega ao consumo a substância terapêutica ou
medicinal alterada, também não se exigindo a demonstração do perigo causado
para a coletividade. Nas formas “exposição à venda” e “depósito para vender” o
crime é permanente. Admite-se a tentativa em todas as formas dolosas.
9.7.5 Forma dolosa equiparada: As figuras típicas no § 1º do
art. 273 do Código Penal são consideradas como equiparadas àquelas previstas no
caput do artigo, em virtude de possuírem a mesma espécie e quantum
de pena. O presente dispositivo prevê as seguintes condutas: importar (trazer
para o interior de um país coisas provenientes do estrangeiro); vender
(alienar, ceder por preço certo); expor à venda (oferecer ou manter em
exposição para vender), ter em depósito para vender (guardar, estocar com a
finalidade de vender); distribuir (espalhar, repartir), entregar ao consumo
(oferecer ao mercado consumidor a título oneroso ou gratuito). O objeto
material neste parágrafo é o resultado das condutas realizadas no caput, isto
é, o produto terapêutico ou medicinal falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
As condutas típicas previstas neste § 1º expressam
claramente a necessidade de ocorrência das modalidades do caput, pois,
como dissemos acima, o produto terapêutico ou medicinal já sofreu a ação de
falsificação, corrupção, adulteração e alteração. Dessa forma, pode-se concluir
que somente realiza este parágrafo, o sujeito que não praticou anteriormente as
condutas descritas no caput. Se, portanto, o mesmo agente falsificou o
medicamento, e, posteriormente o vendeu, responderá apenas pela primeira
conduta, em face da aplicação do princípio da consunção (o ato de “vender” é post
factum impunível. O bem jurídico foi lesionado com a ação antecedente “falsificar”).
O § 1º-A do art. 273 é uma norma penal explicativa. Nesse
parágrafo o legislador equiparou a produto terapêutico ou medicinal:
a) a matéria-prima destinada à fabricação de medicamentos;
b) os insumos farmacêuticos que são os produtos combinados
de duas ou mais matérias-primas;
c) os cosméticos são produtos destinados à limpeza,
conservação e embelezamento da pele e dos cabelos (ex.: xampu, batom,
esmaltes);
d) os saneantes: produtos utilizados para a limpeza em
geral (ex.: alvejantes); e,
e) os produtos de uso em diagnóstico: têm a finalidade de
detectar ou diagnosticar a existência de uma doença (ex.: reagentes
laboratoriais, contrastes, etc.).
Obs.: Perceba que a prática do homicídio simples (art.
121, caput) ou do roubo simples (art. 157, caput e § 1º) não
configuram crimes hediondos, mas a falsificação de um xampu ou baton, sim.
Assim, a doutrina critica essa desproporção na reprovação. Todavia, Nucci
entende que a desproporção que existe está apenas na pena, e não na consideração
da hediondez. Nesse ponto, vale mencionar o fracionamento das condutas no
anteprojeto do novo CP (produto cosmético ou saneante).
O § 1º-B apresenta outras figuras equiparadas. Também são
puníveis de forma culposa. A única modalidade que não admite a forma culposa é
“falsificar” (caput), pois seria inadmissível a prática de tal ato de
maneira não intencional.
9.7.6 Pontos relevantes:
1) Esse crime é hediondo e não equiparado.
2) Tipifica, em tese, crime contra a saúde pública a
entrega a consumo de complexo vitamínico dolosamente alterado em sua composição
normal, da qual foram retirados os componentes ativos em sua maior parte, diante
da nocividade negativa do produto assim provocada.
3) Se o próprio réu admite a existência de impurezas
constatadas no laudo, nenhuma importância tem a não observância, na colheita do
produto para análise, das formalidades legais.
4) Medicamento falso ou importado ilegalmente – recebem o
mesmo tratamento.
5) O princípio da insignificância, como derivação
necessária do princípio da intervenção mínima do direito penal, busca afastar
desta seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem
jurídico protegido pela norma penal incriminadora. Trata-se, na espécie, de
crime em que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. Irrelevante considerar
o valor da venda do medicamento para desqualificar a conduta (STJ).
O delito se consuma com a prática reiterada das condutas mencionadas nos incisos I
AULA X – CONTINUAÇÃO CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
Obs.: Vale lembrar que o art. 285 deverá ser aplicado
quando o resultado gravoso for preterdoloso nos crimes desse título
(qualificadora).
10.1 Art. 274 Emprego de processo proibido ou de
substância não permitida
Pune-se a conduta de quem, sem permissão expressa da
legislação sanitária, empregar substância nociva à saúde no fabrico de produto
destinado a consumo. A consumação ocorre no momento do emprego da substância, na
medida em que possam afetar a saúde das pessoas, não se exigindo qualquer
resultado naturalístico (crime de mera conduta e de perigo abstrato). A
preocupação do Estado reside em regular os processos de fabricação para que o
consumidor não seja exposto à situação de risco, ou mesmo lesado (trata-se de
uma fraude no comércio que repercute na saúde de um número indeterminado de
vítimas).
10.1.2 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora
normalmente seja cometido por industrial ou trabalhador fabricante (aquele que
acompanha a linha produtiva ou alguma de suas etapas, desde que tenha poder de
comando). (2) passivo – coletividade.
Para saber o alcance do tipo deverá ser consultada a
legislação sanitária (norma penal em branco). Ex.: o art. 4º da Lei 6.360/76
proíbe a utilização de substâncias cáusticas e irritantes na fabricação de
produtos destinados ao uso infantil.
10.1.3 Produtos protegidos: alimentícios, cosméticos,
saneantes, brinquedos, vestuários, mamadeiras etc. (Luiz Régis Prado). Contudo,
para a corrente majoritária, no caso de brinquedos e mamadeiras, por não serem
produtos alimentícios, medicinais ou terapêuticos, não podem ser abrangidos por
esse crime, configurando hipótese protegida pelo art. 278, CP (Bitencourt).
10.1.4 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar a conduta).
Não há previsão para a modalidade culposa e não se exige qualquer finalidade
específica. Admite-se a forma tentada.
10.2 Art. 275. Invólucro ou recipiente com falsa indicação
Pune-se a conduta de inculcar (indicar falsamente) em
invólucro (bulas, rótulos etc.) ou recipiente (frascos, latas etc.) de produtos
alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a existência de substância que não se
encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a mencionada.
Para Luiz Regis Prado, o objeto material restringe-se ao
invólucro e ao recipiente. Não podem ser incluídos boletins, catálogos,
prospectos, propagandas, folhetos, anúncios etc. A falsa indicação neles
exteriorizada não tipifica o delito desse art., mas poderá, conforme o caso,
caracterizar o crime de fraude no comércio (art. 175, CP). Perceba que, em
regra, o fato constitui fraude ao consumidor. Todavia, devido ao mal presumidamente
gerado à saúde pública, o CP deverá preponderar.
10.2.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora seja
normalmente praticado por comerciantes, fabricantes e trabalhador da linha de produção,
desde que tenha poder de comando. (2) passivo – coletividade.
10.2.2 Consumação: no momento que se dá a falsa indicação,
prescindindo-se da disposição do produto ao consumidor (crime de mera conduta e
de perigo abstrato - não precisa nem mesmo sair da fábrica). Embora a lei não
exija comprovação da nocividade do produto, há julgados em sentido contrário (o
simples fato de alguém, utilizando-se de vasilhame de uísque estrangeiro,
colocar em seu interior uísque nacional, a fim de vendê-lo como produto
alienígena, não basta à tipificação do crime, desde que não possua substancia
nociva à saúde). Há julgados considerando indiretamente o uísque como substância
alimentícia. Se a indicação falsa versar sobre o peso líquido do produto
alimentício, a conduta será constitutiva do crime do art. 66, 8.078/90 – CDC.
Não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime culposo).
Questão: Esse crime é de forma vinculada? Sim, pois o legislador
especifica que a indicação falsa deve ser feita em invólucro ou recipiente e
deve referir-se à existência de substância que não se encontra no conteúdo do
produto ou que nele existe em quantidade menor. Assim, a falsa indicação em
folhetos, catálogos ou prospectos não tipifica o delito, podendo configurar o
crime do art. 175, CP (fraude no comércio).
Atenção! Se a redução ou mesmo a ausência do teor
vitamínico constante da bula em nada altera a indicação terapêutica específica
do produto fabricado, aplica-se o crime em comento e não o do art. 273, CP
(hediondo). Agora, no caso de venda de produto adulterado, em razão da
supressão de elementos que compunham sua fórmula, o crime será o do art. 273.
10.2.3 Conflito de normas: o art. 275 é especial na medida
em que o legislador penal especifica a natureza dos produtos cujos invólucros
ou recipientes contêm informação falsa, ou seja, os produtos alimentícios,
terapêuticos e medicinais, bem como a modalidade específica de indicação falsa
que interessa para efeito de proteção da saúde pública, embora os arts. 66 do
CDC e 7º da Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de
Consumo (Lei 8.137/90).
10.3 Art. 276. Produto ou substância nas condições
dos dois arts. Anteriores: Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer
forma, entregar a consumo (crime de mera conduta e conteúdo variado).
Em regra, esse crime é praticado por comerciante, mas o
artigo dispensa essa condição para o sujeito ativo (crime comum). Pune-se a
conduta de vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer
modo, entregar a consumo produtos que sejam produzidos em uma das
circunstâncias dos arts. 274 e 275. Perceba que a tentativa é de difícil
comprovação, pois a mera posse para venda já consumará o delito. A proteção se
faz necessária para evitar que tais produtos sejam consumidos pela
coletividade.
10.3.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa, embora
normalmente seja praticado por comerciante. (2) passivo – coletividade.
Atenção! Não se exige habitualidade (basta uma única
conduta), pois é dispensada a atividade comercial do agente.
10.3.2 Conflito com o crime contra a economia popular
(art. 7º): em
ambos os dispositivos o legislador incrimina a venda, exposição à venda,
depósito para a venda e entrega a consumo. A diferença está no objeto material,
pois no CP o objeto exige fabricação nas hipóteses dos arts. 274 e 275. No art.
7º, por sua vez, o objeto é mais amplo, recaindo sobre matéria-prima ou
mercadoria em condições impróprias para o consumo. Para saber quais são esses produtos
impróprios deve-se recorrer ao art. 18 do CDC (produtos vencidos, deteriorados,
alterados, corrompidos etc.). Todavia, a prioridade será do CP, em razão da
tutela específica “saúde pública”.
Outro conflito aparente está no caso do art. 2º da Lei de
Crimes Contra a Economia Popular (Lei 5.521/51). Ambos os tipos incriminam a
exposição à venda de produto alimentício cujo fabrico haja desatendido
determinações oficiais de forma específica. Todavia, o mencionado art. 2º
somente será aplicado quando o produto exposto à venda tiver sido fabricado
desatendendo regras de composição de outra natureza (produtos permitidos). Ex.:
fabricação de alimentos funcionais quando não se cumpre as regras estabelecidas
pela ANVISA.
10.3.3 Consumação: não há previsão de resultado material, de modo que o
crime se consuma com a mera realização de qualquer das condutas previstas. Na
modalidade “ter em depósito”, exige-se o fim especial de agir: “para vender”.
Admite-se a tentativa e não se pune a forma culposa (excepcionalidade do crime
culposo). Ex.: funcionário que vende o produto sem ter atuado com dolo (não
ofereceu nem indicou o produto que sabia ser fabricado nas condições
proibidas).
10.4 Art. 277. Substância destinada à falsificação: Vender, expor à venda, ter em
depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios,
terapêuticos ou medicinais (tipo alternativo).
Na lição de Fragoso, tal destinação pode decorrer da
própria natureza da coisa (exclusivamente empregada para este fim), ou da
especial aplicação que lhe vai ser dada pelo comprador ou por quem a recebe, a
qualquer título (substância que podem ser empregadas para outros fins lícitos).
Logo, não precisa ser o produto utilizado especificamente para a falsificação. Ex.:
(1) manter em depósito sulfito de sódio (substância usada para mascarar carne em
estado inicial de putrefação); (2) uso de farinha de trigo para falsificação de
medicamentos. A doutrina ensina que a expressão “falsificação” abrange a
alteração, corrupção e adulteração. Mirabete entende pela interpretação
restritiva.
Atenção! Quando o depósito for de produtos lícitos,
deve-se ter especial cuidado ao analisar a ação “expor à venda”, ficando quase
impossível enquadrar a hipótese em crime devido à adequação social da conduta.
10.4.1 Tipo subjetivo: dolo (vontade consciente de praticar uma das
condutas). Para Nucci, exige-se o tipo um especial fim, consubstanciado no
destino “falsificação” do produto. Consuma-se com a prática de uma das condutas
nucleares, independente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Para Rogério
Sanches, a perícia é necessária para constatar a potencial capacidade de dano
do produto falsificado, embora o crime seja de perigo abstrato. A lei pune
apenas as condutas relacionadas às substâncias, ficando, assim, excluídos
maquinários e outros aparatos utilizados para a falsificação. Perceba que a
qualificadora do art. 285 dificilmente será aplicada nesse tipo, pois o
resultado gravoso normalmente ocorrerá após o consumo do produto falsificado.
Assim, qualifica-se os crimes do art. 272 ou 273.
10.4.2 Sujeitos do crime: idem ao anterior.
10.5 Art. 278. Outras substâncias nocivas à saúde: Fabricar, vender, expor à venda,
ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou
substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim
medicinal. Trata-se de um complemento dos arts. 270 e 277 do CP, estendendo a
política de proteção do bem jurídico saúde pública não somente àquelas condutas
que afetam a produção, comercialização e distribuição de água, alimentos, e
medicamentos, mas, também, diante daqueles comportamentos que implicam a
produção, comercialização e distribuição de coisa ou substância em si mesma
nociva para a saúde. Ex.: perfumes, cosméticos, cigarros, chupetas, brinquedos
etc.
Substância nociva é aquela prejudicial, que causa dano à
saúde de quem a consome. Não se confunde com a imprópria para consumo, que é a
não recomendável, inadequada. Tal como aponta Mirabete, a nocividade deve ser
inerente à coisa ou substância, e não decorrente de seu uso indevido. Nesse
ponto, já se decidiu que canetas que contêm produto tóxico ao organismo humano
não configura o delito, pois a nocividade, para configurar o crime, deve ter
relação à destinação normal do produto.
Consuma-se com a prática de qualquer das condutas contidas
no tipo, independentemente da ocorrência de dano (perigo abstrato). Não
confunda com a previsão dos arts. 272 e 273, pois a nocividade do produto prevista
no art. 278 deve ser efetiva. O crime é de perigo abstrato (Para Rogério Greco,
perigo concreto). Há previsão para punir a modalidade culposa. A doutrina
ensina que se exige um especial fim de agir: “para vender”.
Atenção! O ECA, em seu art. 243, pune quem vende, fornece,
ministra ou entrega, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa
causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica,
ainda que por utilização indevida.
10.5.1 Conflito aparente de normas: aquele que comercializa
substância tóxica perigosa para a saúde em descordo com a normativa aplicável (em
desacordo com as exigências legais), sendo a fabricação em si da substância
permitida, comete o crime do art. 56 da Lei de Crimes Ambientais. Ex.: comércio
de agrotóxicos ou raticidas em açougue ou mercado de frutas frescas. Agora, se
o produto for de venda proibida, aplica-se o art. 278, CP. Ex.: (1) chumbinho
(raticida vendido clandestinamente, em razão de não possuir registro na ANVISA
ou órgão similar). (2) venda de estricnina (produto proibido) em farmácias.
Outro conflito aparente reside na venda de produtos com
omissão de sinais ostensivos ou dizeres que advirtam sobre a periculosidade do
produto (art. 63, CDC) ou haja omissão do dever de comunicar à autoridade
competente e aos consumidores sobre a nocividade ou periculosidade dos produtos
colocados no mercado (art. 64, CDC).
10.6 Art. 279. Substância avariada (Revogado pela Lei nº 8.137/90).
10.7 Art. 280. Medicamento em desacordo com receita médica (fornecer
substância medicinal em desacordo com receita médica).
Perceba que somente a receita médica vincula o fornecedor
do medicamento, razão pela qual não configura o crime, por exemplo, a receita fornecida
por dentista, o que traduz uma impropriedade por parte do legislador, que
deveria ter considerado qualquer receituário emanado de profissional habilitado
ao tratamento de pessoas (Rogério Sanches).
Para Bento de Faria, o fornecimento de substância
medicinal de melhor qualidade que a receitada configura o crime, cuja
objetividade é coibir a substituição arbitrária da substância. Para Rogério
Sanches, se não gerar riscos à saúde, não há falar em crime quando o
medicamento fornecido for de qualidade superior.
10.7.1 Sujeitos do crime: (1) ativo – qualquer pessoa (balconista,
prático etc.), embora normalmente seja praticado por farmacêutico. (2) passivo
– coletividade e a pessoa que teve o medicamento trocado.
Consuma-se com a entrega do medicamento em desacordo com a
receita médica, não se exigindo dolo específico. Admite-se a tentativa. Não
confunda a tentativa com o mero oferecimento de substância medicinal diferente
da que foi prescrita pelo médico, sendo este comportamento um mero ato preparatório
atípico. De igual forma, não configura tentativa a simples exposição a comércio
de medicamentos.
10.7.2 Pontos relevantes:
1) Medicamento manipulado: quando receitado pelo médico,
somente o exame pericial poderá determinar se houve ou não a prática do crime
pelo farmacêutico (Luiz Régis Prado).
2) Caso o farmacêutico entenda haver erro na medicação por
parte do médico, deverá localizar este para que corrija expressamente (art.
254, regulamento do Departamento Nacional de Saúde). Não encontrando o médico e
sendo urgente a entrega do medicamento, poderá o farmacêutico corrigir a
receita, agindo em estado de necessidade.
3) Não comete esse crime se o agente despacha medicamento
genérico registrado pela ANVISA em substituição ao prescrito (substituição
permitida pelo Ministério da Saúde).
4) Tratando-se de substância terapêutica ou medicinal
corrompida, adulterada, falsificada ou alterada, e o agente, não tendo certeza
dessa circunstância, não deixa, mesmo assim, de efetuar a venda, poderá
responder pela modalidade culposa.
10.8 Art. 281. Comércio, posse ou uso de entorpecente ou substância
que determine dependência física ou psíquica (Revogado pela Lei nº 6.368/76
– hoje, Lei 11.343/06). Migrará novamente para o CP.
10.9 Art. 282. Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou
farmacêutica: exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico,
dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites.
10.9.1 Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido
neste delito é a incolumidade pública, especificamente saúde pública. O
resultado normativo é a efetiva afetação ao bem jurídico protegido (saúde
pública), resultado de uma conduta dolosa que cria um incremento de risco para
este bem. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer resultado naturalístico.
10.9.2 Sujeitos do delito: (1) ativo -
o caput se divide em duas partes diferentes. Na primeira,
qualquer pessoa que exerce qualquer uma das profissões previstas “sem
autorização legal” (crime comum). Na segunda, sujeito que ultrapassa os limites
legais da profissão. Nesse caso, somente o profissional da medicina, farmácia e
odontologia (crime próprio); (2) passivo - o sujeito passivo é
a coletividade ou a sociedade e a pessoa que eventualmente seja “tratada” pelo
agente. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto e de forma vinculada.
Na primeira, o agente exerce (praticar, fazer algo com
habitualidade), a título oneroso ou gratuito, a profissão de médico, dentista
ou farmacêutico, sem a devida autorização legal. Não se exige finalidade
lucrativa. O tipo normativo contido nas expressões “sem autorização legal” e
“excedendo-lhe os limites” indica uma norma penal em branco.
O indivíduo bacharel em medicina somente poderá atuar
profissionalmente, quando obtiver o registro no Conselho Regional de Medicina
do Estado da Federação que exercerá a profissão.
O objeto material é a profissão de médico, dentista ou
farmacêutico. Apesar do verbo núcleo ser “exercer”, Rogério Greco entende que o
delito pode ser realizado de forma comissiva e omissiva imprópria. Cezar
Roberto Bitencourt afirma que não há tipicidade na conduta das “parteiras”, por
ser atividade distinta da profissão de médico-obstetra. Logo, não existe o
exercício ilegal da profissão de parteira. Contudo, Rogério Sanches adverte que
se a parteira realizar atos de ginecologista, por exemplo, cometerá o crime.
O exercício de qualquer outra profissão que exija habilitação
profissional, como, por exemplo, a de advogado, enfermeiro, protético,
farmacêutico etc., incidirá na contravenção penal do art. 47 da Lei de
Contravenções Penais (Decreto-Lei n.º 3.688/41).
10.9.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e
direto. Nucci defende posicionamento diverso ao dizer que por ser um crime
habitual, o tipo penal também contém um elemento subjetivo especial, que é a
vontade de desempenhar usualmente qualquer das profissões previstas. Se a
finalidade é de obtenção de vantagem econômica ou financeira, aplica-se a
qualificadora – pena de multa (Nesse caso, o crime é formal, pois o legislador
previu o resultado naturalístico que não precisa acontecer para consumar o
delito). Inexiste a modalidade culposa.
10.9.4 Consumação e tentativa: verificação da conduta habitual
e reiterada dos atos privativos da profissão de médico, dentista ou
farmacêutico. Não se admite a tentativa. Entende-se que o agente deve realizar
reiteradamente os atos profissionais, não sendo possível o seu fracionamento.
Também não se pune a forma culposa, por falta de previsão legal.
10.9.5 Pontos relevantes:
1) O artigo 282 difere do art. 284 (crime de
curandeirismo), pois neste delito o agente realiza atos capazes de enganar a
coletividade, isto é, pratica procedimentos que seriam efetivamente utilizados
pelos profissionais da medicina, odontologia e farmácia. Já no curandeirismo,
as condutas do sujeito ativo são grosseiras e destoam completamente de condutas
normais daqueles profissionais da saúde (ex.: rezas, benzimentos etc.).
2) Também não se confunde com tipo o previsto no art. 283
(charlatanismo), pois neste o agente faz uso de métodos comuns e usuais da
profissão. Já no art. 283, o agente apregoa ou anuncia a realização de curas
por meios secretos (desconhecido por outros profissionais da área) ou
infalíveis (que garantem a cura do problema de saúde existente).
3) Caso o médico, dentista ou farmacêutico estejam
suspensos de suas atividades, devido a uma decisão judicial, mas, continuem
exercendo a profissão, respondem pelo delito do art. 359 do CP (desobediência a
decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito).
4) Este crime não abrange o veterinário, que só cuida de
animais (Bento de Faria defende abranger esse profissional).
5) Quem se faz passar por ‘Doutor’, sem ter concluído
qualquer curso universitário, mantendo consultório, expedindo receitas e
divulgando avisos pelo rádio sobre os dias em que clinicará no interior do
município”.
6) Exercício ilegal da medicina com fins lucrativos e
falsidade ideológica (princípio da consunção).
7) Há julgados punindo médico inscrito em uma região que
atua em outra sem o devido registro na repartição sanitária local. Entretanto,
Rogério Sanches defende tratar-se de infração administrativa e não penal.
8) Permiti-se a exclusão da ilicitude (estado de
necessidade) quando esses profissionais atuam em ocasião de calamidade pública
ou em locais distantes (de difícil acesso). Todavia, isso não é pacífico, em
razão da incompatibilidade lógica com a habitualidade.
9) Não há falar em absorção quando o profissional exerce
ilegalmente a medicina e prescreve drogas, pois são crimes autônomos, salvo
quando houver vinculação entre ambos (STF).
10.10 Art. 283. Charlatanismo: Inculcar ou anunciar cura
por meio secreto ou infalível
10.10.1 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer
pessoa (crime comum), independentemente de ser profissional da saúde ou não
(ex.: médico). O agente deste delito é chamado de “charlatão”, uma espécie de
estelionatário que engana a credulidade da sociedade, se atribuindo a
capacidade de realizar curas por meios que sabe serem falsos. (2) passivo
- coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente prejudicada pela
conduta do agente.
O delito pode ser praticado pelas condutas típicas
inculcar (aconselhar, apregoar, recomendar) ou anunciar (divulgar, noticiar) a
cura (restabelecimento de doenças ou problemas de saúde) por meio (método)
secreto (oculto, desconhecido de outros profissionais) ou infalível (eficaz,
indefectível). Não é crime habitual, sendo necessária apenas uma única conduta
praticada pelo agente. O crime é comissivo, mas admite a omissão imprópria. A
divulgação pode ser feita por correspondência, rádio, televisão, contato direto
etc.
Questão: O que são médicos estacionários? De acordo com Eugênio
Cordeiro, são aqueles que não acompanham a evolução da medicina. Há também os
superficiais, que examinam rápida e sumariamente o doente, e os sistemáticos,
que veem sempre um mesmo estado mórbido, ao qual se ajeitam os mesmos remédios
previamente formulados. Esses profissionais não cometem o crime de
charlatanismo.
10.10.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e
direto. Caso o agente acredite no meio de cura que apregoa ou anuncia estará
afastado o dolo, tornando atípica a conduta. Inexiste a modalidade culposa.
O delito se consuma no momento em que o agente realiza a
inculcação (promete) ou anuncia a cura pelo meio secreto ou infalível
(conhecendo a falsidade do meio). Não se exige finalidade especial por parte do
agente. Por ser crime de perigo abstrato, não é exigido que qualquer pessoa
recorra ao meio oferecido. Para Rogério Greco, o crime é de perigo concreto.
A tentativa é admissível, desde que a inculcação ou o
anúncio seja realizado na forma escrita (plurissubsistente).
10.10.3 Pontos relevantes:
1) Bitencourt alerta que é permitido o anúncio de meio de
cura por médicos (Decreto-lei n.g 4.113/42) e por odontólogos (Lei n.g
5.081/76), desde que o método seja conhecido e de comprovada eficiência. A mera
promessa de cura sem a característica do segredo e da infalibilidade não
configura o delito.
2) É preciso apurar sempre um forte resíduo de má-fé, para
identificar-se o crime de charlatanismo (inequívoco dolo).
3) Não constitui charlatanismo divulgação de descoberta de
tratamento com a afirmação de ter sido sua eficiência comprovada, sem
inculcar-se infalibilidade de cura.
4) O charlatanismo e o curandeirismo integram o rol dos
crimes contra a saúde pública, ou seja, praticado contra número indeterminado
de pessoas. Crimes de perigo concreto (probabilidade de dano).
5) O Direito Penal da culpa é incompatível com o perigo
abstrato. O homem responde pelo que fez ou deixou de fazer. Dessa forma, a
denúncia precisa indicar o resultado (sentido normativo). Caso contrário, será
inepta.
10.11 Art. 284 Curandeirismo: Exercer o curandeirismo
10.11.1 Bem jurídico protegido: incolumidade pública,
especificamente saúde pública. É irrelevante para a sua ocorrência qualquer
resultado naturalístico.
10.11.2 Sujeitos do crime: (1) ativo - qualquer
pessoa, tratando-se de crime comum. Há quem entenda que o médico não possa ser
sujeito ativo, pois possui conhecimento técnico. Contudo, como lembra Mirabete,
nada impede que um médico abandone os métodos profissionais para aplicar gestos
ou qualquer outro meio não vinculado à sua formação técnica. (2) passivo
- coletividade ou sociedade, outrossim, a pessoa eventualmente tratada pela
conduta do agente.
10.11.3 Tipo subjetivo: dolo de perigo coletivo e abstrato, genérico e
direto. Inexiste punição a título de culpa.
O delito se consuma com a prática reiterada das condutas mencionadas nos incisos I
a III do caput. Trata-se, portanto, de crime
habitual. A tentativa é inadmissível.
Rogério Greco defende ser possível a tentativa em crime
habitual, dependendo da forma concreta em que a ação foi realizada.
Exercer significa realizar uma determinada atividade com
habitualidade. Curandeirismo é a atividade exercida de forma reiterada e
habitual, na qual o agente por meios não científicos e grosseiros procura
realizar a cura de doenças. A prática de um só ato não configura o delito.
Trata-se de crime de forma vinculada, pois o legislador
descreve três ações em que o sujeito ativo deverá incidir para responder pelo
delito. A primeira conduta prevista é aquela em que o agente (1)
prescreve (receitar, recomendar, indicar como remédio), (2) ministra
(fornecer para ingestão) ou (3) aplica (usar, empregar), habitualmente
(de forma reiterada), qualquer substância (matéria de origem natural ou
artificial cujo objeto deveria ser o de curar ou prevenir enfermidade) para o
sujeito passivo. É completamente irrelevante para configuração do delito se a
substância é nociva para a saúde. Ex.: obrigar pessoas a ingerirem sangue de
animais e bebidas alcoolicas, como forma de alcançar a cura.
O inciso II fala da conduta do agente que “usando gestos,
palavras ou qualquer outro meio” exerce o curandeirismo. Damásio define da
seguinte forma as ações que devem ser feitas pelo sujeito ativo, para a
tipificação de sua conduta: Gestos são movimentos corpóreos, incluindo-se,
aqui, os passes. Palavras são manifestações verbais, invocando-se, em geral, o
sobrenatural, para obter-se a pretendida cura. Por qualquer outro meio deve-se entender
todo método de cura análogo aos casuisticamente citados.
Nucci entende ser atípica as condutas descritas neste tipo
penal se estas fizerem parte de um ritual religioso. “Inviolabilidade de
consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos
(art. 5V, VI)”. Assim, não se pode considerar curandeirismo a conduta daqueles
que, crendo na ação de espíritos, fazem gestos com as mãos, nomeados passes,
para a cura de males físicos ou psíquicos de alguém, que, por sua vez, acredita
no mesmo. Assim, ambas as partes envolvidas estão vinculadas a uma religião, no
caso o espiritismo, bem como a um culto (práticas consagradas para a
exteriorização de uma religião ou crença). No mesmo patamar estão outras
religiões que empregam gestos, palavras ou outros meios para curar os males dos
seus adeptos, invocando o nome de espíritos ou de ícones da sua crença, como
Jesus Cristo, a fim de exercitarem e colocarem em prática a sua liturgia”.
Rogério Greco e Bento de Faria afirmam que não devem ser
considerados curandeiros:
ð os ministros da Igreja quando
praticam atos de exorcismo, porque são admitidos pelos seus cânones;
ð quem pratica ato de qualquer
religião ou doutrina, inclusive o espiritismo, desde que não ofenda a moral, os
bons costumes ou faça perigar a saúde pública, ou apenas busque demonstrações
em proveito da ciência.
Por fim, o inciso III do caput do art. 284 descreve a ação
de fazer diagnóstico. Podemos definir e elementar típica diagnóstico, como a
identificação ou a constatação de determinado problema de saúde pelos seus
sintomas exteriorizados (ato exclusivo de médico). Perceba que a principal
consequência do curandeirismo é o retardamento de busca pelo tratamento
adequado (isso justifica o caráter abstrato do crime).
Apesar de apenas no inciso I, o legislador utilizar a
expressão “habitualmente”, as condutas dos incisos II e III também necessitam
ser praticadas de forma habitual ou reiterada para a configuração do delito.
As condutas do tipo indicam um comportamento comissivo,
porém, Rogério Greco entende que o delito pode ser realizado de forma omissiva
imprópria.
O delito se tornará qualificado com a aplicação da pena de
multa, se o sujeito ativo exercer as condutas descritas no caput mediante
remuneração. Ao contrário do que ocorre com o delito do art. 282 (Exercício
Ilegal de Medicina, Arte Dentária ou Farmacêutica), o delito exige que o agente
obtenha a remuneração. Neste caso, portanto, o crime é material, pois o
legislador exige o recebimento da remuneração para se tornar qualificado, sendo
insuficiente a mera promessa do lucro.
Damásio de Jesus defende a ideia de que a recompensa recebida
não precisa ser necessariamente pecuniária.
10.11.4 Pontos relevantes:
1) O agente que mediante falsa promessa de cura obtém
remuneração sem realizar qualquer dos atos previstos no caput do
art. 284, pratica o delito de estelionato.
2) Em sendo o curandeirismo crime de perigo abstrato
contra a saúde pública, não se exige à sua tipificação faça a pessoa da prática
da profissão, bastando à prova de habitualidade a mera repetição de atos, tais
como receitas, aplicações, rezas ou quejandos, num mesmo dia, para mais de um
cliente.
3) O curandeirismo não é crime de dano, mas de perigo. O
dolo é representado pela vontade livre e consciente de realizar os atos
inseridos no art. 284 do CP, pouco importando para a conceituação da sanção
penal a ausência de lucro ou proveito, pois não são elementos necessários para
a configuração.
4) O curandeirismo é crime contra a saúde pública, dito de
perigo, porque se consuma pelo simples risco a esse bem jurídico comum, visado
pelo legislador, sem necessidade de dano concreto.
5) Prática grosseira de cura por quem não possui nenhum
conhecimento de medicina. Não se confunde com religião porque quem, sob o color
de ato litúrgico se propõe a tratar misticamente da saúde alheia usando gestos,
palavras ou outros meios, comete o delito do art. 284 que não se confunde com
atos de fé de preceito meramente religioso.
6) Embora o curandeirismo seja prática delituosa típica de
pessoa rude, sem qualquer conhecimento técnico-profissional da medicina e que
se dedica a prescrever substâncias ou procedimentos com o fim de curar doenças,
não se pode descartar a possibilidade de existência de concurso entre tal crime
e o exercício ilegal de arte farmacêutica, se o agente também não tem
habilitação profissional específica para exercer tal atividade.
7) cura de doenças psíquicas por paranormais: de acordo
com Mirabete, se a parapsciologia abre infindáveis campos de estudo, muito há
para saber, fora do direito, para que se possa permitir a ação dos paranormais.
Enquanto isso não se fizer a repressão penal deve estabelecer-se nos termos do
artigo 284, CP.
8) admite-se o concurso formal do curandeirismo com o
crime de estupro, estelionato ou exercício ilegal da medicina (HC 36.244, STJ).
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